Introdução
Na atualidade os incêndios rurais ainda são, frequentemente, considerados um fenómeno natural, porém, a ignição de um fogo apresenta causas e motivações bastante diversificadas, que resultam maioritariamente de ações antrópicas (Lovreglio et al., 2010; Tedim et al., 2019). São resultado de complexas inter-relações entre a sociedade, o ambiente e a economia, que podem apresentar um caráter voluntário ou involuntário (Lovreglio et al., 2010; Tedim et al., 2014).
Desta forma, o estudo das causas de incêndios rurais e das suas motivações são, de extrema importância, visto que esse conhecimento permite melhorar a compreensão dos incêndios rurais, apoiar as políticas ambientais e de proteção civil e contribuir para a criação de medidas de prevenção adequadas (Camia et al., 2013). É impossível desenhar e implementar campanhas específicas de prevenção de incêndios, se as causas e as suas motivações não forem investigadas ou permanecerem com um caráter desconhecido (FAO, 1999).
Em Portugal, tem-se verificado um maior enfoque no combate, no desenvolvimento de técnicas para deteção rápida das ignições, na modelação do comportamento provável do fogo, na implementação de medidas de prevenção estrutural (p. ex., abertura de caminhos e pontos de água) para facilitar o acesso ao incêndio e apoio ao combate, e na gestão de combustível. No entanto, esta abordagem tem vindo a alterar-se, uma vez que no Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais (PNGIFR), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-A/2020 de 16 de junho, a investigação das causas aparece como um dos três grandes processos pós-evento, sendo explicado todo o procedimento de identificação do ponto de ignição e da investigação das causas e motivações dos incêndios. É, igualmente, realçada a importância da investigação para a implementação de medidas eficazes de planeamento, preparação, prevenção e resposta em pré-supressão (Conselho de Ministros, 2020).
O processo de investigação não é simples uma vez que identificar o ponto de ignição e a causa de um incêndio, requer grande esforço e habilidade, que muitas vezes origina resultados inconclusivos (Camia et al., 2013). A investigação deve apresentar um caráter minucioso e objetivo, exigindo experiência, concentração e perseverança, sendo muitas vezes necessário recomeçar de novo ou reiniciar o ciclo num outro ponto (Silva, 2001 citado por Bento Gonçalves et al., 2007). Esta deve ser feita através do método das evidências físicas (MEF) que analisa o rasto deixado pelas chamas nos materiais combustíveis e não combustíveis ao longo do seu percurso, permitindo obter algumas evidências sobre a direção, o sentido, a intensidade calórica e a velocidade de propagação de um incêndio (Pereira et al., 2010). Se todas estas variáveis forem interpretadas de forma correta, será possível localizar o local de ignição e o dispositivo que a causou (Pereira et al., 2010).
Contudo, há grandes lacunas no conhecimento das causas dos incêndios rurais devido, predominantemente, ao elevado número de ocorrências e à falta de recursos humanos em algumas localidades, o que não permite que haja investigação das causas de todos os incêndios (Tedim et al., 2019). Para além destas dificuldades os técnicos especializados na investigação confrontam-se com outros problemas relacionados com o tempo de chegada ao local de ignição, a falta de conhecimentos das equipas de investigação para compreender as causas e motivações dos incêndios e a complexidade de aplicação do MEF devido à dificuldade objetiva de aplicação no caso de eventos intencionais (Tedim et al., 2019).
Estes fatores contribuem para um elevado número de causas não investigadas e desconhecidas, o que dificulta a criação de medidas de prevenção adequadas às necessidades de cada território, levando a que o problema dos incêndios rurais não seja solucionado (Tedim et al., 2019).
Com este trabalho pretende-se compreender os padrões espaciais e tendências das causas dos incêndios rurais no município de Lousada e identificar relações entre variáveis biofísicas e a incidência de determinadas causas.
O município de Lousada foi escolhido como área de estudo por se encontrar, segundo os relatórios anuais do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) de 2020 e de 2021, entre os vinte municípios portugueses com maior número de ocorrências, sendo assim fundamental estudar as principais causas dos incêndios rurais neste município de modo a desenhar políticas de prevenção adequadas com o intuito de reduzir as ignições (Lourenço et al., 2012; ICNF, 2020).
2. Dados e métodos
2.1. Área de estudo
O município de Lousada, localiza-se no Noroeste de Portugal continental, incorporando-se na NUT II- Norte e na NUT III - Tâmega e Sousa. Os concelhos limítrofes são, Vizela a Norte, Felgueiras a Noroeste, Amarante a Este, Penafiel a Sul, Paredes a Sudoeste e Paços de Ferreira e Santo Tirso a Oeste (Figura 1).
