1. Introdução
Neste artigo apresenta-se os resultados de uma dissertação de mestrado desenvolvida com o objetivo de elaborar um Zoneamento Ecológico Econômico para a Bacia Hidrográfica do Rio Preto (mesorregião Sul do Estado de Goiás - Brasil), aliando desenvolvimento socioeconômico e equilíbrio ambiental, levando-se em conta a fragilidade ambiental apresentada pelas diferentes zonas, os níveis de manejo das atividades agropecuárias e o estado de conservação das áreas com vegetação remanescente, buscando minimizar o efeito das atividades antrópicas sobre a dinâmica da paisagem.
Com a finalidade de estabelecer este equilíbrio sociedade/natureza, o Plano Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981) institui diretrizes e instrumentos para a gestão ambiental, entre eles o zoneamento ambiental. Com a redação do decreto nº 4.297/2002, Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE), instrumento de gestão territorial, organiza o território em zonas visando seu ordenamento quanto à fragilidade e vulnerabilidade do solo, poluição dos recursos hídricos, entre outros. Estabelece critérios para a ocupação da terra em cada zona. O zoneamento apresenta fundamental importância para uma gestão sustentável do ambiente (BRASIL, 2002).
O Estado de Goiás, localizado na região Centro-Oeste do Brasil, é um dos poucos em todo território brasileiro que apresenta o zoneamento, fundamentado no Decreto Estadual nº 6.707/2007, denominado Zoneamento Agroecológico e Econômico (ZAEE-GO). Este instrumento verifica a intensa ocupação do Cerrado no Estado, os danos causados à fauna e à flora por diferentes atividades, além de prejuízos econômicos. Propõe, ainda, zoneamentos de potencialidades agropecuárias, como por exemplo para o plantio de cana-de-açúcar, de acordo com suas aptidões e fragilidades (GOIÁS, 2007).
Considerando-se as mudanças ocorridas nas últimas décadas na paisagem da Bacia Hidrográfica do Rio Preto, principalmente pela ação antrópica, a pesquisa da qual este artigo resulta tornou-se instrumento interessante para avaliar como as diferentes políticas para uso e ocupação do território podem ter interferido no equilíbrio natural da região. A categoria de análise é a paisagem, considerando a relação sociedade-natureza. O estudo partiu de uma análise sistêmica, integrada e holística, fundamentado no conceito da Ecodinâmica de Tricart (1977) para a aplicação da metodologia de Ross (1994) que utiliza como base a fragilidade ambiental (potencial) e de ambientes antropizados (emergente) com o uso das geotecnologias para a análise das informações geográficas. Para a construção do Zoneamento Ecológico-Econômico da Bacia Hidrográfica do Rio Preto utilizou-se o fluxograma de zoneamento de Crepani et al. (2001).
Para Bertrand (2004) a paisagem é, além da representação da natureza, a relação do social, analisando-se os processos de interrelação e dependência do ser vivo para a sobrevivência e subsistência. O uso excessivo dos recursos, não respeitando os limites do ambiente, leva à degradação, à instabilidade de elementos físicos, biológicos e antropológicos.
Passos e Souza (2013) descrevem que a dimensão da paisagem varia de acordo com os arranjos dos diferentes elementos materiais e que tem a possibilidade das formas produzidas pelo homem com os componentes naturais, além da composição visual e organização do espaço com as particularidades das dinâmicas naturais e antrópicas. De acordo com as organizações sociais e econômicas impostas, o território passa a ser político (SOUZA, 2013). Este mesmo território político (re)organiza ou impõe mudanças na paisagem, pela prática e/ou demanda econômica.
Ruy Moreira (2007) considera que para este mesmo território de poder político, com suas projeções econômicas, se faz necessário saber suas potencialidades fisiográficas, podendo assim analisar onde o território se faz mais rentável. Logo, para pesquisas em bacias hidrográficas, para a gestão e planejamento da mesma, são necessários estudos dos aspectos físicos e socioeconômicos, ou seja, uma análise integrada da paisagem em questão (ALVES, 2012; MARQUES, 2010; SANTOS, 2018).
