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GOT, Revista de Geografia e Ordenamento do Território
versão On-line ISSN 2182-1267
GOT no.10 Porto dez. 2016
https://doi.org/10.17127/got/2016.10.007
ARTIGO
(In)Eficiência do processo de planeamento territorial: a revisão dos Planos Diretores Municipais da Área Metropolitana de Lisboa
(In)Efficiency of the territorial planning process: the revision of the Municipal Master Plans of Lisbon Metropolitan Area
Grave, Luís1; Margarida, Pereira1
1Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais (CICS.NOVA), Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa; Avenida de Berna, 26-C, 1069-061 Lisboa, Portugal; luis.fs.grave@gmail.com; ma.pereira@fcsh.unl.pt
RESUMO
O artigo tem como objetivos: i) discutir a eficiência do processo de revisão dos Planos Diretores Municipais (PDM), analisando o desempenho da ação procedimental de planeamento; ii) identificar os fatores críticos da sua eficiência; iii) ponderar em que medida esses fatores críticos encontram resposta no quadro legislativo alterado em 2014/2015. O caso de estudo recai sobre os PDM da Área Metropolitana de Lisboa, com três enfoques: quantificação temporal dos procedimentos inerentes, mediante dados da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo; conhecimento acumulado dos atores técnicos relevantes no processo, recolhido através de entrevistas semiestruturadas; confronto dos fatores críticos identificados com a resposta legal vigente. Conclui-se com alertas sobre as maiores vulnerabilidades identificadas no processo e com propostas que visam contribuir para a melhoria da regulação do processo de planeamento.
Palavras-Chave: Plano-Processo, processo de decisão, eficiência procedimental, revisão, Plano Diretor Municipal.
ABSTRACT
The objectives of this paper are: i) to discuss the efficiency of the review process of Municipal Master Plans, analyzing the performance of the planning procedure; to identify critical factors in its efficiency; to ponder over the extent to which the changed legal framework, in 2014/2015, responds to those critical factors. The Municipal Master Plans of Lisbon Metropolitan Area are taken as case study, explored from three different approaches: temporal quantification of planning procedures through data provided by the Regional Coordination and Development Commission of Lisbon and Tagus Valley; analysis of accumulated knowledge from relevant technical stakeholders, collected through semi-structured interviews; confrontation between the critical factors identified and the current legal response. The paper concludes with warnings concerning the major vulnerabilities identified in the process and proposals towards a better planning process regulation.
Keywords: Plan-process, decision-making process, procedural efficiency, review, Municipal Master Plan.
1. Problemática
O Plano Diretor Municipal (PDM) é um instrumento de gestão territorial preponderante no ordenamento do território português. Instituído em 1982, só o quadro legal de 1990 proporcionou as condições para a elaboração generalizada dos designados “PDM de 1ª geração”, simplificando o seu conteúdo. Em simultâneo, a Administração promoveu mecanismos para acelerar o processo: por um lado, impondo penalizações aos municípios (como impedimento a apoios financeiros nacionais e comunitários, restrição de expropriações, dependência decisória em operações urbanísticas relevantes, etc.) que não dispusessem de plano eficaz a partir de uma data determinada; por outro, acionando a intervenção supletiva da Administração Central, através de uma comissão permanente de apreciação dos PDM, quando o processo encontrava resistência (Decreto-Lei nº 281/93, de 17 de agosto)[1]. Apesar dos esforços, em numerosos casos a sua conclusão arrastou-se por largos anos porque elaborados “por determinação administrativa e num contexto de cultura burocrática de planeamento” (Campos e Ferrão, 2015:18). Razões de natureza diferenciada concorreram para tal, nomeadamente: i) escassez (e desatualização) de informação e ausência de cartografia adequada; ii) incertezas na operacionalização dos regimes territoriais especiais da Reserva Agrícola Nacional (RAN) e da Reserva Ecológica Nacional (REN); iii) inexperiência das equipas técnicas; iv) fraca capacidade de decisão dos municípios; iv) ambição perfecionista, mas setorialmente autista, da tutela do ordenamento do território (Pereira, 2003).
Apesar da experiência acumulada e do aperfeiçoamento conceptual e legislativo trazido pela Lei de Bases de Ordenamento do Território e Urbanismo (Lei nº 48/98, de 11 de agosto) e respetivo Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT) (Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de setembro), no ciclo dos “PDM de 2ª geração” agravaram-se as dificuldades de concretização dos processos de revisão, em particular fruto da instabilidade no quadro legal, burocratização, da adoção de cartografia vetorial atualizada, da sobrecarga de conteúdos e da proliferação de políticas setoriais, por vezes incompatíveis entre si, da integração de orientações de instrumentos de planeamento de nível superior (Magalhães e Ramalho, 2013; Carvalho, 2014).
A ausência de estímulos à revisão dos PDM e o desaparecimento da referida comissão permanente de apreciação dos PDM provocaram dois tipos de situações: i) manutenção do plano muito para lá do seu horizonte temporal (fixado em 10 anos); nas situações de não acolhimento de pretensões de ocupação do território por parte do plano, os executivos municipais optaram por alterações avulsas recorrendo às figuras de plano de urbanização, plano de pormenor e de contrato-programa, conseguindo desse modo ir respondendo às pressões de alteração do uso do solo; ii) os PDM que entram em revisão enfrentam um processo longo, com obstáculos diversos e data de conclusão incerta (Pereira, 2016). Quando são aprovados, muitos já não se ajustam à realidade (Magalhães e Ramalho, 2013). Daqui resulta a descredibilização do processo, a desmobilização dos atores intervenientes e a conversão do PDM num obstáculo (e não um estímulo) ao desenvolvimento e ordenamento. Assim, a eficácia e eficiência do planeamento são cada vez mais postas em causa, pela não adequação dos planos à realidade (Carvalho, 2014).