Apresenta uma extensão territorial de 96,08 km2 onde, atualmente, residem 47 376 habitantes, 22 895 homens e 24 481 mulheres (INE, 2021). À data do censo de 2011 residiam cerca de 47 387 indivíduos no município, 23 077 homens e 24 310 mulheres. Assim, a população decresceu ligeiramente (-0,02%) na última década, no entanto este comportamento não é visível no grupo das mulheres uma vez que, se registou um pequeno aumento (0,70%) (INE, 2021).
O município encontra-se dividido em 15 freguesias, existindo maior densidade populacional na freguesia de Macieira (830 hab/km2), na União de Freguesias de Cristelos, Boim e Ordem (728 hab/km2) e na União de Freguesias de Nespereira e Casais (736 hab/km2). Com densidade populacional mais reduzida na classe dos 266 - 379 hab/km2, encontram-se as freguesias mais distantes do núcleo central sendo estas a União de Freguesias de Lustosa e Barrosas (Santo Estevão), Sousela, União de Freguesias de Cernadelo e Lousada (São Miguel e Santa Margarida), Vilar do Torno e Alentém e Caíde de Rei (INE, 2021).
Lousada, é na sua maioria ocupado por espaços agrícolas e florestais, que representam respetivamente 3 474,8 ha (36,2%) e 3 216,2 ha (33,5%). O território artificializado corresponde a 2 066,5 ha, ou seja a cerca de 21,5% do território do município. Com menor relevância encontram-se os espaços descobertos ou com pouca vegetação que representam cerca de 12,5 ha, ou seja, apenas 0,1% do território e também as pastagens que correspondem a 2,4 ha (0,02%). É importante salientar que em Lousada as manchas florestais e de matos não apresentam grande continuidade havendo o predomínio de uma paisagem de mosaicos com diferentes usos e uma dispersão do povoamento.
A nível económico, o município é fortemente caracterizado pela produção agrícola e florestal, sendo de destacar também outros setores como o têxtil e a produção vinícola (Município de Lousada, 2020).
2.2. Aquisição de dados
Para além dos dados provenientes dos Recenseamentos da População mencionados na secção anterior, neste estudo foram utilizados dados secundários provenientes das seguintes instituições: Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), Direção-Geral do Território (DGT), Shuttle Radar Topography Mission (SRTM), e OpenStreetMap. Na Tabela 1 encontram-se descritos os dados recolhidos em cada instituição.
Origem dos dados | Informação disponibilizada |
INE | População residente em 2011 e 2021 |
ICNF | Incêndios entre 2001 e 2020 (Nº de ocorrências, mês, ano, causas e motivações, coordenadas dos pontos de ignição, áreas ardidas, entre outros) |
DGT | CAOP (Carta Administrativa Oficial de Portugal), 2020 COS (Carta de Uso e Ocupação do Solo), 2018 |
SRTM | MDT (Modelo Digital de Terreno (30 m)) |
OpenStreetMap | Rede Viária |
Fonte: Elaboração própria
2.3. Métodos
Com o objetivo de compreender as principais causas dos incêndios, assim como a sua distribuição espacial no município de Lousada, foi essencial analisar os dados recolhidos na base de dados do ICNF. A informação recolhida foi analisada com recurso à estatística descritiva em Excel, resumindo-se e organizando-se toda a informação em gráficos e tabelas.
Recorreu-se ao Arcgis 10.8.1 para fazer o mapeamento de alguns dados existentes, como, por exemplo, a distribuição espacial das ignições por tipo de causa no município de Lousada. Foi detetado que as coordenadas de alguns dos pontos de ignição recolhidos na base de dados do ICNF, apresentam-se incorretas, não tendo sido considerados 172 pontos de ignições, de um total de 5 243.
Os pontos de ignição dos incêndios do município de Lousada, foram também utilizados para a elaboração de um mapa de densidade de Kernel. A utilização desta técnica estatística não paramétrica teve como objetivo criar uma superfície de densidade a partir da localização dos pontos de ignição (ESRI,2021). Para tal, recorreu-se ao Arcgis 10.8.1 e utilizou-se a ferramenta kernel density, sendo assim possível verificar onde existe maior e menor densidade de ocorrências no município de Lousada.
