Introdução
Os Serviços de Ecossistema (SE) e os Geoparques são temas ambientais atuais e muito relevantes, estando direta ou indiretamente relacionados com os grandes acordos de interesse mundial, a exemplo da Convenção do Clima e da Diversidade Biológica (1992), do Protocolo de Quioto (1997) e do Acordo de Paris (2015). Nestes acordos, a urgência na mitigação dos efeitos das alterações climáticas ganha o foco principal, mas temas como a sustentabilidade, a mitigação dos riscos naturais e a resiliência ambiental são também elementos importantes de uma agenda ambiental coerente e solidária.
A Avaliação Ecossistémica do Milênio - Millennium Ecosystem Assessment (MEA), lançada pelas Nações Unidas em 2001, teve como objetivo avaliar as consequências das alterações nos ecossistemas e no bem-estar humano, bem como estabelecer a sua base científica para uma melhoria da gestão dos ecossistemas da Terra, de modo a garantir a sua conservação e uso sustentável numa escala global, mas que passa, em grande parte, por intervenções às escalas local, regional e nacional. O foco essencial desta avaliação está na relação entre a qualidade dos ecossistemas e os SE suportados, ainda que reduzidos devido à intensa degradação ambiental promovida pelo uso exagerado e inadequado dos recursos, sendo classificados em SE de suporte, de provisão, de regulação e culturais (Corvalan et. al., 2005). Esta avaliação é, ainda hoje, a base para os estudos desenvolvidos sobre o tema dos SE, sendo referenciada em todas as pesquisas que abordam a temática e a definição das respetivas categorias.
Na sequência, vários outros estudos sobre os Serviços de Ecossistema aconteceram, trazendo classificações adaptadas para estes serviços, como a Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade conhecida como TEEB 2010, que também classifica os SE em 4 categorias; Murray Gray, que desde 2004 estuda os valores da natureza abiótica, acrescentando aos SE já existentes, os serviços do conhecimento; e a Classificação Internacional Comum de Serviços Ecossistémicos - Common International Classification of Ecosystem Services (CICES), que categoriza os Serviços de Ecossistema apenas em 3 categorias (provisão, regulação/manutenção e culturais), sendo esta classificação a utilizada neste estudo.
Não cabe neste artigo apresentar a base conceitual já discutida pelos mais renomados autores no que diz respeito aos SE (Constanza, Daily, Dunca, Fisher, Gray, Joly, Maes, Ruppert, outros) ou aos Geoparques (Brilha, Eder; Henriques, Nascimento, Rocha, Sá, Zouros, outros). De forma simples, os SE podem ser definidos pelas contribuições que os ecossistemas, com os seus elementos bióticos (biodiversidade) e abióticos (geodiversidade), proporcionam para o bem-estar humano, como a provisão de alimentos, matérias-primas, água de qualidade; regulação e manutenção de processos físicos (água, ar, solo); e oportunidades de lazer, conhecimento e cultura, entre vários outros benefícios. Já os geoparques são áreas com limites territoriais bem definidos, que possuem geossítios de importância internacional, regional e local, tendo sua gestão associada a uma estratégia de conservação, educação e desenvolvimento sustentável, na qual as comunidades locais devem estar integradas e ativas no processo de desenvolvimento e nas tomadas de decisões.
Partindo destes dois conceitos e considerando a riqueza ambiental de um território classificado como geoparque, tanto em termos da geodiversidade (recursos geológicos, geomorfológicos, hídricos, pedológicos e paisagísticos) como da biodiversidade (recursos animais e vegetais), fica evidente a importância dos geoparques na oferta dos Serviços de Ecossistema, contribuindo ainda mais para o alcance dos mais diversos objetivos do desenvolvimento sustentável. O termo geodiversidade pode ser definido como os materiais, estruturas, processos geológicos e formas de relevo (Brilha et al., 2018) ou como a riqueza da componente geológica (rochas, minerais, fósseis), geomorfológica (paisagem, topografia, processos físicos), pedológica e hidrológica, incluindo as suas associações, relações, propriedades, interpretações e sistemas (Gray, 2013).