A apreciação empírica do processo de revisão evidencia três períodos críticos: i) o adiamento do processo de decisão para o seu lançamento, que pressupõe uma ação voluntária do executivo municipal; ii) a hesitante elaboração dos estudos técnicos que conduzem à formalização da proposta de plano, por interferências externas não controláveis; iii) a difícil concertação da solução com as políticas setoriais nacionais. Estas ocorrem em sede de Comissão de Acompanhamento (CA) e, apesar da alteração legislativa introduzida em 2007 (Portaria nº 1474/2007, de 16 de novembro), a agilização de procedimentos é pouco notada, e a entidade coordenadora persiste pouco eficaz na cadeia de mediação/concertação/decisão.
Perante a situação de ineficiência genericamente reconhecida, o quadro legal que entra em vigor em 2014/2015 introduz alterações nos procedimentos do processo de revisão dos PDM, no sentido da sua agilização.
Face ao quadro descrito, as questões de partida são, então, duas: i) se um único sistema formal, na ação de planeamento aqui em foco, se aplica igualmente a todos os agentes e atores, como explicar a diferenciação do seu desempenho e a incongruência de resultados com o sistema estabelecido, na revisão dos PDM? ii) em que medida o novo Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), em vigor desde 2015, veio (ou não) colmatar os fatores de bloqueio identificados?
Tendo em conta o exposto, o artigo tem como objetivos: i) discutir a eficiência do processo de revisão dos PDM, através da análise de desempenho da ação procedimental de planeamento; ii) identificar os fatores críticos que têm afetado e condicionado a sua eficiência; iii) ponderar em que medida esses fatores críticos encontram resposta no quadro legislativo vigente desde 2014/2015.
A abordagem empírica está focada no processo de revisão dos PDM dos 18 municípios da Área Metropolitana de Lisboa (AML), com três frentes de análise: i) uma, centrada na variável tempo, incidindo nos desenvolvimentos procedimentais ocorridos, mediante os dados disponibilizados por um embrionário (mas meritório) sistema de monitorização iniciado pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDRLVT); ii) outra, apoiada no conhecimento acumulado pela experiência dos atores relevantes nos processos de revisão dos PDM, através de entrevistas a técnicos responsáveis diretamente envolvidos, quer dos municípios quer da CCDRLVT, enquanto entidade que representa a tutela e preside às Comissões de Acompanhamento (CA) à elaboração/revisão dos PDM na AML; uma outra, no confronto dos fatores críticos identificados com a resposta no quadro legal vigente. Conclui-se com alertas sobre as maiores vulnerabilidades identificadas no processo e que visam contribuir para a melhoria da regulação do processo de planeamento.
2. Eficiência do processo de planeamento: ambição e constrangimentos
A teoria do planeamento tende a colocar particular atenção nos “resultados”, isto é, no que é alcançado com a implementação das ações do plano e dos impactes subsequentes. Todavia, estes são indissociáveis do “processo” e da sua “qualidade”. Christensen (2015: 188) refere que Webster define processo como “uma série de ações ou operações conduzindo a um fim”. Mas o entendimento do processo varia em função do paradigma de planeamento. A título ilustrativo, referem-se aqui os dois que é possível identificar no sistema de gestão territorial português. A visão racionalista, dominante, adota uma abordagem analítica, isto é, a fragmentação do processo em diversas etapas que, articuladas, concorrem para o todo. O seu bom desempenho está associado à informação ajustada em cada caso e à construção da “melhor” resposta, no tempo mais reduzido, ao problema em causa (Hall, 1992; Roberts, 1997). Já para a visão comunicativa, associada à abordagem colaborativa, aqui tida como influente no processo de concertação entre políticas setoriais, os consensos substituem a racionalidade, sendo os técnicos vistos como mediadores e facilitadores na sua construção e na minimização das desigualdades de poder e de conhecimento (Fainstein, 2000; Innes, 2004; Innes e Brother, 2010). Todavia, para assegurar a “qualidade” do processo são exigidos vários requisitos, nomeadamente: inclusão de todas as partes interessadas, reconhecimento pelas partes de benefícios a curto prazo, partilha de informação e promoção de um diálogo inclusivo, aceitação coletiva que o consenso só é alcançado quando feitos todos os esforços para satisfazer os interesses em presença (Innes, 2004).
O planeamento é um instrumento de visão estratégica e apoio à tomada de decisões, que tende a envolver problemas (cada vez mais) complexos, a admitir escolha de alternativas e um período de tempo longo para a implementação das ações e a obtenção de resultados. Nas últimas quatro décadas a globalização e as tecnologias de informação e comunicação induziram a aceleração e a incerteza sobre essas transformações territoriais (desconhecimento sobre o sentido das mudanças, sobre o seu ritmo, amplitude e momento da ocorrência). Esta circunstância dá uma dimensão nova à variável “tempo“ e impõe ao processo de planeamento uma capacidade de resposta consentânea para se manter interveniente ativo no quadro de mudança. Daí a urgência da avaliação objetiva da eficiência da gestão territorial e dos processos de Ordenamento do Território enquanto política pública (Ferrão, 2011).
O sistema de gestão territorial visa o ordenamento do território, em função das políticas territoriais estabelecidas. Para isso há que assegurar a eficácia de resultados da gestão territorial e promover a eficiência do seu desempenho.
O planeamento, seguidamente ao regime legal e de políticas públicas, é a ação primeira de todo o sistema da gestão territorial. O desempenho do sistema de gestão é, então, condicionado pela eficiência da ação de planeamento ou seja, a elaboração dos instrumentos de gestão territorial. Esta abordagem refere-se à revisão dos planos diretores municipais que determinam, ao nível municipal, quer o modelo territorial quer o modelo de gestão.
O processo (ação) de planeamento integra os seguintes componentes: o regime legal e as políticas de regulação setoriais; os procedimentos de elaboração técnica e de acompanhamento e decisão colegial; os atores dos procedimentos.
