Introdução
O estudo tem por objetivos apresentar os novos limites para o bioma Pampa no Brasil, identificando os geossítios de alto valor científico, cadastrados no aplicativo Geossit, desenvolvido por Schobbenhaus & Rocha (S.D.), e que está disponibilizado no site do Serviço Geológico do Brasil (SGB); e avaliar a integridade ambiental do patrimônio geológico neste contexto e propor um conjunto de ações de geoconservação.
O bioma Pampa é uma região de campos naturais que ocorre em clima temperado e considerada uma das mais importantes do planeta Terra, a qual apresenta destacada diversidade natural, onde a biodiversidade e a geodiversidade formam um conjunto de paisagens únicas (CHOMENKO, 2007). Regiões com essas características ambientais ocupam, aproximadamente, 25% da superfície terrestre, sendo estes espaços geográficos considerados, atualmente, os mais desprotegidos do planeta (BENKE et al., 2016, p. 16-27).
O Pampa apresenta paisagens naturais onde os extensos campos nativos predominam nas planícies e coxilhas (colinas) e, de forma localizada, no Escudo Sul-rio-grandense (ESRG), ocorrem serras, cerros, morros rupestres, grutas e cachoeiras, um conjunto de feições notáveis da geodiversidade. O vocábulo “Pampa” origina-se dos idiomas “aimará e quéchua” e significa “campo, planície, lugar plano” (SUERTEGARAY; SILVA, 2009, p.43).
Segundo menor dos biomas e mais impactado ambientalmente, principalmente, por atividades agrossilvipastoris, o bioma Pampa, no Brasil, situa-se restritamente ao Rio Grande do Sul, com extensão de 153.254 km², correspondendo a 1,79% do território nacional, sendo reconhecimento como bioma no ano de 2004, quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística desmembra do bioma Mata Atlântica (KUPLICH et. al, 2018).
Contudo, cabe ressaltar que novos estudos, apresentados pela Coordenação de Recursos Naturais e Estudos Ambientais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nos anos de 2018 e 2019 propôs ajustes nos limites dos biomas brasileiros como a Organização Filantrópica One Earth (2020) que publica o mapa da Terra criado pela interseção de biomas com estruturas geológicas de grande escala (BURKART, 2020).
A disponibilidade de água e tipologia de ambientes naturais próprias da região, bem como o modelo de utilização da terra nela empregado têm permitido, até os dias de hoje, a manutenção das condições ambientais do Pampa, colocando este bioma em destacada posição na escala global (CHOMENKO, 2007). No entanto, o Pampa é pouco estudado em relação aos demais biomas brasileiros.
As pesquisas que têm como tema os biomas costumam se concentrar apenas na sua biodiversidade. Porém, para reconhecer e entender o funcionamento da biodiversidade e geodiversidade de forma indissociável, o que resultará, por exemplo, em compreender o porquê das mudanças climáticas globais e seus impactos no planeta, os biomas precisam de estudos detalhados.
Silva (2008) define geodiversidade como porção da natureza abiótica, constituída por diferentes e complexos ambientes, fenômenos e processos geológicos que originaram paisagens, rochas, minerais, águas, solos, fósseis e outros depósitos superficiais que viabilizaram a evolução da vida na Terra, tendo como valores intrínsecos o científico, o educativo, o estético, o cultural, o turístico e, por fim, o econômico.
Este conceito é análogo à biodiversidade que, segundo a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2000), define o termo como a variabilidade de organismos vivos de todas as origens que ocorrem nos ecossistemas terrestres, marinhos e aquáticos e em complexos ecológicos de que fazem parte, compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas.
Nota-se que os dois conceitos não são apenas semelhantes e, sim, indissociáveis, porque são interdependentes. Juntos originam e mantêm a vida na Terra. Não conservar a biodiversidade e a geodiversidade ocasionará, de forma irreversível, a perda de fauna, flora (bioextinção) e possíveis geoextinções. Segundo Botelho (2018) o conceito de geoextinção pode ser definido com a destruição total ou o desaparecimento da paisagem de um ou mais elementos da geodiversidade. Nesse ponto, difere da bioextinção, focada no desaparecimento de uma determinada espécie.
O termo “geopatrimônio” ou “patrimônio geológico”, segundo o Serviço Geológico do Brasil, é definido pelo registro de feições notáveis da geodiversidade que são representadas por sítios geológicos de valor excepcional à memória geológica da Terra. E a geoconservação seria o processo de proteção e preservação do patrimônio geológico através da implantação ou ampliação de unidades de conservação como Parques Nacionais ou a criação de Geoparques.
