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GOT, Revista de Geografia e Ordenamento do Território

versão On-line ISSN 2182-1267

GOT  no.15 Porto dez. 2018

https://doi.org/10.17127/got/2018.15.007 

ARTIGO

 

As regiões metropolitanas brasileiras e sua estrutura social em uma década de mudanças, 2000-2010

The Brazilian metropolitan regions and their social structure in a decade of changes, 2000-2010

 

Diniz, Alexandre1; Mendonça, Jupira2; Andrade, Luciana3

1Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Programa de Pós-graduação em Geografia; Avenida Itaú, 505, Bom Cabral, Belo Horizonte, Minas Gerais Brasil. CEP – 30535012; alexandremadiniz@gmail.com

2Universidade Federal de Minas Gerais, Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo; Rua Paraíba, 697. Funcionários, Belo Horizonte, Minas Gerais Brasil. CEP 30.130.141; jupira@gmail.com

3Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais; Avenida Itaú, 505, Bom Cabral, Belo Horizonte, Minas Gerais Brasil. CEP – 30535012; lucianatandrade1@gmail.com

 

RESUMO

Este artigo analisa as mudanças ocorridas na estrutura sócio-ocupacional das 15 principais regiões metropolitanas brasileiras entre 2000 e 2010. Busca-se compreender se as mudanças sociais e econômicas que ocorreram na década também puderam ser percebidas na estrutura social metropolitana. A ocupação é utilizada como proxy da estrutura social, cuja fonte são os Censos Demográficos do IBGE. A comparação mostrou mudanças parciais na estrutura social metropolitana, sobretudo o aumento dos profissionais de nível superior e o encolhimento dos grupos dirigentes e dos pequenos empregadores. Por outro lado, puderam ser detectados movimentos destoantes por parte de algumas RMs, cuja explicação demandará acompanhamento e novas investigações.

 

Palavras Chave: hierarquia social; regiões metropolitanas; análise comparativa; grupos sócio-ocupacionais

 

ABSTRACT

This article analyzes the changes in the socio-occupational structure of the 15 major Brazilian metropolitan regions between 2000 and 2010. We seek to understand if the social and economic changes taking place over the decade could also be perceived in the metropolitan social structure. The occupation was used as a proxy of the social structure, whose source was the IBGE’s Demographic Censuses. The comparisons revealed partial changes in the metropolitan social structure, mostly the expansion of professional workers and the shrinking of small entrepreneurs and managerial and supervisory workers. On the other hand, contradictory movements were identified among the metropolitan regions, which will require further monitoring and investigation.

 

Keywords: Social hierarchy; Brazilian metropolises; Comparative analysis; Socio-occupational groups

 

 

1. Introdução

Este artigo pretende compreender as mudanças que se processaram na última década na estrutura social de 15 regiões metropolitanas (RM) brasileiras e é parte de uma investigação maior sobre os processos de estruturação e mudança nesses espaços, empreendida pela rede de pesquisa Observatório das Metrópoles (OM).[1] O ponto de partida do trabalho do OM foi a construção de uma hierarquia social baseada na categoria trabalho. A compreensão desta categoria é ampliada para além da oposição entre propriedade do capital e propriedade da força de trabalho, entendendo-se que há distintas posições sociais relacionadas ao grau de concentração do capital, posições de autonomia ou subordinação, de comando ou execução. Assim, por exemplo, a oposição trabalho manual x trabalho não-manual define não apenas a posição na estrutura produtiva, mas na própria hierarquia social, em que as tarefas braçais situam-se em estratos reconhecidos socialmente como inferiores. Entre os trabalhadores não-manuais há aqueles em posição de controle e outros em posições de execução de tarefas. Em cada uma das posições há um reconhecimento social, que situa o indivíduo em uma hierarquia. Os agentes sociais, como diz Bourdieu (1997), estão estabelecidos num lugar do espaço social, que se pode caracterizar por sua posição relativa e pela distância que os separa dos outros.

Neste trabalho, centraremos foco nas mudanças e permanências na estrutura ocupacional de 15 RM em dois momentos do tempo, 2000 e 2010.[2] São elas: Belém, Belo Horizonte, RIDE-DF, Campinas, Curitiba, Florianópolis, Fortaleza, Goiânia, Manaus, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo e Vitória.

A escolha dessas 15 RM é resultado dos esforços empreendidos pelo IBGE (2008) e pelo OM (RIBEIRO, 2009) com o objetivo de determinar o que é realmente metropolitano no conjunto das RM institucionalizadas. Isto porque a partir da Constituição de 1988, quando a competência da criação e das mudanças na composição das RM passou para a esfera estadual, houve uma proliferação de regiões metropolitanas e o acréscimo de novos municípios em muitas delas. Utilizando-se de diversos indicadores, o OM construiu uma hierarquia dos espaços urbanos, distinguindo aqueles efetivamente metropolitanos de outros que, apesar de institucionalizados, não deveriam ser assim classificados. As 15 regiões acima citadas e que serão objeto de estudo neste artigo são aquelas identificadas como efetivamente metropolitanas.[3]

A década de 2000 apresentou índices econômicos e sociais muito positivos. Algumas das suas características foram: aumento do emprego formal, elevação real do salário mínimo e aumento da escolaridade e de pessoas com curso superior. Não cabe neste trabalho, discutir os processos que produziram estes resultados,[4] mas verificar se houve impacto sobre a estrutura social brasileira, tomando como representação dessa estrutura a hierarquia sócio-ocupacional, cuja metodologia de construção será descrita adiante.

A justificativa da questão central - saber se houve de fato uma mudança na estrutura sócio-ocupacional das RM (entendida como uma proxy da estrutura social) - relaciona-se a outras avaliações que tratam das transformações na sociedade brasileira nos últimos 10 anos a partir da análise de alguns indicadores econômicos, sociais e de infraestrutura urbana (NERI, 2011; RIBEIRO; RIBEIRO, 2011, ARRETCHE, 2015, ANDRADE, 2016). Essas análises mostram uma mudança positiva em vários indicadores, principalmente se tomados isoladamente. A questão que permanece é a de compreender se essas mudanças se refletiram na estrutura social. E, caso afirmativo, em qual direção? Quais os grupos mais afetados?

 

 

2. Desenvolvimento regional e urbanização

Antes de apresentar e analisar os dados, é importante tecer algumas considerações sobre a formação histórica brasileira com foco na constituição da sociedade urbana, de modo a compor o quadro mais geral em que se situa o presente estudo.

O desenvolvimento regional do Brasil pautou-se ao longo do século XX na instituição e integração do seu mercado interno e na sua articulação internacional (OLIVEIRA E WERNER, 2014). Até os anos 1920 o país era composto por uma estrutura produtiva baseada em "arquipélagos regionais" (OLIVEIRA, 2008), muito bem articulados externamente aos mercados internacionais, operando segundo uma lógica primário-exportadora, mas que internamente encontravam-se praticamente isolados uns dos outros. DINIZ (2001) aponta como exemplos dessa condição as economias do açúcar no Nordeste, do ouro em Minas Gerais, do algodão no Maranhão, da madeira e mate no Paraná, da borracha na Amazônia, e do café no Sudeste, que apesar da desarticulação inicial foram determinantes na configuração regional, cujas reverberações ainda hoje se fazem evidentes.

Destaque-se neste contexto a contribuição da economia cafeeira, que engendrou um conjunto de atividades complementares no entorno de suas áreas produtoras, inicialmente instaladas no Rio de Janeiro e, posteriormente, em São Paulo. A transição para o trabalho assalariado e a introdução de imigrantes estabeleceram as condições para a integração produtiva regional, especialmente no estado de São Paulo, onde se assistiu ao desenvolvimento de infraestrutura de transportes e energética, da agricultura mercantil de alimentos, do setor financeiro e de outros serviços que estabeleceram as bases para o posterior processo de industrialização (CANO 1977; DINIZ, 2001; OLIVEIRA E WERNER, 2014).

