1. Introdução
A raia divisória São Paulo-Paraná-Mato Grosso do Sul (Figura 1), passou por um processo de transformação da paisagem que levou à substituição de áreas vegetadas por pastagens, por projetos de assentamentos rurais, pela expansão da cana de açúcar e por áreas de produção de grãos (soja e milho), em menor escala (PASSOS, 2006; 2007).
A área em que está inserida a Raia Divisória, foi ocupada sob uma concepção pouco racional e, também, considerando-se a “incompetência e até a complacência dos governos em relação à destruição do meio ambiente natural” (LEITE, 1998, p. 16), resultou em um quadro geral de degradação ambiental e econômica, claramente observado na paisagem nos dias atuais.
A formação do lago no final da década de 1990, para atender a Usina Hidrelétrica (UHE) Engenheiro Sérgio Motta, proporcionou grandes alterações na paisagem. Estudos realizados por Dias (2003) e Passos (2006; 2007), evidenciaram as mudanças paisagísticas, decorrentes da formação da planície de inundação do rio Paraná e a localização do canteiro de obras da UHE entre os anos de 1986 e 1999.
No extremo oeste paulista, em 1986, os referidos autores identificaram áreas de mudanças bem definidas e dentre elas destacam-se: a) áreas desmatadas no espigão, ao longo da SP-613; b) áreas de floresta a nordeste sendo eliminada para introdução da cana-de-açúcar (Destilaria Alcídia S.A); c) área de floresta, ao sul com sinais de desmatamento recente; na margem direita do rio Paranapanema a jusante do canteiro de obras da UHE de Rosana, ampla área de planície de inundação, até a confluência com o rio Paraná; d) ao norte, o rio Paraná, com destaque para o canteiro de obras da barragem, em Porto Primavera e; e) a larga planície de inundação,a nordeste e a planície, revestida por vegetação, relativamente densa e arbórea a jusante, com destaque para as lagoas temporárias (DIAS, 2003 e PASSOS, 2006; 2007).
Já em 1999, houve o alargamento do rio Paranapanema a montante da barragem da UHE de Rosana. O maior impacto desse reservatório se deu com o desmatamento de cerca de seis mil hectares do Parque Estadual Morro do Diabo. A jusante da barragem, houve resposta imediata com a redução do leito do rio, atingindo a ictiofauna e também as áreas de inundação (PASSOS, 2006; 2007).
As mudanças no uso da terra na parcela paulista da raia divisória, ocorridas no período de 1986 - 1999, foram pouco significativas e consistiram essencialmente no assentamento de camponeses sem terra, em áreas de pastagens. No entanto, a forte desterritorialização, observada no abandono das estradas vicinais, no desaparecimento dos bairros rurais e no descaso em relação aos cemitérios, comprovam a fragilidade/inexistência dos agentes locais (PASSOS, 2006).
No entanto, cabe destacar a formação do reservatório da UHE de Porto Primavera. O leito original do rio Paraná, tinha a largura entre 1 200 e 1 300 metros. O lago formado, após a barragem do rio Paraná, atingiu a largura, no trecho da raia divisória, de 21 a 22 quilômetros (PASSOS, 2007).
Na parcela sul mato-grossense da raia divisória, o rio Paraná e sua planície de inundação se constituíram numa barreira natural que dificultou os fluxos entre as duas parcelas territoriais. A partir da formação do lago e da possibilidade de acesso ao oeste Paulista, através da ponte na barragem do reservatório da UHE de Porto Primavera, os fluxos entre as duas parcelas territoriais foram dinamizados.
