Introdução
Este artigo, que se insere num trabalho de investigação mais vasto sobre “Instrumentos de gestão do território”, analisa a Carta Educativa enquanto instrumento integrante na gestão territorial num contexto de progressivo aumento de competências por parte das autarquias no campo da educação.
O trabalho realizado propôs-se a olhar para a dimensão qualitativa deste instrumento e responder até que ponto se apresenta como uma visão estratégica da educação local integrada na política municipal mais ampla. Neste sentido, a metodologia seguida privilegiou, enquanto mecanismo de recolha de informação, entrevistas semiestruturadas a representantes das câmaras municipais, assim como pesquisa de conteúdos relativamente à Carta Educativa na internet nos respetivos sites.
Em termos expositivos, o artigo inicia-se com a presente introdução, seguida de um enquadramento relativamente a políticas de gestão do território em geral e sobre a Carta Educativa em particular. Segue-se a definição dos objetivos, a metodologia seguida e a apresentação dos resultados. O trabalho termina com uma reflexão conclusiva.
Políticas de Gestão do Território
O ordenamento do território resulta da necessidade de ordenar, de organizar a ocupação dos solos tendo em conta a sustentabilidade das comunidades (Oliveira, 2018). Neste contexto, o sistema de gestão territorial é a peça estruturante que se consubstanciou no final do séc. XX com a harmonização da legislação existente, nomeadamente a Lei de Bases Gerais da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo (1998) e o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (1999) cujo sistema nunca chegou a ser plenamente implementado. Este quadro legal foi alterado com a entrada em vigor da Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, do Ordenamento do Território e do Urbanismo (LBGPPSOTU), em 2014, e do novo Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT) em 2015. A monitorização e avaliação do sistema de gestão territorial e de cada um dos instrumentos também não mereceu a concretização prevista e foram diagnosticados problemas como morosidade nos procedimentos, complexidade e rigidez dos seus conteúdos; dificuldade de prospeção, de articulação entre entidades e entre os diferentes instrumentos; sucessivas alterações de regimes legais aplicáveis ou influentes; produção de conhecimento e informação do território deficitário assim como planos com mais de 20 anos (DGT, 2018).
O sistema gestão territorial desenvolve-se num cenário cada vez mais incerto e sujeito a inúmeros desafios e mudanças, maior complexificação e escassez de recursos, o que favoreceu a necessidade de olhar para as particularidades territoriais e levar a cabo processos de descentralização ao mesmo tempo que se geram novas tensões entre os diferentes níveis de intervenção - municipais, regionais e centrais (Guerra, 2000). Barata-Salgueiro, André & Brito-Henriques (2015) referem que uma retração financeira do Estado tem correspondido ao aumento de parcerias e outras formas de colaboração entre a administração central e os atores públicos e privados, locais e regionais. Os autores salientam que a descentralização gradual e consequente aumento de competências por parte dos municípios, em paralelo com a competitividade dos territórios por capital financeiro e humano, juntamente com a procura pela melhoria da qualidade de vida, conduziram a mudanças no modo de encarar a política e os planos de ordenamento do território com uma ligação entre planeamento económico e físico (de land use para spatial planning).
Este paradigma mais abrangente, integrado e estratégico assentou numa maior cooperação entre diferentes atores (planeamento participado, colaborativo e deliberativo), na coordenação entre diferentes políticas de base territorial e sectorial (governança territorial) e numa agenda territorial de natureza prospetiva (visão estratégica partilhada) (Ferrão, 2011). Aqui a importância de objetivos claros em termos de estratégia, programa de ação e avaliação dos processos e projetos (accountability) (Cabral, 2004).
É neste contexto que deve ser entendida a transferência das competências, nomeadamente no campo da educação, para as autarquias enquanto estruturas de proximidade assim como os princípios subjacentes a ter em conta na elaboração das políticas territoriais, nomeadamente da carta educativa.