A crise de 1929 promoveu significativa guinada na economia brasileira. O contexto econômico mundial, agravado pelo endividamento externo e pela queda nos valores das commodities então exportadas, fez com que as atenções se voltassem para a promoção e integração do mercado interno. No período entre 1930 e 1950 testemunhou-se a formação de uma crescente malha de conexões inter-regionais de caráter mercantil, catalisada pela circulação de mercadorias comandada por São Paulo. Constituiu-se ali o principal parque industrial do país, que passou a articular fluxos de mercadorias entre polo e periferia, estabelecendo as bases para a construção de um mercado interno brasileiro (OLIVEIRA, 2005; OLIVEIRA E WERNER, 2014). Como efeito dessa conjunção, a industrialização incipiente que até então se desenvolvia no Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Bahia e Pernambuco, passou a enfrentar a competição da indústria do Rio de Janeiro e São Paulo, na medida em que a infraestrutura viária se estabelecia, gerando revezes na produção industrial dessas áreas (CANO, 1985).

Não se pode perder de vista o papel central que o Estado brasileiro desempenhou na condução do desenvolvimento econômico regional entre os anos 1950 e 1980, período de substituição de importações, quando articulado aos capitais nacionais e internacionais, promoveu uma série de intervenções buscando prover a economia brasileira de mecanismos mais eficazes de controle e defesa em relação aos problemas econômicos externos, através da diversificação e dinamização produtivas, e do esforço para minimizar os desequilíbrios regionais (LIMA; SIMÕES 2009). Essas medidas, por sua vez, acarretaram significativas alterações na conformação do espaço urbano, no balanço de oportunidades entre campo e cidade, e, consequentemente na distribuição da população, provocando intensa urbanização. Dada a forma concentrada e concentradora de oportunidades, o processo de urbanização, por sua vez, engendrou uma crescente metropolização, como se verá adiante.

A este propósito, DINIZ (2001) lembra a importância da construção de Brasília, medida de maior impacto na integração econômica do território brasileiro. A sua posição central, postada em uma parte do território que ainda se encontrava esparsamente povoada à época, secundada pela implantação de complexa rede de transportes rodoviários, fizeram da cidade um nódulo na integração regional brasileira[5]. Outro elemento que merece ser destacado na ação estatal foi o conjunto de incentivos fiscais instituídos, sobretudo, a partir dos anos 1960, sob a forma de superintendências de desenvolvimento regional (SUDENE, SUDAM e SUFRAMA), que apesar das inúmeras críticas relacionadas à malversação de recursos, tiveram importantes repercussões na atração de projetos, que terminaram gerando emprego, renda e diversificação econômica no Norte e Nordeste brasileiros. 

Os investimentos produtivos comandados por empresas estatais representam outra forma de protagonismo estatal (DINIZ, 2001). Tais intervenções são observáveis desde a década de 1930, intensificando-se no Programa de Metas, na década de 1950; no II PND, na década 1970; e também no “ajuste exportador” dos anos 1980. Araújo (1999) lembra que a política de grandes investimentos em empresas estatais dos anos de 1970 teve relevante impacto na ampliação da base produtiva em locais fora do Sudeste, cujo peso na indústria do Brasil caiu de 81% em 1970 para 69% em 1990, enquanto o peso do Nordeste na produção industrial brasileira, por exemplo, passava de 5,7% para 8,4% no mesmo período.  Em síntese, essa ação estatal priorizou investimentos fora dos centros mais dinâmicos da economia brasileira, contribuindo para a desconcentração produtiva e a redução das desigualdades regionais. Em decorrência dessas ações, houve importante reestruturação espacial das atividades industriais, que estiveram muito mais associadas a investimentos em áreas sem expressiva tradição, do que ao translado de plantas ou o sucateamento de antigas áreas industriais, especialmente de São Paulo e Rio de Janeiro (PACHECO, 1996).

Assim, vivenciou-se um avanço nos indicadores industriais em praticamente todas as regiões e principais unidades da federação, fato que incorreu na perda de importância relativa de Rio de Janeiro e São Paulo no cenário nacional. PACHECO (1996) apresenta um arrazoado das principais alterações na organização espacial da produção industrial brasileira nos anos 1950, 1960 e 1970, identificando as áreas mais dinâmicas e seus principais determinantes. No Norte, nas áreas de influência da Zona Franca de Manaus e do Programa Grande Carajás. No Nordeste, no Polo Petroquímico de Camaçari, na Bahia; na cloroquímica de Alagoas e Sergipe; e naquilo que se convencionou chamar de “nova indústria” nordestina, constituída com apoio de incentivos fiscais da SUDENE[6]. O Centro-Oeste experimentou substantivo crescimento da agroindústria. No Sudeste, Minas Gerais e Espírito Santo testemunharam o crescimento da siderurgia, da indústria de papel e celulose, além da instalação da FIAT Automóveis em Betim. O Sul ampliou a sua participação no setor industrial brasileiro graças ao avanço da metal-mecânica atrelada à produção de equipamentos agrícolas, o polo petroquímico de Triunfo e a indústria calçadista no Rio Grande do Sul; a têxtil de Santa Catarina; a indústria de papel e celulose do Paraná e Rio Grande do Sul; além da crescente integração entre a agropecuária e a agroindústria em toda a região. 

Ao contrário do que se observou no período anterior, nos anos 1980 e no início da década de 1990, viveu-se um período de longa e grave crise econômica, cuja tônica foi a natureza errática do crescimento econômico e a alternância entre ciclos curtos de recuperação e de retração (PACHECO, 1996). Essa evolução errática, por sua vez, impactou a organização espacial das forças produtivas, gerando duas fortes tendências: a dinamização de um conjunto difuso de lugares, contemplando as regiões Norte, Centro-Oeste e os estados da Bahia, Paraná e Minas Gerais; e a outra associada às transformações observadas no interior do estado de São Paulo. Ressalte-se que ambas as frentes se expandiram em detrimento do peso relativo da RM de São Paulo e do Estado do Rio de Janeiro na indústria nacional[7].

Corroborando parte dessas observações, DINIZ (1993) demonstra evidências da perda relativa da área metropolitana de São Paulo em favor da participação relativa de uma macrorregião, que se estendia da parte central do estado de Minas Gerais ao nordeste do Rio Grande do Sul, incluído o interior do estado de São Paulo. Esta região seria demarcada por um polígono cujos vértices eram Belo Horizonte, Uberlândia, Londrina, Porto Alegre e Florianópolis.

O modelo desenvolvimentista de ação estatal vicejou até os anos 1980, quando reveses nas condições externas, especialmente as crises do petróleo, as crescentes restrições aos financiamentos externos e o aumento dos juros, aliados aos problemas internos de hiperinflação, endividamento, crise fiscal, dentre outros, levaram o estado nacional a paulatinamente afastar-se da condição de condutor do desenvolvimento regional (LIMA e SIMÕES, 2009). Assistia-se naquele momento à instauração do modelo neoliberal de desenvolvimento econômico, pautado no acelerado processo de internacionalização do capital financeiro; adoção de políticas voltadas à redução das despesas estatais; à promoção da liberação da economia; e à ampliação das exportações visando o pagamento da dívida externa (SENRA, 2011). Neste contexto, o planejamento e as intervenções estatais na promoção do desenvolvimento passavam a ser encaradas não apenas como desnecessárias, mas prejudiciais ao desenvolvimento, que estaria mais bem servido pelas forças sociais e de mercado reguladas pelo setor privado (CARDOSO JR. 2014).

