Introdução
Os incêndios e as perdas de controle de queimadas são um dos principais fenômenos responsáveis por danos aos ecossistemas e em função da intensidade e das características ambientais da paisagem podem resultar em prejuízos significativos com a supressão da fauna e flora, além de perdas materiais e até humanas (Coelho & Goulart, 2019; Kazmierczak, 2015).
Costa et al. (2018) argumentam que os incêndios, sobretudo os florestais, configuram-se como um dos problemas ambientais de maior relevância a nível global e caracterizam-nos como tema de grande interesse para toda a sociedade, na qual se inclui a comunidade científica, principalmente no que se refere à elaboração de metodologias e técnicas para a redução deste tipo de evento.
Fica evidente, a partir dessas considerações, que há uma interação de destaque entre as atividades antrópicas, conservação ambiental e redução de risco dessa natureza/fenômeno, que ratifica a necessidade da elaboração de um processo de ordenamento territorial abrangente e integrado de prevenção de queimadas sem controle e de incêndios.
Coelho e Goulart (2019) esclarecem que as expressões “Incêndios” e “Queimadas” em grande parte das vezes são empregadas de maneira incerta em relação à sua origem e ao seu contexto de ocorrência. Os incêndios, segundo a Classificação e Codificação Brasileira de Desastres (Cobrade, 2012), são considerados um desastre natural climatológico, pois estão associados na maioria das vezes ao ambiente florestal, como é o caso de incêndio em bioma da Mata Atlântica. Os incêndios podem também ser de natureza acidental, indesejados e de difícil controle (Kazmierczak, 2015). A essa condição soma-se o efeito da localização das florestas que, muitas vezes, é coincidente com zonas potenciais de alta susceptibilidade climatológica, caracterizadas pela estiagem sazonal prolongada, aumentando assim o grau de risco a esse evento perigoso.
As queimadas, por sua vez, são caracterizadas como práticas tradicionais controladas e estão associadas à cultura (rituais religiosos) e também à agropecuária (renovação de pastagem e limpeza de área para cultivo ou para combater pragas nas lavouras), ao extrativismo (produtos vegetais, caça e mineração), ao desflorestamento, ou até mesmo à queima de lixo. Porém, quando escapam do controle, podem transforma-se em incêndios (Kazmierczak, 2015; Soares, 2009).
Neste estudo, estas expressões serão tratadas de maneira conjugada, identificando as áreas com registro de “foco” de queimada/incêndio detectado na cobertura da terra/solo por sensores remotos orbitais que operam na faixa do termal-médio, a bordo de satélites de observação da Terra.
A tecnologia de Sensoriamento Remoto em constante avanço e a acessibilidade dos seus produtos como dados oriundos de sistemas sensores, imagens de qualidade e Planos de Informações (PIs), associados ao uso do SIG - Sistema de Informações Geográficas de código aberto, são considerados, na atualidade, importantes ferramentas, propiciando expressivos avanços no tratamento e produção de informação dos focos de queimadas e incêndios e demais estudos da cobertura terrestre e marinha (Jensen, 2009).
Nesse contexto, a compreensão da variação espacial e sazonal da ocorrência desses focos de queimadas e incêndios num recorte de análise territorial, através da cartografia digital com SIG e emprego de outras geotecnologias associadas como sensoriamento remoto, possibilita estabelecer ações de monitoramento sistemático com base num banco de dados geográficos atualizado, que incluem o controle, combate, resiliência de paisagens, incluindo também orientações de prática de queimadas controladas e evitando algumas das causas de incêndios.
O objetivo deste estudo foi propor uma metodologia para análise espaço-temporal dos focos de incêndio na Microrregião Litoral Sul do Estado do Espírito Santo1, Brasil, com base em dados gratuitos do programa de queimadas do INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, entre 2009 e 2019 e com emprego de softwares livres, aplicados à redução dos riscos causados por esse fenômeno e ao suporte na resiliência das paisagens.