Com o objetivo de determinar alguns dos indicadores que estão correlacionados com a ignição dos incêndios rurais e a dimensão das áreas ardidas no município de Lousada, recorreu-se à regressão exploratória que é uma ferramenta estatística que calcula a relação estimada entre uma variável dependente e diversas variáveis independentes. Desta forma, este método avalia as combinações possíveis entre as variáveis em estudo, de modo a perceber quais são as variáveis independentes que podem justificar o comportamento da variável dependente selecionada (ESRI, 2018). A relação entre estas variáveis é detetada através do grau de significância de cada uma, ou seja, através da proporção de vezes que a variável é estatisticamente significante. Além disso, este método consegue revelar a estabilidade das variáveis sendo que estas podem ser estáveis principalmente negativas ou positivas (ESRI, 2018).
Nesta análise foram consideradas como variáveis independentes o declive, a distância à estrada (a distância de 10 m à estrada, a distância de 10 a 25m à estrada, e a distância de 25 a 50m à estrada) e a ocupação do solo (os territórios artificializados, a agricultura, as pastagens, as florestas, os matos e os espaços descobertos ou com pouca vegetação). Estas tiveram como objetivo explicar a relação com as variáveis dependentes selecionadas sendo estas as ignições desconhecidas, as intencionais, as negligentes, os reacendimentos, as áreas ardidas ≤ 10 ha e as áreas ardidas de 11 a 500 ha. Este método foi aplicado com recurso ao Arcgis 10.8.1, recorrendo-se a diversos passos que culminaram na utilização final da ferramenta Exploratory Regression que calculou a correlação existente entre as variáveis selecionadas.
3. Resultados e Discussão
3.1. Evolução das ocorrências e área ardida no município de Lousada
No período de 2001 a 2020, foram registados no município de Lousada 5 243 incêndios rurais (Figura 2). Os anos com mais ignições são 2005 (468 ignições) e 2009 (488 ignições). Quanto às áreas ardidas, verifica-se que os anos que se destacam são 2016 e 2005 com 671 e 546 ha, respetivamente.
3.2. Padrão espacial da ocorrência de incêndios rurais
Analisando a dispersão dos incêndios com base na nova reorganização administrativa (Figura 3), denota-se que a União de freguesias de Lustosa e Barrosas (Santo Estevão) apresenta a maior percentagem de ocorrências (18,7%). Pelo contrário, as freguesias com menos incêndios são Macieira (2,0%), Vilar do Torno e Alentém (2,2%), Torno (2,6%) e Aveleda (2,8%). Ao recorrer-se aos antigos limites administrativos das freguesias (Figura 4) é possível visualizar com maior pormenor a distribuição espacial das ocorrências detetando-se que Lustosa apresenta mais ocorrências (13,6%), sendo seguida por Meinedo com 9,6% das ocorrências. As freguesias com menos ignições são as antigas freguesias de Lousada (Santa Margarida), Alvarenga, Nogueira, Pias, Aveleda, Macieira, Cernadelo, Torno, Vilar do Torno e Alentém, Ordem, Casais e Nespereira com percentagens que oscilam entre 1% e 3%. O facto de através dos antigos limites administrativos se observar com maior pormenor a distribuição das ocorrências e causas, levou à consideração neste estudo dos limites administrativos existentes em 2001, data de início do período considerado neste trabalho.
3.3. Evolução da investigação das causas
No que diz respeito à causa das ocorrências, verifica-se que não foram investigados cerca de 76% dos incêndios. Nos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005 não foi investigada a causa de nenhum incêndio (Figura 5). Contudo, a averiguação das causas foi melhorando ao longo dos anos, existindo um maior esforço de investigação a partir de 2015, ano em que 96,6% das causas foram investigadas. É de salientar que o esforço de investigação foi total nos anos de 2017, 2018 e 2019 onde todas as ocorrências foram investigadas. Esta mudança deveu-se predominantemente ao aumento de recursos humanos para realizar a investigação das causas.
Em relação à investigação dos incêndios rurais por freguesias, verifica-se que Vilar do Torno e Alentém, Barrosas (Santo Estevão) e Nevogilde apresentam mais ocorrências investigadas respetivamente com 35,4%, 35,2%, e 33,8%. Pelo contrário, as freguesias com menos ignições investigadas são Lousada (Santa Margarida), Torno e Macieira com percentagens de 8,3%, 11,8% e 12,5% respetivamente (Figura 6), sendo estas também freguesias com menor número de ignições.
3.4.1. Causas desconhecidas
Apesar do aumento do número de ocorrências investigadas no período em análise, não se obtiveram resultados efetivos, devido à elevada percentagem de investigações inconclusivas. Cerca de 63% do total de causas investigadas foram classificadas como desconhecidas (Figura 7), ou seja, apesar de estas terem sido investigadas não foi possível determinar a sua causa. Isto acontece devido ao elevado número de ocorrências no município, à falta de efetivos para investigar as causas (o que leva a que sejam estabelecidas prioridades de investigação) e às dificuldades de aplicação do método das evidências físicas. As causas desconhecidas não constituem uma categoria de causas, mas apenas a ausência de conhecimento da origem da ignição de um incêndio.