A importância do mapeamento deste conjunto de elementos da geodiversidade e sua análise ambiental é para incentivar ações de conservação, preservação e proteção de recursos naturais do meio abiótico considerados finitos, como afloramentos rochosos, exposição de solos, processos geológicos e paisagens geomorfológicas que registram a evolução geológica da Terra, para que as gerações futuras possam (re)conhecer, usufruir e contemplar este valioso patrimonial natural.
O estudo apresenta importância e relevância estratégica para esta região por identificar geossítios com valor científico, qualificar e quantificar o grau de conservação ambiental e propor ações para preservar e proteger este patrimônio geológico.
Referencial Teórico
Bioma Pampa breve caracterização
O termo bioma, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2019), é conceituado como um conjunto de vida (vegetal e animal) constituído pelo agrupamento de tipos de vegetação contíguos e identificáveis em escala regional. Além disso, também são critérios as condições geoclimáticas similares e a história compartilhada de mudanças, resultando em uma diversidade biológica própria.
Em um sentido etimológico, o termo Pampa, de Quechua, significa "simples", especialmente simples entre montanhas. Foram os espanhóis que desceram no século XVI da região andina, especialmente através da Quebrada de Humahuaca de Potosí, que se referiam como os pampas para aquelas grandes planícies sem florestas importantes que existem no centro do Cone Sul (Yurkievich, 2017, tradução nossa).
No Brasil, o Pampa, reconhecido apenas em 2004 como bioma, é denominado de campos sulinos, e caracterizado por vegetação campestre que predomina em relevos de áreas de reduzida altitude (coxilhas/colinas); vegetação mais densa, arbustiva e arbórea, que ocorre nas encostas e ao longo dos cursos d’água; além da ocorrência de importantes áreas de banhados em porções de relevos planos e baixos (CHOMENKO & BENCKE, 2016).
O Pampa ocupa o quinto lugar em extensão e encontra-se restrito a uma única grande região e a um único estado da federação, o Rio Grande do Sul, do qual recobre 68,8% (IBGE, 2019).
Bilenca y Miñarro (2004) conceitua o bioma Pampa como constituído de campos temperados que formam uma extensa região onde ocorre a maior coexistência de gramíneas em campos naturais no mundo, e que se estende por mais de 750 mil km², abrangendo todo o Uruguai, parte das províncias do nordeste da Argentina, além da metade sul do Rio Grande do Sul.
O Pampa, segundo Yurkievich (2017 p. 104, tradução nossa) é em termos topográficos, uma ampla planície sedimentar de origem pré-cambriana sob a qual fica o maciço cristalino do Brasil. Os Pampas em termos estruturais ocupam na Argentina parte das províncias de Entre Rios, Santa Fé, Córdoba, La Pampa e toda a província de Buenos Aires e o sudeste de San Luís. Estende-se ainda por todo o território do Uruguai e grande parte do Rio Grande do Sul no Brasil.
Laterra et. al (2009, p. 128, tradução nossa) descreve o bioma Pastizal, denominação regional do pampa na Argentina, como sendo um dos mais desprotegidos em escala global, refletindo na baixa valorização da biodiversidade e alta valorização pelos férteis solos, e promovendo a substituição das pastagens naturais por cultivadas, culturas anuais e florestais. A situação das pastagens naturais remanescentes nos pampas é particularmente crítica na Argentina e nos campos do Uruguai e do Brasil.
No ano de 2007, foi instituído o dia 17 de dezembro como o “Dia do bioma Pampa”, por meio de Decreto Presidencial, esta data foi escolhida por corresponder ao dia do nascimento do ambientalista José Antônio Lutzenberger, em homenagem a sua dedicação e trajetória em defesa da biodiversidade brasileira.
Geodiversidade
O termo “geodiversidade” tem sua origem na década de 1990, no Primeiro Simpósio Internacional sobre a Proteção do Patrimônio Geológico, realizado em Digne-les-Bains, na França (CARCAVILLA URQUÍ; LÓPEZ MARTÍNEZ; DURÁN VALSERO, 2007). Porém, segundo Brilha (2005), é na conferência de Malver, realizada no ano de 1993, no Reino Unido, que o termo surge e começa a ser utilizado pelos geocientistas da Inglaterra e Austrália, que o julgavam como a melhor forma de referência ao que hoje se conhece como geodiversidade. O termo e o conceito “geodiversidade” alcançaram maior divulgação após o lançamento do livro Geodiversity, de Murray Gray, publicado em 2004.