Como objetivos adicionais, buscou-se responder às seguintes indagações: 1) É possível elaborar uma cartografia de queimadas e incêndios para a microrregião analisada, a partir de um conjunto representativo de dados geoespaciais acessíveis, integrados em ambiente SIG de código aberto? 2) Qual o nível de confiabilidade dos dados de queimadas disponibilizados de forma gratuita? E como verificar/validar os resultados? 3) Como se dá a distribuição anual e mensal das queimadas na microrregião? 4) Quais as áreas mais afetadas por esse fenômeno? 5) Quais os municípios da microrregião que registraram os maiores focos? Ou o maior número de focos? 6) Qual é a susceptibilidade a incêndios nas Unidades de Conservação e entorno destas no recorte analisado? 7) Com base nestes dados e informações processadas, é possível contribuir com o estabelecimento de planos/ações buscando a redução do risco desse desastre?
Metodologia
O encaminhamento da pesquisa abrangeu um breve referencial conceptual, teórico e metodológico integrador pautado na análise espácio-temporal das queimadas/incêndios no sentido de obter o conhecimento recente através dos estudos, relatórios, práticas e ações nesta linha, em instituições de renome como o INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, no Portal do Programa Queimadas (INPE, 2022), o Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios - PREVFOGO do IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA, 2020), as universidades, entre outras bases.
A partir desta compilação e revisão da literatura, a etapa seguinte tratou da aquisição e processamento de Planos de Informações (PIs) vetoriais e matriciais de acesso livre (Tabela 1) realizados através do Sistema de Informações Geográficas (SIG) de código aberto QGIS Desktop 3.162 com os PIs ajustados, quando necessário, no sistema de projeção UTM, Datum SIRGAS-2000, Zona 24 Sul (IBGE, 2005). Todo o mapeamento elaborado, seguiu a padronização cartográfica segundo propostas de Slocum et al. (2008) no sentido de desenvolver uma comunicação cartográfica eficiente e objetiva.
Dado | Fonte | Ano |
Limite Estadual | IBGE | 2019 |
Sede de Municipal | GEOBASES | 2019 |
Modelo Digital de Elevação | GEOBASES | 2019 |
Limite de Município | IJSN/CGEO | 2021 |
Unidades de Conservação | GEOBASES/IEMA | 2019 |
Corredor Ecológico | GEOBASES | 2019 |
Área Urbana | IJSN/CGEO | 2021 |
Rios, Lagos, Oceano | IBGE | 2019 |
Uso e Cobertura da Terra | IJSN | 2015 |
Focos de Calor / Banco de Queimadas | INPE | 2022 |
Imagem Termal Landsat 8 em 18/09/2015 | INPE | 2015 |
Fonte Organizado pelos autores, 2022
Os dados de queimadas foram adquiridos gratuitamente no Portal do Programa Queimadas do INPE (2022), que promove o monitoramento dos focos de calor/queimada desde 1987 utilizando diversos satélites3 dotados de sensores óticos, operando na faixa termal-média no intervalo de 4µm (micrômetros) para detecção de frentes de incêndios/queimadas.
No Portal de Queimadas podem ser extraídas diversas informações, como por exemplo, o número de detecções por Estado num período máximo de 366 dias, coordenadas geográficas dos focos, alertas por e-mail de ocorrências em áreas de interesse especial, risco meteorológico de fogo, estimativas de concentração de fumaça, mapeamento de áreas queimadas, entre outras informações (INPE, 2022).
Para os objetivos desta pesquisa, foi utilizado o registro de focos no período de 01 janeiro de 2009 e 31 de dezembro de 2019, com o download (Figura 1) dos dados no formato shp (shapefile) para cada ano (2009, 2010, 2011, 2012 (...) 2019), formando 11 Bancos de Dados Geográficos - BDG anuais, seguido da junção destes bancos num único com o software de SIG e aplicação do filtro para o satélite de referência4 AQUA_M-T5, sensor MODIS - Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer.
A partir deste BDG, que conta com a série histórica de focos entre 2009 e 2019, foi exportado para o formato “xls” seguido da elaboração de gráficos e tabelas no software gratuito Libre Office Calc. Também com este banco de dados geográficos da série histórica, realizou-se no SIG, a análise da intensidade dos focos, a partir, do estimador de densidade Kernel e o processamento e espacialização das ocorrências de queimadas por municípios, além do mapeamento de incêndios no interior das Unidades de Conservação e 3 km no entorno destas.
A verificação dos dados, isto é, a checagem dos focos detectados pelos satélites e o local da ocorrência, tomou como referência as validações no próprio portal do Programa Queimadas do INPE que apresenta um padrão de confrontação semelhante ao da Figura 2, que demonstra do lado direito a interface do portal, com os pontos dos focos de incêndios detectados, e do lado esquerdo o noticiário que informa os incêndios na mesma data e local da detecção.