Desta forma, verifica-se que a maioria das causas desconhecidas, são registadas na base de dados como falta de prova material (maioria das ignições são causadas por chama direta não existindo assim uma prova física), contudo também é evidente a existência de incêndios onde falta a prova pessoal e outras informações. Esta percentagem elevada de investigações inconclusivas demonstra que o aumento do número de investigações nem sempre contribuiu para o melhoramento do conhecimento das causas. Espacialmente, estas causas encontram-se dispersas por todo o município (Figura 8).
Os perímetros ardidos por causas desconhecidas (Figura 9), apresentam predominantemente uma dimensão reduzida entre < 1 ha (78,4%) e 1 a 10 ha (18%), apresentando as outras classes valores muito reduzidos. No entanto, é importante destacar no mês de abril de 2012 e 2015 a existência de dois incêndios com 21 ha e 22 ha respetivamente nas freguesias de Lustosa e Sousela. Estes dois eventos revelam uma situação anormal, visto que, as condições climáticas nesta altura do ano não são geralmente propícias à existência de incêndios de dimensões consideráveis. Quanto à variação mensal verifica-se que a maioria dos incêndios com causa desconhecida deflagram nos meses de julho (22,4%), agosto (24,1%) e setembro (20,3%).
As ignições desconhecidas a nível horário (Figura 10), começam a apresentar maior representatividade a partir das 12h e alcançam o seu máximo entre as 15h e as 15h59min, decrescendo nas horas seguintes. No entanto, volta a ocorrer um ligeiro aumento pelas 21h.
3.4.2. Causas por reacendimento
No que concerne às causas apuradas, verifica-se que todas apresentam origem antrópica sendo de destacar a elevada representatividade dos reacendimentos que correspondem a 23% das causas investigadas (Figura 11) e estão dispersos por todo o concelho, existindo algumas concentrações de ignições em locais de altitudes baixas a moderadas. A maior parte dos reacendimentos encontram-se em áreas de baixo declive (Figura 12), no entanto verifica-se a existência de algumas concentrações de ignições por reacendimento em locais de maior declive, principalmente na área Norte do concelho.
Este tipo de causa poderia ser evitado se o rescaldo fosse efetuado de forma adequada; esta situação pode ser justificada pelo facto de Lousada apresentar um número anual de ignições elevado, o que incapacita os bombeiros de efetuarem as operações de rescaldo de forma correta e eficiente.
Os reacendimentos (Figura 13), apresentam áreas ardidas de pequena dimensão, e estão concentrados principalmente nos meses de julho e agosto. Esta tendência pode ser justificada pelo facto de estes serem os meses onde ocorrem mais incêndios o que leva a que as operações de rescaldo não sejam devidamente executadas. É ainda de salientar que não existe nenhum reacendimento que esteja associado a uma ocorrência com uma dimensão igual ou superior a 50 ha; nos meses de janeiro e dezembro não foi registado qualquer reacendimento.
Os reacendimentos (Figura 14), registam maior número de ocorrências, quando as temperaturas são mais elevadas, ou seja, durante a tarde, alcançando o seu máximo entre as 14h e as 14h59min. Pelo oposto, o menor número de reacendimentos ocorre durante a madrugada.
3.4.3. Causas negligentes
As causas negligentes são responsáveis por 10% dos incêndios. As suas motivações estão relacionadas principalmente com o uso do fogo para a queima de lixo industrial e também com o uso do fogo na limpeza do solo florestal. É de salientar que na categoria das causas negligentes encontram-se registadas duas ignições provocadas por brincadeiras de crianças, no entanto, estas foram registas na categoria errada, uma vez que segundo a classificação portuguesa das causas, este tipo de ignição corresponde a uma causa intencional. De modo geral, as ocorrências negligentes apresentam-se predominantemente em áreas de baixa altitude, existindo, no entanto, algumas ignições no Norte do concelho registadas em áreas de elevada altitude (Figura 15).
Os eventos provocados por causas negligentes (Figura 16), estão associados a áreas ardidas de pequena dimensão, destacando-se a classe < 1 ha (109 ocorrências; 83,8%). No entanto, é evidente a existência de um incêndio de maior dimensão no mês de setembro com cerca de 30 ha provocado pela queima de lixo de uma indústria. As distribuições das ignições negligentes a nível mensal concentram-se principalmente nos meses de março a setembro, sendo de salientar que o mês de dezembro não registou incêndios negligentes.