No Brasil, o conceito tem sua abordagem e divulgação na publicação Geodiversidade do Brasil, organizado por Cássio Roberto da Silva (2008, p.12), sendo definido como: “o estudo da natureza abiótica (meio físico) constituída por uma variedade de ambientes, de composições, de fenômenos e de processos geológicos que dão origem às paisagens, rochas, minerais, águas, fósseis, solos, clima e outros depósitos superficiais que propiciam o desenvolvimento da vida na Terra, tendo como valores intrínsecos a cultura, o estético, o econômico, o cientifico, o educativo e o turístico.”
Gray (2013, p. 8) redefiniu o termo “geodiversidade” como “a extensão natural (diversidade) da geologia (rochas, minerais, fósseis), da geomorfologia (formas de relevo, topografia, processos físicos), dos solos e suas características hidrológicas. Incluindo seus conjuntos, estruturas, sistemas e suas contribuições para paisagens.”
Nas últimas duas décadas, as geociências têm ampliado os ramos de pesquisas em novas fronteiras, em que áreas como Geodiversidade e Geoconservação destacam-se na produção científica a nível mundial, originando novos conceitos, expressões e termos, como patrimônio geológico, geointerpretação, geo-história, geomanejo, geofood, entre outros.
Geoconservação
A Geoconservação tem por objetivo a identificação, a proteção e o gerenciamento de elementos valiosos da geodiversidade (BRILHA, 2016). Geoconservação é, principalmente, o processo de conservação do patrimônio geológico, incluindo sua gestão, proteção e promoção por meio da interpretação e educação, geralmente em áreas protegidas ou conservadas. Inclui o reconhecimento, formal ou informal, dos geossítios que têm uma única ou uma variedade de características e processos geológicos ou geomorfológicos dignos de proteção por conta do seu valor científico (Id., 2016, p. 121).
Patrimônio Geológico
O termo refere-se àquelas partes da geodiversidade que são importantes para reconstruir a história da Terra (SHARPLES, 1993), mais especificamente, segundo John E. Gordon (2019), às características da geodiversidade da Terra, que são consideradas características geológicas especiais, de valor geomorfológico ou pedológico, principalmente por razões científicas e educacionais. Para ter seu valor científico reconhecido a níveis nacional e internacional, o patrimônio geológico precisa ter como características preponderantes (GORDON et al., 2018):
• exposições de rochas que são únicas ou representativas de processos geológicos particulares ou de estágios na evolução da Terra, globalmente ou em regiões específicas;
• formas de relevo e solos únicos, clássicos ou representativos; e
• exemplos notáveis de sistemas de processos geológicos ou geomorfológicos ativos.
Assim, reconhecer o patrimônio geológico é uma obrigação do poder público, pois a inventariação tem importância estratégica para subsidiar projetos de preservação e proteção, como a criação de novas unidades de conservação ambiental ou a ampliação das já existentes. O reconhecimento desta geodiversidade e a necessidade de preservação incentivam a implementação de propostas de geoparks no território nacional.
Localização e caracterização da área de estudo
O Pampa está posicionado na porção sul da América do Sul. É uma extensa região formada por campos de regiões temperadas, também denominados de Pradarias e regionalmente de Pampa, Campos Sulinos ou Pastizal (CHOMENKO & BENCKE, 2016, 2016).
A área de estudo é a porção do bioma Pampa situada no estado do Rio Grande do Sul, no Brasil. Os limites do Pampa foram redefinidos com base na geodiversidade em associação com a biodiversidade.
O Pampa na América do Sul tem área total de 728.155 km2 de extensão. Nos limites territoriais do Brasil, ocupa 153.254 km2. Em relação ao Pampa latino, representa 21,05%. No Estado do Rio Grande do Sul, corresponde a 1,79% do território nacional e 54,40,22% do território gaúcho. É classificado como o segundo menor bioma brasileiro (IBGE, 2019).
Devido à sua posição geográfica entre 34º e 30º latitude sul e 57° e 63° latitude oeste, o Pampa está sujeito à influência do clima subtropical, e a principal característica é a grande variação sazonal de temperaturas, ocorrendo verões quentes e invernos rigorosos. A outra particularidade climática é a existência de quatro estações bem definidas ao longo do ano solar (CHOMENKO & BENCKE, 2016).