2. Zoneamento Ecológico Econômico e Áreas de Preservação Permanente no Brasil: bases técnicas e legais
A base da legislação do ZEE surgiu a partir da necessidade de preservar, conservar e gerenciar os múltiplos usos dos recursos naturais, assim como propor alternativas de atividades que evitem a degradação do ambiente natural, além de dar continuidade ao desenvolvimento socioeconômico no viés da sustentabilidade.
Em 31 de agosto de 1981, foi estabelecida a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938), tendo por objetivo, conforme o Artigo 2º, “a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no país, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana” (BRASIL, 1981)
Além de constituir o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) e instituir o Cadastro de Defesa Ambiental, a lei nº 6.938/81, define como instrumentos (Artigo 9º):
I - o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental;
II - o zoneamento ambiental;
III - a avaliação de impactos ambientais;
IV - o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras;
V - os incentivos à produção e instalação de equipamentos e a criação ou absorção de tecnologia, voltados para a melhoria da qualidade ambiental;
VI - a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público federal, estadual e municipal, tais como áreas de proteção ambiental, de relevante interesse ecológico e reservas extrativistas;
VII - o sistema nacional de informações sobre o meio ambiente;
VIII - o Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental;
IX - as penalidades disciplinares ou compensatórias ao não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção da degradação ambiental.
X - a instituição do Relatório de Qualidade do Meio Ambiente, a ser divulgado anualmente pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA;
XI - a garantia da prestação de informações relativas ao Meio Ambiente, obrigando-se o Poder Público a produzi-las, quando inexistentes;
XII - o Cadastro Técnico Federal de atividades potencialmente poluidoras e/ou utilizadoras dos recursos ambientais.
XIII - instrumentos econômicos, como concessão florestal, servidão ambiental, seguro ambiental e outros. (BRASIL, 1981)
Em 10 de Julho de 2002 sob Decreto nº 4.297 foram regulamentados os critérios para o Zoneamento Ecológico Econômico do Brasil (ZEE), sendo definido (Artigo 2º) como um instrumento de organização territorial que “estabelece medidas e padrões de proteção ambiental destinados a assegurar a qualidade ambiental, dos recursos hídricos e do solo e a conservação da biodiversidade, garantindo o desenvolvimento sustentável e a melhoria das condições de vida da população” (BRASIL, 2002). O objetivo principal do ZEE é “organizar, de forma vinculada, as decisões dos agentes públicos e privados quanto a planos, programas, projetos e atividades que, direta ou indiretamente, utilizem recursos naturais, assegurando a plena manutenção do capital e dos serviços ambientais dos ecossistemas” (BRASIL, 2002).
O Poder Público Federal é o órgão competente de acordo com o decreto nº 4.297/2002, para “elaborar e executar o ZEE nacional e regionais, quando tiver por objeto biomas brasileiros ou territórios abrangidos por planos e projetos prioritários estabelecidos pelo Governo Federal” (BRASIL, 2002). A escala cartográfica de 1:1.000.000 é recomendada para indicativos estratégicos de uso do território, definição de áreas para detalhamento, referência para definição de prioridades em planejamento territorial e gestão de ecossistemas. Escalas de 1:250.000 e maiores são indicadas para gestão e ordenamento territorial estadual ou regional, tais como, definição dos percentuais para fins de recomposição ou aumento de reserva legal. E para as escalas locais de 1:100.000 e maiores para indicativos operacionais de gestão e ordenamento territorial, tais como, planos diretores municipais, planos de gestão ambiental e territorial locais, usos de Áreas de Preservação Permanente (BRASIL, 2002).
De acordo com a legislação e a obrigatoriedade dos estados em seguir um planejamento, o Estado de Goiás é um dos poucos que constituiram uma Comissão Coordenadora do Zoneamento Agro-Ecológico-Econômico, de acordo com o decreto nº6.707/2007 (GOIÁS, 2007). O SIEG (Sistema Estadual de Geoinformação de Goiás) disponibiliza os cinco produtos do MacroZAEE-GO, que são produtos como a sistematização do banco de dados, mapa de uso e cobertura da terra, aptidão agrícola e o termo de referência da elaboração do mesmo. O estado conta também com o Zoneamento Agroecológico da Cana-deAçúcar (ZAE CANA) elaborado pela EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) em 2009, que tem como objetivo o subsídio técnico para formulação de políticas públicas visando o ordenamento da expansão e produção sustentável de etanol e açúcar (EMBRAPA,2009).