As ocorrências negligentes (Figura 17) apresentam um comportamento horário bastante irregular, sendo o seu máximo registado entre 15h e as 15h59min e o mínimo observado em horários matinais.
3.4.4. Causas intencionais
As causas intencionais são responsáveis apenas por 4% das ignições (Figura 18) e estão associadas maioritariamente a situações de dolo mais concretamente ao vandalismo (uso do fogo por puro prazer de destruição). Neste grupo também existem algumas ignições onde foi comprovada a existência de atos de incendiarismo (promoção deliberada de incêndios), contudo sem motivação conhecida. Espacialmente as ignições provocadas por causas intencionais localizam-se em altitudes mais baixas.
As causas intencionais (Figura 19), também apresentam áreas ardidas de dimensão reduzida, havendo um pico de eventos intencionais no mês de agosto (19 ocorrências; 40,4%). É de salientar a existência de dois incêndios de dimensões consideráveis, um com 99 ha na freguesia de Sousela e um outro de 44 ha na freguesia de Barrosas (Santo Estevão) classificados também como incendiarismo, que ocorreram respetivamente em julho e agosto.
Os incêndios de causas intencionais (Figura 20) , registam um maior número de ocorrências entre as 14h e as 14h59min e as 16h e as 16h59min, sendo que neste caso se verifica a existência de um valor considerável de ignições pela madrugada entre a 0h e as 2h59min. É de salientar que este comportamento, é excecional dado que nas ocorrências provenientes dos restantes tipos de causas, as ignições são em número reduzido pela madrugada, visto que, neste período do dia, normalmente acontece uma redução da temperatura que é acompanhada pelo aumento da humidade relativa do ar, contribuindo assim para maior humidade dos combustíveis, dificultando a ocorrência de um incêndio (Lourenço et al., 2012). As ignições noturnas demoram mais a ser detetadas e, por conseguinte, o incêndio pode aumentar de tamanho e intensidade podendo provocar mais danos. Por outro lado, de noite, é mais difícil o incêndio ser detetado numa fase inicial.
3.5. Padrão espacial das causas dos incêndios
Observando a dispersão espacial dos pontos de ignição pelo concelho através da densidade de Kernel (Figura 21), verifica-se que a maior concentração de ignições, ou seja, que resultaram numa densidade alta (6,4%) e muito alta (1,3%) apresentam pouca representatividade em Lousada, encontrando-se estas densidades mais elevadas dispersas um pouco por todo o concelho em pequenos aglomerados. Nas áreas de maior densidade verifica-se que praticamente a totalidade das ignições são de caráter não investigado, desconhecido e de reacendimento, o que revela que estes tipos de ignições espacialmente apresentam-se mais próximos (Figura 22).
Por sua vez, a menor concentração de ignições, ou seja, as densidades mais reduzidas associadas à classe muito baixa (36,1%) e baixa (36,1%) apresentam uma grande representatividade. Neste caso apesar de existir um elevado número de causas não investigadas, desconhecidas e reacendimentos, verifica-se também que praticamente a totalidade das causas intencionais e negligentes encontram-se nestas classes o que revela que apresentam um caráter mais disperso.
3.6. Principais causas de ignição por freguesia
Entre 2001 e 2020 (Figura 23) verifica-se que na maioria das freguesias predominam as causas desconhecidas, principalmente pelo facto de não existir uma prova material. As freguesias de Cernadelo, Covas, Lodares, Lousada (Santa Margarida), Lousada (São Miguel), Meinedo, Nespereira, Nevogilde e Torno são as que apresentam percentagens mais elevadas de causas desconhecidas, superiores a 70%.
Os reacendimentos apresentam percentagens compreendidas entre os 4,5% e os 46,7%, sendo a principal causa de incêndio apenas nas freguesias de Casais, Vilar do Torno e Alentém, Ordem e Alvarenga.
De um modo geral, verifica-se que as ocorrências negligentes e intencionais apresentam valores muito reduzidos em todas as freguesias do município. No entanto, na maioria das freguesias as causas negligentes apresentam maior representatividade do que as intencionais, exceto nas freguesias do Torno, Nespereira e Caíde de Rei. É de salientar que nas freguesias do Torno e de Lousada (Santa Margarida) não existe nenhum incêndio negligente, enquanto que nas freguesias de Alvarenga, Casais, Cernadelo, Covas, Lodares, Lousada (São Miguel), Lousada (Santa Margarida) e Vilar do Torno e Alentém não existem ignições intencionais.