Henriques e Brilha (2017) mencionam que:
Ao conectar ações locais e desafios globais, e assumindo o papel da cultura local como uma ferramenta crucial para alcançar a sustentabilidade global, os Geoparques Globais da UNESCO podem ser vistos como exemplos de melhores práticas para concretizar os objetivos e metas do Ano Internacional da Compreensão Global e fonte de inspiração para outros desafios globais, como os dezessete objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU 2016-2030. (pp. 349).
Para Fleig et al. (2022), os territórios de geoparques têm contribuído para o alcance dos objetivos da Agenda 2030, principalmente no que se refere ao objetivo de promover na prática a educação com qualidade (ODS 4). Além destes, outros objetivos da referida agenda podem ser atendidos nos territórios dos geoparques mundiais como: ODS 3 (garantir uma vida saudável e promover o bem-estar e a saúde, inclusive mental, para todos em todas as idades); ODS 8 (promover o crescimento económico inclusivo e sustentável, o emprego pleno e produtivo e o trabalho digno para todos); ODS 13 (adotar medidas urgentes para combater as alterações climáticas e os seus impactos); ODS 14 (conservar e usar de forma sustentável os oceanos, mares e os recursos marinhos); e ODS 15 (proteger, restaurar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres e de água doce, gerenciar florestas de forma sustentável, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda da biodiversidade). A forma de gestão, as características geomorfológicas e o envolvimento das comunidades envolvidas, serão os fatores responsáveis para definir o tempo e a intensidades com que estes objetivos serão atendidos.
É de conhecimento comum entre os investigadores que o foco maior dos estudos sobre os SE estiveram sempre relacionados aos elementos do sistema vivo, ou seja, da sua biodiversidade ou elementos bióticos, resultando em descontentamento por parte dos especialistas que consideram a componente abiótica ou dos elementos não vivos, representados pela geodiversidade do ambiente, como a base para a existência e desenvolvimento da vida na terra. Fisher et al. (2009) e McDonough et al. (2017) evidenciam o crescimento da investigação sobre os SE a partir da década de 90, com uma maior expressão a partir do ano de 2005, que coincide com a Avaliação Ecossistémica do Milénio. No primeiro estudo, cerca de 300 artigos que citam o termo “ecosystem services” foram publicados até 2007, e no estudo mais recente, que considera o intervalo de tempo entre 2005 e 2016, foram publicados aproximadamente 3000 artigos. Porém, estes estudos relacionam apenas a componente biótica dos SE, negligenciando, em regra, os SE da geodiversidade.
A discussão dos SE mais diretamente relacionados com a geodiversidade ganham mais atenção a partir dos estudos de Murray Gray, que em 2004 escreve sobre a valorização e conservação da natureza abiótica. Juntamente com outros autores, propõe os conceitos de serviços geossistémicos (Gray, 2011; Van Ree e Van Beaukering, 2016; Bollati et al., 2022) e de serviços dos ecossistemas abióticos (Gordon et. al., 2012; Gray et al., 2013; Kubalíková, 2020), como sendo os bens, as condições e os processos abióticos fundamentais para garantir a manutenção da vida e do bem-estar humano.
Em 2018, Murray Gray faz duas propostas para a integração da biodiversidade e da geodiversidade: tratamento igualitário nas políticas da natureza e na abordagem do capital natural e dos serviços ecossistémicos, como partes igualmente importantes e sobrepostas do ambiente natural (Gray, 2018). Passados 4 anos, quando a UNESCO define o dia 6 de outubro de 2022 como o primeiro dia internacional da geodiversidade, o referido autor reforça que a geodiversidade e seu significado para a humanidade são pouco reconhecidos, pois assim como a biodiversidade, os recursos geopatrimoniais estão em risco devido às atividades humanas, sendo a geoconservação um instrumento ainda limitado em muitos países. “O resultado é que o valor de toda a natureza é subestimado, sendo urgente a integração entre a política e a prática de gestão da natureza” (Gray, 2023).