A área do Pampa está localizada predominantemente na metade sul do Estado do Rio Grande do Sul, como mostra a Figura 1.
Nos limites do Pampa, existem 195 municípios com uma população estimada em 4.023.710 habitantes, que corresponde a 35,09% da população do Rio Grande do Sul, estimada em 11.466.630 (IBGE, 2021).
O Estado do Rio Grande do Sul possui o índice de desenvolvimento humano (IDH) de 0,765, dentro da faixa de alto desenvolvimento econômico. No bioma Pampa, o valor médio do IDH é de 0,707, considerado alto dentro dos padrões econômicos brasileiros (IBGE,2021).
Ainda, dentro deste bioma, há uma região econômica, denominada Metade Sul, formada por 98 munícipios, que possui o IDH de 0,65, classificado de médio desenvolvimento econômico. O potencial do patrimônio geológico existente pode ser um incremento para alavancar o geoturismo no Pampa. O turismo tem importância relevante na economia do Brasil por ser gerador de empregos e renda, movimentando uma ampla cadeia produtiva de bens e serviços.
O turismo, quando bem planejado e gerenciado, a médio prazo impacta em melhorias na infraestrutura de serviços essenciais para o desenvolvimento econômico da região, promovendo desde a modernização das rodovias à geração e distribuição de energia elétrica, passando pelo saneamento básico, com o acesso a água e tratamento de esgoto. Desse modo, a atividade impacta na qualidade ambiental, na saúde da população local e na prestação dos serviços de hotelaria e restaurantes, proporcionando o bem-estar do turista em sua temporada de visitação aos geossítios.
Este segmento do turismo geológico, ao ser implantado, deverá sensibilizar sobre as particularidades do espaço geográfico onde vivem as comunidades locais e, por meio da educação, trabalhar conceitos de sustentabilidade, demonstrando que o desenvolvimento econômico visa ao equilíbrio na forma de usar os recursos naturais, com impacto positivo na preservação do meio ambiente e consequentemente na conservação e proteção do patrimônio geológico.
Material e métodos
O presente artigo é continuidade da pesquisa disponível em Peixoto (2015). Na etapa inicial, realizou-se a busca do referencial a partir das palavras-chave “geodiversidade”, “geoconservação”, “patrimônio geológico”, “bioma” e “pampa” nas plataformas Researchgate, Scielo, Google Acadêmico e Periódico CAPES.
A pesquisa eletrônica é a técnica de coleta de dados utilizada em conjunto com a bibliográfica para a elaboração do referencial teórico, capítulo que estrutura e dá validade, confiabilidade e precisão para a argumentação científica, descrevendo a evolução dos conceitos como geodiversidade, patrimônio geológico, geoconservação, geopreservação e geoproteção.
Os dados coletados em campo, nos projetos “Caracterização ambiental dos geossítios da proposta: projeto geoparque Guaritas-Minas do Camaquã/RS” e “Proposta de Geoparque: Guaritas-Minas do Camaquã”, de Peixoto (2015 e 2017), fazem parte do presente artigo, complementando o levantamento de inventariação do patrimônio geológico.
Como ferramenta para inventariação do patrimônio geológico, utilizou-se o aplicativo Geossit, desenvolvido pelo Serviço Geológico Brasileiro (SGB). É um sistema de cadastro, quantificação e qualificação dos geossítios e sítios da geodiversidade. Trata-se de uma plataforma já consolidada que utiliza tecnologia eficaz e acessível aos especialistas que trabalham com o tema, a qual possibilita o cadastramento e a sistematização das informações dos geossítios em ambiente de Sistema de Informações Geográficas (SIG).
A sua estrutura é originalmente baseada nas metodologias propostas por Brilha (2005) e Garcia-Cortés & Urquí (2009), sendo que os critérios empregados para a avaliação quantitativa do aplicativo passaram por atualização, mantendo a metodologia e os conceitos propostos por Brilha (2016).
Para o cadastro do patrimônio geológico, o aplicativo Geossit exige os dados de identificação (nome, classificação temática, coordenadas geográficas, estado/município), além da descrição do contexto geológico e paleontológico, a elaboração da caracterização geológica, descrição das feições do relevo, informação do interesse temático, indicação da existência de unidade de conservação, do tipo de uso e ocupação do entorno e, por fim, avaliação do valor científico, do risco de degradação e do seu potencial uso educativo e turístico.