Quanto às motivações das causas negligentes a que se destaca é a queima de lixo industrial, predominante nas freguesias de Barrosas (Santo Estevão), Boim, Cristelos, Lousada (São Miguel), Lustosa, Nogueira e Ordem, devido ao facto de estas serem freguesias onde existem algumas áreas industriais. No caso das intencionais todas as freguesias apresentam como motivação principal o vandalismo, exceto Aveleda e Figueiras onde predomina o incendiarismo.
3.7. Relação entre os tipos de causas e algumas variáveis biofísicas
O método de regressão exploratória permite verificar a relação existente entre os tipos de causas e variáveis biofísicas.
No caso da variável dependente ignições de origem desconhecida (Tabela 2), existe uma significância elevada associada a variáveis independentes como os espaços descobertos (100%), territórios artificializados (87,5%), os matos (75,0%), a agricultura (62,5%), as florestas (62,5%) e a distância de 10 metros da estrada (53,1%). Contudo é importante referir que as variáveis territórios artificializados e espaços descobertos apresentam uma relação negativa com as ignições desconhecidas, tendo as restantes variáveis mencionadas uma relação maioritariamente positiva. Assim, a maioria das ignições desconhecidas ocorrem em territórios de matos, agricultura e florestas e surgem muito próximas das estradas principais do concelho.
Em relação à variável dependente ignições intencionais (Tabela 2), verifica-se que dos indicadores independentes em análise os que apresentam maior significância são a ocupação do solo (100%), as florestas (51,7%) e a agricultura (50,0%), demonstrando as restantes variáveis uma significância muito baixa, inferior a 45%, o que indica que estas não são relevantes para retirar conclusões confiáveis. No entanto, das variáveis com grande significância para as ignições intencionais apenas existe correlação positiva com a agricultura (100%) o que revela que a maioria dos incêndios com caráter doloso ocorrem predominantemente em solo agrícola.
No caso da variável independente ignições negligentes (Tabela 2), verifica-se que a maior significância está associada aos espaços descobertos (100%), às florestas (78,1%) e à agricultura (53,1%). Destas variáveis apenas os espaços descobertos (100%) e as florestas (90,6%) apresentam uma correlação positiva, demonstrando desta forma que os incêndios negligentes se originam predominantemente em áreas de floresta e de espaços descobertos.
Na variável dependente ignições por reacendimento (Tabela 2), existe uma grande significância associada à distância de 10 metros da estrada (100%), aos declives (100%), aos territórios artificializados (87,1%), às pastagens (86,2%), aos espaços descobertos (82,8%), aos matos (75%), às florestas (64,5%) e à agricultura (48,4%), exibindo uma correlação maioritariamente positiva com os territórios artificializados (100%), os declives (100%) e as florestas (48,4%), o que demonstra que este tipo de ignições regista-se maioritariamente em florestas e próximas de territórios artificializados, bem como se encontram influenciadas pelo declive.
De um modo geral é percetível que as ignições no concelho de Lousada são recorrentes em áreas florestais, agrícolas, de matos e de espaços descobertos, sendo de salientar que a distância à estrada não demonstra grande importância na maioria das ignições, exceto nas desconhecidas que apresentam uma significância elevada associada à distância de 10 metros da estrada.
Ignições desconhecidas | Ignições intencionais | Ignições negligentes | Ignições por reacendimento | |||||||||
Variáveis | Significância | Negativa | Positiva | Significância | Negativa | Positiva | Significância | Negativa | Positiva | Significância | Negativa | Positiva |
Espaços descobertos | 100,00 | 100,00 | 0,00 | 17, 86 | 96,43 | 3,57 | 100,00 | 0,00 | 100,00 | 82,76 | 100,00 | 0,00 |
Territórios artificializados | 87,50 | 100,00 | 0,00 | 0,00 | 25,81 | 74,19 | 28,12 | 81,25 | 18,75 | 87,10 | 0,00 | 100,00 |
Matos | 75,00 | 0,00 | 100,00 | 0,00 | 48,39 | 51,61 | 3,12 | 59,38 | 40,62 | 75,00 | 100,00 | 0,00 |
Agricultura | 62,50 | 12,50 | 87,50 | 50,00 | 0,00 | 100,00 | 53,12 | 96,88 | 3,12 | 48,39 | 80,65 | 19,35 |
Florestas | 62,50 | 43,75 | 56,25 | 51,72 | 86,21 | 13,79 | 78,12 | 9,38 | 90,62 | 64,52 | 51,61 | 48,39 |
Pastagens | 0,00 | 93,75 | 6,25 | 17,86 | 100,00 | 0,00 | 12,50 | 0,00 | 100,00 | 86,21 | 100,00 | 0,00 |