O estudo para construção do ZEE da Bacia Hidrográfica do Rio Preto também fundamenta-se no Código Florestal Brasileiro (lei nº 12.651/2012) para a análise das Áreas de Preservação Permanente (APP), Reservas Legais (RL) e Unidades de Conservação (UC). O Código Florestal estabelece normas gerais sobre a proteção da vegetação, a exploração florestal, o suprimento de matéria-prima, o controle da origem dos produtos florestais e o controle e preservação dos incêndios florestais (BRASIL, 2012).
Nesta mesma lei, conforme o Artigo 3º, entende-se por Área de Preservação Permanente (APP) as áreas protegidas, cobertas ou não por vegetação nativa, sendo sua função preservar os recursos físicos, químicos e biológicos (recursos hídricos, solos, relevo, fauna e flora). Podem ocorrer em áreas rurais ou urbanas, com faixas marginais de qualquer curso de água natural ou perene; áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais; entorno de reservatórios de água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos de água naturais; entorno de nascentes e dos olhos de água perenes; encostas ou partes destas com declividade superior a 45º, as restingas, os manguezais, as bordas dos tabuleiros ou chapadas, topo de morros, montes, montanhas e serras (BRASIL, 2012).
Entende-se por Reserva Legal (RL), no artigo 3º da Lei nº 12.651/2012, a área inserida no interior de uma propriedade ou posse rural, tendo como função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, assim como auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos, promover a conservação da biodiversidade, sendo abrigo e proteção da fauna e flora (BRASIL, 2012).
Com relação às Unidades de Conservação, sua criação e gestão no Brasil foi regulamentada pela Lei nº 9.985/2000, que as definem como “Espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção” (BRASIL, 2000). O Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), criado em 2000, apresenta como objetivo a contribuição para a manutenção da diversidade, proteção das espécies, para a preservação e restauração dos ecossistemas, promovendo o desenvolvimento sustentável e protegendo as paisagens e suas características físicas e culturais. Visa, ainda, proteger os recursos hídricos e edáficos, a recuperação ou restauração dos ambientes degradados, incentivar a pesquisa científica, estudos e monitoramento ambiental, a valorização econômica, promover a educação e interpretação ambiental, e proteção dos recursos naturais para a subsistência de populações tradicionais (BRASIL, 2002).
Logo fica nítido que, as legislações descritas são de interesse público e privado, de interesse socioeconômico a todos envolvidos, pois as mesmas integram a análise do território para o ZEE.
3. Material e métodos
A área de estudo é representada pela Bacia Hidrográfica do Rio Preto, com extensão de 2.336 km², inserida nos municípios de Quirinópolis, Cachoeira Alta e Rio Verde, na mesorregião Sul Goiano, Estado de Goiás, Brasil (Figura 1). A região apresenta diversas potencialidades para agricultura comercial, potenciado pelo relevo plano, solos profundos e bem drenados, disponibilidade hídrica e políticas públicas nacionais e regionais para o setor agropecuário. A bacia contribui para o abastecimento do reservatório do empreendimento da Usina Hidrelétrica de São Simão - GO, uma das maiores do Centro-Sul do Brasil, além de abastecer a cidade de Quirinópolis por meio das águas do Ribeirão das Pedras, seu principal tributário.
A investigação foi realizada em etapas. Na primeira etapa, foram organizadas e interpretadas as bases cartográficas de: intensidade pluviométrica, hipsometria, declividade, compartimentação geomorfológica e solos, todas em escala de 1:250.000. Na segunda etapa, foram mapeados os dados socioeconômicos da área, como população e renda por setores censitários (subdivisões definidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística para o levantamento de dados populacionais), vias de circulação, aptidão agrícola e o mapeamento de dinâmica de uso e cobertura da terra para os anos de 1997, 2007 e 2017. Estes anos foram definidos por permitirem uma análise por décadas considerando o período anterior à instalação de usinas de biocombustíveis na região (1997), o período de instalação destes empreendimentos (2007) e o início da realização desta pesquisa (2017).