Mas há indícios de desequilíbrio no desejado ordenamento do território. Porquê? Será i) por falta de eficiência (deficiente desempenho na ação de planeamento) ou ii) por erro na definição (desajustamento ou desacerto) do regime legal e das políticas setoriais ou, ainda, iii) por implementação de opções ou práticas de gestão condicionadas por interesses (vantagens materiais ou perspetivas teóricas) contraditórios?
Existe então um binómio potencialmente conflituante entre o regime formal de gestão territorial e as práticas/opções dos atores na ação conjunta de planeamento, estas últimas condicionadas, não só pela capacitação e orientação decisória dos ditos atores mas, em elevado grau, pelos fatores de eficiência ou ineficiência do próprio sistema.
As opções de política são induzidas por motivações (estratégias) que tendem para o interesse/perspetiva individual na medida da ausência/escassez de ação/instrumento regulador e para interesse coletivo com maior presença/expressão de ação/instrumento regulador.
A falta de eficácia é induzida por um desempenho diferenciado dos atores e, portanto, incongruente com o regime formal estabelecido. Aquele desempenho é diferenciado porque é condicionado por múltiplos interesses e perspetivas. Ora, para que sejam alcançados os desígnios da gestão territorial, o respetivo sistema deve conter, em si mesmo, os mecanismos que superem estas contingências. O que não acontece.
3. Revisão dos PDM na AML: avaliação temporal comparada dos processos
Desde 2012 a CCDRLVT disponibiliza periodicamente informação sobre a monitorização da evolução dos processos de Revisão dos PDM da sua área de jurisdição. A Figura 1 representa o 3º ponto de situação de 2015, em 30 de julho.
Nas suas atribuições de gestão dos processos de elaboração e revisão dos PDM, a CCDRLVT orienta essa gestão procedimental através do Manual de Gestão – Procedimentos e Circuitos. A versão de 2012 define essa tramitação organizada em seis fases (Quadro 1):
O processo termina com a publicação do Plano (Planta de Ordenamento, Planta de Condicionantes e Regulamento) no Diário da República. Os casos em análise correspondem a processos de revisão de PDM em vigor e todos se enquadram no RJIGT estabelecido pelo Decreto-Lei nº 316/2007, de 19 de setembro, à exceção de dois, ainda regidos pelo Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de setembro. Por força da alteração legislativa (nova Lei de Bases e correspondente RJIGT) em 2014/2015, os processos em curso deviam estar em fase de discussão pública em 14 de julho de 2015, sob pena de os mesmos terem de retornar ao seu início para adequação procedimental à nova normativa (artº 197º e 206º do Decreto-Lei nº 80/2015, de 14 de maio).
3.1. Modelo de dados
A interpretação da informação disponibilizada coloca constrangimentos, designadamente: (i) desconhecimento sobre a dinâmica dos processos anteriores ao início da ação de monitorização (ausência de dados); (ii) incoerência na modelação e descrição dos dados dos dezoito casos, comprometendo a sua análise individual e comparada; (iii) impossibilidade na determinação do início e do fim de cada fase/etapa do processo, sendo a fase 2 aquela que revela mais clareza e objetividade. Assim, foram autonomizadas etapas onde se pudesse precisar datas de início e de fim, já que a principal variável e indicadores de auxílio a esta abordagem é o tempo decorrido no processo, avaliado na totalidade e em cada etapa do mesmo. As etapas adotadas são: Etapa 1-2B: Do início do processo à entrega dos Estudos Prévios à CA; Etapa 2B-2E: Elaboração da Proposta até à Emissão do Parecer Final da CA[2]; Etapa 2E-3: Do Parecer Final da CA ao Parecer da CCDR para Discussão Pública;Etapa 3-4: Do Parecer da CCDR para Discussão Pública até ao fecho da mesma;Etapa 4-5: Do Final da Discussão Pública à certificação da Proposta Final; Etapa 5-6: Da certificação da Proposta Final até à Aprovação pela Assembleia Municipal; Etapa 6-P: Da aprovação pela Assembleia Municipal até à Publicação Oficial. Esta análise contempla a avaliação de todo o processo (de 1 a P) (Fig. 2). Por outro lado, estando em análise procedimentos de revisão de planos em vigor, foi correlacionado o início do processo com o tempo de vigência face ao referencial estabelecido no sistema de planeamento e, assim, criada a Etapa 0 a 1: Iniciativa de revisão, ou seja, da data-horizonte de vigência do plano à deliberação de início à revisão do plano.
3.2. Situação de cada município quanto à revisão do PDM, em julho de 2015
Fixadas as etapas a cumprir no processo de revisão, tratou-se a informação disponibilizada. Confrontados os dados com a grelha de etapas definidas, traduz-se o quadro da situação de cada caso (município)[3] em julho de 2015 (fig. 2).
A figura 2 evidencia que: um caso (E) não iniciou o processo e outro (J) não concluiu a etapa subsequente à deliberação de revisão; 7 casos (F, G, I, K, N, Q e R = 39%) cumpriram uma etapa; os restantes 9 (A, B, C, D, H, M, O e P = 50%) concluíram o processo, sendo que um (M) tinha cumprido 2 etapas em janeiro de 2015, ou seja, 6 meses antes da data do ponto de situação em análise, e os outros 4 (A, C, D e H) tinham cumprido 4 etapas, o que é significativo atendendo à obrigatoriedade dos processos estarem a ser concluídos (proposta em discussão pública) nesta data, caso contrário retornariam ao início sob novo regime regulamentar. Como evidência principal, destaca-se: i) o facto de apenas 50% dos processos de revisão terem sido concluídos; ii) nenhum dos restantes ultrapassou a primeira fase (estudos prévios).
3.3. Dinâmica temporal dos processos de revisão dos PDM
Importa agora comparar, fase por fase, o processo de revisão do PDM dos 18 municípios da AML. O tempo (T) entre as datas de início e de fim de cada etapa é o indicador de referência, tendo sido adotado o mês (30/31 dias) como unidade de medida.