Silva et al. (2018), como resultado de sua investigação de revisão sobre o estudo dos SE da natureza e sua aplicação nos estudos da geodiversidade, reforçam que os estudos ainda se concentram muito na avaliação dos elementos da biodiversidade, não avaliando os elementos abióticos da natureza. Mostram também que os autores não são unânimes nem no conceito nem na forma de abordagem dos SE da geodiversidade, sendo para alguns viável que a sua avaliação seja feita separadamente da biodiversidade enquanto para outros, ela deve ser feita de forma integrada (geodiversidade e biodiversidade). Os autores, ressaltam que “é possível integrar os estudos da geodiversidade com os da biodiversidade, através da análise da diversidade natural do planeta, integrando numa única terminologia os serviços da natureza fornecidos tanto por seus elementos abióticos como pelos bióticos”.
A verdade é que, apesar do avanço em termos dos estudos dos SE, o campo de pesquisa dos SE nos Geoparques ainda é reduzido e deve ser estimulado, principalmente considerando os elementos da geodiversidade, componente do capital natural mais expressiva de um geoparque. Particularmente, a discussão do modo de avaliar os SE presentes nos territórios dos geoparques, é menos importante do que a necessidade de desenvolver metodologias, ferramentas e/ou instrumentos para esta avaliação, de modo a trazer à comunidade científica, aos decisores políticos e à comunidade em geral, a riqueza e a importância dos SE que existem e que podem ser potencializados nos geoparques, agregando valores económicos e ambientais, sociais e culturais, do ponto de vista da conservação dos recursos e com a promoção da saúde e do bem-estar coletivo.
Para Gordon e Barron (2013), a abordagem de serviços do ecossistema deve ser vista como um fator-chave para a política ambiental e a gestão da conservação, ressaltando que uma melhor integração da geodiversidade e da biodiversidade como parte da ciência do sistema terrestre é fundamental para a proteção do futuro dos ecossistemas e seus serviços, e oferece oportunidades e desafios para a geociência aplicada.
Além disso, os ecossistemas precisam estar em boas condições para fornecer um conjunto de serviços essenciais e assim fornecerem benefícios (ou seja, serviços), aumentando o bem-estar humano. Para isso, é preciso investir na manutenção dos ecossistemas, devendo ser pauta das estratégias de planejamento público, mas principalmente, trabalhar a nível educacional, na conscientização e sensibilização da população que reside e interage com estes ecossistemas (Maes et al., 2018).
Essa integração entre os SE da geodiversidade e da biodiversidade deve ser sempre considerada na avaliação dos SE presentes nos territórios dos geoparques, pois os elementos que compõem estas duas dimensões estão intimamente interligados, coexistindo e cooperando para a promoção do território e das comunidades ali inseridas. Muitos dos benefícios promovidos a nível local podem ser extrapolados, atendendo às necessidades globais ou mesmo servirem de exemplos para um alcance mais amplo.
Assim, neste artigo, o objetivo principal é identificar e classificar os SE oferecidos nos principais geossítios e atrativos geoturísticos da Serra da Freita, localizada no território do Arouca Geopark. Como objetivos secundários, a investigação visa destacar, principalmente, a relação e interligação entre os SE dos elementos da geodiversidade (abióticos) e os elementos da biodiversidade (bióticos) presentes nos sítios avaliados.
Processos Metodológicos
Área de Estudo
O Arouca Geopark, classificado desde 2009 como um Geoparque Mundial da Unesco, possui uma área de 328 km², distribuída pelas 16 freguesias do Concelho de Arouca (Alvarenga, Arouca/Burgo, Chave, Escariz, Fermedo, Mansores, Moldes, Rossas, Santa Eulália, Urrô, Várzea, São Miguel do Mato, Tropeço, Canelas/Espiunca, Covelo de Paivô/Janarde, e Cabreiro/Albergaria da Serra). O território apresenta altitudes com cotas inferiores a 200 m ao longo dos leitos dos rios Arda, Paiva e Paivô e as mais elevadas nas Serras da Freita e Montemuro, com 1100 m e 1222 m, respetivamente (Rocha et al., 2010).