Esta condição produziu transformações na organização espacial da produção, gerando uma nova geografia econômica do Brasil. DINIZ (2000 e 2006) identificou no fim dos anos 1990 algumas tendências marcantes. Inicialmente, uma articulação entre a expansão da fronteira agrícola extensiva, voltada à produção de grãos e à pecuária de corte, e a intensificação da agricultura em áreas tradicionais de produção pautada na cultura de cana de açúcar, laranja, horticultura, fruticultura e leite, que, por sua vez atraiam para as proximidades das áreas produtoras novas agroindústrias. Neste cenário ganhou relevo a presença de importantes segmentos industriais (mecânica, material elétrico, eletrônico, material de transportes e química) nas RM de segundo nível e em cidades médias da macrorregião identificada por DINIZ (1993). Ainda em relação ao setor industrial, DINIZ (2000 e 2006) observou que em resposta à disponibilidade de matérias primas, custos de mão de obra e incentivos fiscais, alguns segmentos da indústria leve, com baixa sofisticação tecnológica e/ou com baixas exigências em relação à integração interindustrial, como a indústria têxtil e calçadista, por exemplo, migraram para os estados do Nordeste[8].

Ao longo dos anos 2000, especificamente a partir de 2003, o estado brasileiro adotou um sistema de valores pautados no comprometimento com a promoção econômica, social e cultural da grande maioria da população, com atenção especial para os mais pobres. Este momento, que alguns autores identificam como neodesenvolvimentista, representou uma ruptura em relação àquele que vigeu nos anos 1990, quando a rota neoliberalizante orientou uma política econômica fundada na financeirização da riqueza (RIBEIRO, 2017: 13). Esta reorientação produziu inequívocos e consistentes avanços nos indicadores econômicos e sociais, período em que o país experimentou crescimento econômico, acompanhado de taxas decrescentes de inflação, ampliação no número de empregos formais e significativo aumento na massa de rendimentos do trabalho. Concomitantemente, desenvolveu-se forte política de inserção social, que passou pela facilitação da população de baixa renda ao acesso à documentação formal (certidão de nascimento, carteira de identidade, CPF e carteira de trabalho) e à justiça; além de políticas de promoção da igualdade racial e de gênero, de inclusão de deficientes, de acesso à saúde, educação e moradia, além da implementação de programas de redistribuição de renda (SANTOS, 2011).

Vivenciou-se também naquele momento a retomada do planejamento regional, com diversas ações que tiveram como fim a promoção da ocupação do território e a mitigação de assimetrias regionais, consubstanciada, especialmente, na Política Nacional de Desenvolvimento Regional e nas mesorregiões diferenciadas; na política dos Territórios da Cidadania e na elaboração de planos de desenvolvimento para diferentes escalas territoriais (SENRA, 2011).

Esse conjunto de transformações vivenciadas nos anos 2000 tiveram rebatimentos importantes na estrutura produtiva regional, sendo possível identificar, segundo DINIZ (2013), pelo menos três grandes tendências: 1) concentração da atividade produtiva nas capitais e nas cidades de maior porte localizadas no Centro-Sul, ou na área onde se observa a chamada “reaglomeração poligonal”(DINIZ, 1993); 2) revitalização industrial nas cidades do topo da hierarquia nordestina, com destaque para as regiões metropolitanas de Salvador, fomentada pela instalação e ampliação do polo petroquímico e a chegada da montadora Ford; a RM de Recife, onde a diversificada indústria local foi dinamizada pela implantação do Porto de SUAPE, da indústria naval, da refinaria Abreu Lima e da planta da FIAT Automóveis; e a RM de Fortaleza, através da expansão da indústria têxtil, da implantação do Porto de Pecém e da instalação de uma siderúrgica; e 3) espraiamento difuso de indústrias nas capitais e cidades da “fronteira agropecuária e mineral”, onde tem destaque a RM de Manaus, que opera como um centro de montagem de produtos eletrônicos e veículos leves, voltados para o mercado interno.

Ainda segundo DINIZ (2013), outra importante movimentação na organização espacial da produção ao longo das últimas décadas se deu na agricultura. Observou-se uma intensificação produtiva em São Paulo, com ênfase nas culturas de cana de açúcar, laranja, hortifruticultura e na pecuária intensiva; forte presença do agronegócio em Goiás e Mato Grosso, constituindo-se na área mais moderna, capitalizada e mecanizada, centrada na produção de grãos, pecuária bovina e na cana de açúcar. Outro movimento de destaque na produção de grãos encontra-se associado à nova fronteira produtiva que se estabeleceu nos cerrados da Bahia, Piauí, Tocantins e Maranhão, denominada Matopiba. Por fim, merece destaque a expansão da agricultura irrigada no Norte de Minas Gerais e às margens dos rios do semiárido nordestino (São Francisco, Açu e Acaraú) voltadas à fruticultura.

Em virtude de seu apelo eminentemente urbano, encontrando-se altamente sensível à modernização tecnológica e à reconfiguração espacial dos demais setores da economia, uma complexa rede de cidades vem se desenhando, na qual o setor de serviços tem crescente importância na “geração de emprego e renda, no manejo da política econômica, nas diretrizes de desenvolvimento tecnológico e na política social” (DINIZ, 2013: 26).

DINIZ (2013) assevera que mudanças no panorama econômico brasileiro tiveram pelo menos dois importantes rebatimentos na dinâmica migratória inter-regional. Primeiramente, em virtude da crise econômica dos anos 1980 e de sua trajetória espasmódica nos anos 1990, o estado de São Paulo deixou de ser a grande área de atração, sobretudo em função da diminuição da atratividade industrial da RMSP e dos correspondentes processos de desconcentração econômica observados ao longo das últimas décadas. Por outro lado, observou-se a redução nos saldos migratórios negativos produzidos no Nordeste e em Minas Gerais, fomentados pela própria desconcentração de atividades econômicas, que acabaram induzindo crescimento econômico no Nordeste nos setores industrial, turismo e agricultura irrigada e expansão da fronteira oeste, e os seus efeitos positivos sobre as cidades, onde a oferta de trabalho e renda foi ampliada. Mas não se pode descartar o impacto das políticas sociais adotadas, sobretudo, pelo governo federal a partir de 2003, que aprimoraram a qualidade de vida, diminuindo as pressões migratórias. Processo semelhante foi vivenciado por Minas Gerais.

A propósito desta rede urbana, cabe destacar que o Brasil viveu intenso processo de urbanização em um intervalo de poucas décadas, com raros paralelos na história. Entre 1950 e 2010, a taxa de urbanização subiu de 36% para 84%, enquanto o número de sedes municipais que era de 1.889 em 1950, passou para 5.565 em 2010. Por sua vez, o número de cidades com mais de 50 mil habitantes passou de 38, em 1950, para 476, em 2010 (IBGE, 2016). OLIVEIRA (2005) aponta como elementos responsáveis pela rápida urbanização brasileira o processo de industrialização, que ao promover a desruralização da produção terminou por expulsar os trabalhadores do interior, que partiram em direção às cidades em resposta à fortíssima concentração de renda e à crescente oferta e qualidade de serviços essenciais, tais como a saúde e a educação.

Mas os processos de urbanização e metropolização se deram de forma concomitante, gerando, segundo (LIPIETZ, 1989), uma “urbanização rápida e uma metropolização precoce”. LIPIETZ (1989) faz, ainda, uma interessante reflexão acerca do fenômeno da metropolização vivenciada por vários países que experimentaram formas de “fordismo periférico”, incluindo o Brasil, apresentando três hipóteses para a urbanização e a crescente metropolização vivenciadas nas décadas de 1950, 1960 e 1970: a explosão demográfica, determinada pela conjunção de taxas declinantes de mortalidade e a manutenção de elevada taxa de fecundidade; expulsão de população do campo, em decorrência das restrições do emprego, da ausência de uma reforma agrária e de políticas de sustentação das rendas do pequeno campesinato; e a natureza espacialmente seletiva e pontual de inversões econômicas no espaço.

Em relação a este último ponto LIPIETZ (1989: 332) é categórico: 

o desenvolvimento do "fordismo periférico" opera em uma escala que exclui o espaço territorial e reduz os países a " p o n t o s " em um espaço mundial discreto, enquanto o desdobramento dos circuitos de ramos fordistas nos territórios do centro visa, ao contrário, adaptar-se às nuances do tecido social espacializado.