Por fim, fez-se o mapeamento da fragilidade ambiental de acordo com a proposta de Ross (1994) considerando: 1) a Variável solos com as classes de fragilidade, que estão relacionadas ao relevo, litologia, clima e os elementos motores da pedogênese (Quadro 1); 2) Geração da carta geomorfológica e análise genética das formas do relevo, para a qual foram utilizados os índices de dissecação do relevo em cinco classes (muito fraco, fraco, médio, forte e muito forte - Quadro 2). Aqui, optou-se por trabalhar a dissecação, visto que na escala de 1:250.000 as informações sobre declividade do terreno apresentam muitas inconsistências; 3) Análise do potencial erosivo das chuvas pela geração de índices de erosividade a partir de dados pluviométricos obtidos em estações do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) e postos pluviométricos da Agência Nacional de Águas (ANA). Toda a área da bacia enquadrou-se na classe de erosividade fraca (de 250 a 500 Ton.m.mm/ha-¹.h.ano-¹); 4) Uso da terra e cobertura vegetal, convertido em graus de proteção (muito alta para florestas a muito baixa para áreas de solo exposto - Quadro 3).
Classes de Fragilidade | Tipos de Solos |
---|---|
1- Muito Baixa | Latossolos Vermelhos |
2- Baixa | Latossolo vermelho-amarelo |
3- Média | Argissolos vermelho-amarelos |
4- Forte | Neossolos Litólicos Neossolos Quartzarênico |
5- Muito Forte | Gleissolo Háplico |
Fonte: Adaptado de Ross (1994).
Densidade de Drenagem ou Dimensão Interfluvial Média ////////////// Graus de Entalhamento dos vales | MUITO BAIXA (1) >3750m >15 mm | BAIXA (2) 1750 A 3750 m 3 a 15 mm | MÉDIA (3) 750 A 1750 m 3 a 5 mm | ALTA (4) 250 A 750 m 1 a 3 mm | MUITO ALTA (5) <250 m 1 mm |
---|---|---|---|---|---|
Muito Fraco (1) (< de 20 m) | 11 | 12 | 13 | 14 | 15 |
Fraco (2) (20 a 40 m) | 21 | 22 | 23 | 24 | 25 |
Médio (3) (40 a 80 m) | 31 | 32 | 33 | 34 | 35 |
Forte (4) (80 a 160 m) | 41 | 42 | 43 | 44 | 45 |
Muito Forte (5) (>160 m) | 51 | 52 | 53 | 54 | 55 |
Grau de Proteção | Tipos de Cobertura Vegetal |
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1- Muito Alta | - |
2- Alta | Diferentes feições do bioma cerrado |
3- Média | Pastagem; Silvicultura |
4- Baixa | Agricultura de milho e cana-de-açúcar |
5- Muito Baixa | Solo exposto; Área urbana |
Fonte: Adaptado de Ross (1994)
Com a base de dados formada e com as classes de fragilidade correspondentes, foram mapeadas a fragilidade potencial (caracterizada pelo o equilíbrio dinâmico natural entre os elementos do sistema, conforme ROSS, 1994) e emergente (caracterizadas pelas ações antrópicas, conforme ROSS, 1994) a partir da atribuição de pesos (1 a 5) para cada variável, que posteriormente indicaram a classe final por cálculo de média simples. A combinação dos quatro dígitos (primeiro o uso da terra e cobertura vegetal, segundo a dissecação do relevo, o terceiro associado a susceptibilidades dos solos e o quarto à erosividade das chuvas) resultam por exemplo o conjunto numérico 1111 que corresponde a uma Unidade Ecodinâmica Estável, onde a cobertura vegetal é densa, com dissecação do relevo e erosividade muito fracas e de solos com susceptibilidade a erosão muito fraca (ROSS, 1994).
Posteriormente, realizou-se a sobreposição dos polígonos por álgebra de mapas com a ferramenta intersect do ArcGIS 10.1®. Numa primeira etapa, os solos foram sobrepostos à dissecação do relevo, depois ao resultado do processamento foi inserida a erosividade das chuvas, chegando ao mapa de fragilidade potencial. O mapa de uso e cobertura da terra foi convertido em graus de proteção e sobreposto ao mapa de fragilidade potencial para gerar a fragilidade emergente, que demonstra o impacto das atividades antrópicas sobre o ambiente.