Carta Educativa
No âmbito do reforço das competências das autarquias1, especificamente no ensino não superior, a obrigatoriedade da Carta Educativa (CE), surge na sequência da publicação do Decreto-Lei 7/2003 (embora tenha havido uma primeira referência às Cartas Escolares na alínea a) do nº2 do artº19 do Decreto-Lei 159/99), que regulamenta, também, a criação dos Conselhos Municipais de Educação (CME), sua composição e atribuições assente numa visão prospetiva em termos de necessidades locais. A CE visa assegurar a adequação da rede de estabelecimentos de educação pré-escolar e de ensino básico e secundário face às necessidades ao nível municipal enquadrada no respetivo ordenamento do território ao mesmo tempo de racionalização dos recursos do parque escolar existente (artigo 11º). Pretende, assim, ir ao encontro dos objetivos consubstanciados na Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86 de 14 de outubro) que proclama “Descentralizar, desconcentrar e diversificar as estruturas e ações educativas, de modo a proporcionar uma correta adaptação às realidades, um elevado sentido de participação das populações, uma adequada inserção no meio comunitário e níveis de decisão eficientes” (artigo 3°, alínea g).
No seu artigo 10º a legislação indica que “a carta educativa é, a nível municipal, o instrumento de planeamento e ordenamento prospetivo de edifícios e equipamentos educativos a localizar no concelho, de acordo com as ofertas de educação e formação que seja necessário satisfazer, tendo em vista a melhor utilização dos recursos educativos, no quadro do desenvolvimento demográfico e socioeconómico de cada município”. Qualquer análise às primeiras cartas educativas indica, no entanto, que os equipamentos educativos referidos se circunscreveram aos equipamentos escolares.
Em dezembro de 2004 é celebrado um protocolo entre o Ministério da Educação e a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) com o objetivo de permitir a concretização de alguns princípios consignados no Dec.-Lei n.º 7/ 2003, designadamente no que diz respeito à elaboração das Cartas Educativas e à requalificação do 1.º CEB, complementado em outubro de 2005 por um novo acordo relativo a cartas educativas e rede escolar do 1.º CEB. Nesse protocolo assume-se o Decreto-Lei 7/2003 como “passo fundamental no sentido da concretização da descentralização administrativa na área da educação” e fundamental para a “execução da descentralização e territorialização de políticas educativas uma vez que para além das Cartas Educativas institui os Conselhos Municipais de Educação” definindo a sua composição e as suas competências. O Decreto-Lei n.º 21/2019 concretiza o quadro de transferência de competências para os órgãos municipais e para as entidades intermunicipais (operada pela Lei n.º 50/20182) no domínio da educação e que vem sublinhar que a CE deve ser revista sempre que haja alterações significativas assumindo um caracter de obrigatoriedade a cada dez anos (artigo 15º).
A Carta Educativa é assumida desde a sua génese como um instrumento de planeamento territorial, integrante do Plano Diretor Municipal (PDM) em que devem intervir, para além, naturalmente, da Câmara Municipal, outros organismos que possuam diferentes níveis de competência, nomeadamente: as Assembleias Municipais (AM); os Conselhos Municipais de Educação (CME); os serviços locais, regionais e centrais do Ministério da Educação - Direções Regionais de Educação (DRE’s); o Gabinete de Estatística e Planeamento da Educação (GEPE); as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR’s) e as Associações de Municípios.
Para Fernandes (2007) a participação da comunidade educativa (órgãos políticos, encarregados de educação, docentes, não docentes, entre outros agentes) é uma etapa indispensável para encontrar uma resposta eficaz e eficiente às necessidades das comunidades, uma vez que é essa participação que permite auxiliar o processo de tomada de decisão política pela identificação das necessidades e prioridades educativas do território. Contudo, ao analisar o normativo referido, bem como os protocolos entre a ANMP e o ME verificamos que o processo de elaboração e monitorização da Carta Educativa é controlado pelo poder central, contrariando a sua própria argumentação de se tratar de um instrumento estratégico de desenvolvimento da descentralização e territorialização das políticas educativas, nomeadamente pela inclusão de parâmetros técnicos (artigo 17º), indicação do modelo da carta (cláusula 3 do nº1 do protocolo) e a inexistência de uma explicitação da forma como os agentes educativos locais poderiam materializar a sua participação. Baixinho (2017) refere o papel contraditório do “modelo híbrido” em que escola e a sua autonomia ficam dependentes do Ministério da Educação e das respetivas autarquias, e também Barroso (2018) fala da complexidade da transversalidade das regulações em educação, uma estrutura compartimentada em que o poder central transfere algumas competências numa lógica que não tem em conta as especificidades e dinâmicas locais.
