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GOT, Revista de Geografia e Ordenamento do Território

versão On-line ISSN 2182-1267

GOT  no.26 Porto dez. 2023  Epub 12-Mar-2024

https://doi.org/10.17127/got/2023.26.001 

Artigos Originais

A produção da sustentabilidade na comercialização de espaços residenciais fechados

The production sustainability in the commercialization of gated communities

iDepartamento de Geografia, Instituto de Ciências Humanas, Universidade de Brasília, Brasil


Resumo

Objetivo da Investigação:

O objetivo geral desta pesquisa é investigar as matrizes discursivas da sustentabilidade apresentadas no processo de comercialização de espaços residenciais fechados. Como objetivos específicos, busca-se identificar os principais elementos que constituem o discurso de sustentabillidade de acordo com os produtores de unidades habitacionais em espaços residenciais fechados e comparar o uso de cada elemento conforme o gênero construtivo da habitação, seja horizontal ou vertical.

Metodologia:

O recorte espacial escolhido foi o espaço urbano dos municípios que pertencem a área metropolitana de Brasília. Apesar de pertencerem a um estado da federação diferente (Goiás), os municípios de Cidade Ocidental e Valparaíso de Goiás estão envoltos na espacialidade metropolitana da capital federal do Brasil. A partir de pesquisa bibliográfica, com a intenção de revisitar a discussão acerca da sustentabilidade, de compreender o processo de metropolização do espaço de Brasília e de analisar a comercialização de espaços residenciais fechados, avançou-se para a pesquisa documental de material publicitário de empresas produtoras de habitações nestes espaços onde aplicou-se a técnica de análise do conteúdo.

Resultados:

Foi possível constatar que as empresas exploram um grupo específico de elementos, com destaque para a economia de recursos financeiros no caso dos empreendimentos em espaços verticais, enquanto a qualidade de vida tem protagonismo nas habitações horizontais.

Originalidade/Valor:

A pesquisa aborda a maneira pela qual os produtores de espaços residenciais fechados da área metropolitana de Brasília exploram as matrizes discursivas da sustentabilidade enquanto argumento de marketing verde, o que contribui para identificar quais ações são realmente concretizadas no espaço investigado.

Palavras-chave: sustentabilidade; espaços residenciais fechados; marketing verde; Brasília

Abstract

Research Purpose:

The general objective of this research is to investigate the discursive matrices of sustainability presented in the process of commercialization of gated communities. As specific objectives, we seek to identify the main elements that constitute the sustainability discourse according to the producers of housing units in gated communities and compare the use of each element according to the constructive genre of the housing, whether horizontal or vertical.

Methodology:

The methodological cut chosen is the urban space of the municipalities that belong to the Brasília metropolitan area. Despite belonging to a different state of the federation (Goiás), the cities of Cidade Ocidental and Valparaíso de Goiás are enveloped in the metropolitan spatiality of the federal capital of Brazil. Based on bibliographic research, with the intention of revisiting the discussion about sustainability, of understanding the process of metropolization of the space of Brasília and of to analyze the commercialization of gated communities, we moved on to the documentary research of advertising material from companies that produce housing in these spaces where the content analysis technique was applied.

Findings:

it was possible to verify that these companies explore a specific group of elements with emphasis on saving financial resources in the case of projects in vertical spaces, while quality of life leading role in horizontal housing.

Originality/Value:

The research addresses the way in which producers of gated communities in the metropolitan area of Brasília explore the discursive matrices of sustainability as a green marketing argument, which contributes to identifying which actions are actually implemented in the space investigated.

Keywords: sustainability; gated communities; green marketing; Brasília

Introdução

Na modernidade líquida, observa-se como a individualização de tarefas coletivas tem gerado consequências para a vida social. A necessidade de defesa do corpo e da propriedade, em um contexto de esvaziamento do poder estatal, contribui para que a moradia em Espaços Residenciais Fechados-ERF (verticais ou horizontais) seja considerada como uma possibilidade - às vezes como meta - pelo citadino das metrópoles do século XXI. Quando a sensação de segurança e de controle territorial somam-se a produção simbólica de espaços sustentáveis, a estratégia de comercialização de unidades autônomas fragmentadas do tecido socioespacial da cidade é potencializada, corroborando para a promoção deste tipo de habitação.

Esta realidade pode ser observada na área metropolitana de Brasília. A metrópole da capital federal do Brasil tem experimentado sua expansão espacial para fora dos limites administrativos delimitados quando da sua inauguração em 1960, englobando municípios que apesar de geograficamente vinculados a ela, estão juridicamente excluídos do planejamento e execução de políticas públicas de desenvolvimento social.

O espaço urbano dos municípios goianos da área metropolitana de Brasília tem sido explorado e comercializado pelas empresas produtoras de ERF nos últimos anos como uma alternativa economicamente mais vantajosa do que no interior do território da capital. Neste sentido, o objetivo geral desta pesquisa é investigar as matrizes discursivas da sustentabilidade apresentadas no processo de comercialização de espaços residenciais fechados. Como objetivos específicos, busca-se identificar os principais elementos que constituem o discurso de sustentabilidade de acordo com os produtores de unidades habitacionais em espaços residenciais fechados e comparar o uso de cada elemento conforme o gênero construtivo da habitação, seja horizontal ou vertical. O recorte metodológico escolhido é o espaço urbano dos municípios que pertencem a área metropolitana de Brasília. Apesar de pertencerem a um estado da federação diferente (Goiás), os municípios de Cidade Ocidental e Valparaíso de Goiás estão envoltos na espacialidade metropolitana da capital federal do Brasil.