Para permitir a medição temporal de cada fase, foi necessário fixar as respetivas datas de início e de fim, porque o faseamento proposto no Manual de Gestão da CCDRLVT nem sempre as inclui. Esta medição tem como propósitos metodológicos diretos: i) calcular o tempo de decurso de cada etapa dos processos de revisão dos PDM; ii) identificar os casos mais representativos portadores do indicador tempo (T) por excesso ou por defeito, bem como os que se aproximem do limiar crítico “C”, aqui entendido como sendo o prazo suficiente e desejável; iii) indicar a grandeza relativa da (in)operância do processo de planeamento; iv) indicar a grandeza relativa da (in)disponibilidade de informação/dados de monitorização da dinâmica processual de planeamento.
Nas situações que revelam singularidades relevantes para explicar e ajuizar desvios temporais anómalos, a apreciação de resultados foi complementada com a explicação apurada através das entrevistas aos atores envolvidos (ponto 4).
Etapa 0 a 1: Iniciativa de revisão ou início de processo - é determinada pela data da deliberação da câmara municipal que aprova ser revisto o PDM em vigor. Mediu-se o tempo entre a data em que deveria ter sido iniciado o processo de revisão e aquela em que ocorreu a deliberação para tal. Para determinar a data teórica de início de revisão, convencionou-se cinco anos (60 meses) de antecedência ao horizonte de vigência legalmente previsto, i.e., a data em que se completam 10 anos da primeira publicação oficial (no Diário da República), correspondendo essa data ao limiar crítico adotado.
Nesta etapa sobressai como mais relevante: 4 casos sem informação disponível; 4 casos rondam os 150 meses para deliberação de revisão (30 meses após o próprio horizonte de vigência do plano); num caso não ocorreu a deliberação de revisão, não tendo, portanto, iniciado o processo.
Etapa 1-2B: Do início do processo à entrega dos Estudos Prévios à Comissão de Acompanhamento - decorre desde a Deliberação de Revisão (1) à data da entrega dos Estudos Prévios de Caraterização Territorial à CA da Revisão (2B). O limiar crítico “C” fixou-se em três anos (34 meses), mais um que a periodicidade do Relatório sobre o Estado do Ordenamento do Território (REOT) estabelecida no RJIGT (1999/2007), atendendo ao subsequente incremento das exigências de estudos setoriais.
Em 7 casos não foi disponibilizada informação e noutros 2 não ocorreu alteração nesta fase: um não avançou e outro não iniciou o processo. Dos 9 casos com informação, apenas 3 (17% do universo em análise) se aproximam do limiar “C”. Em contrapartida, a maioria dos casos com informação disponibilizada tem períodos de tempo que oscilam entre 100 a 150 meses ou mesmo mais. As razões para tais delongas, quer pela inoperância da entidade promotora quer pela multiplicação de exigências e instabilidade das políticas setoriais, são discutidas no ponto 4.
Etapa 2B-2E: Elaboração da Proposta até à Emissão do Parecer Final da CA – para a comparabilidade dos dados disponíveis, por vezes incoerentes, efectuou-se a medição temporal na Etapa 2B a 2E que decorre desde a data de entrega dos Estudos Prévios à CA (2B) à data da emissão do Parecer Final da CA. Como Limiar crítico “C”, convencionou-se 1,5 anos (18 meses), atendendo aos períodos registados e à (natural) dificuldade de obtenção de consensos sobre as opções a tomar, agravada pelo início do processo de alteração do Plano Regional de Ordenamento do Território da AML (PROTAML) em 2008. Porém, este não teve continuidade desde a discussão pública (concluída a 31 de janeiro de 2011), apesar da tentativa de relançamento do processo em 2012, desta feita na forma de revisão (Despacho 10079/2012, de 20 de junho).
Nesta etapa, os dados disponíveis são muito incoerentes, por vezes incomparáveis, inviabilizando uma medição rigorosa. Apenas 1 caso foi cumprido num período ligeiramente superior ao limite crítico adotado. Em 4 casos os dados registados foram considerados Não Comparáveis (NC) por ser conhecido que as datas indicadas correspondiam à entrega de versão revista para parecer final.
Etapa 2E-3: Do Parecer Final da CA ao Parecer da CCDR para Discussão Pública – esta etapa, que encerra a concertação com a CA, destina-se a superar os eventuais condicionalismos setoriais constantes no seu Parecer Final. Como Limiar crítico “C”, convencionou-se 7,5 meses, tendo em conta a natural dificuldade de obtenção de consensos e a necessária coordenação intersetorial das opções a tomar.
A etapa foi cumprida em 9 casos. Desses, 4 não têm dados conhecidos, restando 5 a comparar: 3 têm um período significativamente superior ao limiar “C”, 1 aproxima-se do limiar “C” e outro regista apenas 1 mês. Das entrevistas efetuadas deduz-se que esse curto período se deve à dificuldade de obtenção do Parecer favorável da CA, diluindo-se com a fase de Concertação. Em 9 casos não se atingiu esta etapa.
Etapa 3-4: Do Parecer da CCDR para Discussão Pública até ao seu fecho - decorre entre a data de emissão do Parecer da CCDR após a concertação referida na etapa anterior e o final da Discussão Pública. Como Limiar crítico “C” foram adotados 5 meses, considerando a necessidade de validação pela CM, preparação e aviso do procedimento.
Em 9 dos casos que cumpriram a etapa (50% do total), 4 não têm informação; em 8 casos não foi cumprida a etapa. Restam, aqui também, 5 casos com a etapa efetuada a avaliar: 3 apresentam um período superior ao limiar “C”, 1 aproxima-se do limiar “C” e 1 com apenas 2 meses, período excecionalmente curto, para cuja explicação não se dispõe de informação.
Etapa 4-5: Do Final da Discussão Pública à certificação da Proposta Final – acontece desde a data final do prazo para receção de reclamações à data de emissão do Parecer da CCDR que certifica a conformidade do processo de elaboração e da Proposta Final do plano para submissão da mesma à aprovação municipal. O Limiar crítico “C” fixou-se em 4 meses, pela necessidade de a CM ponderar e decidir sobre as reclamações e preparar a versão final da proposta e da emissão do parecer de conformidade pela CCDR.