Segundo Cordeiro & Martins (2012), as primeiras (38) Cartas Educativas começaram a ser homologadas no ano de 2006. Santos et al. (2019) referem que “nas Cartas Educativas de 2 ª geração houve a elaboração de cenários e o envolvimento da comunidade educativa na fase de construção de propostas de reconfiguração da rede” (p.312).
Sabendo que a CE é apresentada como um instrumento dinâmico que deve refletir as complexidades territoriais e que deve estar articulado com a concretização de um projeto educativo municipal, daí também o fato de fazer parte integrante do PDM, isso representa a necessidade de envolvimento dos diferentes atores do território bem como tratar-se de um pilar fundamental do desenvolvimento local.
Estrutura das Cartas Educativas
Em 2015 o Ministério da Educação fazia chegar, via Associação Nacional dos Municípios Portugueses, um “Manual para a Elaboração” da Monitorização das Cartas Educativas, que indicava que as mesmas deveriam ter a seguinte estrutura:
MANUAL PARA ELABORAÇÃO
Índice
1 Introdução
Atualização do diagnóstico socioeducativo
A rede municipal atual
A Carta Educativa: calibração da programação por eixo de intervenção
Eixo 1: Requalificar os equipamentos do EPE e dos Ensinos Básico e Secundário
Eixo 2: Promover a qualidade e o sucesso educativo e formativo nas escolas do concelho
Eixo 3: Incentivar a oferta do ensino profissionalizante no concelho, perseguindo as áreas prioritárias
Enquadramento no Plano Diretor Municipal
Situação do concelho face às metas impostas pela atual política governamental, nomeadamente o Programa Nacional Educação 2015
Considerações finais
Para além da estrutura, o ME indicava que a revisão da Carta Educativa “torna-se obrigatória quando a rede educativa do município fique desconforme com os princípios, objetivos e parâmetros técnicos do ordenamento da rede educativa, devendo o processo de revisão ser iniciado a solicitação do MEC ou das Câmaras municipais” (p.5).
Indicava também este documento que “a relevância da Carta Educativa não decorre apenas dos seus princípios de ordenamento e (re) qualificação física dos territórios educativos, mas também da sua força de intervenção prospetiva. Esta dimensão prospetiva exige um esforço continuado de adaptação às dinâmicas sociodemográficas e territoriais presentes no concelho, em prol do alcance de maiores e melhores níveis de coesão e sustentabilidade social e territorial” e que “a avaliação das medidas de ação contempladas em sede de documento da Carta Educativa, podendo ser materializada em 3 eixos de intervenção: um primeiro eixo de natureza material, e que respeita à qualificação e valorização física do parque escolar municipal; e um segundo e terceiro eixos que correspondem a componentes imateriais do desenvolvimento educativo do concelho” (p.7).
Verificamos neste postulado que as preocupações deixam de ser apenas com os aspetos físicos da oferta educativa, aquilo que mais presente esteve nas primeiras CE, havendo até a explicitação de que as CE deveriam integrar um “enquadramento dos resultados educativos municipais à luz dos objetivos definidos no Programa Nacional “Educação 2015””.
No seu ponto 4 este documento identificava os eixos de acordo com os quais a CE deveria ser
“calibrada”, nomeadamente:
Eixo 1: requalificar os equipamentos do Ensino Pré-Escolar e dos Ensinos Básico e Secundário
As medidas propostas no âmbito deste eixo respeitam exclusivamente a intervenções físicas no parque escolar. Contemplam intervenções calendarizadas de requalificação, ampliação e construção de equipamentos escolares, para todos os níveis de ensino.
Eixo 2: Promover a qualidade e o sucesso educativo e formativo nas escolas do concelho
As medidas de intervenção definidas no âmbito do eixo 2 conformam parte da componente imaterial associada às intenções de desenvolvimento educativo do concelho, podendo incluir programas, projetos de ação educativa, observatórios da qualidade, formação de adultos, entre vários.
Eixo 3: Incentivar a oferta do ensino profissionalizante no concelho, perseguindo as áreas prioritárias conforme a componente imaterial das propostas de desenvolvimento educativo inscritas na Carta Educativa do concelho.
Eixo 4: Enquadramento no Plano Diretor Municipal.