O problema que orienta esta pesquisa é: quais representações da sustentabilidade urbana são exploradas nos anúncios dos produtores de espaços residenciais fechados? A partir de pesquisa bibliográfica, com a intenção de revisitar a discussão acerca da sustentabilidade, de compreender o processo de metropolização do espaço de Brasília e de analisar a comercialização de espaços residenciais fechados em algumas realidades do planeta, avançou-se para a pesquisa documental de material publicitário de empresas produtoras de habitações nestes espaços onde, por meio da técnica da análise do conteúdo atingiu-se os objetivos propostos.

A sustentabilidade e suas representações

Na atualidade, o termo sustentabilidade pode ser entendido como substantivo que admite uma série de adjetivos. Para além da polissemia, o fato de ser, “econômica“, “ambiental” e “social”, qualificam a sustentabilidade de acordo com o interesse de quem sugere a definição. Para Nascimento (2012) esta definição está relacionada com a percepção da finitude dos recursos naturais, que no ritmo de consumo imposto pela sociedade global dos últimos 25 anos do século XX deve levar ao esgotamento do planeta, devido a incapacidade de haver reposição destes recursos. Para o autor, além de haver um movimento pela sustentabilidade, ela adquire outra qualidade quando é relacionada com o desenvolvimento que deve contemplar equidade social e qualidade de vida para as próximas gerações.

Nascimento (2012) afirma que no âmbito da Organização das Nações Unidas-ONU a discussão se iniciou com base em questões econômicas e biológicas e acabou englobando a dimensão humana - social.

O documento considerava o problema ambiental como decorrente de externalidades econômicas próprias do excesso de desenvolvimento (tecnologia agressiva e consumo excessivo), de um lado, e de sua falta (crescimento demográfico e baixo PIB per capita), de outro. Posta dessa forma, a questão ambiental deixava de ficar restrita ao meio natural e adentrava o espaço social. Graças a esse embate, o binômio desenvolvimento (economia) e meio ambiente (biologia) é substituído por uma tríade, introduzindo-se a dimensão social (Nascimento, 2012, p. 53).

Para além das três dimensões da sustentabilidade apontadas, o autor ainda apresenta a necessidade de incluir outras, sem as quais a discussão tende a permanecer da maneira que se encontra - sem avanços. A dimensão política é uma delas, considerando que nenhuma mudança nos padrões de produção e consumo são possíveis sem considerar o poder político estabelecido. A outra, a cultura. Para ele “não será possível haver mudança no padrão de consumo e no estilo de vida se não ocorrer uma mudança de valores e comportamentos; uma sublimação do valor ter mais para o valor ter melhor” (Nascimento, 2012, p. 57).

Neste sentido, Acselrad (1999) destaca que alguns veem na sustentabilidade uma nova crença destinada a substituir a ideia de progresso. Para o autor,

Para se afirmar, porém, que algo - uma coisa ou uma prática social - é sustentável, será preciso recorrer a uma comparação de atributos entre dois momentos situados no tempo: entre passado e presente, entre presente e futuro. Como a comparação passado presente, no horizonte do atual modelo de desenvolvimento, é expressiva do que se pretende insustentável, parte-se para a comparação presente-futuro. Dir-se-ão então sustentáveis as práticas que se pretendam compatíveis com a qualidade futura postulada como desejável (Acselrad, 1999, p. 80).

Portanto, para além de suas dimensões, a sustentabilidade está firmada sobre práticas sociais, o que inclui diretamente os processos de produção do espaço. As práticas “desejáveis”, as sustentáveis, quando analisadas no espaço urbano, tornam a investigação ainda mais complexa. Para Acserald (1999) a discussão sobre sustentabilidade urbana parte da noção de desenvolvimento apresentada e discutida também pela ONU, na Agenda 21, da Conferência sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente de 1992. Seus entusiastas são atores sociais que se apropriam do tema e os propagadores da cidade-empresa, que tornam o conceito de sustentabilidade um atributo para atrair investimentos no cenário global. Ainda segundo o autor, é neste contexto que a cidade possui três representações distintas - o que ele entende como matrizes discursivas.

A primeira delas, a representação tecno-material, considera que “a cidade sustentável será aquela que, para uma mesma oferta de serviços, minimiza o consumo de energia fóssil e de outros recursos materiais, explorando ao máximo os fluxos locais e satisfazendo o critério de conservação de estoques e de redução do volume de rejeitos” (Acserald, 1999, p. 82). Nesta perspectiva, a promoção da produtividade e o fortalecimento das vantagens competitivas tornariam uma cidade “sustentável”. A segunda representação, a cidade como espaço da “qualidade de vida” refere-se às implicações sanitárias das práticas urbanas.

As implicações sanitárias podem, alternativamente, ser associadas a representações coletivas da cidadania, em que as emissões líquidas e gasosas resultantes das tecnologias urbanas são entendidas como imposição de consumo forçado de produtos invendáveis das atividades da produção mercantil ou do modo de consumo das mercadorias, notadamente dos veículos automotores (Acserald, 1999, p. 84).

Nesta representação, a cidade sustentável seria aquela onde estariam intercalados o local de trabalho, de moradia e lazer, reduzindo os deslocamentos. A última representação apresentada pelo autor é a da cidade como espaço de legitimação das políticas urbanas. Sob esta perspectiva, a insustentabilidade exprimiria, a incapacidade das políticas urbanas adaptarem a oferta de serviços urbanos a demanda social. A Figura 1 apresenta as matrizes discursivas da sustentabilidade urbana.