Este conjunto de informações, após consistidas e validadas, é armazenado em um banco de dados, organizado em ambiente SIG.
Para a edição dos mapas, locação dos geossítios, e análise espacial e ambiental, utilizou-se a plataforma ArcGIS ESRI® (2019). Para a delimitação da área de estudo, utilizou-se como base cartográfica mapa geológico e de geodiversidade do estado do Rio Grande do Sul na escala 1:750.000 (SGB/CPRM, 2008 e 2010), mapa de biomas do Brasil na escala 1:250.000 (IBGE, 2019) e na escala global o mapa mundial das Biorregiões (BURKART, 2020), que auxiliaram na delimitação do bioma Pampa, gerando o arquivo shapefile, contendo os novos limites apresentado na Figura 2.
Atualmente há 36 sítios geológicos do Pampa brasileiro cadastrados no aplicativo Geossit. Destes, foram selecionados seis geossítios de relevância internacional por apresentarem pontuação superior a 300 pontos, sendo considerados os sete seguintes critérios de avaliação: representatividade; local-tipo; conhecimento científico; integridade; diversidade geológica; raridade; e limitação de uso.
Os valores de cada critério são aplicados para a análise de cada geossítio, sendo calculados de forma automatizada pelo Geossit. Os resultados são categorizados por relevância local, regional, nacional e/ou internacional para cada sítio geológico.
A partir do patrimônio geológico inventariado, avaliado e cartografado dentro dos limites do Pampa brasileiro, procederam-se as análises ambientais para identificar as condições de preservação, conservação e os riscos de exposição, devido aos processos de degradação antrópica em cada geossítio. Para isso, utilizou-se o aplicativo Geossit, na etapa de avaliação ambiental dos seis geossítios, na qual cinco parâmetros são considerados para avaliar o risco de degradação ambiental, gerando resultados que se classificam como baixo risco (<200), médio risco (200 a 300) ou alto risco (>300). Os cinco parâmetros analisados são:
I. Deterioração de elementos geológicos;
II. Proximidade a áreas ou atividades com potencial para causar degradação;
III. Estar dentro dos limites de área de proteção legal ou não;
IV. Acessibilidade (estrada pavimentada/sem pavimento e estacionamento);
V. Densidade populacional (proximidade e população do município por km2).
Resultados e discussão
Como resultado temos o mapa simplificado do bioma Pampa mostrando os seus limites e a complexa geodiversidade, utilizando o mapa da geodiversidade do Estado do Rio Grande do Sul (Viera & Silva, 2010). O mapa da geodiversidade apresenta a divisão do território fundamentada em geossistemas ou domínios geológico-ambientais, as quais buscam agrupar as unidades litológicas que apresentam características semelhantes frente ao uso e à ocupação do solo. Desta forma, o bioma Pampa está compartimentado em 16 domínios geológico- ambientais.
As análises dos mapas utilizando os programas ArcGIS ESRI®, versão 10.7.1, e o Google Earth Pro, versão 7.3.4., e com os critérios e diretrizes propostas no relatório metodológico nº 45 (IBGE, 2019) subsidiaram a exclusão na íntegra do domínio geológico ambiental dos sedimentos cenozoicos eólicos (DCE), compreendido pelas unidades dunas móveis e fixas, e as unidades formadas nos ambientes lagunar (DCl), paludal (DCp), e marinho-costeiro (DCmc) pertencentes ao domínio formado pelos sedimentos cenozoicos inconsolidados ou pouco consolidados depositados em meio aquoso (DC).
O resultado cartográfico mostra o domínio geológico-ambiental e a posição dos geossítios no Pampa. Trata-se de uma região com geodiversidade complexa, pois temos formações litológicas com idades Holocênica (Cenozoico), além do Cretáceo, Jurássico e Triássico (Mesozoico), Paleozoico, Neoproterozoico, Paleoprotorozoico e Neoarqueano (WILDNER et. al, 2008).
Para isso, a proposta do bioma Pampa no Brasil apresentada em mapa na Figura 2 define os novos limites. Assim, a faixa do litoral e o conjunto de lagunas formada pela Laguna dos Patos e pelas lagoas Mirim e Mangueira passam a compor o Sistema Costeiro-Marinho e não mais o bioma Pampa.
As características litológicas, idade geológica e a ocorrência de geossítios por domínio geológico estão apresentados no Quadro 1.