A partir desta etapa os registos de dinâmica processual escasseiam. Dos 9 casos que a cumpriram, 6 não têm dados. Dos casos (3) com informação disponível, um registou 2 meses, outro registou 8 meses (o dobro do limiar temporal crítico “C”) e o terceiro 15 meses (quase o triplo de “C”). Em 9 casos (50% do total) a etapa não foi atingida.
Etapa 5-6: Da certificação da Proposta Final até à Aprovação pela Assembleia Municipal - decorre entre a data de emissão do Parecer da CCDR, que certifica a conformidade do processo de elaboração e da Proposta Final do plano, e a aprovação do mesmo pela Assembleia Municipal. Como Limiar crítico “C”, convencionou-se 2,5 meses, atendendo à necessidade de deliberação pela CM de submissão da proposta do plano à Assembleia Municipal e ao agendamento e efetivação do ato de aprovação.
Esta etapa foi cumprida em 9 casos. A presença de dados assemelha-se à da etapa anterior, com 3 registos a comparar. Em dois casos a duração aproxima-se do limiar “C”, mas o terceiro tem a particularidade anómala de apresentar um valor negativo, i.e., a aprovação do plano pela Assembleia Municipal aconteceu 1 mês antes da emissão do parecer de conformidade pela CCDR. A explicação obtida aponta para o facto de o Município, perante a alegada demora excessiva do referido parecer, motivada por divergência das partes, avançou para a aprovação da Proposta de Plano ainda que sujeita a Ratificação. Perante este facto veio a acontecer a rápida emissão do dito parecer. Terá havido então um redobrado esforço de consenso? Efetivamente a ratificação, pelo Governo, seria (por certo) um procedimento mais demorado e deslocado da sede própria (sistemática) do processo de planeamento.
Etapa 6-P: Da aprovação pela Assembleia Municipal até à Publicação Oficial - última etapa do processo, medeia entre as datas da aprovação da proposta final da revisão do plano e a da sua publicação oficial. Circunscrita ao procedimento administrativo de publicação de ato já consumado, arbitrou-se 1 mês como limiar temporal crítico. Há dados para 3 dos 9 casos que concluíram o processo. Apesar da presumível probabilidade desta fase ser muito breve, a informação disponível mostra que variou entre 3 a 5 meses, superando (muito) o limiar “C”. No caso mais gravoso a razão terá a ver com a inerente situação atrás referida (Etapa 5-6); nos restantes casos dever-se-á a contingências de procedimento administrativo e de calendário.
Totalidade do processo 1-P: Da Deliberação de Revisão à Publicação Oficial - termina-se a análise, medindo o tempo decorrido do início ao fim do processo de revisão, nos casos em que, à data dos dados em análise, foi efetuada a publicação oficial da revisão do plano (relembra-se que foram arbitrados 5 anos - 60 meses - como limiar temporal crítico global “Cg”).
Dos 18 municípios da AML, 9 concluíram o processo, com a publicação oficial da revisão do plano, a maioria (2/3) aproximadamente ao fim de 150 meses (de 11 a 13 anos), e 1/3 ao fim de 180 a 198 meses (15 a 16,5 anos), todos superando muito o limiar estabelecido (5 anos).
Ponto-de-situação geral, em 30 de julho de 2015, de cada município quanto à revisão do PDM
Conclui-se a análise expondo a situação de cada município, segundo as etapas do processo cumpridas e o tempo decorrido, confrontando este último com o limiar temporal global “Cg” aqui fixado (fig. 3).
Em síntese: (i) 50% (9) dos casos concluíram o processo; (ii) um caso não iniciou o processo e outro não registou conclusão da etapa subsequente à deliberação de revisão; 7 casos cumpriram uma etapa, cujo tempo medeia entre 38 e 180 meses; 3 casos não apresentam dados que permitam uma análise detalhada; nos casos que concluíram o processo, a sua duração global (Tg) mediou entre 135 a 198 meses, com um valor-moda próximo dos 160 meses; os tempos parciais (T) para a mesma etapa são muito heterogéneos nos diferentes processos, mas na generalidade em excessivo incumprimento dos prazos expectáveis ou regulamentarmente aplicáveis; em grande parte dos casos que terminaram o processo, sobressai a sua aceleração na parte final, ao que não será alheio o imperativo legal (diversas disposições transitórias do RJIGT 2015, já anteriormente avisadas no projeto de diploma). Os dados de pormenor foram escassos ou omissos, em especial nos 4 casos que concluíram o processo por motivo da sua grande parte ocorrer anteriormente ao registo de dados pela CCDRLVT.
Quando em cada caso são confrontados o tempo global (Tg) decorrido e o limiar temporal global (Cg = Soma dos limiares parciais C) aqui proposto, verifica-se que: (i) os 9 casos que finalizaram o processo (publicação da revisão até julho de 2015), mais que duplicaram o limiar temporal global “Cg”; (ii) 4 dos casos que aprovaram antes de julho, tinham cumprido apenas 4 etapas até ao início de 2015, quase triplicaram o limiar “Cg”; (iii) um dos casos que tinha cumprido só 2 etapas até ao início de 2015, quase triplicou o limiar “Cg”; iv) 7 casos apenas cumpriram a 1ª etapa: 3 apresentam um excedente menos desfavorável face ao limiar “Cg”, 2 um excedente desfavorável de grau intermédio e 2 excedem o quádruplo e o quíntuplo daquele limiar.
4. Fatores de constrangimento e de agilização do processo
4.1. Metodologia da entrevista
Para complementar a análise temporal comparada da dinâmica dos processos de revisão dos PDM, importa identificar as razões que conduzem às disparidades encontradas e identificar os fatores de constrangimento e os potenciais fatores de agilização nas diferentes etapas do processo, através do conhecimento e experiência dos atores envolvidos. Foram efetuadas dez entrevistas semiestruturadas, apoiadas num guião, oito às equipas de planeamento das entidades promotoras (municípios) e duas à entidade coordenadora do acompanhamento dos processos (CCDRLVT). Na qualificação das respostas/dados, adotou-se, para cada, o registo do valor-média e do valor-moda para se dispor da grandeza relativa atribuída mas também da frequência das respostas.