Outra característica importante do Arouca Geopark é que além da riqueza do seu geopatrimónio, tem 47% do seu território classificado como Rede Natura 2000, reforçando a riqueza do seu património natural e o compromisso com a conservação de habitats naturais e de espécies da fauna e flora de relevância para o território, com objetivo de reduzir a perda da biodiversidade e permitir a convivência sadia com as atividades humanas locais. Entre os Sítios de Interesse Comunitário (SIC) que estão presentes no território do Arouca Geopark, destacam-se o SIC Serra da Freita e Arada, o SIC Rio Paiva e o SIC Serra do Montemuro (Rocha, 2008; Vasquez, 2010; Correia, 2017).
Apesar da investigação abranger todo o território do Arouca Geopark, os dados a serem apresentados neste artigo, dizem respeito apenas aos Serviços de Ecossistema identificados e classificados nos principais geossítios e atrativos geoturísticos da Serra da Freita, localizada na porção sul do território do geoparque, demarcada a partir da altitude de 500 metros, conforme o mapa de localização da Figura 1.
A Serra da Freita tem como ponto mais alto os 1100 metros de altitude. É coberta por vegetação rasteira, principalmente, pela cargueja (Pterospartum tridentatum) e a urze (Calluna vulgaris), que na primavera colorem a Serra de amarelo (cargueja e tojo) e lilás (urze). Apresenta também alguns pequenos maciços arbóreos de resinosas como o pinheiro-bravo (Pinus pinaster) e o pinheiro silvestre (Pinus sylvestris), entre outras espécies como o carvalho-negral (Quercus pyrenaica). Além disso, a Serra abriga as turfeiras e várias outras espécies de flora e fauna de interesse nacional, como o lobo ibérico (Canis lupus signatus). Em termos de recursos hídricos, a Serra da Freita tem várias ribeiras que convergem para o Rio Caima e contribuem para a bacia hidrográfica do rio Vouga (Rocha, 2008 e 2010; Bastos, 2019; Bernardo et al., 2019). O primeiro grande salto do Rio Caima ocorre na Frecha da Mizarela (decorrente das características geológicas da área que é formada por granitos e xistos) e proporciona uma série de SE, que vão da contemplação da beleza cénica, até o fornecimento de água para os seres humanos, animais e agricultura, entre outros, ressaltando a riqueza dos SE oferecidos neste território.
No que diz respeito à ocupação humana na Serra, é possível falar em alguns milhares de anos, representados pelo período megalítico, pela idade do bronze e pela época romana (Rocha 2010 e Bernardo et al., 2019), até chegar aos dias atuais, em que está representada por uma baixa densidade populacional, com alto índice de envelhecimento, o que resulta no quase abandono das aldeias tradicionais deste território (INE, 2021).
Em termos geológicos a Serra é sustentada por rochas xistosas e graníticas, que promovem fenômenos geológicos dignos de visitação, como o exemplo das “Pedras Parideiras”, que conferem relevância internacional ao Arouca Geopark. Para um melhor entendimento e detalhamento do enquadramento geográfico, geológico e geomorfológico da Serra da Freita, é possível consultar os trabalhos de Vasquez (2010), cujo objetivo principal foi o da valorização do geopatrimónio na Serra da Freita, e de Rocha (2016) que traz no guia das rotas dos geossítios muita riqueza de informações sobre a área de estudo.
Métodos de Coleta dos Dados
Como métodos para a recolha de informação utilizaram-se a análise documental, a revisão de literatura e a coleta de campo com observações in loco. Foram feitas visitas à sede da AGA - Associação Geoparque Arouca, localizada na Vila de Arouca, onde vários documentos e materiais produzidos acerca do território foram analisados, de forma a embasar a caracterização da área de estudo.