Segundo esta lógica, uma empresa multinacional interessada em praticar a “taylorização primitiva” dirigir-se-ia a uma concentração preexistente de mão-de-obra de baixo custo, coincidente com os grandes aglomerados urbanos do terceiro mundo, que também representariam substantiva parte dos mercados internos consumidores. É neste sentido que as RM ganham relevo e priorização: são pontos estratégicos na articulação dos estados periféricos à economia mundial, revestindo-se da condição de mercado local de classes médias e fonte inesgotável de mão de obra.

Como resultado do processo de urbanização gerado pelo capitalismo brasileiro, em 2010 nada menos do que 22 aglomerações urbanas apresentavam população de mais de um milhão de habitantes (IBGE, 2016). Essas RM, por sua vez, apresentam como tendência uma ordem urbana “concentradora, desigual, segregada e elitista, conformada no período da industrialização acelerada dos anos 1950-1980” (RIBEIRO, 2017: 15). Esta ordem encontra-se pautada no poder de controle territorial exercido pelas classes proprietárias, que tendem a concentrar-se no espaço metropolitano em áreas bem delimitadas, a partir das quais comandam e mantêm um padrão de sociabilidade interclassista, sendo uma das principais vantagens dessa concentração, “o domínio dos tempos de deslocamento” (VILLAÇA, 2001, p. 151). Portanto, são discerníveis como tendências marcantes na organização socioespacial das RM a segregação das classes superiores em espaços restritos e valorizados, concomitante à periferização e invasão de áreas do núcleo metropolitano e de sua periferia imediata por parte das classes populares.

RIBEIRO (2017:122) assevera, ainda, que o recente processo integrado de urbanização e metropolização brasileiras tem-se caracterizado por uma dinâmica de homogeneização e unificação, pautada na ampliação do emprego formal de elevada produtividade, conjugado com a expansão do subemprego e da marginalidade, processos inerentes ao desenvolvimento capitalista, que acarreta excedentes demográficos e desequilíbrios regionais. Apesar dessas tendências, identificam-se no conjunto metropolitano brasileiro formas idiossincráticas de organização social e produtiva, fruto da articulação entre a herança colonial e a forma como cada RM negociou a sua inserção no mercado interno, na industrialização e nas articulações internacionais.

Reside na perspectiva da diversidade metropolitana acima apontada os elementos que fundamentam a presente análise. Perguntamos-nos: em que medida as transformações recentes no sistema produtivo nacional aqui descritas repercutiram em cada uma das 15 RM em questão?  Porém, antes de iniciar a comparação e análise dos dados, cabem algumas notas sobre o ato de comparar.

 

 

3. A comparação

Como já mostraram alguns estudiosos, comparar é parte fundamental da atividade cognitiva nas ciências sociais e humanas (DURKHEIM, 1995, SARTORI, 1994). A comparação, diferentemente dos estudos de caso, permite que as tendências comuns, caso existam, sejam captadas, assim como as discrepâncias. Por isso mesmo, seu principal objetivo é captar tendências gerais, sem se aprofundar em casos específicos. A comparação ocorre entre entidades que possuam tanto atributos semelhantes quanto distintos, de forma que as diferenças e as similitudes possam ser explicitadas, e as generalizações controladas (Sartori, 1994).

Um argumento, frequentemente levantado contra as investigações comparativas, diz respeito ao que se convencionou chamar de incomensurabilidade do que se pretende comparar. Sartori (1994) sustenta que a comparação se faz entre variáveis e não entre unidades, sejam elas espaciais ou de outra natureza. No caso dos estudos urbanos a tese da incomensurabilidade é frequentemente levantada quando se pretende comparar, por exemplo, unidades espaciais com escalas territoriais e populacionais muito distintas, sejam elas países, regiões ou cidades. Como mostram alguns estudiosos, trata-se de um falso dilema. Não há nenhum impedimento de se comparar, por exemplo, padrões de segregação em diferentes países, cidades ou regiões. Jennifer Robinson (2011) está entre os que questionam a tese da incomensurabilidade e lista vários argumentos a favor da comparação, não apenas pelas semelhanças, mas também pelas diferenças. O primeiro deles é que as teorias só podem ter um alcance geral à medida que diferentes realidades sejam contempladas. Segundo, a comparação entre situações distintas pode produzir um choque cultural de forma a perceber conexões novas e insuspeitas (PICKVANCE[9], apud ROBINSON, 2011). Terceiro, quanto mais abstratos forem os conceitos maiores serão as chances de se perceber as diferenças entre entre o que se está comparando. Por fim, a comparação entre diferentes contextos, além de funcionar como um antídoto em relação às certezas derivadas do paroquialismo, conduz a explicações mais nuançadas, mas em maior conformidade com a complexidade das cidades e seus problemas.

No caso aqui analisado, a comparação teve como questão central as possíveis alterações na estrutura social de 15 RM brasileiras, localizadas em distintos lugares do território nacional, no intervalo de 10 anos. As diferenças, assim como as similitudes interessam-nos na medida em que podemos perceber como tendências gerais e até globais atingiram as RM brasileiras. Da mesma forma, pode-se observar que fatores históricos e regionais afetaram diferentemente as RM. Nesse momento os limites da comparação podem se valer das virtudes dos estudos de caso, como a atenção ao contexto, como também à possibilidade de explicações multicausais. Se na comparação abre-se mão das explicações localistas, é importante atentar para as situações em que resultados semelhantes decorram de causas distintas, em função, por exemplo, de distintos processos históricos. Daí a importância das pluralidades causais (ROBINSON, 2011).

Apesar de a comparação não ser algo novo nas ciências sociais e humanas, o processo de globalização despertou ainda mais o seu interesse (ROBINSON, 2011), até porque diferentes manifestações sócioeconômicas, culturais e políticas passaram a ser analisadas como expressões de processos globais. Esse interesse acabou por produzir uma contra tendência que viu em grande parte das explicações globalizantes a imposição de teorias e explicações que partem de realidades muito específicas, mas em função do “lugar” e de “como” foram veiculadas (estamos nos referindo aqui a relações de poder) acabam se impondo e sendo aceitas como gerais. Mais uma vez a questão não é puramente metodológica, mas de natureza político-teórica que vem demandando uma posição mais autônoma dos estudiosos, de forma que possam tanto compreender as influências globais sobre as suas realidades estudadas, como pensá-las a partir das especificidades de seus contextos.

A análise comparativa aqui apresentada tem como suporte a metodologia desenvolvida no OM. A ocupação foi utilizada como variável principal para a análise do espaço social. O IBGE define como ocupação o emprego, cargo, função ou profissão exercidos na semana de referência do Censo Demográfico (25 a 31 de julho).[10] A partir desses dados foi possível construir uma proxy da estrutura social, combinando a variável ocupação com outras como posição na ocupação, setor de atividade, escolaridade e renda. Os dados censitários são os únicos disponíveis no Brasil, com possibilidade de comparação espacial e temporal, contemplando informações do mundo do trabalho.

Trata-se, por um lado, de localizar os indivíduos nas posições ocupacionais que formam a divisão social do trabalho vigente na economia metropolitana brasileira e, por outro, de identificar os agrupamentos que representam posições sociais ou classes de posições sociais com certa homogeneidade social, formando distintos “milieux sociaux”, socialmente “re-conhecidos”. Desta maneira, as ocupações foram agrupadas inicialmente em vinte e quatro categorias sócio-ocupacionais representativas do espaço social metropolitano, que deram origem a oito grupos hierárquicos, como se pode ver pela tabela 1.

 

 

É importante dizer que houve alterações na classificação das ocupações entre os Censos Demográficos de 2000 e 2010, fato que suscitou a necessidade de compatibilização do sistema de classificação. Enquanto o Censo de 2000 empregou a CBO-Domiciliar (Classificação Brasileira de Ocupações adaptada para pesquisadas domiciliares) de 1994, o IBGE adotou no recenseamento de 2010 a CBO-Domiciliar de 2002. Note-se que apesar das discrepâncias no sistema de classificação das ocupações adotado em 2000 e 2010, e do fato de nem todas as ocupações estarem presentes em ambos os censos, no agregado essas diferenças não comprometem a análise, uma vez que os grupos sócio-ocupacionais foram construídos conceitualmente segundo os mesmos critérios. O procedimento de compatibilização está descrito em RIBEIRO (2016).