Objetivos
A partir dos resultados de investigação propusemo-nos:
Conhecer o grau de cumprimento das propostas apresentadas na CE em vigor;
Perceber se a CE é entendida como uma carta educativa ou escolar;
Verificar qual o grau de articulação existente entre a CE e a estratégia de desenvolvimento do município;
Identificar se a CE pode ser um ponto de partida para um projeto educativo municipal;
Identificar o tipo de entidades que elaboraram CE, o ano de elaboração das mesmas e a respetiva estrutura.
Metodologia
A metodologia de análise das CE teve, no contexto de um trabalho de investigação mais lato como já referido, uma evolução dinâmica.
A proposta inicial seria a da realização de 20 entrevistas a responsáveis políticos e/ou técnicos que permitissem aferir da pertinência e da utilização de instrumentos de gestão dos territórios como o PDM, CE, PMPC e instrumentos de participação.
Face à dificuldade na marcação das entrevistas e às dificuldades inerentes ao período da pandemia optou-se, no caso das CE, por uma análise das CE disponibilizadas nos sites das respetivas autarquias.
As entrevistas limitaram-se, assim, a 6 entrevistas a autarcas e técnicos de municípios de media dimensão3 que serviram como uma fase exploratória e como elementos organizadores da pesquisa realizada nos sites dos diferentes municípios cuja informação disponível se apresentou como o principal instrumento de recolha.
A análise das CE apresentadas nos sites dos municípios foi realizada no mês de agosto de 2020 e de forma aleatória, utilizando a seguinte estratégia: baseados na ordem alfabética de todos os municípios portugueses de Portugal continental foram analisadas as CE dos sete primeiros municípios e depois disso com intervalos (na ordem alfabética) de oito municípios. Quando no respetivo site não se encontrava disponível a respetiva CE, passava-se ao município seguinte na ordem alfabética.
Com base nesta amostragem aleatória foram analisadas 44 CE, com a seguinte distribuição geográfica (Figuras 1 e 2):
Resultados
Da análise, pudemos verificar que nem todos os municípios tinham informação disponível no seu site, sendo que em 44, 4 não faziam qualquer referência à CE.
Ano de Elaboração
Um dos aspetos que procurámos analisar foi o ano de elaboração da CE (Fig. 3):
Como se pode constatar, dos 44 municípios analisados 24 têm em vigor uma carta educativa elaborada até 2008, ou seja, com mais de 12 anos. Verifica-se depois um hiato temporal até 2014 (onde apenas se aprova 1 CE da amostra analisada) e depois uma retoma a partir de 2015 com a apresentação de novas cartas educativas. Parece, pois, ter havido um movimento, até 2008, de elaboração de CE, o que é justificável pela necessidade de existência de uma CE para que determinados apoios e protocolos pudessem ser estabelecidos entre o Ministério da Educação e os municípios. Verificamos que mais de 50% dos municípios analisados não têm a sua CE atualizada.
Da Importância
Se questionarmos qualquer responsável municipal todos eles nos dirão da importância, relevância e pertinência deste instrumento de gestão territorial, tal como podemos constatar nos extratos das entrevistas:
Vou ampliar a escola porque dos dados que temos, de tudo e mais… da constatação dos factos há necessidade de ampliar a escola, porque ali vão existir sempre meninos. Portanto isto não acontece por acaso, e é muito bom, e é muito confortável, e é muito seguro para quem tem de tomar decisões (…) sou uma defensora acérrima destes documentos para quem tem de tomar decisões. (Vereador S).
É um documento orientador e é um documento extremamente importante. É ele que deve ter ali, portanto, parte da estratégia, também. (Vereador P)
Reconhece-se ainda que a CE é um documento que apenas remete para a educação formal deixando de fora muito daquilo que é a oferta educativa do território:
Eu acho que Carta Educativa, com o nome Carta Educativa só tivemos uma, foi a primeira. Depois, a partir daí, houve sempre a tentativa no município de criar um documento que fosse mais próximo de toda a comunidade educativa. (Vereador O)
[Até agora escolar] Vai ser educativa (…) Porque a educação não se pode resumir às quatro paredes de sala de aula. E tem que ser para todos, não pode ser uma Carta Educativa com uma visão limitada, que é só para as pessoas que estão na idade escolar. (Vereador P)
Para além disso é salientado o papel que foi tendo na construção de novas infraestruturas escolares:
Na prática é uma carta escolar no sentido de a função que realmente esteve inerente era de dar, digamos, base à construção, no fundo justificar as construções novas que fossem efetuadas (…) mas também dos casos que eu conheço de outros concelhos, sem haver grandes outras preocupações que não fossem a construção física do edifício. (Vereador T)
Apesar de ser educativa (que é nome) ela não tem muita dimensão como projeto educativo; tem mais a dimensão das infraestruturas ou do Parque Escolar; verdade aí seria mais escolar, mas a lei diz que tem que chamar-se Carta Educativa. (Vereador M).