Fonte: Acserald, H. (1999). Organizado pelo autor. (2022)

Figura 1: Matrizes discursivas da sustentabilidade urbana 

A partir das representações abordadas, a sustentabilidade - no ambiente urbano - pode ser um conceito explorado sob diferentes abordagens, a depender do objetivo do agente de produção do espaço, ou daquele que age por ele. O Estado, os movimentos sociais, o mercado imobiliário, o marketing imobiliário e até mesmo os consumidores da mercadoria-habitação (Villaça, 1986) contribuem para a que esta ideia esteja sempre em metamorfose.

Além dessa metamorfose constante que acontece na apropriação do termo pelos diferentes atores do cenário urbano, pode-se considerar também que a sustentabilidade é evolutiva. “O aparecimento de novas necessidades humanas e ambientais, junto às evoluções científicas e tecnológicas de cada época, determinam essa evolução” (Alvarez, 2021, p. 61). De acordo com a necessidade social e evolução das técnicas, a noção de sustentabilidade também é modificada.

Neste tempo, a sustentabilidade toma ainda maior protagonismo quando a escala geográfica investigada é reduzida às metrópoles. Espaços “pobres”, “destruídos”, “inseguros”, “temerosos” e “ingovernáveis” dos ambientes metropolitanos podem encontrar seu contraponto em locais “abonados”, “protegidos”, “seguros”, “padronizados” e “controlados”, o que para alguns, representa a versão moderna de sustentabilidade urbana.

Parte da conexão entre a noção de sustentabilidade e os habitats urbanos é feita pelas empresas por meio do marketing imobiliário. Schiochet (2018) defende que o aumento da preocupação social com a deterioração do meio ambiente despertou nos profissionais de marketing a necessidade de pensar estratégias de negócio que fossem “sustentáveis”.

Ribeiro e Epaminondas (2010) dissertam sobre duas dessas estratégias utilizadas pelas empresas para se relacionar com os clientes. O greenmarketing e o greenwashing. Se por um lado há o “marketing verde” que é realizado destacando no processo de compra e venda a conservação e melhora do meio ambiente e a contribuição ao desenvolvimento sustentável, a “lavagem verde”, de acordo os autores, é “um recurso usado quando uma empresa, ONG, ou mesmo o próprio governo, propaga práticas ambientais positivas e, na verdade, possui atuação contrária aos interesses e bens ambientais” (Ribeiro & Epaminondas, 2010).

O discurso da sustentabilidade e sua utilização pelo mercado imobiliário costumeiramente destaca

amenidades almejadas pela sociedade, sendo elas naturais ou estruturais, baseadas em anseios reais ou criados, a atuação do marketing nesse processo se relaciona diretamente a busca constante do homem por melhor qualidade de vida, ou em outras palavras, se associa a busca constante por significação, satisfação e reconhecimento (Gonçalves Junior, 2015, p. 107).

Esta lógica constitui uma das duas correntes do discurso vigente apontadas por Silva e Vargas (2010) sobre a sustentabilidade. A lógica mercantilista, destaca o esforço em corrigir os rumos do modo de produção atual com a realização de investimentos e um “esverdeamento” dos projetos, enquanto a outra corrente, defende a substituição do ideal de progresso pelo de sustentabilidade.

A lógica mercantilista enseja uma série de consequências, dentre as quais um perigo, o de banalizar os conceitos ligados a sustentabilidade urbana, podendo culminar “na criação de uma imagem errônea na mente do consumidor, o fazendo crer que ao adquirir um lote em um condomínio horizontal “ambientalmente correto” estará fazendo sua parte na preservação do meio sócio ambiental” (Gonçalves Junior, 2015, p. 107).

A metropolização do espaço em Brasília

A migração do campo para as cidades no Brasil aconteceu de maneira tão acentuada que este processo foi um dos mais velozes das nações modernas. Santos (2013) aponta a industrialização como o grande motor para que isso acontecesse. Segundo o autor, não somente o modo de produção industrial foi responsável por essas mudanças, mas também toda a complexidade social que envolvia a industrialização, como a formação de um mercado nacional, a integração do território e o crescimento do consumo.

Na década de 1960 há a virada de um Brasil predominante rural para outro onde a maioria da sua população vive em centros urbanos. Esse fenômeno acontece em meio as grandes transformações pelas quais passava toda a nação com o desenvolvimento da industrialização, crescimento econômico e incremento da malha rodoviária.

Santos (2013) afirma que a taxa de urbanização em 1940 alcançava 26% da população do Brasil, enquanto em 1980 esse número é de 68%. Brito (2006) afirma que a taxa média anual de crescimento da população urbana era de 4,1% na segunda metade do século passado e em números absolutos, as cidades deixaram de abrigar 19 milhões de pessoas para contar com 138 milhões, multiplicando-se pelo menos sete vezes. Esse deslocamento é motivado pelas próprias transformações que aconteciam na sociedade que considerava a forma de vida no campo como atrasada, estática enquanto as cidades representavam o desenvolvimento, o dinamismo de uma nação que crescia e desenvolvia suas estruturas de produção industrial. Outro fator preponderante para aceleração do processo de urbanização é a ampliação do consumo da saúde, educação e lazer (Santos, 2013).

Santos (2013) e Brito (2006) apontam para uma característica marcante do processo de urbanização brasileiro, o fato de acontecer paralelamente ao processo de metropolização. Após a etapa de urbanização aglomerada, houve o crescimento do número de habitantes e, em seguida, uma urbanização concentrada, para chegar ao estágio da metropolização (Santos, 2013).