 

 

4. Mudanças recentes na estrutura sócio-ocupacional metropolitana

Como explicitado na parte introdutória, este artigo analisou o comportamento dos grupos sócio-ocupacionais em 15 RM, entre 2000 e 2010, a partir de dois aspectos: primeiramente, investigamos a consistência estatística das diferenças encontradas na participação relativa dos grupos sócio-ocupacionais no conjunto metropolitano entre 2000 e 2010; num segundo momento, discutimos se houve mudanças nas RM em relação à composição dos grupos sócio-ocupacionais, evidenciando padrões gerais e excepcionalidades.

 

4.1. As categorias sócio-ocupacionais no conjunto metropolitano[11]

Em 2000 as RM brasileiras contabilizavam quase 24 milhões de trabalhadores ocupados, distribuídos assimetricamente entre os grupos ocupacionais. No conjunto metropolitano, 26,85% da força de trabalho encontravam-se em ocupações médias, seguidas dos trabalhadores do secundário (22,98%), do terciário (19,20%), do terciário não especializado (17,55%), profissionais de nível superior (7,33%), dirigentes (2,27%), pequenos empregadores (2,10%) e trabalhadores agrícolas (1,73%) (tabelas 2 e 3). Ao longo dos anos 2000, período de crescimento econômico e aumento das oportunidades de emprego, houve forte expansão da força de trabalho das RM, de modo que em 2010 o contingente de trabalhadores ultrapassava os 30 milhões. No entanto, percebem-se algumas mudanças na importância relativa dos grupos ocupacionais desde 2000. As ocupações médias permanecem as de maior importância, com 26,62% dos trabalhadores metropolitanos, seguidas do secundário (22,26%), terciário (18,84%), terciário não especializado (16,11%) e nível superior (11,44%) (tabelas 2 e 3).

Mas em que medida essas diferenças são consistentes e fazem parte de processos gerais relacionados ao conjunto metropolitano brasileiro? Em outras palavras, as alterações observadas são estatisticamente significativas? A análise dos testes de comparações de duas médias amostrais (teste t)[12] (tabela 4) ajuda a responder a essas perguntas. Busca-se com o referido teste avaliar se as diferenças encontradas no percentual médio de cada categoria sócio-ocupacional em 2000 e 2010 são estatisticamente significativas.

 

 

O exame dos resultados aponta que as maiores diferenças no percentual médio das categorias sócio-ocupacionais foram observadas entre os dirigentes, pequenos empregadores, profissionais de nível superior e os trabalhadores do terciário não especializado. Os profissionais de nível superior tiveram a sua importância relativa expandida em 3,85% no conjunto metropolitano, enquanto perderam relevância as categorias dirigentes (-0,45%), pequenos empregadores (-0,74%) e os trabalhadores do terciário não especializado (-2,13%).

Essas diferenças revelaram-se estatisticamente significativas, sugerindo a existência de processos reestruturadores consistentes nas RM analisadas no âmbito dessas categorias. Por outro lado, as diferenças médias encontradas entre os trabalhadores agrícolas, ocupações médias, trabalhadores do terciário e da indústria não são estatisticamente significativas, demonstrando a rigidez da estrutura sócio-ocupacional metropolitana em relação a essas categorias.

Portanto, a primeira conclusão que se extrai deste esforço comparativo é a presença de padrões diferenciados no comportamento dos grupos sócio-ocupacionais no âmbito metropolitano brasileiro, indicando que as transformações na estrutura produtiva nacional identificadas na segunda seção deste trabalho tiveram impacto apenas parcial na composição sócio-ocupacional.

 

4.2. Mudanças nas Categorias Sócio-Ocupacionais das regiões metropolitanas

Uma vez constatadas as tendências gerais na importância relativa das categorias ocupacionais no espaço metropolitano brasileiro, debruça-se agora sobre o exame mais minucioso do crescimento experimentado no número de empregos vinculados às categorias sócio-ocupacionais em cada uma das 15 RM. Para tal, gráficos do tipo radar foram produzidos para as categorias ocupacionais, com base no crescimento percentual da categoria entre 2000 e 2010 (figura 1). Nesses gráficos, cada categoria sócio-ocupacional tem o respectivo eixo de valores difundido a partir do ponto central, sendo que as linhas ligam os percentuais de crescimento encontrados em cada RM, formando um polígono que permite confrontar a condição das RM entre si e em relação ao padrão metropolitano geral.

Para facilitar a interpretação sublinhou-se a linha que indica o crescimento do conjunto metropolitano para cada categoria sócio-ocupacional. Os círculos sublinhados com pequenos raios indicam baixo crescimento ou retração da categoria, ao passo que círculos com raios maiores são indicativos de forte expansão da categoria nos anos 2000. Por sua vez, os polígonos formados pela junção dos valores encontrados em cada RM trazem informações importantes acerca das categorias de trabalhadores. Formas mais simétricas e harmoniosas são indicativas de maior homogeneidade no ritmo de crescimento geral e tendências mais consistentes entre as RM, ao passo que formas mais erráticas e angulosas são sugestivas de grande discrepância entre as RM na evolução da categoria sócio-ocupacional em análise.

A apreciação da figura 1 revela que os menores raios sublinhados encontram-se vinculados aos trabalhadores do terciário, pequenos empregadores e dirigentes, evidenciando o baixo crescimento ou a involução dessas categorias entre 2000 e 2010 no conjunto metropolitano. Por sua vez, raios mais amplos ancoram o crescimento do número de trabalhadores agrícolas, ocupações médias e profissionais de nível superior; categorias que viram os seus números expandir de forma mais contuntente no período em tela.

Ainda no plano das comparações entre as categorias sócio-ocupacionais merece destaque a forma dos polígonos gerados em cada gráfico (figura 1). Os profissionais de nível superior, dirigentes, pequenos empregadores e profissionais do terciário não especializado têm seus polígonos mais próximos à linha que demarca o crescimento metropolitano global. Esses resultados são consonantes com os testes de T apresentados anteriormente, que atestam diferenças estatisticamente significativas exatamente na evolução dos percentuais médios dessas categorias. Por outro lado, os trabalhadores agrícolas, do terciário, do secundário e as profissões médias apresentam polígonos mais irregulares, sugerindo maior heterogeneidade nas taxas de crescimento entre as 15 RM analisadas.

A figura 1 aponta, ainda, que o crescimento percentual das ocupações metropolitanas geradas ao longo dos anos 2000 foi de 25,69%, no entanto, algumas RM apresentaram crescimento muito acima da média nacional, com destaque para Florianópolis, Manaus, Goiânia, RIDE-DF, Fortaleza e Campinas; RM secundárias, mas cujo crescimento populacional também foi alto em relação à média das RM estudadas. Por outro lado, exibiram crescimento global abaixo da média nacional as RM Rio de Janeiro, Porto Alegre e São Paulo, RM que experimentaram crescimento populacional abaixo da média nacional ao longo da década. Nota-se aqui uma clara evidência do processo de desconcentração das forças produtivas nas RM, que vem se desenrolando desde os anos 1950 e que foram detalhadas por Cano (1988), Diniz (1993; 2001 e 2013) e Pacheco (1996), dentre outros. Por sua vez, o impacto diferencial do crescimento dos grupos ocupacionais acabou gerando alterações na composição ocupacional metropolitana.

Observemos agora as mudanças relativas aos grupos sócio-ocupacionais urbanos. Em termos relativos, o conjunto metropolitano sofreu uma queda de 9,71% na proporção de dirigentes, fato que afetou as RM de forma distinta. Enquanto Florianópolis, Goiânia, Vitória e Belém viram o número de dirigentes crescer de forma acentuada; São Paulo, Rio de Janeiro, Campinas e Belo Horizonte registraram significativa queda.