Domínio Geológico-Ambiental | Litótipos/Ambientes de Sedimentação | Idade Geológica | Geossítio |
---|---|---|---|
DC | Planícies aluvionares recentes formados por cascalho, areia e argila. | Holocênico | |
DCIDCT | Depósitos inconsolidados de granulometria e composição diversa proveniente do transporte gravitacional. Tálus e Colúvio. | Holocênico | |
DCSR | Sedimentos retrabalhados de outras rochas. Coberturas arenoconglomeráticas e/ou síltico-argilosas. | Terciário | |
DSVMP | Rochas sedimentares predominantemente depositadas em espessos pacotes. | Permiano a Cretáceo | Tetrápodes Triássico e Sítios Paleobotânicos. |
DVM | Rochas basálticas, riolitos e riodacitos e arenito Botucatu. | Jurocretáceo | Cerro do Jarau |
DCA | Rochas da série alcalina saturada e alcalina subsaturada, como fonolitos. | Cretáceo | |
DSVE | Rochas sedimentares e vulcanossedimentares depositadas e preservadas em bacia sedimentar. | Eopaleozoico | Pedra das Guaritas |
DSP1 | Rochas predominadas por sedimentos arenosos e conglomeráticos, com intercalações subordinadas de sedimentos síltico-argilosos. Estes ocorrem com intercalações de arenitos e grauvacas. Depositados no contexto da Bacia do Camaquã. | Neoproterozoico | Pedra do Segredo |
DSVP1 | Rochas resultantes de ciclos vulcânicos ácidos a intermediários, e vulcanismo básico. | Neoproterozoico | Minas do Camaquã - Cava Uruguai. |
DSP2 | Rochas sedimentares e vulcânicas associadas, metamorfizadas e dobradas de baixo a alto grau. | Proterozoico | |
DSVP2 | Rochas sedimentares e vulcânicas associadas, metamorfizadas e dobradas de baixo a alto grau. | Proterozoico, | |
DCMU | Rocha da série máfico-ultramáfica dunito, peridotito e da série básica e ultrabásica gabro, anortosito. | Neoproterozoico | |
DCGR1 | Rochas graníticas subalcalinas, granitoides peraluminosos shoshoníticos e das séries graníticas peralcalinas e alcalinas. | Ediacariano | |
DCGR2 | Rochas das séries graníticas alcalina e granitoides peraluminosos. | Ediacariano | |
DCGR3 | Rochas das séries graníticas subalcalinas. | Criogeniano | |
DCGMGL | Rochas tipo gnaisses paraderivados, gnaisse-granulítico ortoderivado e predomínio de gnaisses ortoderivados. | Paleoprotorozoico e Neoarqueano |
Chomenko (2007), em seu artigo Pampa: um bioma em risco de extinção, informa que está biorregião ocorre na metade sul do Rio Grande do Sul, em uma área de 153.254 km², equivalendo a 54,40% do território gaúcho e a 1,79% do território brasileiro.
Com os novos limites proposto e apresentado na Figura 2, o Pampa ficará com extensão de 153.254.100 km², que corresponde a 54,40% do território gaúcho e a 1,79% do território nacional. O mapa do bioma Pampa mostra a posição de duas unidades de conservação que são: a área de proteção ambiental do Ibirapuitã (APA), próximo ao geossítio Cerro do Jarau e o Parque Estadual do Podocarpus, formado por duas áreas menores a leste dos geossítios Pedra das Guaritas e Minas do Camaquã - Cava Uruguai.
O mapa também mostra os limites territoriais no Brasil, mais precisamente no estado do Rio Grande do Sul, que são ao sul com o Uruguai, a oeste com a Argentina, ao norte com o bioma Mata Atlântica, e a leste com o Sistema Costeiro-Marinho, sendo este último, o sétimo bioma brasileiro, conforme mostra a Figura 3.
Neste bioma, existe um patrimônio geológico valiosíssimo que está em constante processo de inventariação, avaliação e valorização pelo Serviço Geológico, no Projeto Inventário do Patrimônio Geológico do Brasil.
Com isso, procedeu-se a identificação dos geossítios de alto valor científico cadastrados na área do estudo, limitando-se ao novo recorte do bioma Pampa. Nesta área, dentro de uma população de trinta cinco sítios geológicos, seis sítios in situ obtiveram valor científico internacional e com alto potencial turístico, educativo e cultural, sendo estas informações apresentadas no Quadro 2.
Após a avaliação, a inventariação do patrimônio geológico obteve, por meio do critério matemático, o valor científico indicando a relevância do geossítio. Para atingir o resultado de relevância internacional, o valor científico tem que alcançar pontuação superior a 300 pontos.