Na segunda etapa, para o Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) da bacia hidrográfica do Rio Preto, seguiu-se o fluxograma da figura 2, onde estão demonstrados os elementos formadores da paisagem; os elementos necessários para a fragilidade potencial, para a fragilidade emergente, os aspectos socioeconômicos e o resultado do ZEE.
Dentre as variáveis consideradas para a análise socioeconômica estão a população total, produção agropecuária, industrial e de serviços, PIB per capita, evolução do PIB, remuneração média, infraestrutura básica, laboratórios, bibliotecas, IDEB, total de domicílios, leitos em hospitais, quantidade de médicos, IDM (Índice de Desempenho Municipal), economia, educação, segurança, infraestrutura, saúde, entre outras variáveis estudadas em um período de dez anos. Estas informações foram obtidas no documento do Zoneamento Agroecológico e Econômico do Estado de Goiás (MACROZAEE, 2014), onde a abordagem é feita em nível municipal, visto ser esta a unidade territorial de gestão adotada no Brasil. A pontuação atribuída varia de 0 a 10, em duas casas decimais, sendo que a nota perto de zero expressa o pior desempenho municipal e a nota perto de dez expressa o melhor desempenho (SIEG, 2014).
Para realizar a análise final, optou-se por setorizar a bacia, subdividindo-a em alto, médio, baixo curso e Ribeirão das Pedras (figura 3), individualizado por se tratar do manancial responsável pelo abastecimento de Quirinópolis. Por fim, delimitou-se cinco zonas para a setorização da bacia: 1) zona de expansão urbano-industrial; 2) zona de produção sucroenergética consolidada; 3) zona de uso agrosilvopastoril I (; 4) zona de uso agrosilvopastoril II; e 5) zonas de uso restrito.
Para a zona de expansão urbano-industrial foram consideradas as variáveis do setor censitário de renda e população, e conforme a legislação do município de Quirinópolis que refere a expansão urbana. Na zona de produção sucroenergética consolidada foram consideradas as áreas de plantio de cana já existentes. As zonas de uso Agrosilvopastoril foram divididas em I e II considerndo um raio de 50 km das usinas de biocombustíveis instaladas na região. Este raio foi estabelecido considerando ser esta a distância viável para plantio considerando os custos logísticos de plantio, manejo, colheita e transporte da cana-de-açúcar. Nas zonas de usos restritos foram considerados o relevo e os tipos de solos, assim como a expansão destas áreas em 30 metros que a legislação assegura para a proteção dos cursos de água e a própria vegetação, áreas de dissecação acentuada, Preservação Permanente, e solos hidromórficos.
4. Resultados e discussão
4.1. Análise da Fragilidade Ambiental na Bacia do Rio Preto - Goiás - Brasil.
A partir dos pesos associados à dissecação do relevo, do tipo de solos, da erosividade das chuvas e do uso e cobertura da terra/cobertura vegetal, foram feitos o mapeamento da fragilidade potencial (Figura 4) e emergente (Figura 5). A bacia apresentou fragilidade potencial (Figura 4) em quatro classes, sendo a primeira classe fraca com 71,2% da área total da bacia que correspondem a solos profundos, bem drenados, estáveis e com relevo plano. A fragilidade média representa 21,5% da área e pode ser observada principalmente no alto e médio curso, com destaque ao Ribeirão das Pedras, circundando as serras da Confusão do Rio Preto e da Fortaleza, onde os solos em conjunto com o relevo indicam restrições baixas e médias. A fragilidade forte recobre 6,9% da área e representa as vertentes das serras com graus de dissecação acentuados, sempre associadas às fragilidades muito fortes com apenas 0,4% da área, localizadas nos pontos do alto, médio curso e na bacia do Ribeirão das Pedras associados ao relevo residual.
O mapeamento de fragilidade emergente (Figura 5) apresentou quatro classes, não demonstrando nenhuma área com fragilidade muito fraca, assim como ocorreu com a fragilidade potencial. As áreas com fragilidade fraca representam 12,9% da bacia e indicam regiões onde ainda se conserva a vegetação remanescente, principalmente em matas ciliares e de galeria.