Assim, foi elaborada uma matriz cruzando as questões a colocar aos entrevistados com cada etapa do processo, em conformidade com o modelo estabelecido pela CCDRLVT. As questões, cuja ponderação e formulação se basearam nos resultados da análise temporal dos processos, foram organizadas em três grupos, aqui considerados como os componentes fundamentais do processo: sistema de gestão territorial e/ou políticas setoriais; gestão dos procedimentos processuais; capacitação e desempenho dos atores. Dada a experiência dos entrevistados, procurou-se ainda saber a sua opinião quanto à duração e relevância dos procedimentos e à identificação de fatores-críticos de eficiência e agilização do processo.
A técnica dominante utilizada foi a de resposta opcional a questões fechadas, com graduação de valor mediante pontuação de mínimo a máximo, com possibilidade de ser complementada com uma explicação discursiva.
4.2. Resultados
Como a avaliação pretende identificar os fatores da dinâmica do processo, a apreciação é efetuada ao conjunto dos dados relativos aos Componentes Fundamentais do Processo atrás enunciados, segundo cada etapa que o integram, dos quais foram apuradas e sintetizadas as posições (Quadro 2).
Complementarmente à matriz de avaliação por etapas, e com base nesta, apuraram-se as tendências predominantes na totalidade do processo de revisão dos PDM, acrescentando-se a interrogação sobre os Fatores Críticos de Eficiência e Agilização do Processo (Quadro 3).
Os atores entrevistados são responsáveis: i) pelas equipas de planeamento dos municípios; ii) pelos serviços da entidade que representa algumas tutelas setoriais bem como exerce a função de coordenação dos processos de acompanhamento e emissão dos pareceres determinantes nos mesmos. Cada um dispõe de uma perceção geral do desenvolvimento e constrangimentos ocorridos no processo em que atuou e, por isso, considerou-se válida a avaliação transmitida nas entrevistas.
A dimensão temporal que os entrevistados apontam como suficiente para cada etapa e a globalidade do processo é completamente desfasada da realidade. O tempo decorrido nos processos de revisão concluídos triplica o indicado pelos entrevistados (pouco mais de 50 meses) As razões elencadas para a demora são díspares: das entrevistas depreende-se que, nuns casos se deve à inoperância por parte da entidade promotora e noutros à multiplicação de exigências e instabilidade das políticas setoriais (legislação).
Os procedimentos de elaboração da proposta (integrando os estudos de caraterização, diagnóstico e desenho e fundamentação da proposta) e de emissão do parecer da CA favorável à mesma (requisito imperativo para a aprovação do Plano, pois formalmente representa a aceitação e/ou aceitação condicionada das tutelas da Administração Central sobre o(s) território(s) sob jurisdição do(s) município(s)) são considerados os determinantes em todo o processo, pela complexidade e dificuldades intrínsecas.
Os fatores críticos de eficiência e agilização do processo sinalizados podem ser divididos em dois grupos. Por um lado, os que revelam mais unanimidade, designadamente: i) mais coordenação entre políticas/tutelas setoriais; ii) atitude proativa e concretizadora dos municípios; consenso geral de governança; e mais estabilidade legislativa. Por outro lado, os considerados inovadores e mais fáceis de implementar, designadamente: i) estabelecimento da metodologia procedimental e da correspondente calendarização no início do processo; ii) instituição de um ator com capacidade de mediação e síntese decisória na CA; iii) promoção de uma liderança do processo técnico; iv) envolvimento direto do responsável máximo da entidade promotora (município).
Por último, referem-se os fatores de entropia em cada etapa do processo, relevando aqueles que se evidenciam como críticos no sistema e que urge eliminar. São eles: na Etapa 2B: instabilidade e incerteza normativas (ex. REN, cartografia, riscos ambientais, dinâmica dos IGT de ordem superior, etc.); na Etapa 2C-2D e 2E (consideradas em conjunto porque estes procedimentos se fundem entre si): escassez de coordenação e de compatibilização e harmonização intersetorial dos critérios e formas de aplicação, instabilidade e proliferação do enquadramento legal e difícil agendamento de pareceres e sessões de concertação, especialmente no decurso do procedimento de elaboração da proposta e, quanto à capacitação e desempenho dos atores, foi destacada a dificuldade de consensualização bem como de escassez de mediação e síntese decisória na CA, a dificuldade interna das entidades promotoras do plano (municípios) na obtenção de consenso e tomada de decisão nas opções; na Etapa 3: escassez de mediação e síntese decisória na CA; na Etapa 4: apenas de assinalar a diversidade de modelos de discussão pública adotados (desde o mero cumprimento do requisito formal ao envolvimento mais participativo das comunidades locais, ampliando o tempo legalmente estipulado para o efeito); na Etapa 5: frequente dificuldade de consensualização entre a entidade promotora e a entidade representante da tutela administrativa na certificação da versão da proposta para aprovação, com consequências dilatórias do processo; na Etapa 6: morosidade de agendamento da aprovação da proposta do plano nas assembleias municipais.
5. Novo quadro legal: qual a resposta aos constrangimentos identificados?
O processo de revisão dos PDM analisado enquadra-se no regime jurídico alterado em 2014/2015, com a publicação da Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solo, de Ordenamento do Território e de Urbanismo (Lei nº 31/2014, de 30 de maio) e do correspondente Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (Decreto-Lei nº 80/2015, de 14 de maio) complementado com o Regulamento da constituição, composição e funcionamento da Comissão Consultiva dos processos de elaboração e de revisão dos Planos Diretores Municipais e Intermunicipais (Portaria nº 277/2015, de 10 de setembro). Aos municípios é agora imposto um prazo de cinco ano para concluírem a adequação dos respetivos PDM ao novo regime, incluindo as revisões recentemente aprovadas. Esta circunstância amplia a pertinência desta abordagem: a urgência de retomar o processo – o tempo médio tido como necessário pelos entrevistados é de 5 anos, o que aponta para todos os municípios o iniciarem de imediato; a premência de contratualização de um método e de uma calendarização por etapas para facilitar a sua monitorização e acautelar “derrapagens” no tempo.