A confiabilidade e potencial desses registros de queimadas é demonstrado por diversos pesquisadores, em inúmeras publicações no INPE, periódicos e relatórios, discorrendo sobre a natureza e causas dos incêndios e desmatamentos, a partir da montagem de séries temporais diversas através de gráficos e mapeamentos (Coelho et al., 2020; Fernandes et al., 2020; INPE, 2022; Kazmierczak, 2015).
Cabe salientar, no que se refere à detecção das queimadas por satélites, algumas condições que impedem o registro, sendo as mais frequentes: frentes de fogo com menos de 30 m; fogo apenas no chão de uma floresta densa, sem afetar a copa das árvores; nuvens de umidade/chuva cobrindo a região (as nuvens de fumaça não atrapalham).
Também a queimada de pequena duração, ocorrendo entre o horário das imagens disponíveis, o fogo numa encosta de montanha/serra oposta do posicionamento de observação do sistema sensor do satélite, a imprecisão na localização do foco de queima, que no melhor caso é de cerca de 250 metros, mas podendo chegar a mais de 1 Km em casos excepcionais (INPE, 2022; IBAMA, 2020) podem perturbar o registro.
Análise Espaço-Temporal dos Focos de Calor
3.1. Exposição Quantitativa
Na microrregião Litoral Sul foram identificados, no banco de dados do Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE, 2022), 209 focos de queimadas e incêndios (Figura 3) detectados pelo sensor MODIS nos 11 anos considerados, que compreendem o período de janeiro de 2009 a dezembro de 2019.
A análise anual dos focos de calor revelou uma média de 19 registros por ano, com as maiores concentrações ocorrida nos anos de 2015 com 30, 2016 com 29 e 2019 com 43 focos. Nestes 3 anos somaram-se 102 frentes de queimadas/incêndios que representaram 48,8% do total de registros do período analisado 2009 a 2019. Ao analisar a média anual, suprimindo os picos de 2015, 2016 e 2019, têm-se 107 registros com média de 13 focos por ano.
Um fator potencializador destes picos de incêndios está relacionado a dinâmica meteorológica que foi marcada por bloqueios atmosféricos (INCAPER, 2015, 2017), resultando em chuvas escassas e temperaturas médias elevadas, características que favoreceram a propagação do fogo, sobretudo, em áreas desprovidas de florestas nativas.
Já a análise do gráfico da série histórica mensal dos focos de queimadas/incêndios (Figura 4) revelou os maiores registros pelo sensor nos meses entre julho e setembro, marcados por baixos índices pluviométricos, secos e de reduzida umidade relativa do ar, concentrando mais de 45,9% ou 96 das 209 ocorrências na microrregião, notadamente nos períodos de maior estiagem (julho a outubro). Coincide também com a estação seca em grande parte do território brasileiro, entre agosto a outubro, época de preparo do solo para o plantio das culturas de verão, crítica para o desencadeamento de incêndios (Torres, 2016; Kazmierczak, 2015).
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3.2. Distribuição Espacial das Queimadas/Incêndios
A Figura 5 expressa num mapa de nuvem de pontos a localização dos 209 registros de incêndios/queimadas entre 2009 e 2019 para a microrregião, fornecendo uma visão geral da distribuição espacial. Evidencia que o município de Itapemirim acumulou o maior número de focos (99), com parte destes registros associados à queima da palha da cana-de-açúcar com o propósito de facilitar as operações de colheita.
Essa prática ocorre geralmente na estação seca do ano e visa facilitar o trabalho de corte, reduzir o volume de resíduos, controlar pragas, concentrar o açúcar na haste e eliminar animais peçonhentos do canavial (Magalhães et al., 2017).
A Figura 6 apresenta a densidade destes focos, a partir do estimador Kernel reclassificados em 3 categorias significativas de ocorrências: 1) Baixa a Nula = 1 a 5 focos a cada 15km²; 2) Média = 6 a 15 focos a cada 15km²; e 3) Alta = >16 focos a cada 15km². Revela os “arcos de queimadas e incêndios”, apontando as áreas mais críticas, com registros das classes Média e Alta nas tonalidades de vermelho, situando-se, sobretudo, na porção centro-leste nos municípios de Itapemirim e Presidente Kennedy. Os registros na classe “Média” estão distribuídos de forma zonal na porção centro-sul de toda a microrregião analisada.