Predominam na bacia as áreas com fragilidade emergente média (79%), que apresentam potencialidades agropecuárias como solos profundos, bem drenados e relativamente férteis, relevo plano/suave ondulado e baixa erosividade das chuvas. Estas áreas distribuem-se por toda a bacia, mas coincidem principalmente com regiões consolidadas de produção agropecuária (pastagens e cana-de-açúcar).
As fragilidades forte e muito forte surgem associadas, assim como ocorre na fragilidade potencial, às áreas de serras e encostas, compondo os divisores de águas da bacia. Recobrem respectivamente 7,9% e 0,2% da área e merecem atenção especial no processo de construção do ZEE por apresentarem alta susceptibilidade à erosão.
4.2. Zoneamento socioeconômico na Bacia do Rio Preto - Goiás - Brasil.
O desenvolvimento socioeconômico é um outro fator importante que compõe o Zoneamento Ecológico Econômico. A análise dos dados sociais e econômicos subsidia o planejamento e a gestão do território. O SIEG (2014) elaborou o mapa de desempenho socioeconômico do Estado de Goiás, a partir da sobreposição das variáveis que compõe o Índice de Desempenho dos Municípios Goianos (IDM-2010) organizado pelo Instituto Mauro Borges da Secretaria de Estado de Gestão e Planejamento do Estado de Goiás (IMB/SEGPLAN/GO). Neste material, é possível verificar que entre os municípios nos quais a bacia do Rio Preto está inserida, apenas Cachoeira Alta tem o desenvolvimento favorável, os demais são considerados como muito favorável (Figura 6).
O SEGPLAN (2014) classifica como área de desenvolvimento favorável aqueles municípios com capacidade de oferecer uma resposta proporcional aos investimentos instalados em áreas estratégicas ou nos setores específicos, ou seja, quando o município possui capacidade de ser estimulado por políticas públicas e por investimento setorial voltados para o desenvolvimento local. Já os municípios classificados como “muito favorável” são aqueles que possuem capacidade de oferecer respostas superiores aos investimentos instalados nas áreas estratégicas ou em setores específicos, ou seja, municípios que possuem capacidade para alavancar o desenvolvimento sustentável local (SIEG, 2014).
Na análise dos municípios é possível observar que o IDM de economia de Cachoeira Alta em 2010 esteve a 6,16; o de trabalho a 3,64; educação de 5,62; segurança de 8,98; infraestrutura de 7; saúde 8,54; e média final de 5,99. No município de Quirinópolis o IDM de economia é de 9,04; trabalho de 5,42; educação de 6,38; segurança de 7,16; infraestrutura de 7,63; saúde com 7,73; e média final de 5,42. E no município de Rio Verde o IDM de economia é de 8,18; trabalho de 5,09; educação de 6,51; segurança de 5,96; infraestrutura de 6,89; saúde com 6,32; e média final de 5,09. Estas variáveis subsidiam informações para o planejamento e gestão do território dos municípios inseridos na Bacia Hidrográfica do Rio Preto, além de agregar para o ZEE da mesma.
4.3. Zoneamento Ecológico Econômico da Bacia do Rio Preto - Goiás - Brasil.
O Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) tem como objetivo o uso sustentável dos recursos ambientais, seja de esfera federal, municipal, regional ou local. Nesta seção e, como produto final da pesquisa desenvolvida, foi proposto um mapa síntese indicando zonas de potencialidade e fragilidade ambiental de acordo com a legislação vigente, em uma escala de 1:100.000. A partir da sobreposição de informações georreferenciadas, o ZEE da bacia hidrográfica do Rio Preto (Figura 7), ficou dividido em cinco zonas: 1) zona de expansão urbano-industrial; 2) zona de produção sucroenergética consolidada; 3) zona de uso agrosilvopastoril I; 4) zona de uso agrosilvopastoril II; e 5) zona de uso restrito.
A zona de uso restrito corresponde a 32% da Bacia Hidrográfica do Rio Preto e foi delimitada considerando foi delimitada considerando as áreas alagadas ou inundadas por reservatório de usina hidrelétrica, as vegetações remanescentes do bioma cerrado, áreas de preservação permanente de cursos de água (faixa de 30 metros conforme a legislação brasileira), as vertentes das serras dissecadas com declividades acentuadas e os solos hidromórifocos. São indicadas como áreas de conservação da biodiversidade. No mapa da figura 8, encontram-se delimitadas as áreas de uso restrito da bacia.