Houve a presença mais significativa, na parcela sul-mato-grossense, de vegetação florestal e de cerrados. Este fato, evidencia os aspectos socioeconômicos e culturais que ocorriam de forma diferenciada nas duas parcelas territoriais. A localização dos municípios sul-mato-grossenses, distantes, em média, 30 a 35 quilômetros da margem direita do rio Paraná, se explica pelo obstáculo da planície de inundação, imprópria ao estabelecimento de núcleos urbanos e o mesmo ocorreu em relação às estradas. A presença de matas ciliares nos ribeirões e córregos, era muito mais expressiva na parcela territorial sul mato-grossense. No lado paulista, o desmatamento, para atender à demanda de algodão nos anos 1940-1965, aconteceu num período onde a cultura do desmatar era sinônimo de progresso (PASSOS, 2006; 2007).
Na parcela sul-mato-grossense, houve forte predomínio de áreas de pastagens e de manchas significativas de vegetação residual, cuja composição florística, e respectivas fisionomias, eram bastante diversificadas e complexas: cerrado, cerradão, floresta, vegetação complexa com ocorrência significativa de cactáceas (DIAS, 2003 e PASSOS, 2006;2007).
Apesar da valorização das áreas de cerradão, após o enchimento do reservatório, para a formação de pastagens, o desmatamento ficou restrito a pequenas parcelas. Essa realidade resultou de dois fatos: (1) maior rigor dos órgãos de fiscalização ambiental, especialmente do IBAMA e (2) a introdução da prática de calagem no solo, no momento de refazer os pastos, mantendo e, até mesmo, aumentando a capacidade de apascentamento das pastagens (PASSOS, 2006; 2007; DIAS, 2003; OLIVEIRA, 2004).
Deste modo, esta pesquisa teve como objetivo analisar as transformações na cobertura da terra na raia divisória São Paulo/Paraná/Mato Grosso do Sul depois da formação dos lagos para a geração de energia das usinas hidrelétricas, considerando-se os anos de 2001 e 2021 e como as transformações na paisagem interferiram na cobertura vegetal e nas temperaturas superficiais, utilizando-se imagens representativas da estação seca e chuvosa dos satélites Landsat 7 e 8.
Para a presente pesquisa, o sensoriamento remoto e os sistemas de informações geográficas auxiliaram na caracterização da cobertura da terra e na avaliação da temperatura superficial que é um parâmetro relevante para a compreensão das transformações na paisagem em diferentes escalas (local, regional e global). As análises das temperaturas superficiais podem indicar alterações no balanço de energia, na evaporação e na transpiração da vegetação podendo ser utilizadas como indicador de degradação terrestre e de mudança climática (ARAUJO e DI PACE, 2010).
2. Procedimentos Metodológicos
Para a análise das características da temperatura da superfície e do Índice de Vegetação Normalizado (NDVI) da área de estudo foram utilizadas imagens dos satélites Landsat 7 (banda 6) e 81 (banda 10), órbita/ponto: 223/75 e 223/76.
Para a análise da cobertura da terra em 2001 e em 2021, foram utilizadas as mesmas cenas das imagens dos satélites, em composição colorida falsa cor do Landsat 7 (bandas 5, 4 e 3) de 2001 e do Landsat 8 (bandas 6, 5 e 4) de 2021. Estas imagens foram processadas na ferramenta de classificação de imagens Iso Cluster Unsupervised Classification do ArcGIS 10.8 (ESRI, 2019) para a obtenção de quatro classe de interesse, sendo: vegetação arbórea, vegetação rasteira, água e solo nu.
Para isso, foram selecionadas imagens sem cobertura de nuvens, em dias representativos da estação seca (03/08/2001 e 18/08/2021), com tipos de tempo comparáveis nos dias de capturas das cenas dos dois períodos. Para a análise das temperaturas superficiais e do NDVI em dia representativo da estação chuvosa foi utilizada a cena de 07/02/2021.
A partir dessa seleção, realizou-se o tratamento das imagens termais no aplicativo Idrisi (Selva). Os sensores Landsat Enhanced Thematic Mapper Plus (ETM+) and Thermal Infrared Sensor (TIRS) adquirem dados de temperatura e armazenam essas informações como um número digital (DN) com um intervalo entre 0 - 255 (ETM +) e 0 - 65535 (TIRS). Inicialmente foi feita a conversão dos valores de DN para radiância e na sequência processou-se a transformação dos dados de radiância, para graus Kelvin.