Por outro lado, o regime transforma os planos regionais e especiais em programas e determina a transposição das suas normas nos planos territoriais, o que trará impactos em cadeia nos tempos de procedimento, incertezas nas tomadas de decisão imediatas, ou seja, uma acrescida perturbação da articulação e dinâmica dos processo de revisão dos PDM ou mesmo simples atualização daqueles que foram aprovados recentemente.
Constata-se a introdução de medidas supostamente visando a eficiência de processo. Contudo, analisadas em detalhe deteta-se que as soluções encontradas, trazendo melhorias, não asseguram a eficácia temporal desejada.
Com efeito, a nova Lei de Bases enuncia uma ambição que pode ser sintetizada nos Princípios gerais: i) Coordenação e compatibilização das diversas políticas públicas com incidência territorial com as políticas de desenvolvimento económico e social, assegurando uma adequada ponderação dos interesses públicos e privados em presença; ii) Subsidiariedade, simplificando e coordenando os procedimentos dos diversos níveis da Administração Pública, com vista a aproximar o nível decisório ao cidadão; iii) Equidade, assegurando a justa repartição dos benefícios e dos encargos decorrentes da aplicação dos programas e planos territoriais e dos instrumentos de política de solos; iv) Segurança jurídica e proteção da confiança, garantindo a estabilidade dos regimes legais e o respeito pelos direitos preexistentes e juridicamente consolidados; v) Prevenção com vista ao desenvolvimento sustentável. Deveres do Estado e dos municípios: Planear e programar o uso do solo e promover a respetiva concretização.
O novo RJIGT, genericamente tal como o anterior já o fazia[4], enuncia normas ou princípios com vista à eficiência processual tais como: Harmonização de interesses: os programas e os planos territoriais identificam os interesses públicos prosseguidos, justificando os critérios utilizados na sua identificação e hierarquização. Coordenação interna: as entidades responsáveis pela elaboração, aprovação, alteração, revisão, execução e avaliação dos programas e dos planos territoriais devem assegurar, nos respetivos âmbitos de intervenção, a necessária coordenação entre as diversas políticas com incidência territorial e a política de ordenamento do território e de urbanismo, mantendo uma estrutura orgânica e funcional apta a prosseguir uma efetiva articulação no exercício das várias competências. Coordenação externa: i) a elaboração, a aprovação, a alteração, a revisão, a execução e a avaliação dos programas e dos planos territoriais requer uma adequada coordenação das políticas nacionais, regionais, intermunicipais e municipais com incidência territorial; ii) o Estado, os municípios e as associações de municípios devem promover, de forma articulada entre si, a política de ordenamento do território, garantindo, designadamente: i) respeito pelas respetivas atribuições, na elaboração dos programas e dos planos territoriais nacionais, regionais, intermunicipais e municipais; ii) cumprimento dos limites materiais impostos à intervenção dos diversos órgãos e agentes, relativamente ao procedimento de planeamento nacional, regional, intermunicipal e municipal; iii) definição, em função das estruturas orgânicas e funcionais, de um modelo de interlocução que permita uma interação coerente em matéria de ordenamento territorial, evitando o concurso de competências. Relação entre programas e planos territoriais: sempre que entre em vigor um programa territorial de âmbito nacional ou regional é obrigatória a alteração ou a atualização dos planos territoriais de âmbito intermunicipal e municipal, que com ele não sejam conformes ou compatíveis.
Tendo em conta estes desígnios, e perante o diagnóstico atrás apresentado, efetuou-se uma observação atenta às medidas de resposta com vista à operacionalização do processo de elaboração/revisão/alteração dos PDM, focando o procedimento das respetivas etapas mais determinantes. Assim, o Quadro 4 confronta os fatores críticos de eficiência identificados no diagnóstico com as determinações do RJIGT de 2015.
6. Conclusões
A análise ao processo de revisão dos PDM da AML mostra que:
i) O tempo decorrido é largamente excessivo face ao unanimemente considerado adequado pelos técnicos responsáveis;
ii) Muitos municípios mantêm uma gestão territorial apoiada num PDM que, legalmente, deveria ter sido revisto há muitos anos; por vezes, o município confinante tem PDM atualizado, o que se traduz em disparidades entre territórios contíguos sujeitos a regimes distintos de política territorial, com frequência incongruentes ou desconexos entre si (ex. Reserva Ecológica Nacional) ou em incumprimento de diretrizes de ordem superior (ex. PROTAML);
iii) As disparidades temporais e regimentais manifestadas entre os PDM, em particular para os territorialmente confinantes, remetem para uma política de ordenamento do território incoerente, prejudicial de princípios de legalidade, de equidade e mesmo de constitucionalidade, constituindo fatores de conflitualidade, de desmobilização e de descrédito no sistema de gestão territorial;
iv) A identificação destas evidências e a demonstração das incongruências associadas dão pertinência à implementação de um sistema de monitorização que observe o decorrer do processo de revisão dos PDM;
v) Os casos de revisão mais bem-sucedidos (leia-se – com realização em tempo mais aproximado ao tido como ajustado pelos intervenientes técnicos) devem-se a uma atitude mais proativa dos atores determinantes no processo;
vi) A complexidade e a conflitualidade entre políticas e tutelas setoriais de gestão territorial remetem para a necessidade imperiosa dos atores chave intervenientes na elaboração dos planos territoriais serem capacitados para sintetizar e agilizar a tomada de decisão sobre a posição da Administração, quer do lado da regulação quer do lado das equipa de planeamento e da entidade promotora dos planos (decisor municipal);
vii) Os processos de decisão estão orientados exclusivamente para os objetivos dos interesses/organismos setoriais ou de uma visão burocrática de cumprimento da legislação vigente, nem sempre centrados numa ação integrada de desenvolvimento sustentável ou resiliente do território ou nas necessidades dos cidadãos e da economia.