A zona de expansão urbano-industrial se localiza no entorno da cidade de Quirinópolis (na divisão da Bacia do Ribeirão das Pedras), com sua área calculada em 2017 de 0,53% da bacia, com previsão de expansão para até 0,82%. A lei complementar nº46/2017 do município de Quirinópolis indica uma previsão de expansão territorial da área urbana com mais de 13 km², passando dos atuais 10,73 km² para 24,09 km². Esta expansão urbano-industrial pode ocorrer por oferecer mais vagas de empregos e por incentivos à industrialização do município.
Na zona de produção sucroenergética consolidada (19,47%), considerou-se a influência da usina de biocombustível Boa Vista, que tem área de cana-de-açúcar plantada no município de Quirinópolis e em outros municípios goianos para a produção dos biocombustíveis (Gouvelândia, Inaciolândia, Rio Verde, entre outros). Recentemente, em acordo assinado pela administração de 2017-2020, foram estabelecidos protocolos de intenções com empresas que serão instaladas no Estado de Goiás, e entre os 16 municípios signatários o de Quirinópolis receberá um investimento no valor de 350 milhões de reais do Grupo São Martinho (Usina Boa Vista) para investir na produção do etanol de milho, sendo a previsão de consumo de 10% do grão produzido no estado (JORNAL DO SUDOESTE, 2019). Assim, a zona de produção sucroenergética consolidada poderá se expandir de acordo com o potencial de produção da usina para moagem de milho e cana-de-açúcar.
A zona de uso Agrosilvopastoril II (30%) é caracterizada pelo uso múltiplo da terra, podendo ser utilizada para a plantação de grãos, eucalipto e pastagens, além de estar inserida em um raio de 50 km de distância das usinas de biocombustíveis da região. Este é o perímetro considerado para avaliar a viabilidade logística da produção considerando plantio, manejo, colheita e transporte da cana-de-açúcar. Esta zona apresenta potencial de mudança de áreas para a Zona de Produção Sucroenergética Consolidada.
Por fim, a zona de uso Agrosilvopastoril I (18%) é caracterizada pelo uso múltiplo da terra, podendo ser utilizada para a plantação de grãos, de eucalipto e para pastagem. Praticamente toda a totalidade desta zona encontra-se inserida no município de Rio Verde, onde predomina a plantação de grãos (milho, soja e sorgo) e de eucalipto para produção de lenha. Por estar distante das usinas de biocombustíveis, não apresenta potencialidade para expansão da atividade canavieira, embora possa fornecer milho para a produção de etanol.
É importante salientar que no ano de 2017, 24% da bacia encontrava-se recoberta por diferentes feições de vegetação remanescente, entre áreas de Cerrado e matas ciliares e de galeria. Durante a elaboração do ZEE, foi diagnosticado um percentual de 32% de áreas com restrições de uso, indicando que aproximadamente 8% da bacia apresenta, atualmente, usos diversos em áreas que deveriam ser destinadas à conservação dos recursos naturais. Isto alerta para a necessidade de uma ação integrada entre os três municípios que possuem partes de seus territórios drenados pela Bacia do Rio Preto, para a recomposição destas áreas, com indicação de criação de Unidades de Conservação.
Nesta pesquisa, indica-se que as áreas de uso restrito sejam destinadas à criação de um “cinturão” de unidades de conservação aproveitando as áreas de serras, reservas legais e de preservação permanente, além de estabelecer corredores ecológicos entre os principais tributários do Rio Preto e o Rio Paranaíba. Isso em médio prazo resultaria em uma maior produção de água, garantindo a sustentabilidade do abastecimento de Quirinópolis, além da possibilidade de uso em irrigação, entre outros benefícios ambientais e econômicos.
Ao comparar o Macrozoneamento Agroecológico e Econômico do Estado de Goiás (Figura 9) aos resultados da pesquisa aqui apresentada, observa-se que a Bacia Hidrográfica do Rio Preto insere-se apenas nas zonas ecológico-econômicas I, onde permite-se a instalação dos empreendimentos de maior porte e geradores de maiores impactos socioambientais, classificada como menor fragilidade ambiental, e na zona ecológico-econômica II com maior fragilidade ambiental (MACROZAEE, 2014).