Ocupação do solo | 0,00 | 0,00 | 100,00 | 100,00 | 100,00 | 0,00 | 0,00 | 0,00 | 100,00 | 0,00 | 100,00 | 0,00 |
Distância 10 metros da estrada | 53,12 | 0,00 | 100,00 | 6,25 | 0,00 | 100,00 | 0,00 | 90,62 | 9,38 | 100,00 | 100,00 | 0,00 |
Distância 10 a 25 metros da estrada | 0,00 | 62,50 | 37,50 | 0,00 | 0,00 | 100,00 | 0,00 | 81,25 | 18,75 | 0,00 | 40,62 | 59,38 |
Distância 25 a 50 metros da estrada | 0,00 | 43,75 | 56,25 | 0,00 | 90,62 | 9,38 | 0,00 | 43,75 | 56,25 | 0,00 | 46,88 | 53,12 |
Distância à estrada | 0,00 | 50,00 | 50,00 | 0,00 | 28,12 | 71,88 | 6,25 | 0,00 | 100,00 | 50,00 | 100,00 | 0,00 |
Declive | 0,00 | 100,00 | 0,00 | 0,00 | 100,00 | 0,00 | 0,00 | 100,00 | 0,00 | 100,00 | 0,00 | 100,00 |
Fonte: Arcgis 10.8.1
A variável dependente áreas ardidas ≤ 10 ha (Tabela 3), apresenta grande significância associada às ignições por reacendimento (54,6%), às ignições desconhecidas (49,9%) e às pastagens (47,0%). Contudo, apenas apresentam uma correlação positiva com as ignições por reacendimento (98,5%) e as pastagens (92,5%). Deste modo, verifica-se que a maioria das áreas ardidas de dimensão reduzida são provocadas por reacendimentos, e encontram-se predominantemente em áreas de pastagens.
No caso da variável dependente áreas ardidas de 11 a 500 ha (Tabela 3), existe maior significância associada a variáveis como ignições por reacendimento (54,6%), de causa desconhecida (49,9%) e pastagens (47,0%). Neste caso apenas existe uma correlação positiva com as ignições desconhecidas (85,7%), o que revela que as ignições de maior dimensão apenas conseguem ser associadas fortemente às causas desconhecidas.
De modo geral, verifica-se que as áreas ardidas estão associadas predominantemente a ignições desconhecidas e por reacendimento, devido ao facto de estas serem mais recorrentes no concelho, uma vez que as ignições intencionais e negligentes apresentam um número de ocorrências bastante reduzido. Contudo, é importante salientar que as causas desconhecidas são as que se destacam no que concerne a áreas ardidas de grande dimensão, sendo assim fundamental melhorar a investigação e conhecimento das causas, de modo a reduzir a área ardida e os impactos dos incêndios.
Áreas ardidas ≤ 10 ha hectares | Áreas ardidas de 11 a 500 hectares | |||||
Variável | Significância | Negativa | Positiva | Significância | Negativa | Positiva |
Ignições por reacendimento | 54,62 | 1,52 | 98,48 | 54,62 | 98,48 | 1,52 |
Ignições desconhecidas | 49,87 | 85,71 | 14,29 | 49,87 | 14,29 | 85,71 |
Ignições intencionais | 0,00 | 100,00 | 0,00 | 0,00 | 0,00 | 100 |
Ignições negligentes | 0,00 | 19,76 | 80,24 | 0,00 | 80,24 | 19,76 |
Pastagens | 47,04 | 7,53 | 92,47 | 47,03 | 92,46 | 7,54 |
Espaços descobertos | 28,22 | 1,74 | 98,26 | 28,21 | 98,27 | 1,73 |
Matos | 18,48 | 97,82 | 2,18 | 18,48 | 2,18 | 97,82 |
Florestas | 6,95 | 31,98 | 68,02 | 6,95 | 68,02 | 31,98 |
Territórios artificializados | 6,56 | 46,29 | 53,71 | 6,57 | 53,71 | 46,29 |
Agricultura | 5,66 | 62,99 | 37,01 | 5,66 | 37,02 | 62,98 |
Ocupação do solo | 20,43 | 92,73 | 7,27 | 20,43 | 7,27 | 92,73 |
Distância 10 metros da estrada | 0,00 | 21,89 | 78,11 | 0,00 | 78,11 | 21,89 |
Distância 10 a 25 metros da estrada | 4,40 | 100,00 | 0,00 | 4,4 | 0,00 | 100 |
Distância 25 a 50 metros da estrada | 4,14 | 100,00 | 0,00 | 4,14 | 0,00 | 100 |
Distância à estrada | 2,82 | 100,00 | 0,00 | 2,82 | 0,00 | 100 |
Declive | 0,00 | 99,38 | 0,62 | 0,00 | 0,62 | 99,38 |
Fonte: Arcgis 10.8.1
4. Considerações finais
Este estudo permitiu compreender os padrões espaciais e tendências das causas dos incêndios rurais no município de Lousada e identificar relações entre variáveis biofísicas e a incidência de determinadas causas. Verificando-se, desta forma que o município de Lousada apresenta percentagens muito elevadas de causas não investigadas e desconhecidas, provocadas pelo elevado número de ocorrências pela falta de recursos humanos e pelas dificuldades de aplicação do método das evidências físicas, principalmente quando o incêndio é provocado por chama direta, não existindo assim uma prova concreta. As ignições desconhecidas caracterizam-se pela sua dispersão por todo o concelho, e estão correlacionadas positivamente com os territórios de matos, agricultura e florestas e surgem muito próximas das estradas principais do concelho.