Foi neste contexto que, considerando a falta de uma indústria forte, principalmente pelos esforços voltados à sua manutenção como centro administrativo do país, Brasília - capital política do Brasil - se consolidou como uma metrópole terciária, que ainda conta com outra peculiaridade: é a única metrópole brasileira situada no limite entre dois entes federativos. Dessa forma, sua espacialidade (Firkowski, 2012) avança para fora de sua competência institucional e legal, alcançando a região do “Entorno”.

O crescimento de Brasília para fora dos limites do quadrilátero do DF, a partir da segunda metade da década de 1970, é determinante para o processo de formação de sua área metropolitana e pode ser explicado, em parte, pela indisponibilidade política da terra. Essa indisponibilidade política é caracterizada pela propriedade pública da terra que estava sob a tutela do Governo do Distrito Federal que, mesmo com a farta existência de terrenos desocupados, não teve iniciativa e interesse em promover uma política habitacional, renegando o acesso à terra urbana, principalmente a população mais pobre que se estabeleceu em invasões e favelas, a contragosto do poder público. Em suma, havia grande disponibilidade de espaços para acomodar a população mais necessitada, mas também havia interesse político em mantê-los longe de Brasília.

O rígido processo de controle da terra urbana imposto pelo Estado, pressionou a ação do setor imobiliário e impulsionou a exploração de espaços alternativos, neste caso, no estado de Goiás. Silveira (1999) afirma que o avanço de Brasília sobre os municípios goianos do Entorno foi devido a especulação imobiliária, uma vez que não existia restrições para o parcelamento do solo em Goiás, naquela época, e a ausência de uma política habitacional no âmbito do Distrito Federal. Soma-se a ação do setor imobiliário o que Ferreira (1999) chama de “duplo processo expulsivo” ao qual eram submetidos os mais pobres, uma vez que eram removidos do seu local original - favelas e invasões dentro de Brasília - e eram enviados para novos espaços sem infra-estrutura urbana, porém dentro do DF: as cidades satélites. A medida que as melhorias chegavam, a valorização do preço dos imóveis novamente os deslocava para espaços cada vez mais distantes, concentrando-os nos municípios que circundam o Distrito Federal. A primeira etapa do “duplo processo expulsivo” foi responsável por consolidar a periferia distrital de Brasília, aquela restrita ao quadrilátero do DF. A segunda fase é aquela que expande a capital federal para fora de sua delimitação oficial, o “Entorno” de Brasília.

Paviani (2007) defende que uma das principais características da capital brasiliense é o fato de ser uma metrópole incompleta. Para ele, as metrópoles completas seriam aquelas que possuem estrutura complexa, incluindo um grande parque industrial. Uma vez que não possui uma indústria forte, principalmente pelos esforços voltados à manutenção da cidade enquanto centro administrativo do país, Brasília se apresenta como metrópole terciária para o autor.

Além disso, a metrópole de Brasília é uma metrópole sui generis, conforme apresentado por Dourado e Araújo Sobrinho (2023a). Para os autores, ela é “a única metrópole do Brasil onde os municípios envoltos em sua espacialidade estão fora da mesma unidade da federação - no estado de Goiás - tornando a capital federal numa metrópole sem ‘região metropolitana’ (Dourado & Araújo Sobrinho, 2023a, p. 154)”. Os autores aprofundam a análise e mostram como na atualidade a discussão sobre a organização do espaço urbano em volta de Brasília tem migrado da escala regional, institucionalmente liderada pela Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno-RIDE DF para a escala metropolitana, com as alterações realizadas no texto da Lei Federal nº 13.089, o Estatuto da Metrópole, com o intuito de possibilitar que Brasília integrasse uma região metropolitana em sentido estrito.

Dentre os principais aspectos que contribuem para identificar a influência de Brasília na ocupação do território dos municípios do Entorno destaca-se a análise da origem dos seus moradores. Para além do questionamento da naturalidade, ou seja, local de nascimento, é importante investigar o último local de moradia antes da mudança, o que apresenta um forte vínculo entre o DF e seus vizinhos goianos, conforme o Tabela 1.

Tabela 1: Moradores que antes de mudar para o Entorno residiram no DF segundo seu município 

Fonte: PMAD-CODEPLAN (2018, 2019). Organizado pelo autor. (2022).

Segundo o Quadro 1, observa-se que exceto no caso de Luziânia, onde cerca de 30% dos moradores atuais são provenientes do DF, em nenhum outro município da Área Metropolitana de Brasília-AMB a quantidade de moradores que antes estavam no DF foi abaixo de 40%. A influência de Brasília sob os municípios do seu entorno é tão relevante que dentre os cidadãos de todo o estado de Goiás que deslocam-se cotidianamente para um município diferente daquele onde reside - deslocamento pendular - tem maior impacto o deslocamento no sentido da capital federal, em detrimento inclusive da capital goiana, que aparece em segundo lugar, conforme o Tabela 2.

Tabela 2: Localidades que recebem os maiores índices de pessoas de Goiás - 2010 

Fonte: Segplan-GO/IMB - Gerência de Estudos Socioeconômicos e Especiais - 2012.

Dentre as atividades que fomentam o deslocamento pendular tem maior relevância aquele motivado pela ocupação dos postos de trabalho. Neste sentido, observa-se a importância das atividades econômicas realizadas no núcleo da metrópole que é responsável por empregar praticamente 50% dos trabalhadores dos municípios do Entorno, exceto no caso de Luziânia onde essa relação corresponde a 28%, conforme observado no Tabela 3.

Tabela 3: População ocupada que trabalha no Distrito Federal 

Fonte: PMAD-CODEPLAN (2017, 2018). Organizado pelo autor. (2022).