Os impactos das mudanças entre 2000-2010 foram drásticos entre os pequenos empregadores que viram o seu contingente encolher em -20,40%. Esta retração foi sentida de modo ainda mais dramático em Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Belém e Salvador, podendo estar vinculada às políticas de valorização do salário mínimo empreendidas ao longo da década, que teriam exercido significativo impacto na folha de pagamento e nos encargos trabalhistas arcados pelos pequenos negócios, desmotivando essa classe de empreendedores. Comportamento diverso foi vivenciado em Florianópolis e Manaus, onde se constatou crescimento positivo no número de pequenos empregadores. Em Florianópolis, a formação de um parque de inovações e o surgimento de startups tecnológicas poderiam explicar esta alteração. Manaus, cuja indústria havia sido implantada por decisão governamental, “dentro de uma estratégia geopolítica de ocupação da Amazônia”, após a crise nos anos de 1990, voltou a se reestruturar e ampliar no período em questão (DINIZ, 2006, p. 25).

Em termos relativos, é digna de nota a grande expansão dos profissionais de nível superior entre 2000 e 2010, quando se constatou um crescimento de 96,03%; de longe a transformação mais evidente na estrutura ocupacional brasileira. Em algumas RM o crescimento percentual foi ainda superior, como são os casos de Manaus, Goiânia, Vitória, Fortaleza, Curitiba e Belo Horizonte. As políticas de expansão e incentivo ao ingresso no ensino superior (PROUNI, REUNI e FIES), juntamente com a expansão da economia foram determinantes nesta trajetória. Destaque-se, ainda, o maior impacto dessas medidas em RM secundárias, denotando o efeito desconcentrador associado às alterações recentes desta categoria ocupacional.

Na condição de segundo grupo sócio-ocupacional com a maior expansão nos anos 2000 em números absolutos, as ocupações médias cresceram 24,62% entre 2000 e 2010, período no qual as RM de Goiânia, Campinas, Recife, Belo Horizonte e Florianópolis experimentaram expansão acima da média nacional. Abaixo da média encontram-se as RM Rio de Janeiro e São Paulo. A trajetória do grupo terciário também se mostrou ascendente em todo o conjunto metropolitano, implicando um crescimento geral de 23,37%, com maior destaque em Manaus, Florianópolis, RIDE-DF e Vitória.

O grupo dos trabalhadores do secundário experimentou crescimento de 21,77%, sendo que em regiões industriais de maior tradição como Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro cresceram abaixo do conjunto metropolitano, enquanto RM secundárias com Manaus, Fortaleza, Recife, Brasília, Goiânia, Salvador e Vitória foram destaques acima do padrão global. Confirmam-se aqui algumas das principais tendências da desconcentração industrial recente observada por DINIZ (2013), que passa pela revitalização industrial das RM nordestinas promovidas pela instalação e ampliação do polo petroquímico e a chegada da montadora Ford em Salvador; a implantação do Porto de SUAPE, da indústria naval, da refinaria Abreu Lima e da planta da FIAT automóveis em Recife; a expansão da indústria têxtil, a implantação do Porto de Pecém e da instalação de uma siderúrgica em Fortaleza. DINIZ (2013) também ressalta o crescente papel da indústria manauara, que opera como um centro de montagem de produtos eletrônicos, veículos leves etc. voltados para o mercado interno, além de reenfatizar a dispersão da atividade industrial em áreas menos tradicionais da megarregião aonde se vem observando a “reaglomeração poligonal” destacada por DINIZ (1993). Não se pode esquecer também que a forte presença do agronegócio no Centro-Oeste tem gerado atividades industriais complementares associadas à indústria alimentícia nas suas RM.

Em relação às ocupações no setor terciário não especializado observou-se crescimento positivo em todas as RM, mas, comparativamente às outras categorias sócio-ocupacionais, este tipo não gozou de expressivo aumento, apresentando 15,38% de expansão no conjunto metropolitano. Entretanto, Florianópolis, Curitiba, Campinas, São Paulo, Fortaleza são destaques acima da média nacional.

 

 

5. A posição das Regiões Metropolitanas na composição sócio-ocupacional brasileira

Buscando identificar a posição de cada RM na estrutura sócio-ocupacional, empreendeu-se uma Análise de Componentes Principais[13] com base nos percentuais relativos a cada categoria sócio-ocupacional em 2000 e 2010, para as 15 RM e o conjunto metropolitano. Adotando-se como critério de extração de componentes autovalores[14]  >1, foram extraídos três componentes, que conjuntamente explicavam 86,14% da variação presente no conjunto de dados analisados. O primeiro componente apresentou alta correlação com as categorias dirigentes, pequenos empreendedores e profissionais de nível superior, indicando a força do terciário superior. O segundo componente é mais híbrido e guarda alta relação com as categorias sócio-ocupacionais ligadas ao terciário, médio e terciário não especializado. Já o terceiro apresenta alta relação com a categoria agrícola. Os trabalhadores do secundário apresentaram-se negativamente associados a todos os vetores extraídos.

A figura 2 traz uma representação tridimensional da estrutura sócio-ocupacional metropolitana, na qual os componentes extraídos encontram-se representados em cada um dos eixos. Para facilitar a interpretação e a visualização da posição das RM nesta estrutura, apresentam-se quatro ângulos de visão distintos do gráfico de dispersão tridimensional. A figura indica que enquanto algumas RM apresentam-se próximas da estrutura sócio-ocupacional geral, como Belo Horizonte e Vitória, outras apresentam posições excêntricas e isoladas, como Manaus, Fortaleza e Curitiba, indicativas do alto grau de especialização dessas aglomerações. Mais próximos do conjunto metropolitano, mas posicionadas a distâncias maiores do que aquelas observadas em relação a Belo Horizonte e Vitória encontra-se um par de RM formado por Rio de Janeiro e São Paulo; e mais, adiante, um aglomerado formado por Belém, Salvador e Recife. Numa posição excepcional, apresentando altos valores nos componentes 1, 2 e 3 encontram-se a RIDE DF e Florianópolis. Em uma posição ainda mais distante do conjunto metropolitano localiza-se o conjunto formado pelas RM Porto Alegre, Goiânia e Campinas.

Nota-se, portanto, que a estrutura sócio-ocupacional das RM brasileiras apresenta algumas semelhanças e diferenças importantes, cuja explicação pode estar situada na formação histórica e no modo como a RM se articulou com os processos de industrialização e de inserção nos mercados domésticos e internacionais.

 

 

6. Considerações finais

A urbanização brasileira se deu de forma célere e intensa, conjugada com um vivo processo de metropolização, que promoveu a transferência de expressivo número de trabalhadores do campo para as cidades. Essas transferências estiveram, de um lado, associadas às históricas assimetrias regionais do desenvolvimento e à concentração fundiária que remontam ao período colonial, bem como à industrialização, que ao privilegiar um número restrito de cidades, gerou fortíssima concentração de renda, emprego e serviços essenciais. Essa concentração de oportunidades reforçou as forças centrípetas emanadas deste seleto número de centros urbanos. Viveu-se, portanto, uma “urbanização rápida e uma metropolização precoce” (LIPIETZ, 1989), comandada pelo modelo de industrialização, que privilegiou os grandes aglomerados urbanos, dotados de mão-de-obra excedente e de baixo custo e mercados internos consumidores.

Dada a natureza concentradora do modelo de industrialização vivenciado entre 1930 e 1980, o Estado brasileiro, associado aos capitais nacionais e internacionais, adotou várias iniciativas para promover a desconcentração das forças produtivas, seja através de incentivos fiscais ou investimentos diretos. Os efeitos dessa indução são inegáveis, sendo que algumas áreas periféricas e deprimidas foram dinamizadas. Destaque-se, no entanto, a natureza errática e inconsistente dos modelos de desenvolvimento adotados pelo Estado ao longo das décadas, que, nos anos 2000, testemunharam a transição de práticas de inspiração neoliberal na direção de políticas de natureza neodesenvolvimentista, com nova inflexão nos anos recentes.