Já a Figura 7 apresenta o mapa de temperatura de superfície instantânea em 19/08/2015 às 9:35hs derivado da banda 10, Sensor TIRS - Thermal Infrared Sensor a bordo do satélite Landsat-8, no período seco (setembro de 2015), que registrou temperaturas entre 20,1 C° e 38,7 C°, com uma amplitude de 18,6 C° no momento da passagem do satélite, e que foi cruzado com a nuvem de pontos com os focos de queimadas.
Verifica-se que as temperaturas mais baixas ocorrem a norte da microrregião com destaque para Alfredo Chaves, Iconha e Rio Novo do Sul, locais com a maior densidade de matas conservadas e com topografias mais elevadas. É possível evidenciar que os vales fluviais dos rios Itapemirim, Itabapoana e Rio Novo registraram os maiores valores de temperatura de superfície.
A Figura 7 expressa também que parte significativa dos focos ocorrem nos locais com as maiores temperaturas de superfície no período mais seco do ano (julho a outubro) com a elevação da temperatura do ar na baixa atmosfera. Nessa condição, os dias de maior calor podem incrementar a queda sustentada da umidade atmosférica e favorecer a intensificação de incêndios em monoculturas como a cana-de-açúcar ou em vegetação mais seca como o capim, o que amplifica a susceptibilidade ao ressecamento da vegetação herbácea e arbustiva e a sua predisposição à combustão. A intensificação mencionada refere-se ao fogo utilizado no meio rural como forma de manejo de atividades agropecuárias. Essa prática, que deve ser evitada, quando necessária, precisa ser autorizada e acompanhar o roteiro orientativo para Autorização de Queima Controlada (AQC) pelo Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (IDAF, 2022), autarquia responsável pela execução da política agrária e da sanidade das atividades agropecuárias. Entretanto, a cultura tradicional ainda dominante e o baixo controle fiscalizatório concorrem para que haja ainda recorrentes episódios clandestinos dessa prática, expondo vegetações circunvizinhas ressecadas pelo stress hídrico à combustão e ao descontrole da propagação das chamas.
A análise do registro dos focos de queimadas e incêndios, cruzado com as informações do uso e cobertura da terra na Microrregião Litoral Sul (Figura, 8) evidenciou que 60,3% ou 126 dos focos ocorreram em usos da terra de “Pastagem”, com 72 ocorrências no período de 2009 - 2019, seguido dos “Cultivos Temporários” com 54 focos de queimadas.
Parte significativa das ocorrências estão relacionadas às práticas de usos da terra com a queima como forma de “renovar” a cultura/pastagem, como mencionado anteriormente, sendo também indicada pelos registros a supressão de matas em diferentes estágios de conservação, que merece, portanto, uma atenção maior com acompanhamentos sistemáticos dos dados de queimadas e imagens derivadas de sensoriamento remoto para tomadas de decisões, no sentido de reverter este cenário, sobretudo nos municípios de Itapemirim, Marataízes e Presidente Kennedy.
Há também as queimadas de entulhos depositados de forma irregular, em beira de estradas ou em terrenos baldios, que se alastram com os ventos fortes, transformando-se em incêndios, fato constatado por Coelho e Ferreira (2011) nas áreas de descarte de lixo clandestino nos solos orgânicos e turfosos no município de Serra-ES, na região de Brejo Grande.
Sob esta perspectiva, estudos como os de Santana et al.,(2020), Torres et al. (2016), Kazmierczak (2015) e IBAMA (2009) argumentam que as características dos incêndios variam segundo a vegetação, o clima, a topografia e as atividades decorrentes da ação humana ao longo do tempo. O clima é um dos elementos que potencializa a ocorrência dos focos de incêndios, uma vez que determina a quantidade de biomassa e o teor de umidade do combustível, seguido das ações de vandalismo em suas várias formas (de transeuntes, queima para limpeza de terrenos, incendiários envolvidos no conflito de interesses de terra, entre outros).