A aplicação da Equação (Eq.) 1 2, permite converter os números digitais (DN) em radiância na imagens do satélite Landsat 7 (banda 6).
Onde:
L λ = Radiância espectral da abertura do sensor em Watts/(metros quadrados * ster * µm);
QCAL = Valor da calibração do pixel em DN;
Lmin λ = Radiância espectral, que é dimensionado para QCALMIN em Watts/(metros quadrados * ster * µm);
LMax λ = Radiância espectral, que é dimensionado para QCALMAX em Watts/(metros quadrados * ster * µm);
QCALMIN = O valor mínimo quantificado e calibrado do pixel (correspondente a Lmin λ) em DN;
QCALMAX = O valor máximo quantificado e calibrado do pixel (correspondente a Lmin λ) em DN.
Os valores de radiância espectral, tanto os máximos quanto os mínimos (Limax e Limin), podem se alterar em função da data do imageamento, portanto, devem ser utilizados os parâmetros apresentados no Tabela 1.
Número da banda | Processada depois de 01 de julho de 2000 | |||
Baixo ganho | Alto ganho | |||
LMin | LMax | LMin | LMax | |
6 | 0,0 | 17,04 | 3,2 | 12,65 |
Fonte: Landsat 7 Handbook
Para o Landsat 8 a Equação 2 utilizada nesta etapa, segundo informações disponibilizadas no site do USGS3 é a seguinte (banda 10):
Onde:
Lλ = Radiância do topo da atmosfera (Watts/( m2 * srad * μm));
ML = Fator multiplicativo de redimensionamento de cada banda presente nos metadados (RADIANCE_MULT_BAND_x, onde x é o número da banda);
AL = Fator aditivo de redimensionamento de cada banda presente nos metadados (RADIANCE_ADD_BAND_x, onde x é o número da banda);
Qcal = Valores de pixel quantificados e calibrados do produto padrão (DN).
Na sequência aplicou-se a Equação 3 para converter os valores em temperatura Kelvin. Essa equação é utilizada para ambos os sensores Landsat (7 e 8), porém os parâmetros são distintos.
Onde:
T = Temperatura efetiva no satélite em Kelvin;
K2 = Constante de calibração 2, conforme valores da Tabela 2;
K1 = Constante de calibração de 1, conforme valores da Tabela 2;
L = Radiância espectral, em Watts / (metro quadrado ster * * mm).
Na tabela 2, apresentam-se os valores que foram substituídos na equação para conversão em temperatura Kelvin.
Constante 1 - K1 | Constante 2 - K2 | |
Landsat 7 | 666,09 | 1.282,71 |
Landsat 8 | 774.89 | 1321.08 |
Fonte: Landsat 7 Handbook.
Para gerar a grade de temperatura da superfície em graus Celsius (°C), foi feita a conversão da escala Kelvin para Celsius, subtraindo-se a imagem de 273,15.
Optou-se por apresentar as intensidades das temperaturas superficiais para tornar possível a comparação entre períodos distintos. Para isso foram consideradas as diferenças das temperaturas de toda área de estudo em relação ao Parque Estadual Morro do Diabo e não os valores absolutos das temperaturas superficiais. Portanto, partiu-se da média das temperaturas superficiais do Parque Estadual Morro do Diabo de cada cena, sendo este considerado como o ponto “0”. A partir do valor de referência, foram calculadas as diferenças de temperaturas dos alvos (por pixel), para que fosse possível reconhecer o padrão de aquecimento nas imagens representativas da estação seca e chuvosa em anos diferentes.
Os mapas de NDVI também foram elaborados no aplicativo Idrisi (Selva) utilizando-se as bandas do vermelho (banda 3 para o Landsat 7 e banda 4 para o Landsat 8) e do infravermelho próximo (banda 4 para o Landsat 7 e banda 5 para o Landsat 8), das mesmas cenas supracitadas, por meio da Equação 4. O NDVI foi obtido pela razão entre a diferença da refletância do infravermelho próximo (IVP) e a refletância do vermelho (V) dividida pela soma das mesmas.