Fonte: Material disponibilizado pelo SIEG (2014) e adaptado pelos autores (2019).
Elaborado em uma escala de 1:500.000, este mapeamento priorizou o desenvolvimento econômico em detrimento da conservação dos recursos ambientais, não sendo possível observar áreas de uso restrito na bacia como APP’s, solos hidromórficos, áreas com dissecação do relevo acentuadas, entre outros elementos.
Logo que, na comparação dos dois zoneamentos, o desenvolvido neste trabalho e o realizado pelo Estado, nota-se a discrepância das informações desconsideradas no zoneamento do Estado quanto aos aspectos físicos e ambientais da paisagem, e considerando somente o desenvolvimento econômico da bacia.
5. Considerações finais
No Zoneamento Ecológico Econômico da bacia hidrográfica do Rio Preto, pode-se considerar que a análise integrada do ambiente, em conjunto com as geotecnologias se mostraram eficazes pois, a partir dos dados coletados, georreferenciados e analisados foi possível fornecer informações para compor análises capazes de subsidiar atividades de planejamento e gestão territorial.
A dinâmica do uso e cobertura da terra foi significativa em um período de 20 anos, as mudanças ocorridas na paisagem direcionam a um novo olhar quanto aos incentivos fiscais inseridos e aos modos de produção e manejo na paisagem da bacia. Com relação a 1997, a atividade pecuária continuou predominante em questão de área ocupada, mas perde seu protagonismo para a produção de biocombustíveis, sobretudo a partir da cana-de-açúcar. Atualmente, o município de Quirinópolis é o maior produtor de cana-de-açúcar do Estado de Goiás e um dos maiores do Brasil.
O ZEE foi realizado em cinco zonas, sendo que as áreas de uso restrito correspondem a 32% da bacia do Rio Preto, incluindo vegetações remanescentes, áreas com relevo altamente dissecado e regiões recobertas por solos hidromórficos. A zona de expansão urbanoindustrial do município de Quirinópolis ocupa atualmente 0,53% da bacia, com tendências de crescimento considerando o incremento industrial no município. As zonas para atividades Agrosilvopastoril foram subdivididas em duas, sendo que área I destina-se ao cultivo de grãos, pastagens e silvicultura (18% da bacia), e a área II com proposta para o cultivo de grãos, pastagem, silvicultura e área de plantio de cana, pois nesta área concentra-se políticas públicas que incentivam as usinas sucroenergéticas (30% da bacia). A Zona de produção sucroenergética consolidada representa as áreas plantadas com cana-de-açucar e correspondem a 19,47% da bacia.
Assim, fica evidente a vocação da área para produção agrosilvopastoril que, somadas, correspondem a 67,5% da bacia do Rio Preto. O município de Quirinópolis agrega incentivos para a produção de cana-de-açúcar e recentemente autorizou a expansão da usina Boa Vista para a moagem do milho para a produção de etanol, o que consequentemente poderá aumentar o plantio de milho em áreas atualmente ocupadas por pastagens.
A pesquisa indica um zoneamento em escala de detalhe (1:100.000), evidenciando que as áreas de uso restrito podem se destinar à criação de um cinturão de unidades de conservação aproveitando as serras, além de estabelecer corredores ecológicos em todo o Rio Preto. Isso em médio prazo resulta em uma maior produção de água, a sustentabilidade do abastecimento de Quirinópolis, a possibilidade de uso em irrigação, entre outros benefícios ambientais e econômicos.
Por fim, destaca-se a necessidade de maior atenção do poder público quanto aos incentivos fiscais e de ocupação do território voltados para a sustentabilidade. Este tralhado traz informações relevantes para a gestão de áreas agrícolas, seja para o pequeno, médio ou grande produtor, associados ou não à produção de biocombustíveis, seja para o setor público ou privado dos municípios inseridos na bacia. Consideramos que a metodologia poderá ser reaplicada em qualquer unidade territorial de gestão e planejamento, para incentivo a pesquisa e a sustentabilidade ambiental.