Em termos de revisão de literatura foi realizada uma busca na Internet usando os descritores (Serviços de Ecossistema; geoparques; geodiversidade; biodiversidade; Arouca Geopark; Serra da Freita) no Repositório Científico de Acesso Aberto em Portugal (RCAAP) e, também em inglês, nas bases de dados da SCOPUS. O objetivo era levantar informações relacionadas sobre a área de estudo e os seus Serviços de Ecossistema, bem como sobre outros dados e informações pertinentes que pudessem subsidiar a investigação.
A classificação CICES, escolhida para esta pesquisa, permite ampla equivalência com as categorias de outras classificações como forma de uniformizar a classificação dos SE ao nível da União Europeia, além de permitir as saídas abióticas do ecossistema, mesmo não sendo estas o foco da classificação. Apresenta uma estrutura dividida em cinco níveis hierárquicos (sessão/divisão/grupo/classe/tipo de classe), sendo cada nível progressivamente mais detalhado e específico.
No nível da sessão, os serviços ecossistémicos são agrupados, de acordo com a contribuição para o bem-estar humano, em Serviços Ecossistémicos: de Provisão - fornecimento de material e energia; de Regulação - manutenção do ambiente para seres humanos; e culturais - as características não materiais dos ecossistemas que afetam os estados físicos e mentais das pessoas (Haines-Young e Potschin, 2018).
Mesmo tendo sido atualizada após sugestões dos seus utilizadores, com o objetivo de facilitar o entendimento e a contabilização dos SE oferecidos seja pela biodiversidade seja pela geodiversidade, a classificação CICES ainda é vista como limitada por alguns autores, que preferem utilizar a metodologia de Gray para classificar os SE da geodiversidade (Kubalíková, 2020). Entretanto, Maes et al. (2014) enfatizam como vantagem do uso da classificação CICES, o facto de a sua estrutura ser a utilizada no Processo MAES da UE, que visa cartografar os Serviços de Ecossistemas à escala europeia, para cumprir os compromissos assumidos no âmbito da Ação 5 da Estratégia da Biodiversidade da UE para 2020, que é a de “melhorar o conhecimento sobre os ecossistemas e seus serviços na EU”. Além disso, vários estudos (Marta-Pedroso et al., 2014; Czúcz et al., 2018; Xavier, 2018;) validam o uso desta classificação.
As idas a campo foram realizadas entre os meses de maio a agosto de 2022. Percorreram-se os geossítios oficiais do Arouca Geopark e outros atrativos de interesse na Serra da Freita, identificando e classificando via CICES, os potenciais SE a partir das suas componentes abióticas (elementos da geodiversidade) e bióticas (elementos da biodiversidade). Com o objetivo de auxiliar a coleta dos dados, utilizou-se como apoio uma ficha de campo na qual se avaliavam as características geológicas e geomorfológicas, localização, uso, relevância, conteúdo científico, infraestrutura e os principais SE oferecidos.
Resultados
Dos 41 geossítios presentes no território do Arouca Geopark, 14 estão localizados na Serra da Freita, sendo 11 contemplados na Rota dos Geossítios do Arouca Geopark, nomeadamente, no Itinerário A - Freita: a Serra Encantada. Destes 11 geossítios, 9 deles localizam-se no Planalto da Serra da Freita e 2 na vertente norte da serra. Os 3 geossítios não contemplados na rota são o Côto do Boi, o Filão de Quartzo de Cabaços e as Pias do Serlei (ROCHA, 2016). Apenas os dois últimos geossítios mencionados não foram avaliados neste estudo, pelo fato de não ter havido tempo hábil para visitação in loco.
Outros pontos de interesse identificados e avaliados na Serra da Freita foram o Parque Eólico da Serra da Freita, a Mamoa da Portela da Anta e a Praia Fluvial da Albergaria da Serra. Também foi feita uma avaliação geral do território da Serra no sentido de identificar e classificar alguns SE relevantes relacionados com o uso e ocupação do solo como um todo, destacando algumas formações florestais (eucaliptos e de resinosas), o pastoreio de bovinos e a criação de abelhas.