Neste sentido, para além das relações pretéritas, a análise dos processos espaciais relacionados a migração intrametropolitana e deslocamentos pendulares que ocorrem na AMB apresentam a complexidade da ocupação e gestão deste território que impõe uma série desafios a sua investigação sistemática.

O fechamento de espaços residenciais: um processo global

Os ERF são formas geográficas que cumprem a função residencial, onde para chegar ao ambiente particular, é necessário transicionar pelo espaço coletivo, que é controlado e só pode ser acessado por quem parte do espaço público depois de ser submetido a processos de triagem. Neste sentido, estes espaços podem ser definidos como “áreas habitacionais urbanas cercadas por muros, às quais o acesso de não moradores é autorizado ou não segundo sistemas de controle e vigilância, bem como sob regras estabelecidas pelos proprietários e/ou locatários dos terrenos ou imóveis edificados nesses espaços (Sposito & Goes, 2013, p. 62).

Podem ser Verticais-ERFV (edifícios) ou ainda Horizontais-ERFH (como loteamentos de sobrados ou casas), conforme afirmam Dourado e Araújo Sobrinho (2022). No Brasil, podem ser rotulados como “condomínios”, “condomínios fechados”, “condomínios exclusivos”, “loteamentos fechados” e outras terminologias, dependendo da região em que se encontram.

Para Sposito e Goes (2013), os muros e sistemas de vigilância expressam e são condição de novos valores e representações de cidade, que para as autoras “orientam práticas espaciais e temporais, por meio da reprodução da ideia de segurança, em oposição à cidade identificada como violenta e perigosa” (Sposito & Goes, 2013, p. 301).

A ocorrência de ERF sobre espaços metropolitanos não é exclusividade do caso brasileiro. Na literatura de língua inglesa, denominados como gated community ou no plural, gated communities, podem ser encontrados trabalhos que apontam para a existência desta forma de moradia nos cinco grandes continentes habitados. Na África, mais especificamente na África do Sul, Landman (2010) aponta fatores que contribuíram para o desenvolvimento deste tipo de “comunidade fechada”. Para a autora, o medo de sofrer crime, insegurança, a procura por um senso de identidade comunitário, homogeneização econômica e social, status, a procura por privacidade e controle tem destaque neste processo. No mesmo continente, Denis (2006) analisou o caso das gated communities na cidade do Cairo, Egito. Segundo o autor “dozens of luxury gated communities, accompanied by golf courses, amusement parks, clinics, and private universities have burgeoned along the beltways like their siblings, the shopping malls” (Denis, 2006, p. 49). Ele destaca que esta nova aparência da cidade é marcada pela fuga das elites do centro urbano, local entendido como “fábrica de terroristas islâmicos”, segundo os promotores imobiliários da cidade.

Na Oceania, Dupuis e Dixon (2010) dissertam sobre as gated communities da Nova Zelândia. Segundo os autores, naquele país o “real estate agents, in particular, have been keen to promote these developments as gated communities, extolling virtues of exclusivity, security and novelty” (Dupuis & Dixon, 2010, p. 115).

Salgueiro (1997) observou o surgimento de “condomínios fechados”, produtos imobiliários para a classe média em Lisboa, Portugal, no final da década de 1990. De acordo com a autora, “o condomínio remete para a existência de espaços comuns, portanto propriedade colectiva, e o condomínio fechado acentua a restrição ou o controlo do acesso ao conjunto” (Salgueiro, 1997). Para ela, a produção desta forma de habitar é motivada por três pontos: a segurança, no sentido de defender-se dos estranhos que habitam a cidade; o incremento de serviços associados ao alojamento, que transcende a venda de produtos concretos passando a ter destaque o estatuto social, vizinhos, áreas verdes; e, o último ponto é a privatização de espaços de atividade coletiva. Segundo a autora, parte destas novas habitações está inserida na coroa suburbana ou periurbana da metrópole lusitana.

Também investigando os “condomínios fechados” da Área Metropolitana de Lisboa, Raposo (2008) contribui para a discussão, quando os define a partir de três características:

(1) equipamentos privados ou privatizados de utilização colectiva em número e tipo variável (e. g., ruas, piscinas, campos de ténis, jardins); (2) impermeabilidade do perímetro e controlo do acesso (Luymes, 1997) de tipo e grau variável; (3) propriedade privada colectiva (ou acesso a e usufruto colectivo privatizado) de espaços exteriores associados à função residencial que coincidem com ou constituem o suporte físico dos equipamentos acima referidos (Raposo, 2008, p. 112).

Ainda segundo Raposo (2008), estas formas que se organizam a partir das três características citadas, podem materializar-se por meio de edifícios isolados, conjuntos de edifícios e conjunto de moradias.

No continente asiático, Brosius (2010) investigando a produção imobiliária voltada para classe média de Nova Délhi, Índia, aponta para o surgimento de uma estrutura espacial que “reflete o desejo de controle, vigilância e transparência, a fim de ser capaz de detectar 'estranhos' ou 'intrusos'” (Brosius, 2010, p. 98, em tradução livre). Para isso, ela destaca a promoção de venda de imóveis com circuito interno de TV, a acessibilidade controlada e aumento da contratação de agentes particulares de segurança. Comunidades fechadas também podem ser encontradas naquela realidade, onde “they are parts of a strategy that responds to the desire for warmth and the protection in a somewhat alienated world and surrounding” (Brosius, 2010, p. 104).