Da observação das respostas dadas pelo RJIGT face aos fatores de constrangimento identificados, destaca-se:
i) Verificação de uma constância do enunciado de princípios e objetivos de concertação de interesses mas, apesar da crescente complexidade do sistema, o novo regime não acrescenta medidas concretas que agilizem e efetivem essa concertação quer em qualidade quer em tempo oportuno;
ii) Risco de atrasos em cadeia em consequência da dinâmica dos instrumentos de planeamento (fluxo de integração das políticas setoriais, em cascata, entre os instrumentos de nível nacional, regional e local);
iii) Desfasamento temporal dos ciclos de planeamento e de vigência dos planos entre municípios limítrofes promove a descoordenação ou incongruência fronteiriça entre modelos territoriais e de políticas supramunicipais, o que potencia disfuncionalidades territoriais e políticas contrastadas;
iv) Ausência de compromisso, por parte dos agentes e principalmente da entidade promotora do plano, em relação a um prazo, seja para o processo de planeamento seja como horizonte imperativo para a vigência do plano existente, potencia a discricionariedade ou negligência até, conduzindo à desarticulação do sistema quer segundo a hierarquização dos instrumentos quer segundo a cobertura geográfica;
v) Persistência de uma comissão consultiva apenas para acompanhar a fase elaboração da proposta do plano provoca interrupções nefasta ao desejado planeamento como processo colaborativo contínuo e prejudica a aprendizagem cumulativa. A ineficácia da sua ação é agravada pela crónica falta de autonomia decisória dos representantes setoriais e por ausência de compromisso de consenso;
vi) Medidas como duplicação de prazos, bloqueio de acesso a fundos ou caducidade do processo não são solução para a eficiência dos procedimentos. Ao invés dos objetivos das políticas, em muitos casos, acabam por indiretamente penalizar os territórios e as populações.
Mas também foram identificados fatores de eficiência e de agilização do processo de planeamento, designadamente: ação coordenadora e harmonizadora na compatibilização de políticas setoriais interdependentes; mecanismos garantes da eficácia de realização, complementando a ação cooperativa e a atitude consensual por parte de tutelas e atores, na articulação vertical e horizontal entre níveis de administração pública designadamente: i) adopção de calendarização vinculativa de procedimentos no início do processo; ii) adoção de mecanismos que, complementarmente a uma atitude cooperante dos atores, garantam a obtenção dos necessários consensos e decisões; iii) arbitragem através da designação de atores acreditados e capacitados para a mediação e síntese decisória nas tomadas de decisão colegial.
Posto isto, é possível concluir que o sistema de gestão territorial continua a considerar como ato de planeamento apenas o procedimento de elaboração do plano. Isto é especialmente gravoso ao nível do PDM, ainda mais quando ele é, agora, o fulcro ou charneira entre o quadro estratégico supramunicipal e a sua aplicação ou execução material. A comprová-lo, está: i) a extinção da Comissão Consultiva após o parecer favorável da mesma e o facto de não existirem órgãos e competências de planeamento intersetorial senão a partir de nova deliberação de elaboração/revisão do plano; ii) a referência ao REOT municipal é escassa, apesar de ser o instrumento de monitorização que pode determinar (ou não) a necessidade de revisão do plano; em caso negativo, só os programas de iniciativa da Administração Central imporão a integração/atualização de novas políticas. Porém, a proliferação de programas fará com que a deliberação de revisão possa tardar, podendo o IGT vigorar indefinidamente; iii) a fraca iniciativa, a dinâmica, a conflitualidade ou divergência de interesses setoriais como fator de entropia não residem apenas nas autoridades tutelares mas também nas próprias entidades promotoras dos IGT (municípios); iv) persiste o risco de muitos planos mas pouco planeamento eficaz.
A solução potencial passará por instituir a comissão permanente, como aliás já existiu, mas dotada de um dispositivo de arbitragem independente e capaz de propor uma “terceira via/solução” e de superar situações de impasse, que permanecerá como sede decisória à qual se recorrerá quando for pertinente forçar ou efetivar o consenso ou compatibilização de interesses e fechar o ciclo de planeamento, mas sem interromper ou criar vazio de sede decisória, integrando a representação das políticas setoriais mas também das estratégias municipais, abrangendo uma região-plano (comunidades intermunicipais ou áreas metropolitanas). Decerto que seria um contributo relevante para a mudança de paradigma, isto é, de planeamento-instrumento para planeamento-processo, um imperativo que carece de operacionalização.
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[1] A criação desta comissão tinha como propósito: recolher os pareceres das entidades consultadas, procurar conciliar posições divergentes e proceder à síntese necessária.
[2] O propósito inicial era contemplar a etapa 2B-2C - elaboração e entrega da 1ª versão da proposta de plano – mas a escassez e incongruência dos dados forçaram o seu abandono.
[3] Dado que o objetivo do estudo é a avaliação da eficiência do sistema de planeamento em geral e não a avaliação do desempenho das entidades, optou-se pela não identificação dos municípios, sendo cada um designado, aleatoriamente, por uma letra.
[4] Por exemplo, no respeitante à harmonização e hierarquização de políticas setoriais, já o Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro, no seu artº 9º estabelecia que, excetuando “os interesses respeitantes à defesa nacional, à segurança, à saúde pública e à protecção civil, cuja prossecução têm prioridade sobre os demais interesses públicos”, “nas áreas territoriais em que convirjam interesses públicos entre si incompatíveis deve ser dada prioridade àqueles cuja prossecução determine o mais adequado uso do solo, em termos ambientais, económicos, sociais e culturais.”