Os principais resultados para a identificação e classificação dos SE dos Geossítios e Atrativos Geoturísticos da Serra da Freita avaliados neste estudo, bem como as principais características destes sítios são apresentados nas figuras a seguir. Além da visita in loco dos pontos avaliados, utilizaram-se as informações presentes nos guias (Rocha, 2016; Bastos, 2019; Bernardo et al., 2019) e no website do “Arouca Geopark” (2022), além de informações colhidas com visitantes e residentes ao longo do período de coleta.
A Figura 16 a seguir, apresenta uma síntese dos principais SE identificados nos geossítios e atrativos geoturísticos avaliados, adaptado a partir da classificação CICES adotada neste estudo.
A Figura anterior permite confirmar a maior oferta dos serviços ecossistémicos culturais nos territórios de geoparques. O SEC de lazer/recreacional e o SEC educacional foram identificados em praticamente todos os geossítios ou atrativos avaliados. Este último SE, apesar de presente em todos os sítios, é mais expressivo nos Geossítios Contacto Litológico da Mizarela, Campo de Dobras da Castanheira e Pedras Parideiras, onde o fator educacional é o foco principal, pois permite interações físicas e experienciais ativas ou passivas, para visualizar e compreender o fenômeno geológico in loco. O conhecimento científico acerca das características e evolução do planeta Terra e da vida que suporta, adquirido com base na geodiversidade é classificado por Murray Gray de forma individualizada como um SE do Conhecimento e não dentro dos SEC, como na maioria das classificações propostas (Gray, 2011). Entretanto, o que é mais importante é o fato de que a história da Terra pode ser contada e experienciada através da geodiversidade de um território. Nascimento et. al. (2020), ao avaliarem os SE nos geossítios do Geoparque Araripe “afirmam que todos eles possuem alto potencial didático e científico (classificado como um serviço de conhecimento da geodiversidade), funcionando como verdadeiras salas de aula a céu aberto, caracterizando um bem de Educação e Emprego”.
Os geossítios ou atrativos com maior oferta de SE foram aqueles onde a presença dos elementos hídricos e da vegetação são mais evidentes, como nos geossítios Frecha da Mizarela (GFM), Marmitas Gigantes do Rio Caima, Pedras Boroas do Junqueiro (GPBJ), Campo de Dobras da Castanheira (GCDC) e no atrativo geoturístico da Praia Fluvial de Albergaria da Serra (AGPFAS). Isto porque, de acordo com Gray et al. (2013) e Brilha et al. (2018), o “transporte fluvial de sedimentos e nutrientes libertados durante os processos de meteorização e de erosão que são vitais para o equilíbrio da condição de vida, é um SER prestado pela geodiversidade”.
Avaliar os SE oferecidos pela área delimitada para o atrativo ou geossítio, considerando os elementos tanto da biodiversidade quanto da geodiversidade, permite a identificação de um número muito mais expressivos de SE. É negligente ou pelo menos redutor avaliar os SE de forma individualizada. Por exemplo, no geossítio Marmitas de Gigantes do Rio Caima, além dos SE apresentados na Figura 5, é possível identificar, ainda que de forma menos expressiva, os SEC Educacionais através das visitas interpretadas. Além disso, este recurso hídrico é importante para o SER da biodiversidade, funcionando como habitat para espécies endémicas da Península Ibérica como a salamandra-lusitânica (Chioglossa lusitanica), o lagarto-de-água (Lacerta schreiberi), a rã-ibérica (Rana iberica) ou o tritão-de-ventre-laranja (Lissotriton boscai) (Bastos, 2019), para além de servir como veículo de transporte de sedimentos e nutrientes, regulador da qualidade da água e dos riscos naturais quando associados à biodiversidade (Gray et al.,2013 e Brilha et al., 2018), entre outros serviços.