Huang e Low (2008) discutem a diferença das gated communities dos Estados Unidos da América e as enclosed neighborhoods (“vizinhança fechada” em tradução livre) da China. Segundo eles, as gated communities contemporâneas, surgem por volta dos anos de 1850, no Eagle Ridge, Nova Jersey-EUA, onde famílias ricas investiram na construção deste tipo de habitação. Para os autores, o medo de sofrer crime é a razão principal das pessoas viverem em comunidades fechadas. No caso norte-americano atualmente acrescenta-se a esta lógica outros atributos.

or people living inside gated communities it is an efficient economic solution because of the legal requirement to pay fees, homogeneity of community needs and desires, and because residentes can choose their package of communal goods according to their personal preferences (Huang & Low, 2008, p. 188).

No caso das enclosed neighborhoods chinesas, os autores destacam sua existência antes mesmo da história do urbanismo. Segundo eles,

Enclosed neighborhoods allow people to identify themselves with a group other than their immediate nuclear families, whose protection and help can be essential especially during difficult times. (...) Thus a collective identity is developed for members within, which distinguishes them from the rest of the society and reinforces cohesion and solidarity within the collective (Huang & Low, 2008, p. 189).

Enquanto as gated communities dos EUA buscam homogeneizar e repelir a entrada de pessoas externas ao cercamento, nos enclosed neighborhoods chineses a coesão e solidariedade seriam os motores da vida coletiva. Na América Latina, Sheinbaum (2010) destaca que na Cidade do México, México, durante a segunda metade do século XX, o governo promoveu a concentração de atividades nos centros urbanos. Foi neste período, que pela primeira vez na história, a expansão da cidade avançou para fora de sua fronteira oficial original. Os “novos subúrbios”, estas áreas de fronteira, foram dominadas pelos ricos, os quais se beneficiaram “de uma modernização radiante que apenas a maioria dos grupos privilegiados poderia desfrutar” (Sheinbaum, 2010, p. 86, em tradução livre).

Segundo Roitman e Giglio (2010) em Buenos Aires, Argentina, durante os anos de 1950-1960 a criação deste tipo de habitação respondeu a necessidade de exclusividade e status de grupos sociais influentes. Em San Salvador, El Salvador, para garantir proteção a grupos particulares, enquanto na Venezuela, o surgimento destas formas foi motivado pela necessidade de proteção dos diretores das empresas petrolíferas contra a ação de grupos de guerrilheiros. Durante os anos de 1980, foi a vez de Lima, Peru, onde desenvolveram-se comunidades de proteção contra o terrorismo. Ainda segundo as autoras, no caso colombiano, tem protagonismo Bogotá, onde a insegurança e medo de sofrer crimes contribuíram para a formação de gated communities durante a década de 1990.

Metodologia

O recorte espacial eleito para a realização da pesquisa são os municípios de Cidade Ocidental e Valparaíso de Goiás, que juntamente com Luziânia e Novo Gama formam o agrupamento regional que Dourado (2018) denominou como Área Metropolitana de Brasília Sul, representada na Figura 2. Considerando a diversidade de ERF existentes nestes municípios (Dourado & Araújo Sobrinho, 2022), a investigação focou nos verticais de Valparaíso de Goiás, onde o processo de verticalização urbana se manifesta com maior intensidade entre os municípios da AMB, enquanto os horizontais escolhidos estão situados em Cidade Ocidental, onde o mercado imobiliário produziu, comercializou e comercializa, uma série de mercadorias-habitação que pertencem a esta classificação, voltados para um público-alvo de classe média.

Fonte: Dourado e Araújo Sobrinho (2022)

Figura 2: A área metropolitana de Brasília sul 

Para alcançar os objetivos propostos, em julho de 2022, foi pesquisado nos sites das empresas produtoras de ERF o termo “sustentabilidade”, relacionando-o com as unidades habitacionais produzidas nos municípios goianos. Assim, foram encontradas duas empresas que produzem ERF verticais que possuíam tal termo em sua página da internet e outras três empresas produtoras de ERF horizontais que também cumpriam este requisito. Nesta pesquisa, as empresas produtoras de espaços residenciais fechados verticais serão identificadas como EPERFV1 , enquanto as que produzem horizontais, serão identificadas pela sigla EPERFH.

A partir do levantamento dos documentos, foi utilizada a técnica de análise de conteúdo (Bardin, 2016). Neste sentido, foi realizada a pré-analise (fase a) e consequentemente o levantamento dos dados que foram investigados. Na exploração do material (fase b), foi elaborada a condificação e identificação das unidades de contexto e de registro, que estão organizadas de acordo com o disposto no Tabela 4.

Tabela 4: Unidade de contexto, de análise e indicadores linguísticos temáticos. 

Fonte: o autor (2022).

Por fim, partiu-se para a última etapa da pesquisa, a fase de tratamento, inferência e interpretação dos dados (fase c), a qual fundou-se sob a perspectiva qualitativa, caracterizada pelo fato de que a “inferência - sempre que é realizada - ser fundada na presença do índice (tema, palavra, personagem, etc.!), e não sobre a frequência da sua apariação, em cada comunicação individual” (Bardin, 2016).