Nunes et al. (2013), ao analisarem três décadas de incêndios florestais em Portugal, destacam que as condições climáticas e meteorológicas desempenharam um papel crucial no desencadeamento do fogo. Chang et al. (2015) mencionam também que os incêndios florestais observados em países como a China são decorrentes das complexas interações entre o clima, a vegetação, a topografia e as atividades antrópicas ao longo do tempo.
A Figura 9 apresenta a cartografia dos remanescentes de Mata Atlântica (IJSN, 2020a) cruzados com os registros de queimadas pelo satélite (pontos em vermelho). Constatou-se que os 18 focos registrados no município de Alfredo Chaves estão próximos ou foram detectados nas áreas de remanescentes de mata nativa, a noroeste do município com o registro de 8 focos no período, merecendo atenção para o risco de incêndios nas florestas adjacentes.
Destaca-se também o registro de 20 focos na região de brejo, sobretudo nos municípios de Piúma e Anchieta. Aponta-se também, os 20 focos em Mata Nativa e em Estágio de Regeneração e 7 registros na “Macega”.
Já a Figura 10 faz o cruzamento dos 209 focos de queimadas (pontos em vermelho) com as Unidades de Conservação e Corredores Ecológicos que compõe a Microrregião Litoral Sul (IJSN, 2020b). Revela o registro de 26 focos no interior da zona de amortecimento de 3km, 13 focos no Corredor Ecológico Guanandy (interior dos polígonos laranja) e 4 Registros identificados no interior das Unidades de Conservação.
Com isso, é possível indicar a necessidade de aprimorar o controle territorial das UCs, tanto da administração particular, quanto estadual e federal, provendo-as de infraestrutura básica compatível com as necessidades de gestão de cada unidade e a adoção de medidas para promover a redução dessas ocorrências. Diversas pesquisas com o tema queimadas/incêndios constataram que parte expressiva das Unidades de Conservação no Brasil registra o predomínio dos incêndios decorrentes das atividades antrópicas relacionadas com conflitos de interesses de terras/propriedades para produção de pastagem e agricultura (Coelho et al., 2020; Kazmierczak, 2015; Torres et al., 2016; Santos et al., 2006; IBAMA, 2009; Soares, 2009).
Tebaldi et al. (2013) argumentam também que as principais causas dos incêndios florestais nas UCs estaduais do Espírito Santo são ocasionadas por queima para limpeza e chamam a atenção para o planejamento e gestão, em particular, o plano de manejo e o plano de prevenção e combate dos incêndios florestais, que são instrumentos considerados essenciais para uma efetiva estruturação e gestão dessas unidades.
É importante ressaltar que o monitoramento e o conhecimento das áreas de maior susceptibilidade a queimadas e incêndios podem servir de base para o direcionamento de ações de contenção e de prevenção dos desastres dessa natureza, através das pesquisas científicas e de estudos técnicos, ao contribuir com a identificação e análise das áreas propensas a esses eventos a partir da inter-relação entre os aspectos físicos naturais e a forma de uso da terra pela sociedade.
Considerações e conclusões
A análise de mais de uma década dos focos de queimadas e incêndios na Microrregião Litoral Sul revelou um total de 209 focos detectados por produtos de sensoriamento remoto orbital, com uma média de 19 registros anuais. Comprovou, através da análise da série histórica mensal, os maiores focos nos meses entre julho a setembro, concentrando 93 dos 209 ou 45,9% das ocorrências na microrregião, notadamente nos meses marcados por baixos índices pluviométricos e secos.
O estudo evidenciou também que há uma relação direta, integrada e dinâmica das características geográficas como o relevo, vegetação e usos antrópicos da cobertura da terra como ações de supressão de vegetação, para a expansão da urbanização, áreas de pastagens e monoculturas, dentre outras práticas, e os fatores climáticos como os sistemas de circulação e distribuição das chuvas e estações secas. Essa relação está se constituindo em elemento de importância contundente nesses casos, visto que, segundo os boletins climatológicos do Instituto Capixaba de Pesquisa e Assistência Técnica e Extensão Rural (INCAPER, 2015), desde 2015 (quando se inicia sua publicação) há uma sensível tendência à deficiência hídrica média (balanço hídrico) de inverno entre 20 e 40 mm para a região em relação à média climatológica desse período sazonal, chegando em alguns momentos a apresentar desvios médios entre 50 e 75% . Tal fato se reflete, consequentemente, nas recorrentes decretações de emergência (estiagem) presentes nos relatórios da Coordenadoria Estadual de Proteção e Defesa Civil do Espírito Santo - (CEPDEC-ES, 2014) para essa região, registradas desde 2014 até o presente, e predispondo a suscetibilidade aos incêndios em razão do ressecamento da cobertura vegetacional. A cartografia da Temperatura da Superfície com o cruzamento dos focos de queimadas/incêndios (Figura, 7) e da Mata Atlântica juntamente com a análise dos focos nos respectivos usos da terra (Figura 8) comprovaram essa integração e relação.