A análise dos dados indica uma significativa expansão nos anos 2000 da população ocupada nas 15 RM analisadas, mudança que pode ser considerada como positiva e diretamente relacionada ao crescimento econômico e do emprego na década, reforçado por políticas estatais que, dado o contexto internacional favorável, promoveram a ampliação do mercado de trabalho e o aumento do emprego formal. Por outro lado, a análise das categorias sócio-ocupacionais revela que a sociedade brasileira é fortemente marcada pelo trabalho manual, que constitui, no conjunto estudado, quase dois terços da população ocupada (P.O.)[15], proporção que pouco se alterou entre 2000 e 2010 (de 61,4% para 59,0%). Ainda assim, vale destacar que a divisão dos trabalhadores pelas ocupações mostra uma estrutura social relativamente diversificada, com uma presença significativa das ocupações médias, o que contraria as imagens de uma sociedade dicotômica, dividida entre ricos e pobres.

A análise mostrou mudanças parciais na estrutura sócio-ocupacional das RM, que são reveladoras dos movimentos e processos observados nos anos 2000. As mais significativas foram as reduções observadas no número de trabalhadores vinculados aos grupos dirigentes e nos pequenos empregadores, o que pode estar relacionado com centralização de capital, ainda que tenha havido uma desconcentração territorial, com expansão do setor industrial, em algumas RM no Nordeste, por exemplo. Também dignos de nota são os ganhos registrados no peso relativo dos profissionais de nível superior, decorrentes da expansão da oferta de cursos superiores por instituições públicas e privadas e dos programas federais de bolsas, além da desconcentração territorial das instituições de ensino superior. Destaquem-se, ainda, as perdas na participação dos trabalhadores do terciário não especializado, grupo formado por trabalhadores domésticos, ambulantes e biscateiros, cuja retração esteve associada principalmente à expansão do mercado de trabalho e ao conjunto de políticas sociais adotadas no período.

Apesar desses avanços, a parcela da população ocupada situada na extremidade inferior da hierarquia social, caracterizada pela baixa qualificação, precariedade nas relações de trabalho e baixos salários, constituía em 2010 16,1% do total, fruto do modelo de industrialização adotado no país. Se na maioria das RM dos países desenvolvidos o mercado (esfera dominante de acesso aos recursos) convive com a redistribuição realizada pelos regimes de bem-estar social, nos países periféricos, diferentemente, esse processo foi incompleto. A precária acumulação prévia à industrialização demandou a formação do setor informal, que Santos (2004) considera parte integrante de um circuito inferior da economia[16], e uma urbanização precária e desigual. No desenvolvimento do capitalismo no Brasil, “uma parte importante da sociedade se reproduzia através de formas de produção, circulação e consumo apenas parcialmente penetradas pelo mercado, composta pela produção doméstica de alimentos no campo e a produção coletiva de cidade expressa pela produção doméstica da moradia” (RIBEIRO, op. cit., p. 26).

A análise das RM em relação à sua composição sócio-ocupacional traz à tona outra importante conclusão: a de que os anos 2000 reforçaram a tendência de expansão diferenciada da força de trabalho e de desconcentração econômica em âmbito metropolitano, que privilegiaram RM secundárias e periféricas. Os dados mostram semelhanças e diferenças importantes entre as RM, cuja explicação pode estar situada tanto no plano das mudanças na economia mundial e da inserção específica de cada uma, quanto no plano das especificidades de um país periférico continental e com diversidade regional.

Se a expansão dos profissionais de nível superior somada à diminuição dos dirigentes são os aspectos gerais mais dignos de nota, cabe também registrar como estas e outras mudanças não se fizeram sentir de forma homogênea em todas as regiões. Regiões metropolitanas situadas no topo da hierarquia, como São Paulo e Rio de Janeiro, foram as mais atingidas pela queda dos dirigentes, ainda que São Paulo tenha sido a região a registrar o maior aumento de profissionais de nível superior. Nesse processo, novas RM emergem com crescimentos muito significativos, como Florianópolis, que apresentou um expressivo crescimento dos dirigentes e dos pequenos empregadores, contrariando a tendência geral. Além de Florianópolis, Goiânia, Manaus e Fortaleza também apresentaram comportamentos destoantes, que merecerão um aprofundamento das suas causas, assim como um acompanhamento no tempo, de forma a melhor compreendê-los e mesmo verificar se são expressões de mudanças passageiras ou tendências que se confirmarão na década atual e seguintes. No caso de Fortaleza, destaca-se a reestruturação do setor industrial, com a implantação de novas indústrias, atraídas pelos incentivos ofertados e, ainda, a processual implementação de Complexo Industrial Portuário de Caucaia e São Gonçalo (PEQUENO, 2015).

Além desses aspectos gerais vale destacar outros que dizem respeito, ora às especificidades de algumas RM, ora a mudanças cujas origens já tinham sido percebidas por outras análises, à medida que conformam tendências um pouco mais consolidadas. Outras mudanças sugerem relações com processos globais que acabaram por gerar novas reterritorializações. Ou seja, ainda que as causas possam variar, o que se observa nas RM brasileiras, também se observa em outras partes. O urbano se manifesta hoje em novas e muitas vezes inusitadas territorializações que desafiam as hierarquias existentes (PERRY e HARDING, 2002).

Historicamente, Rio de Janeiro e São Paulo concentraram as atividades econômicas e de comando. Este processo é refletido na posição que ocupam estas duas RM na rede urbana brasileira. A partir da década de 1970, observa-se na RMSP uma desconcentração das atividades econômicas para outras regiões do estado, como Campinas, São José dos Campos, Sorocaba e Santos. Mas, como mencionado, apesar dessa desconcentração, ambas mantêm as posições mais altas na hierarquia, o que as classifica como RM nacionais. E, em função disso, há uma tendência de analisá-las conjuntamente, conformando uma megarregião (LECIONE, 2015), com intensa integração produtiva, intenso movimento pendular, com inserção na economia global, mas também como importante centro econômico local. 

Brasília, capital nacional, destaca-se em sua composição social pela alta representatividade dos dirigentes e profissionais de nível superior e sub-representação dos trabalhadores do secundário, com explícita caracterização de suas funções de administração pública superior.

Os dados das concentrações dos dirigentes e pequenos empregadores mostram a importância adquirida por algumas RM regionais, processo concomitante à desconcentração observada em São Paulo e Rio de Janeiro. Esses grupos, dirigentes e pequenos empregadores, se concentraram mais nas RM de Curitiba, Florianópolis e RIDE-DF. Em Curitiba, a reestruturação econômica guiada pela indústria automotiva implicou a "presença de profissionais mais qualificados, atuando para o desenvolvimento do conhecimento científico e tecnológico" (DESCHAMPS, 2014, p.179). Os dirigentes e pequenos empregadores estão também concentrados em São Paulo, sendo que os pequenos empregadores estão fortemente presentes em Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre e também em Goiânia; nesta última provavelmente em decorrência do reforço de seu papel de polo regional.[17] Mas o seu maior crescimento relativo ocorreu em Florianópolis e em Manaus – nesta última, apesar do crescimento, continua subrepresentado.

Campinas e Porto Alegre se destacam por uma alta concentração, maior do que a média nacional, dos trabalhadores do secundário. Com exceção da RIDE-DF, onde está sub-representado, em todas as RMs esta categoria apresenta distribuição proporcional à média metropolitana.