Análise e discussão dos dados

Ao analisar o material publicitário das empresas que produzem ERF do tipo vertical, observa-se que a “sustentabilidade” é abordada sob diversas matrizes discursivas. A EPERFV1, fundada em 1979 no estado de Minas Gerais, possui mais 40.000 mil casas e apartamentos lançados em 22 estados brasileiros e no Distrito Federal. Segundo o site da empresa, ela é a maior construtora da américa latina. No portal, na sua apresentação ao consumidor, há destaque para o tema “sustentabilidade”, onde é possível acessar e conhecer a perspectiva pela qual a instituição compreende este conceito, segundo a qual é “buscar soluções econômicas, sociais e ambientalmente corretas para cuidar do mundo que nos cerca e que é crucial para o bem estar de todos” (MRV & CO, 2023)). Entre as ações destacadas pela empresa, classificadas como “práticas sustentáveis” tem destaque a entrega das unidades habitacionais com energia solar, reaproveitamento de água pluvial e infraestrutura urbana. Ela apresenta diversas certificações e as relacionadas a sustentabilidade são o “selo ouro no GHG protocol 2016” e “selo MRV + Verde”. O primeiro trata da divulgação de relatórios com os números de Gases de Efeito Estufa (GEEs) decorrentes das atividades exercidas, enquanto o segundo é uma certificação emitida pela própria empresa. A descrição desta última certificação está disponível na Figura 3.

Fonte: MRV & CO (2022)

Figura 3: A descrição da certificação 

Ao tratar especificamente do caso dos ERFV produzidos em Valparaíso de Goiás, entre “os diferenciais de desempenho” são apresentados a “sustentabilidade” do condomínio e entorno, paisagismo, conforto acústico, melhorias no entorno, a existência de dispositivos economizadores de energia, coleta seletiva e orientação aos moradores sobre os aspectos sustentáveis do empreendimento. No rol taxativo que apresenta os “diferenciais” destas unidades verticais encontram-se relacionados a “sustentabilidade” estão a energia solar em áreas comuns, coleta seletiva, a existência de um pomar, o bicicletário e instalação de dispositivos economizadores de energia.

No caso da EPERFV2, outra gigante da indústria da construção civil no Brasil com mais de 180 mil unidades habitacionais entregues e ou incorporadas em 14 estados, a sustentabilidade é apresentada na seção “blog” do portal, onde está relacionada a técnica de construção “autoportante”, como racional por produzir menos entulho, ou seja, “sustentável”. A “sustentabilidade” volta a ser citada em três outros momentos: o primeiro, entre as principais tendências do mercado imobiliário, remetendo a ideia de que um planeta degradado reduz a possibilidade de crescimento econômico, afetando a prosperidade das gerações futuras. No segundo momento, destacando o “surgimento de empreendimentos sustentáveis, ou seja, aqueles que utilizam energias renováveis e limpas”, apresentando a “automação” como recurso para diminuir o consumo de energia e garantia de segurança. Por fim, no terceiro momento, a última aparição do termo diz respeito as práticas sustentáveis e alinhadas com o planeta, que no caso trata da reciclagem do lixo, medida capaz de gerar economia de recursos (Direcional, 2022). Na pesquisa, não foi encontrada citação direta a sustentabilidade no caso específico dos imóveis produzidos em Valparaíso de Goiás.

Como no caso das unidades habitacionais em espaços residenciais fechados verticais elas são entregues prontas para serem ocupadas, observa-se que a sustentabilidade é abordada prioritariamente na representação tecno-material da cidade. A racionalidade econenergética tem destaque quando é aliada ao ideal de economia não apenas dos recursos energéticos e sim, da economia de recursos financeiros que pode acontecer a partir dos equipamentos e dispositivos “sustentáveis”. Apesar de presente, a representação do equilíbrio metabólico é coadjuvante neste cenário.

Ao tratar das unidades habitacionais do gênero horizontal, a EPERFH1, iniciou suas atividades no município de Barueri/SP em 1973, produzindo unidades habitacionais para os trabalhadores das indústrias locais. Segundo a empresa, o condomínio produzido naquela época, tornou a cidade um polo econômico, consolidando um conceito de urbanismo sustentável. A sustentabilidade tem destaque na “visão” da empresa que para ela é “urbanismo sustentável para uma vida melhor”, e nos “valores” de sua atuação. Atualmente, a empresa possui empreendimentos em mais de 50 cidades brasileiras, “sempre pautados pela sustentabilidade e pela qualidade urbanística e construtiva, realçando o sentimento de bem viver dos moradores e a curiosidade dos visitantes” (Alphaville, 2020a). No caso do empreendimento produzido em Cidade Ocidental, ele foi divido em dois residenciais, onde o primeiro possui 498 unidades habitacionais e 861.121 m² de área total. O segundo, conta com 426 unidades habitacionais e 377.527 m² de área total. A empresa apresenta a sustentabilidade como adjetivo de suas práticas urbanísticas, que se soma a qualidade de vida, conforme a Figura 4.

Fonte: Alphaville (2020b)

Figura 4: Qualidade de vida e urbanismo “sustentável” 

Juntamente com a sustentabilidade urbanística - urbanismo sustentável - a empresa associa os espaços de lazer, portaria com segurança 24 horas, que se soma as dimensões do fechamento do empreendimento, a disponibilidade de áreas verdes e de áreas coletivas, exclusivas dos moradores do espaço fechado.

A EPERFH2 inaugurou seu primeiro empreendimento no município de Presidente Prudente/SP em 1981, expandindo sua atuação para São José do Rio Preto/SP em 1993, Mirassol/SP em 2002. Sua primeira produção imobiliária fora do estado de São Paulo foi em Mato Grosso do Sul em 2004 e depois disso produziu diversos outros empreendimentos, até desembarcar no estado de Goiás, em Cidade Ocidental em 2012. A empresa aborda a sustentabilidade relacionando-a com os impactos que um bairro planejado causa na cidade. No rol destes impactos, ainda estão elencados a organização dos espaços, segurança, oferta de serviços e convivência. Segundo a empresa “esses conceitos de construção refletem diretamente na qualidade de vida entregue por esse tipo de empreendimento” (Damha Urbanizadora, 2021). Em outro momento, no mesmo artigo, a EPERFH2 relaciona sua produção como solução do problema do crescimento das cidades que aconteceram sem projeto a ser seguido, o que para ela fez com que a infraestrutura urbana não acompanhasse este crescimento de forma “sustentável”. A última vez que foi possível encontrar o termo no sítio da empresa foi na seção “sobre nós”, onde são apresentados duas certificações: Selo Verde e Certificação de Alta Qualidade Ambiental, sem menção as ações que foram executadas para fazer jus a titulação, conforme apresenta a Figura 5.