No geossítio do Campo de Dobras da Castanheira (Figura 6), onde os SE da geodiversidade, através do fenômeno geológico das dobras é de grande relevância (SEC educacional), é possível identificar a interação entre a geodiversidade e a biodiversidade. As condições rochosas e hídricas do local, também oferecem o SER da biodiversidade. Isso porque a área é drenada pelo Riacho da Ribeira, afluente do Rio Caima, sendo esta linha d’água habitat para diversas espécies como briófitas (género Sphagnum) e plantas vasculares como o cervum (Nardus stricta). Já nas partes mais rochosas encontram-se o arroz-dos-telhados (Sedum brevifolium) e o açafrão-bravo (Crocus serotinus), endêmico da região ibérica. Além disso, o local é muito sobrevoado pelas aves de rapina como o tartaranhão-caçador (Circus pygargus), o peneireiro-vulgar (Falco tinnunculus) ou o esquivo gavião (Accipiter nisus) (Bastos, 2019).
Da mesma forma, no geossítio das Pedras Boroas do Junqueiro (Figura 10), são identificados alguns SER, considerando a existência das turfeiras presentes na área envolvente deste e de outros sítios do Arouca Geopark. Este material vegetal parcialmente decomposto, “remanescente de um passado climático mais severo, desempenha um SE de grande relavância, considerando o cenário atual das mudanças climáticas”, através do SER do sequestro do carbono e da regulação do ciclo da água, além de servir de habitat para espécies vegetais e animais endêmicas da região do Arouca Geopark (Rocha, 2010; Bastos, 2019).
Se considerarmos o geossítio de São Pedro Velho (Figura 2), onde as rochas graníticas são dominantes, é possível ressaltar a importância dessa geodiversidade em termos de SER, considerando as rochas como filtros naturais para a depuração da água, participando do ciclo hidrológico, bem como do ciclo das rochas (Pereira et al., 2019 ).
No geossítio das Pedras Cebola (Figura 11), além dos SE associados exclusivamente à geodiversidade (educacional, habitat, outros), quando associado à presença da vegetação, seja arbórea ou arbustiva, também oferece os SER do clima, através do sequestro do carbono, controle de processos erosivos, manutenção da fertilidade do solo e qualidade do ar, entre outros.
O Parque Eólico da Serra da Freita (Figura 15), representa um SE de provisão com a geração de energia limpa, para além de proporcionar a muitos visitantes o SE cultural de lazer, já que a contemplação dos aerogeradores é muito apreciada pelos visitantes da Serra. Que a geodiversidade fornece a topografia ideal para a geração de energias mais sustentáveis, como os parques eólicos é consenso entre os autores Gordon e Barron (2013); Gray et al. (2013); Brilha et al. (2018) e Pereira et al. (2019). Entretanto, a classificação para este SE já não é unânime, sendo considerada pela maioria dos autores como um SE de suporte, enquanto na classificação CICES, um SE de provisão da componente abiótica.
Os SEC, classificados como desporto na Figura 16, envolve as atividades de trilhos, BTT, desporto de aventuras como canyoning, rafting, escaladas, entre outros. Para os SEC do desporto do tipo trilhos, só levou em consideração os geossítios ou atrativos em que os visitantes necessitaram de caminhar por um percurso superior a 500 metros para seu alcance, não considerando aqueles que podem ser acessados sem qualquer esforço físico. Essa restrição justifica a pouca oferta no quadro apresentado.
Ainda nas vertentes da Serra da Freita é possível visualizar pastando livremente, espécies de bovinos e caprinos, criados de forma tradicional, com destaque para a raça arouquesa, autóctone da região, e que produz como matéria-prima a famosa carne arouquesa, muito requisitada pelos amantes da boa comida. A presença da raça arouquesa na Serra da Freita, em especial na Aldeia da Mizarela, oferece o SEP com a produção da carne arouquesa, bem como o SEC ligado às tradições gastronómicas, já que é uma espécie típica da região, criada de acordo com as tradições locais e que faz parte da identidade cultural do território. Para Pereira et al. (2019), este serviço de ecossistema poderia estar associado ao SE de suporte, não abrangida pela classificado CICES como um serviço isolado, mas sim suportando os outros SE. Isto porque a combinação de alguns fatores como o clima, o relevo, as rochas e o solo, podem favorecer alguma especificidade para um produto, como o sabor e a maciez da carne arouquesa ou do aroma e coloraçao do mel de urze. Também associado às características peculiares do solo, clima, relevo e, consequentemente, da flora e fauna associada a ele, na Serra da Freita, como em vários sítios do território do Arouca Geopark, a oferta de SEP é diversificada através da oferta de mel e derivados, ervas aromáticas, cogumelos, madeira, lenha, resinas, vinhas, frutos, hortículas, entre outros, como exemplificado na figura a seguir.