Onde:
NDVI: Índice de Vegetação por Diferença Normalizada;
IVP= Valor da refletância da banda no Infravermelho próximo;
V= Valor de refletância da banda no vermelho.
Este índice varia de +1 a -1 e permite verificar que os valores próximos a +1 se referem a áreas com maior densidade de vegetação, enquanto os mais próximos de -1, possuem áreas com menor densidade vegetal. Quanto mais próximo de +1, maior é a atividade vegetativa no local representado pelo pixel, enquanto que valores negativos ou próximos de 0 indicam áreas de água, edificações, solo exposto, enfim, locais onde há pouca ou nenhuma atividade clorofiliana (JENSEN, 2009).
3. Resultados e discussão
3.1. Características da Raia divisória São Paulo-Paraná-Mato Grosso do Sul e as transformações na cobertura da terra
A raia divisória está inserida em uma área de transição dos climas zonais, localizada entre os domínios dos sistemas tropicais e polares. Marcada pelos efeitos da continentalidade, apresenta elevado grau de variabilidade térmica e pluviométrica. Tal variabilidade tem sido agravada pelo efeito do desmatamento empreendido pelo uso e ocupação da terra destinado à pecuária extensiva e propriedades agrícolas, em que predominam as culturas de cana-de-açúcar, milho e soja (SANT´ANNA NETO e SILVA, 2011).
As diferenças de vegetação são comandadas pela própria transição climática do clima subtropical para o tropical, que Monbeig (1984) já havia assinalado e que foi confirmada pelos estudos de análise rítmica do clima realizados por Monteiro (1973), para o Estado de São Paulo, e Zavatini (1992), para o Estado de Mato Grosso do Sul, que demonstram que a região está em plena zona de transição climática, evidenciada pela "faixa zonal divisória", pelos autores identificada.
A distribuição das precipitações tem uma evolução muito identificada com a distribuição das temperaturas, ou seja, os meses quentes são os mais chuvosos, podendo-se afirmar que é alta a evapotranspiração regional (SANT´ANNA NETO e SILVA, 2011).
O período mais húmido (outubro a fevereiro) e de temperaturas mais elevadas tem um impacto significativo nos processos morfogenéticos e pedogenéticos, sobretudo por ocasião de precipitações convectivas muito intensas.
A forma como se processou a ocupação do solo, sobretudo nas áreas agrícolas e nas pequenas propriedades, resultou em uma fragilidade do geocomplexo em análise: mesmo episódios intensos de chuvas não muito excecionais são causadoras de impactos negativos, apesar de tratar-se de um espaço geográfico caracterizado por certa homogeneidade geomorfológica, litológica e climática (PASSOS, 2006; 2007 e DIAS, 2003).
A Raia Divisória São Paulo-Paraná-Mato Grosso do Sul se insere numa área de relativa homogeneidade geoambiental, cujo principal elemento de identidade é a presença dos arenitos do Grupo Bauru, com predominância marcante para a Formação Caiuá, que domina a maior parte da área de estudo, nos territórios dos três Estados (PASSOS, 2006; 2007 e DIAS, 2003).
Na porção paulista, a ocupação precoce para a implantação da agropecuária na década de 1960 deixou poucos remanescentes da vegetação original. Estes possibilitam, todavia, que se tenha uma ideia das condições da região antes de sua descaracterização. O Parque Estadual Morro do Diabo é o bloco mais importante desta vegetação, que resta no território paulista (PASSOS, 2006; 2007).
A Figura 2 mostra o aumento das áreas inundadas devido à formação dos lagos das usinas hidrelétricas na raia divisória, no período de 1986 a 1999. As superfícies cobertas por água passaram de 483,71 km2 em 1986 para 1 426,38 km2 em 1999 e as áreas com cobertura vegetal de floresta/cerrados passaram de 3 406,69 km2 para 2 182,29 km2 (DIAS, 2003).