Na Tabela 1 são apresentados os geossítios, o município de localização, tipo de terreno geológico, a descrição do sítio geológico, o valor científico e o grau de relevância.
Geossítio | Município | Terreno | Descrição | Valor | Relevância |
---|---|---|---|---|---|
Pedras das Guaritas | Caçapava do Sul | Sedimentar | Morro-testemunho | 360 | Internacional |
Pedra do Segredo | Caçapava do Sul | Sedimentar | Caverna/Morro-testemunho | 325 | Internacional |
Minas do Camaquã - Cava Uruguai | Caçapava do Sul | Vulcânico Sedimentar | Área de Mineração inativa | 350 | Internacional |
Cerro do Jarau | Quaraí | Vulcânico e sedimentar | Cratera de impacto | 340 | Internacional |
Tetrápodes Triássico | São Pedro do Sul | Sedimentar | Áreas de escavações e taludes de corte ou naturais | 305 | Internacional |
Sítios Paleobotânicos do Arenito Mata | Mata | Sedimentar | Áreas de escavações e taludes de corte ou naturais | 315 | Internacional |
A Tabela 2 sistematiza a análise ambiental, explicitando os riscos de degradação nos sítios em análise. Enfatiza-se que quanto o valor numérico for >300, maior o risco de degradação ambiental do geossítio.
Geossítio | Município | Terreno | Descrição | Valor | Risco |
---|---|---|---|---|---|
Pedras das Guaritas | Caçapava do Sul | Sedimentar | Morro-testemunho | 300 | Médio |
Pedra do Segredo | Caçapava do Sul | Sedimentar | Caverna/Morro-testemunho | 220 | Médio |
Minas do Camaquã - Cava Uruguai | Caçapava do Sul | Vulcânico Sedimentar | Área de Mineração inativa | 320 | Alto |
Cerro do Jarau | Quaraí | Vulcânico e sedimentar | Cratera de impacto | 175 | Baixo |
Tetrápodes Triássico | São Pedro do Sul | Sedimentar | Áreas de escavações e taludes de corte ou naturais | 315 | Alto |
Sítios Paleobotânicos do Arenito Mata | Mata | Sedimentar | Áreas de escavações e taludes de corte ou naturais | 335 | Alto |
Os geossítios Tetrápodes Triássico e Sítios Paleobotânicos estão localizados próximos às cidades de Santa Maria, São Pedro e Mata. Estes possuem alto risco de degradação devido à ampliação de estradas, loteamentos urbanos e áreas industriais. Dos geossítios que se localizam no município de Caçapava do Sul, as Minas do Camaquã - Cava Uruguai e todo o seu entorno possuem alto risco por pertencerem ao distrito mineral que está em processo de retomada da exploração de cobre. Já a Pedra do Segredo e a Pedra das Guaritas possuem médio risco, devido à expansão da silvicultura nesta região. Apenas o Cerro do Jarau, localizado na área rural da cidade de Quaraí, possui baixo risco de degradação ambiental, por estar em uma área de campos de pastagens naturais, pela proximidade com a área de proteção ambiental do Ibirapuitã e devido às dificuldades de acesso.
Considerações Finais
Conceitos como “geodiversidade”, “patrimônio geológico”, “geoconservação” e “bioma” estão em contínuo processo de atualização por meio de pesquisas científicas que buscam desenvolver, estruturar e ampliar conhecimentos para uso em pesquisas na área das geociências. Estas expressões se modificaram à medida que as pesquisas avançaram, e isso se deve ao avanço nas áreas de Geodiversidade, Geologia Ambiental e Geotecnologias. Os conceitos-chaves para desenvolver o estudo foram pesquisados, e suas atualizações foram apresentadas para subsidiar o desenvolvimento e defesa da ideia central do artigo, que é inventariar e avaliar a condição ambiental da valiosa geodiversidade existente no Pampa Gaúcho.
O estudo traz para o debate a extensão do bioma Pampa no Brasil, sendo que um dos resultados foram os novos limites do Pampa a partir da utilização de geotecnologias aliadas ao mapa de geodiversidade do Rio Grande do Sul (VIERO & SILVA, 2010) e de biodiversidade (IBGE, 2019).