Entidade Responsável e Estrutura
Verificamos (Fig. 4) que as Instituições de Ensino Superior (IES) são as que mais surgem como responsáveis pela elaboração das CE. Naturalmente que, independentemente da entidade elaboradora, todas as CE fazem referência à participação de uma equipa técnica do município que apoia a elaboração da mesma.
Seguem-se as CE elaboradas exclusivamente por equipas municipais e uma primeira intuição foi a de que estaríamos a tratar de municípios de maior dimensão, com quadros técnicos em maior número e, eventualmente, com maior diversidade de formações. Contudo, uma análise aos municípios que apostaram exclusivamente em equipas municipais, verificamos uma diversidade de tipologias, no que diz respeito à dimensão e caraterísticas dos mesmo o que indica que tal situação decorre apenas de uma opção do município.
Também as empresas de consultoria aparecem como dos principais elaboradores das cartas educativas. Nalgumas situações é explicitado que a empresa consultora é a mesma que elaborou o PDM, não havendo, na maioria dos casos uma explicitação das razões que levaram à opção por aquela consultora.
Nos casos em que a entidade realizava mais do que uma CE fomos analisar a estrutura das respetivas CE, tendo verificado que a estrutura é igual, independentemente do município, quando realizada pela mesma entidade.
Em termos de estrutura dos relatórios, os casos encontrados foram:
Entidade A
Nota Introdutória
Capítulo 1- Contexto territorial e socioeconómico Capítulo 2 - Diagnóstico estratégico da rede educativa Capítulo 3 - Proposta de intervenção na rede educativa Entidade B
Introdução
Parte I - Carta Educativa: Conceito e metodologia Parte II - O Concelho X: Caraterização
Parte III - Cenários e Projeções
Parte IV - Monitorização da Carta Educativa de X Entidade C
Notas introdutórias
Enquadramento territorial do município
O sistema educativo municipal: Síntese sobre a atual realidade e sua relação com as diferentes dinâmicas do território
Processo de reorganização da rede educativa Algumas considerações finais
Entidade D
Introdução
Parte I - Caraterização e evolução do sistema educativo Parte II - A procura de ensino
Parte III - Proposta de reorganização da rede
Verifica-se ainda que nestas situações os municípios pertencem à mesma Comunidade Intermunicipal (CIM) pelo que fica a possível conclusão de que foram as CIM quem trataram do processo de escolha das entidades a elaborar a CE e que isso deu origem a uma mesma estrutura para todas as CE.
Constatamos ainda que as entidades escolhidas para a elaboração das CE estão geograficamente próximas dos municípios para quem as elaboraram, nomeadamente no caso das IES, o que permite a conclusão de que o processo de escolha das entidades foi influenciado por razões de proximidade e, eventualmente, de trabalho conjunto em outros domínios.
A contratação de entidades externas é justificada pelo conhecimento que estas possuem uma vez que lidam com uma muito maior diversidade de situações e isso pode ser benéfico para o próprio município:
Porque tem a ver mais com a nova realidade… estamos sozinhos, estamos também a perceber o que os outros andam a fazer e, portanto, as equipas externas normalmente tem mais informação a este nível do que nós… a equipa interna sozinha não consegue. (Vereador L)
Do conjunto das 44 CE analisadas, verificamos que nenhuma delas cumpre completamente a estrutura proposta no manual para a elaboração, nomeadamente porque:
Apenas numa delas se posiciona o concelho face às metas do Programa Nacional Educação 2015;
Em nenhuma delas se faz referência ao Balanço da execução, por eixo de intervenção;
Sendo certo que todas as CE apresentam um cenário de caraterização/ dinâmica populacional e escolar verificamos uma variação até no número de cenários previstos (Fig. 5). Das 44 CE analisadas os cenários de evolução das dinâmicas populacionais e/ou escolares apresentados são:
A estrutura das primeiras CE (até 2008) assentava essencialmente em: caraterização sociodemográfica, caraterização da oferta educativa, projeções demográficas e proposta de reorganização da rede educativa (que na verdade era apenas a rede escolar).