Depois desse período de fortes transformações na paisagem, que compreendeu a fase de formação dos lagos, verificou-se certa manutenção nas características paisagísticas, conforme pode-se observar nas Figuras 3 e 4 e na tabela 3, considerando-se o período de 2001 a 2021.
Cobertura da terra | 03/ago/2001 | 18/ago/2021 | Diferença no período | ||||
Área (km2) | Área (%) | Área (km2) | Área (%) | Área (km2) | Área (%) | ||
Água | 1.520,94 | 12,57 | 1.555,59 | 12,86 | 34,65 | 0,29 | |
Vegetação arbórea | 2.241,68 | 18,53 | 2.262,30 | 18,70 | 20,62 | 0,17 | |
Vegetação rasteira | 3.539,08 | 29,25 | 3.518,95 | 29,08 | -20,13 | -0,17 | |
Solo nu | 4.797,48 | 39,65 | 4.762,34 | 39,36 | -35,14 | -0,29 | |
Total | 12.099,18 | 100 | 12.099,18 | 100 | 0 | 0 |
Fonte: Os autores, 2022.
Na tabela 3, resultante das classificações que compuseram as Figuras 3 e 4, são apresentados os valores (aproximados), em km2 e a percentagem, das áreas ocupadas por cada categoria de cobertura da terra que compõem as imagens de satélite.
Ao se associar os dados apresentados na tabela 3, com as informações visuais fornecidas pela classificação das Figuras 3 e 4, verifica-se que as transformações na raia divisória em 20 anos foram pequenas, destacando-se o aumento de 20,62 km2 de cobertura vegetal arbórea e a diminuição de 20,13 km2 de vegetação rasteira e também a diminuição de 35,14 km2 de solo nu. A área coberta por água aumentou 34,65 km2.
3.2. As temperaturas superficiais e o índice de vegetação por diferença normalizada na Raia divisória São Paulo-Paraná-Mato Grosso do Sul
Analisando-se as diferenças das temperaturas dos pixels nas imagens representativas da estação seca em 03/08/2001 (Figura 5) e depois de duas décadas, em 18/08/2021 (Figura 6), fica evidente o aumento das áreas com temperaturas superficiais mais elevadas, tendo-se como referência, o Parque Estadual Morro do Diabo, que manteve, nesse período, a vegetação original.
Nos dias das tomadas das imagens da estação seca, conforme cartas sinóticas de superfície, a área estava sob a atuação de anticiclones (Figura 7) que trouxeram estabilidade atmosférica e temperatura média diária de 22,9ºC no dia 03/08/2001 e 23,2ºC no dia 18/08/2021 (Tabela 4).
Nos 30 dias que antecederam a tomada das imagens da estação seca, os totais de precipitação foram baixos (Tabela 4), conforme esperado para essa época do ano na área onde está inserida a raia divisória. Foram 28,9mm, distribuídos em 5 dias de precipitação, para os 30 dias que antecederam a tomada da cena em 03/08/2001 e 2,8mm, distribuídos em 2 dias, para 18/08/2021. Os dados de temperatura e precipitação foram registrados em estação de referência do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), localizada em Presidente Prudente/SP. Mesmo tratando-se de dados meteorológicos de um único ponto de uma extensa área, este serve de parâmetro para se verificar a escassez da precipitação nessa época do ano.
Os baixos totais de precipitação diminuem a biomassa que resultam na elevação das temperaturas dos alvos. Comparando-se o NDVI e a intensidade da temperatura da superfície (ΔTS), nos dois períodos de análise, verifica-se a importância do maior desenvolvimento da cobertura vegetal na diferenciação entre as temperaturas.