O emprego desta metodologia, associada ao uso das geotecnologias, se mostrou eficiente oferecendo um produto no qual podem derivar novas informações e proposições, de locais mais susceptíveis a desastres dessa natureza. O uso do banco de queimadas possibilita entender a distribuição, realizar acompanhamentos sistemáticos e integrar os dados de focos com outras demandas de análises/estudos tratadas sob distintos enfoques acadêmicos, dos Corpo de Bombeiros e Defesa Civil, podendo as análises ser conjugadas.
Outro aspecto relevante da cartografia elaborada não se restringiu aos pontos de registros de queimadas/incêndios (nuvem de pontos). Revelou as ocorrências nas áreas de conservação e corredores; nos diferentes tipos de usos e coberturas da terra e na densidade/concentração espacial dos incêndios e queimadas (hotspots), possibilitando uma avaliação mais ampla do recorte espacial estudado, que contribuem para diversas diretrizes de ordenamento e gestão territorial.
Nessa linha, a metodologia apresentada permite ampliar os inventários de riscos, ao apontar outros locais com alta susceptibilidade (arcos de queimadas e incêndios, gerados pelo estimador Kernel), resultando no aumento da eficiência técnica e econômica dos trabalhos de controle e fiscalização, possíveis de serem aplicados em regiões que carecem de estudos dessa natureza.
A base de dados disponibilizada no Portal do Programa Queimadas do INPE (2022), empregada neste estudo, fomenta avaliações em outras escalas espaciais (municípios, estados e federação) e temporais (registros anuais, por décadas, entre outros períodos de tempo), servindo de base para o direcionamento de ações de redução da degradação e a resiliência tanto no meio urbano quanto no meio rural.
O estudo comprova que a análise microrregional deste tema possibilita uma visão integrada das maiores ocorrências das queimadas e incêndios, rompendo com os estudos setoriais de municípios e, a partir das ações do Conselho de Desenvolvimento Regional da Microrregião Litoral Sul (IJSN, 2020c), por exemplo, podem ser estabelecidos diversos estudos/diagnósticos: comparações temporais e espaciais; análises de tendências dos focos; pesquisas em períodos/datas de interesse; modelagens e análises espaciais; integração com outros dados/informações territoriais, subsidiando a elaboração de planos/ações que reduzam os impactos das queimadas e incêndios (resiliência da paisagem) e suportem as operações de fiscalização, visando a redução de ocorrências dessa natureza.
Os Conselhos de Desenvolvimento Regional Sustentável (CDRS), formalmente instituídos por decreto estadual , podem também implementar e difundir outros projetos/programas que tenham aderência ao tema queimadas/incêndios, sobretudo os de resultados alcançados, como: 1) fomentar cursos de capacitação para Brigadista juntamente com o fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) para combate a incêndios; 2) ampliar o PVUC - Programa de Voluntariado em Unidades de Conservação (IEMA, 2021); 3) estender os programas de conservação da cobertura florestal da Microrregião como o Programa Reflorestar e capacitar os Agentes de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) para elaborarem e acompanharem a execução de projetos economicamente viáveis; 4) Estender os programas de Pagamento de Serviços Ambientais (PSA); 5) ampliar os programas de educação ambiental (formal e informal) nas microrregiões; entre outros.
Os produtos derivados desta análise também podem contribuir para a revisão/elaboração de projetos como o Plano Diretor para redução de riscos, além de proporcionar subsídios para análises espaciais, estatísticas e temporais dessas ocorrências e para os estudos dos efeitos ecológicos, atmosféricos e de mudanças climáticas, pois no presente estudo consideraram-se as peculiaridades e particularidades socioambientais do território microrregional através de dados, informações e softwares acessíveis e gratuitos.