Nas CE mais recentes (a partir de 2015), encontramos alguns aspetos inovadores em relação à primeira geração de CE, ainda que cada aspeto assinalado surja apenas numa das CE analisadas, nomeadamente:
Análise SWOT e Visão;
Caraterização de equipamentos culturais e desportivos;
Identificação das redes não formais e informais de qualificação;
Identificação das expetativas do mercado de trabalho local.
Ligação a outros Instrumentos
Procurámos analisar as referências explícitas nas CE a outros instrumentos de gestão do território ou a outras ações e planos desenvolvidos pelo município (Fig. 6), tendo encontrado as seguintes referências:
De notar que em apenas em 7 municípios há uma referência explicita entre a CE e o PDM, havendo depois, nalgumas situações, uma procura de ligação entre a CE e outras ações/ instrumentos existentes no território. É interessante constatar que estas referências surgem com maior presença nas CE mais recentemente elaboradas.
Número de Propostas
O número de propostas de reorganização da rede escolar (Fig. 7) varia, naturalmente, como consequência das caraterísticas de cada território e das condições do respetivo parque escolar, contudo, muitas vezes cedendo a pressões locais, um dos aspetos que foi referenciado nas entrevistas passa exatamente pelo número elevado e, talvez por isso e pela incapacidade de realizar esse tão elevado número, acabou por haver alguma falta de acompanhamento da respetiva execução, tal como é referido nas entrevistas:
Tivemos Conselho Municipal da Educação a semana passada, e falámos precisamente dessa constatação dos factos, de analisarmos como é que devemos fazer esta monitorização. (Vereador S)
Eu sei que ela está completamente desatualizada e sei que não foi feito nem um quinto do que estava previsto. (Vereador P)
A alteração das ofertas educativas não tem permitido que consigamos realizar tudo o que é necessário. (Vereador L)
A carta educativa que está em vigor era completamente irrealista, completamente, qualquer pessoa percebia, até eu próprio que na altura escrevi, previa escolas em todo o sítio e mais algum. Enfim, e não foi feita. (Vereador T)
Aquilo previa que havia o triplo das crianças no concelho quando a realidade é completamente diferente. (Vereador T)
Ela está completamente desconexada com… com aquilo que é a estratégia da Câmara.
(Vereador P)
Conclusões
A análise das 44 CE a que tivemos acesso e as entrevistas realizadas permitem-nos entender que apesar da importância reconhecida a este instrumento de gestão do território nem sempre o mesmo terá recebido as atenções correspondentes a essa importância, nomeadamente porque encontramos CE completamente desatualizadas, a CE apenas remete para uma visão “matemática” daquilo que deve ser a educação num território, o número de propostas de reformulação da rede escolar parece completamente irrealista e não correspondendo às dinâmicas territoriais subsequentes, houve a entrega da sua elaboração a entidades que desconheciam os territórios e as suas dinâmicas, enquadrados numa aquisição de serviços supra municipal e a ligação a outros instrumentos de planeamento e gestão territorial apresenta-se escassa. Não estão, igualmente, na generalidade, previstos sistemas de avaliação que permitam monitorizar os objetivos propostos
Parece, contudo, haver nas CE mais recentes um nível de consciência daquilo que não correu bem ou não foi previsto nas CE iniciais, havendo uma tentativa dessa maior articulação com outros instrumentos, o reconhecimento de que a oferta educativa ultrapassa os limites da educação formal e da construção e gestão das infraestruturas assim como a ideia de que a CE deve estar articulada com um Projeto Educativo Municipal ou até com o Plano Estratégico Educativo Municipal.
Essa consciência, presente em todas as entrevistas realizadas augura que este instrumento possa vir a ser um dos mais pertinentes do ponto de vista da gestão do território, até porque nas entrevistas se foi referindo a necessidade de estar alinhado com as perspetivas de desenvolvimento local.