A principal argumentação para esta delimitação é baseada no entendimento do processo evolutivo geológico e geomorfológico que modelou a extensa área costeira do Rio Grande do Sul. Este processo formou os sistemas Laguna-Barreira I, II, III e IV, que se desenvolveram em resposta aos máximos transgressivos marinhos, ocorridos há 400, 325, 123 e 6 mil anos, respectivamente, segundo Tomazelli et al. (2007). Assim, a província geológica costeira e lagunar tem características geoambientais singulares e pode ser reconhecida como o Bioma Sistema Costeiro-Marinho, o sétimo do Brasil.
Depois de definidos os limites do Pampa, buscou identificar os geossítios e sítios da geodiversidade localizados dentro do bioma e que já foram validados e disponibilizados na plataforma Geossit e que necessitam de implantação urgente de medidas de geoconservação para preservar a história geológica do Pampa.
Os seis geossítios que apresentam valor científico internacional com valores entre 315 e 360 e estes foram os selecionados em uma população atual de 36 sítios geológicos já inventariadas e que estão dentro do novo limite do Pampa brasileiro.
Para a avaliação ambiental utilizou-se o aplicativo Geossit e os resultados apresentados mostras que três geossítios tem risco alto de degradação ambiental com valores superiores a 300 que são as Minas de Camaquã - Cava Uruguai, Tetrápodes Triássico e os Sítios Paleobotânicos do Arenito Mata. Os geossítios Pedra das Guaritas e Pedra do Segredo apresentaram risco médio de degradação ambiental com valores entre 200 e 300 e por fim o Cerro do Jarau mostra baixo risco de degradação ambiental com valor de 175.
Ações para proteção seria a criação de novas Unidades de Conservação ou ampliação das já existentes, desde que incorporem, também, os elementos da geodiversidade. Atualmente existe um número inexpressivo de áreas preservadas. A maior delas é a Área de Proteção Ambiental do Ibirapuitã, com 3.168 km2.
Outra importante ação seria a implantação de Geoparks no Pampa pois esta é uma valiosa estratégia de geoconservação aplicada em todo o mundo através do projeto Geoparques Mundiais da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Existem duas propostas publicadas pelo Serviço Geológico do Brasil, a Quarta Colônia (GODOY et al, 2010) e Guaritas-Minas do Camaquã (PEIXOTO, 2017), esta última, atualmente, denominada de Geopark Caçapava. Estas duas propostas recentemente foram elencadas como aspirantes a Geopark pela UNESCO.
Com estas ações citadas seria também necessário propor legislação sobre o marco regulatório da geodiversidade. O amparo legislativo ambiental existente busca preservar e conservar a biodiversidade dos biomas brasileiros. Porém, em pleno século XXI, o Estado brasileiro continua com práticas ambientais desastrosas. Um exemplo é o alerta emitido pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) para que o governo brasileiro cumpra com as metas estabelecidas para o controle das emissões de gases de efeito estufa. O que vem ocorrendo em biomas como a Amazônia, Cerrado e Pantanal também ocorre no Pampa. Campos nativos, matas ciliares e florestas naturais são suprimidas e depois substituídas pela monocultura e por pastagens artificias para atender ao agronegócio.
O conjunto de estratégias de geoconservação implementadas e bem gerenciadas certamente resultarão na preservação do patrimônio geológico. Além disso, estas condicionantes servirão para estruturar políticas públicas locais, regionais e nacionais para regular o modelo de desenvolvimento econômico, social e sustentável e assim proteger o reconhecido patrimônio natural, biótico e abiótico, existente no território pampeano.
Ações de conscientização da população local e parcerias público-privadas, com escolas e universidades, são imprescindíveis para a disseminação dos conceitos como geoeducação, geodiversidade, patrimônio geológico e geoturismo.
Desta forma, é necessário que a sociedade civil organizada proponha para as comissões de meio ambiente e de desenvolvimento sustentável, nos níveis municipal, estadual e federal, a atualização da legislação ambiental por meio de projeto de lei que contemple os conceitos de geodiversidade, geoconservação e patrimônio geológico.
Portanto, a execução da inventariação do patrimônio geológico e a análise ambiental dos geossítios resultam em informações consistentes para ampliação e atualização da legislação ambiental brasileira. Um arcabouço jurídico ambiental que normatize a geoconservação, geopreservação e geoproteção, estes considerados os maiores desafios do século XXI.
O patrimônio geológico geoconservado permitirá que futuras gerações conheçam a história evolutiva geológica representada nos geossítios existentes nos campos sulinos temperados, o denominado Pampa Gaúcho.