Os trabalhos de Hamada e Ohta (2010) e Liu e Zhang (2011), mostraram que quanto maiores os valores de NDVI menores os valores de temperatura de superfície, havendo, portanto, uma relação inversa entre eles. Deste modo, as superfícies quando expostas a radiação solar possuem capacidades diferenciadas de absorção e retenção da energia térmica, que dependem das características físicas dos alvos, tais como: tipos de materiais construtivos, impermeabilização do solo, densidade de construções ou características da vegetação (JENSEN, 2009), além da distribuição dos totais de precipitação no período que antecede a tomada das imagens (AMORIM 2018, 2020).
Passagem do satélite Landsat | |||
03/08/2001 (Landsat 7) | 18/08/2021 (Landsat 8) | 07/02/2021 (Landsat 8) | |
Temperatura do ar média diária (oC) | 22,9 | 23,2 | 24,5 |
Total de precipitação nos 30 dias que antecederam a passagem do satélite | 28,6 | 2,8 | 193,8 |
Número de dias com precipitação (30 dias anteriores a passagem do satélite | 5 | 2 | 18 |
Fonte: Os autores, 2022.
Conforme apresentado nas Figuras 3 e 4, as transformações na raia divisória em 20 anos foram pequenas, havendo baixo aumento na área da cobertura vegetal arbórea (0,17% da área) e diminuição da vegetação rasteira (0,17% da área). As áreas cobertas por água aumentaram 0,29% e o solo nu diminuiu na mesma proporção (0,29%).
Deste modo, acredita-se que as diferenças encontradas nas temperaturas superficiais das duas imagens estejam mais relacionadas com as características do tempo atmosférico nos períodos que antecederam as tomadas das imagens em 03/08/2001 e 18/08/2021 (estação seca), do que das alterações da cobertura da terra que ocorreram no período.
Na imagem de 2001 (Figura 5), verifica-se no NDVI maior vigor da vegetação nas áreas cobertas por vegetação arbórea e rasteira do que na imagem de 2021 (Figura 6). Deste modo, o aquecimento da superfície foi menor, quando comparado com 2021, que apresentou diminuição significativa do NDVI.
A vegetação em condições favoráveis de nutrientes e de disponibilidade hídrica absorvem a radiação solar no comprimento de onda da luz visível do vermelho, utilizando essa radiação como fonte de energia para processos fotossintéticos. Em contrapartida, tal vegetação reflete a radiação no comprimento de onda do infravermelho próximo. Quanto mais saudável for a vegetação maior será a absorção no vermelho e maior será a refletância no infravermelho próximo. Essas condições fornecem diferenças de refletância que são captadas pelos sensores dos satélites orbitais, tornando possível o cálculo do NDVI (MARCUSSI et al., 2010).
As imagens que se referem ao NDVI nas Figuras 5 e 6, claramente evidenciam a diminuição do vigor da vegetação de 2001 para 2021. Em termos de área, as classes de NDVI entre 0,4 e 0,6, passou de 9,83% em 2001 para 0,05% em 2021 e a classe entre 0,2 e 0,4 passou de 43,15% para 26,49% (Figuras 8 e 9). Isso significa grande perda do vigor da vegetação tanto rasteira como arbórea e os menores índices de vegetação, entre 0 e 0,2, aumentaram de 33,03% em 2001 (Figura 8) para 60,74% em 2021 (Figura 9).
Como consequência da diminuição do NDVI, as áreas das maiores intensidades das temperaturas da superfície evoluíram significativamente de 2001 para 2021. A área com intensidade de temperatura maior do que 6°C em relação ao Parque Estadual Morro do Diabo, passou de 9,22% (Figura 10) para 41,02% (Figura 11).
As temperaturas menores do que as registradas no Morro do Diabo ocorreram nas superfícies cobertas por água, com 11,53% da área em 2001 e 16,11% em 2021.
Para evidenciar a importância dos tipos de tempo nos períodos que antecedem a tomada das imagens apresenta-se o tratamento de uma imagem representativa da estação chuvosa tomada no dia 07/02/2021 (Figura 12). Nos 30 dias que antecederam a tomada da imagem, foram registrados 193,8mm de precipitação, distribuídos em 18 dias (Tabela 4).