A componente biológica (fauna e flora) associada aos vários geossítios e atrativos, ou mesmo como cobertura do solo da Serra da Freita ou de todo o território do Arouca Geopark, sempre estará associada à oferta dos SEP, SER e SEC, ainda que estes serviços não sejam tão significativos como seriam nos ambientes onde o ecossistema predominante é a floresta, o que não quer dizer que estes serviços devam ser negligenciados ou desvalorizados quando da avaliação dos SE oferecidos.
Em relaçao às infraestruturas presentes nos sítios avaliados, no geral, são satisfatórias. Os acessos são bem sinalizados e demonstram a existência de manutenções constantes. Alguns carecem de cuidados especiais, como por exemplo, a Mamoa da Portela da Anta, cuja sinalização é incipiente e não apresenta nenhum tipo de informação educativa no local.
Considerações finais
A partir da identificação dos SE nos geossítios e atrativos avaliados na Serra da Freita, fica evidente a riqueza da oferta dos SE, tanto para os SE provenientes da geodiversidade quanto para os SE oferecidos pela biodiversidade.
Como já esperado, os SE Culturais foram os mais expressivos estando presentes em todos os pontos observados, em especial os SEC Educativo e de Lazer, justificados pela riqueza dos elementos da geodiversidade e da biodiversidade, disponíveis como um laboratório vivo, proporcionando paisagens e ambientes convidativos a vários tipos de atividades de lazer e de conhecimento.
Decerto que este artigo não abordou todos os SE oferecidos pelo território da Serra da Freita, até porque, a identificação dos SE foi realizada considerando apenas os geossítios e alguns atrativos turísticos, tendo a Serra muito mais a oferecer. O que deve ser observado e registado a partir deste estudo é a expressividade de SE identificados, abrangendo tanto os SE provenientes do meio biótico quanto os SE resultantes dos elementos da geodiversidade. Principalmente, há que ressaltar que os SE não devem ser percebidos e geridos de forma isolada, pois a interação entre as duas componentes do ecossistema é a chave para o alcance da sustentabilidade e, consequentemente, da promoção da saúde e do bem-estar humano.
As metodologias de avaliação integrada dos SE ainda não são muito conhecidas, mas são extremamente necessárias. A riqueza de um ecossistema quando avaliado considerando a sua totalidade (biodiversidade e geodiversidade) é muito maior e percetível, mesmo pelas pessoas que não são da área científica, o que pode ser favorável para a conservação destes ecossistemas e, consequentemente, para a melhoria da qualidade de vida humana. Assim, espera-se que este estudo possa incentivar novas discussões sobre a abordagem integrada dos serviços de ecossistema, fora ou dentro dos territórios de geoparques.
Para trazer mais assertividade à discussão sobre os SE da Serra da Freita, bem como em toda à pesquisa dos SE que envolve o território do Arouca Geopark, serão aplicados inquéritos aos utilizadores (visitantes e residentes) e realizadas entrevistas em profundidades com diferentes stakeholders do território, com as quais se pretende validar os SE já levantados, a identificar outros SE existentes, bem como verificar a “Disposição a Pagar” pelos SE oferecidos no território do geoparque.
Os referidos inquéritos e entrevistas já estão em aplicação. Os resultados serão apresentados em breve à comunidade do geoparque e à comunidade científica, pois além de identificar e classificar os serviços de ecossistema presentes na área de estudo, é importante divulgá-los e conscientizar a população ao seu respeito, para que os SE possam ser utilizados de forma sustentável, garantindo seu fornecimento e o bem-estar social de todos que deles se beneficiam direta ou indiretamente.