No processo de desconcentração urbano-industrial ocorrido na década de 2000, a ação estatal foi também fundamental. Do ponto de vista macroeconômico, essa foi uma década de continuidade da lógica econômica anterior, subordinada à dinâmica de financeirização. No entanto, a conjuntura internacional favorável permitiu os resultados positivos já mencionados, com alterações no bloco de poder: “à hegemonia financeiro-exportadora (bancos e agronegócio) que comanda a economia brasileira, vieram se juntar segmentos nacionais do grande capital, articulados por dentro do Estado” (Filgueiras, et al., 2010, p.37-38 apud Ribeiro, 2013, p.16).[18] Esta coalizão concretizou-se em políticas públicas contraditórias, o que pode explicar o fato de  que as mudanças na estrutura social das RM não significaram transformações expressivas.

O exame preliminar dos dados da PNAD Contínua[19] referentes ao período de 2012 a 2017, que se refere a período posterior àquele analisado neste artigo, confirma a manutenção das principais macrotendências observadas nos anos 2000. Observa-se no período mais recente uma estabilização na proporção dos dirigentes, trabalhadores do terciário não especializado, ocupações médias e agrícolas. Já os profissionais de nível superior e trabalhadores do terciário continuaram a expandir-se de forma consistente no conjunto metropolitano analisado. Outra tendêndia confirmada foi a initerrupta retração na proporção de trabalhadores do secundário no período mais recente.  A única macrotendência a sofrer descontinuidade em relação aos anos 2000 ocorre entre os pequenos empregadores, que apresentaram continuada expansão no período mais recente.

Os acontecimentos político-institucionais a partir de 2015, e os resultados da eleição de 2018, significam uma  forte guinada na coalização anterior. O projeto vigente na década de 2000 foi interrompido, com uma sequência ainda imprevisível. No entanto, a julgar pelas reformas empreendidas pelo Governo de Michel Temer, e as que se anunciam com o novo governo de Jair Bolsonaro, podem ocorrer no futuro próximo mudanças na estrutura social brasileira, de forma bastante regressiva.

 

 

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[1]Essa rede vem pesquisando as metrópoles brasileiras desde os anos de 1990, por equipes de pesquisadores constituídas em diferentes regiões metropolitanas do Brasil. Tais equipes trabalham a partir de uma base metodológica comum de forma que os resultados sejam comparáveis. http://www.transformacoes.observatoriodasmetropoles.net/livro/.

[2] Para a década de 1990, ver o trabalho de Pasternak (2012). Também para o período entre 2001 e 2008, Ribeiro et. al. (2013) desenvolveram análise para 10 regiões metropolitanas, a partir de dados das PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios). Ambos os trabalhos estão inseridos na Rede Observatório das Metrópoles.

[3] Para mais detalhes a respeito da metodologia e da hierarquização dos municípios e das RM, ver RIBEIRO (2009).

[4] Para análises do período, ver, entre outros, IPEA (2010). Ver também o conjunto de livros produzidos pelo Observatório das Metrópoles, analisando as mudanças no período 1980-2010 em cada uma das regiões metropolitanas estudadas pela rede – a coleção Metrópoles: território, coesão social e governança democrática (Série Estudos Comparativos) pode ser acessada em http://www.transformacoes.observatoriodasmetropoles.net/livro/

[5] Destaquem-se aqui as rodovias Brasília-Belém; Brasília-Belo Horizonte; Brasília-São Paulo; Brasília-Cuiabá; Brasília-Barreiras, e suas ramificações.

[6] Ver NABUCO (2007) para uma discussão pormenorizada dos diversos Programas de desenvolvimento regional.

[7] Ver CANO (1988) para uma discussão dos determinantes da expansão no interior paulista.

[8] DINIZ (2000) mostrou que os movimentos migratórios e de urbanização dos anos 1990s encontravam-se afinados com as tendências regionais da economia, sendo evidente a expansão no nível de urbanização e na crescente sofisticação e complexidade da rede urbana do Centro-Sul, ao passo que também se expandiram as cidades médias das regiões agrícolas mais dinâmicas, como também da fronteira agrícola. Destaque-se, ainda, o crescimento populacional das principais metrópoles nordestinas e as demais capitais estaduais, conjugado com o fraco crescimento de cidades de nível intermediário, fato que sugere uma baixa integração econômica regional interna.

[9]PICKVANCE, C. (1986) Comparative urban analysis and assumptions about causality. International Journa lof Urban and Regional Research10.2, 162–84.

[10]IBGE, Censo Demográfico de 2010, Características gerais da população, religião e pessoas com deficiência. p.23.

[11] Refere-se ao conjunto das 15 metrópoles analisadas neste estudo.

[12] O teste de t constitui-se na análise das médias de duas populações com base nos princípios dos testes estatísticos. O teste de t com duas amostras é geralmente empregado quando se tem pequenos tamanhos amostrais, testando-se a consistência estatística da diferença entre as médias das amostras, em face de variâncias ignoradas. Ver BURT, BARBER AND RIGBY (2009) para uma descrição pormenorizada do teste. 

[13] A análise de componentes principais é um procedimento estatístico utilizado na identificação de um número menor de variáveis não correlacionadas, chamadas "componentes principais", a partir de um grande conjunto de dados. O objetivo da análise é explicar a quantidade máxima de variância com o menor número de componentes principais, a partir da ortogonalização de vetores. A análise de componentes principais é comumente usada na eliminação de problemas de multicolinearidade, ou quando se tem muitos preditores em relação ao número de observações. Ver RUMMEL (1970) para uma discussão detalhada da técnica.

[14] Os autovetores representam as componentes principais, indicando o resultado do carregamento das variáveis originais. Cada autovetor tem, por sua vez, um autovalor correspondente, que informa quanta variação há nos dados associados à componente. Os autovetores com os autovalores mais altos são, portanto, as componentes principais.

[15]A título de comparação, a proporção desse grupo em Paris e em New York nos anos de 1980 era menor do que 40% (PRETECEILLE; RIBEIRO, 1999 e BAILEY; WALDINGER, 1992).

[16] Santos (2004) sugere que as forças de transformação operando sobre os espaços urbanos tendem a produzir impactos localizados e desiguais, não sendo possível conceber a cidade como uma máquina maciça, sendo esta composta por dois subsistemas. O circuito superior traz as marcas mais evidentes da modernização, sendo caracterizado por sua fluidez e flexibilidade, congregando grandes empresas, bancos, atividades ligadas ao ramo da alta tecnologia. Por sua vez, o circuito inferior é composto por atividades de pequena dimensão, com o uso de mão de obra intensiva, que se cria e se recria com baixos níveis de capital, congregando as camadas mais pobres da população. Trata-se de duas realidades distintas e complementares, que se apresentam de forma concomitante e superposta no mesmo espaço-tempo. Esses subsistemas encontram-se dialeticamente articulados apresentando relações de complementaridade, subordinação e concorrência. No entanto, ao comandar diferentes  formas de produzir, distribuir, comercializar e consumir esses setores geram materialidades distintas, discerníveis na paisagem urbana.

[17] “A cidade de Goiânia, até então centro de serviços da agricultura da região, está se transformando e desenvolvendo uma estrutura industrial mais diversificada” (Diniz, 2006, p. 25).

[18]FILGUEIRAS, Luiz; PINHEIRO, Bruno; PHILIGRET, Celeste; BALANCO, Paulo. Modelo liberal-periférico e bloco de poder: política e dinâmica macroeconômica nos governos Lula. In: MAGALHÃES, João Paulo de Almeida. Os anos Lula: contribuições para um balanço crítico 2003-2010. Rio de Janeiro: Ed. Garamond, 2010, p. 35-69.

[19] A PNAD Contínua traz indicadores conjunturais sobre trabalho e rendimento, cujos dados são passíveis de agregação em periodicidade anual, trazendo informações sobre as 21 RMs brasileiras, incluindo a classificação ocupacional, que permite o enquadramento da força de trabalho nas mesmas categorias sócio ocupacionais trabalhadas neste artigo. 

 

 

8. Agradecimentos

Os autores agradecem aos apoios recebidos do CNPq e da Fapemig. Agradecem também a Marcelo Ribeiro, professor do IPPUR/UFRJ e investigador do Observatório das Metrópoles, pela cessão de parte dos dados utilizados neste trabalho.

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