Para diminuir o elevado número de ocorrências com causas desconhecidas e não investigadas, será fundamental o reforço de efetivos das equipas de investigação das causas dos incêndios em Lousada e uma maior atenção à preservação dos locais onde ocorre a ignição.
No caso das causas apuradas, é notório que todas são provocadas por atividades antrópicas não havendo registo no município de ocorrências naturais. No intervalo de tempo analisado destacam-se os reacendimentos motivados pelas dificuldades existentes na realização das operações de rescaldo, estando estes associados positivamente a variáveis como os declives, territórios artificializados e florestas, e encontram-se em altitudes mais baixas. Neste caso é fundamental que a solução passe pela criação de equipas especializadas no rescaldo.
As causas negligentes estão sobretudo associadas ao uso tradicional do fogo para atividades florestais e também ao uso do fogo para atividades como a queima de lixo. Espacialmente estas ignições encontram-se em áreas de baixa altitude existindo algumas ignições no Norte do concelho concentradas em altitudes mais elevadas. As causas negligentes apresentam uma significância positiva elevada com os espaços descobertos e florestas. Para diminuir estas motivações é fundamental aumentar as ações de sensibilização junto da população que possibilitem a alteração de comportamentos e mentalidades. Devem ser expostas soluções de gestão de resíduos mais seguras, vantajosas e sustentáveis que contribuam para a existência de alternativas ao uso do fogo na queima de lixo. No que concerne ao uso do fogo para a eliminação de resíduos florestais, é necessário expor outras soluções que não englobem a eliminação através das queimas, a título de exemplo poderá optar-se pela trituração.
No entanto, quando não existem alternativas à utilização do fogo é necessário transmitir à população as boas práticas a adotar para que as suas queimas e queimadas não originem incêndios negligentes. É de salientar, que estas campanhas educativas devem ter um maior foco nos locais com um histórico de maior concentração de ignições. As causas intencionais são as que apresentam menor relevância no município encontrando-se associadas ao vandalismo e ao incendiarismo; encontram-se apenas correlacionadas com o solo agrícola o que de certa forma parece estranho. As causas intencionais estão associadas a atos deliberados que provocam dolo pelo que deveriam surgir em áreas florestais. Para prevenir este tipo de ignições é necessário reforçar o patrulhamento, a vigilância e a fiscalização, principalmente nos meses mais críticos, de modo a evitar comportamentos inadequados. O patrulhamento deve ser incisivo nas freguesias onde existe um maior número de ocorrências intencionais, como é o caso de Lustosa e Barrosas (Santo Estevão), Meinedo, Sousela e Caíde de Rei. Além disso, deve ser feita uma identificação dos antigos condenados por motivações intencionais de modo que o comportamento destes não seja reincidente. Reforçar a penalização de crimes de incêndios intencionais também é essencial, embora primeiramente deva ser devidamente avaliada a sua necessidade, sendo preferível desincentivar comportamentos dolosos.
Todas as medidas a adotar para reduzir as principais causas dos incêndios, têm de ser articuladas com as dos concelhos envolventes, de forma a gerar melhores resultados no que diz respeito à redução das ocorrências, uma vez que os incêndios rurais não respeitam as fronteiras administrativas de um concelho ou região.
O facto de existir um elevado número de incêndios não investigados e de causas desconhecidas acaba por condicionar a identificação dos reais motivos do problema dos incêndios em Lousada e a criação de medidas de prevenção e sensibilização mais adequadas e efetivas. Neste sentido, verifica-se que estatísticas fiáveis sobre as causas de incêndios são fundamentais para uma abordagem pró-ativa (Tedim et al., 2019), focada na prevenção e alteração de comportamentos inadequados. Melhorar a investigação e, consequentemente a estatística das causas permitirá compreender as raízes dos incêndios e reduzir a sua incidência (Lovreglio et al., 2010).