Na imagem representativa da estação chuvosa (Figura 12) verifica-se que as maiores temperaturas superficiais se restringiram a áreas com solo nu. As áreas com cobertura vegetal arbórea, as superfícies de água e as áreas com cobertura vegetal rasteira apresentaram respetivamente, as menores diferenças das temperaturas, quando comparadas com a área de cobertura vegetal nativa (Parque Estadual do Morro do Diabo).
Com isso pode-se verificar o aumento significativo do NDVI na classe entre 0,4 e 0,6, ocupando 58,9% da área (Figura 13). Tal fato propiciou a diminuição da área com intensidades das temperaturas superficiais maiores do que 6ºC (Figura 14), havendo equivalência das áreas com intensidades de temperaturas de 0 a 2ºC, de 2 a 4ºC e de 4ºC a 6ºC, com respectivamente 30,80%, 30,29% e 30,31% de área.
Os resultados mostraram que mesmo com as pequenas transformações na cobertura da terra no período de 2001 a 2021 a diminuição do vigor vegetativo, comprovada pelo NDVI, no período seco, resultou no aumento das áreas com temperaturas dos alvos mais elevadas. Entretanto, na imagem representativa da estação chuvosa, com a recuperação do vigor vegetativo propiciado pela precipitação, as áreas com as maiores intensidades das temperaturas superficiais diminuíram significativamente.
Nas imagens apresentadas (Figuras 5, 6 e 12), pode-se comprovar, por meio da comparação entre o NDVI e a intensidade da temperatura superficial, a importância do maior desenvolvimento da cobertura vegetal na diminuição das temperaturas dos alvos.
Sendo assim, existem relações diretas entre temperaturas elevadas e o baixo vigor vegetativo, uma vez que, as áreas com solo exposto, construídas e com baixa quantidade de vegetação na área de estudo apresentaram valores negativos de NDVI, enquanto que no Parque Estadual Morro do Diabo e outras áreas com alta densidade vegetativa tiveram temperatura mais amena e maiores valores de NDVI.
4. Considerações finais
Nesta pesquisa, verificou-se que a variabilidade espacial das temperaturas superficiais na Raia divisória São Paulo-Paraná-Mato Grosso do Sul, diagnosticadas por meio de imagens de satélite, não dependem apenas das transformações na paisagem, mas estão diretamente relacionadas com os tipos de tempo que proporcionam maiores ou menores totais de precipitação no período que antecede a tomada das imagens.
Sob condições atmosféricas que prevalecem a estabilidade e baixos totais de precipitação, há diminuição do vigor vegetativo a partir da perda de parte das folhas e exposição do solo interferindo no balanço de energia.
Comparando-se o NDVI (Normalized Difference Vegetation Index) e as intensidades das temperaturas da superfície (ΔTS), verificou-se a importância do maior desenvolvimento da cobertura vegetal na diferenciação entre as áreas com vegetação arbórea, rasteira e solo nu na variação das temperaturas.
As imagens que se referem ao NDVI claramente evidenciaram o maior desenvolvimento vegetal no período chuvoso, quando comparado ao período seco que resultaram nas diferenças da variabilidade da temperatura entre os diferentes tipos de cobertura da terra.
Deste modo, conclui-se que, diferentemente do que se inicialmente imaginava, não ocorreram alterações significativas da cobertura da terra entre 2001 e 2021. Houve o aumento da superfície com água e da cobertura vegetal arbórea e a diminuição da vegetação rasteira e do solo nu.
Mesmo com os baixos percentuais de alterações, a variabilidade das temperaturas superficiais e do NDVI foram significativos, especialmente quando se comparou as imagens da estação seca e chuvosa.
Deste modo, a análise das temperaturas superficiais e do NDVI considerando-se a precipitação antes da tomada das imagens é fundamental para que as análises não se limitem as alterações da cobertura da terra, que sozinha não respondem a variabilidade e intensidade das temperaturas superficiais.