Fonte: Damha Urbanizadora (2023)

Figura 5: A descrição da certificação “verde” 

No caso do seu empreendimento localizado em especificamente em Cidade Ocidental, a empresa não faz nenhuma citação ao termo pesquisado.

A EPERFH3, também possui um extenso histórico de produção imobiliária, datando o início de suas atividades no município de Marília/SP, em 1977. Depois de produzir sete empreendimentos em Marília, avançou com suas atividades para os municípios de Tatuí, São Bernardo do Campo, Campinas e São Carlos todos no estado de São Paulo. Em 2011 lançou o residencial Villa Suíça em Manaus/AM, inaugurando o processo de expansão para fora do território paulista, que culminou no residencial Villa Suíça, na Cidade Ocidental/GO em 2012. No território goiano, seu empreendimento possui 1.197 unidades residenciais, 93 unidades comerciais abrangendo uma área total de 777.668,12 m². Ao realizar a pesquisa na página da empresa, foi possível encontrar correspondência apenas na seção “blog”, onde em sete artigos havia o termo. Os artigos tratavam dos temas, arquitetura sustentável, coleta seletiva, consumo consciente, valorização da conveniência, tendências de decoração, decoração sustentável e a experiência de morar em Caieiras/SP (SwissPark Incorporadora, 2022). Entretanto, em todos os artigos, a sustentabilidade era apresentada como uma indicação de práticas para os moradores do empreendimento. Não foi encontrada nenhuma referência a sustentabilidade por parte das condutas realizadas pela empresa ou mesmo na produção e consumo do ERFH inserido em Cidade Ocidental.

No caso das EPERFH a sustentabilidade é explorada de maneira mais ampla, contemplando diversas matrizes discursivas de representações da cidade. Desde a matriz discursiva da representação tecno-material, passando pelo espaço da “qualidade de vida” até chegar na legitimidade das políticas urbanas estas empresas apropriam-se do “marketing verde” para potencializar suas estratégias de venda e realização de lucro, ainda que de maneira tímida.

Apesar do esforço em explorar o discurso das diversas matrizes, quando observadas as lógicas e as práticas espaciais (Sposito, 2017) realizadas pelas empresas e os movimentos das pessoas que consomem os produtos imobilários do tipo Espaços Residenciais Fechados (principalmente os do tipo horizontal) observa-se que a sustentabilidade, na prática, é utilizada como estratégia de greenwashing uma vez que a necessidade de utilizar transporte particular, o alto gasto de recursos (financeiros e de tempo) além da elevada sensação de insegurança viária dos moradores de ERFH da área metropolitana de Brasília sul mostram uma realidade diferente daquela pregada pelas EPERF, conforme apresentado por Dourado e Araújo Sobrinho (2023b).

Conclusão

Desde de que foi apresentado, o conceito de sustentabilidade reúne em torno de si polêmicas e conflitos que lhe são próprios. A principal contribuição deste contexto de disputa, foi atrair atenção para o fato de que os recursos do planeta são finitos. Explorar os recursos “sustentavelmente”, reservar para as próximas gerações, reduzir o consumo, reutilizar “ecologicamente” são ações que ainda serão alvo de discussões pelos próximos anos onde, para cada um, dependendo do seu interesse, existe uma matriz discursiva disponível.

Na comercialização de ERF na AMB não é diferente. As empresas produtoras deste tipo de habitação exploram a “sustentabilidade” de acordo com o potencial de gerar lucro na sua atividade. Apesar de existir várias empresas produzindo ERF verticais no recorte espacial investigado, apenas duas abordaram o tema. No caso, elas são justamente as maiores empresas produtoras deste tipo de habitação em Valparaíso de Goiás. Enquanto uma delas destacou as ações praticadas para garantir a “sustentabilidade” dos seus empreendimentos, a outra apenas indicou a necessidade de realizar estas ações. No caso dos ERFV a matriz discursiva predominante foi a da racionalidade ecoenergética.

Quando analisadas as EPERF horizontais, o conteúdo encontrado aponta para elementos das três matrizes discursivas. No que diz respeito a representação tecno-material da cidade as empresas destacaram os seus processos produtivos, chegando a indicar as certificações e “selos” que atestam a qualidade ambiental de sua cadeia produtiva. Quando analisadas o impacto da produção de suas habitações no espaço urbano, observou-se a utilização da matriz da reconstituição da legitimidade das políticas urbanas, uma vez que seus empreendimentos seriam uma resposta a precariedade das ações tomadas pelo poder público para ordenar a cidade. Entretanto, o protagonismo do discurso das EPERFH está atrelado a representação da cidade como espaço da qualidade de vida, onde os ideais de pureza, cidadania e patrimônio estão relacionados ao “urbanismo sustentável” e “segurança”.

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2Esta pesquisa é um desdobramento da tese de doutorado “A produção do habitat na fobópole: da segregação a fragmentação socioespacial na área metropolitana de Brasília” defendida pelo autor no primeiro semestre de 2023 na Universidade de Brasília-UNB.

Recebido: 15 de Setembro de 2022; Aceito: 23 de Outubro de 2023

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