Introdução
A Intervenção Precoce (IP) pode ser definida, entre outras maneiras, como
um conjunto de serviços/recursos para crianças em idades precoces e suas famílias, que são disponibilizados quando são solicitados pela família, num certo período de vida da criança, incluindo qualquer ação realizada quando a criança necessita de apoio especializado para assegurar e incrementar o seu desenvolvimento pessoal, fortalecer as auto competências da família e promover a sua inclusão social (EADSNE, 2010, p.7).
Nas últimas décadas, com a expansão internacional dos programas de IP e o aumento do interesse dos governos por este tipo de cuidado, já não se discute sobre a sua importância, mas sim sobre quais são as práticas mais adequadas para responder às necessidades das crianças e de suas famílias (Fernandes, 2001; Guralnick, 2008, 2015, 2016; Serrano, 2007;).
Tal ponto reflete uma preocupação que tem acompanhado o processo de estruturação da própria IP, já havendo sido apontada por Meisels, em 1985, quando afirmou que a principal questão referente a ela não consistia em constatar sua eficácia, mas em compreender as práticas desenvolvidas e as pessoas beneficiadas por elas. Neste sentido, apontava ainda a importância de se conhecerem os modelos teóricos de desenvolvimento que embasavam os programas, assim como conhecer seus objetivos antes de se avaliar sua eficácia.
Outro importante aspeto destacado por Guralnick (1998) referia-se à impossibilidade, apesar da rápida expansão verificada, de afirmar a existência de um consenso sobre características que deveriam ser obedecidas pelos programas de IP, tornando-os marcados por diferenças em relação aos modelos teóricos de referência, gerando impacto diretamente sobre o tipo de público atendido, as práticas desenvolvidas, os critérios de avaliação, a formação dos profissionais, a possibilidade de envolvimento dos pais, entre outras questões.
Diante deste cenário, estabeleceu-se a necessidade de elaboração de delineamentos mais claros para as práticas de IP, fomentando o avanço dos estudos acerca da eficácia destes programas e a busca pelas melhores práticas (Guralnick, 1993; Meisels & Shonkoff, 2000). Tal esforço parece ter resultado em um consenso sobre os princípios que guiam os programas de sucesso, sendo eles a atenção às necessidades da família, a base comunitária, a integração dos contributos de múltiplas disciplinas e a capacidade de coordenar e planejar apoios e serviços a partir de uma perspetiva sistêmica (Fernandes, 2001).
Tomando por base a perspetiva de internacionalização de um sistema para a Intervenção Precoce, Guralnick (2008) amplia esse quadro, delimitando dez princípios estruturantes de qualidade para programas de IP: (1) Uma estrutura de desenvolvimento que abranja todos os componentes do sistema de Intervenção Precoce; (2) Integração e coordenação de todos os serviços de Intervenção Precoce; (3) Inclusão e participação das crianças e das famílias em atividades e programas da comunidade; (4) Deteção e identificação precoce de fatores de risco; (5) Vigilância e monitoramento do desenvolvimento como parte do sistema; (6) Planejamento de intervenções individualizadas para cada caso; (7) Avaliação dos serviços e intervenções; (8) Desenvolvimento de intervenções culturalmente apropriadas; (9) Adoção de Práticas Baseadas em Evidências; (10) Manutenção da perspetiva sistêmica.
Desta forma, segundo Serrano et al. (2010), as boas práticas de Intervenção Precoce não se encontram focadas apenas nas especificidades das crianças, mas incluem intervenções que englobam suas famílias e consideram o ambiente no qual estão inseridos, com vistas à promoção do desenvolvimento e qualidade de vida de todos os envolvidos.
Entre esses princípios, a adoção de práticas baseadas em evidências tem sido um dos pilares para a avaliação da qualidade técnica das equipas, a qual é um componente reconhecidamente importante para a implementação de práticas de ajuda eficazes (Buysse & Hollingsworth, 2009; Carvalho et al, 2016; Correia & Serrano, 2000; Guralnick, 2008).
Segundo Dunst (2009) e Dunst e Trivette (2009), as práticas baseadas em evidência são aquelas que utilizam a análise das produções disponíveis para selecionar as ações que serão empregadas no trabalho e não apenas a busca por evidências que apoiem uma prática já desenvolvida. Por essa perspetiva, as práticas baseadas em evidência podem ser definidas “pelos achados da pesquisa que demonstram uma relação entre as características e as consequências de uma experiência ou oportunidade, que dizem o que pode ser feito para produzir um resultado desejado” (Dunst, Trivette & Watson, 2008 citado por Dunst, 2009, p.46).
Nesse sentido, no campo da Intervenção Precoce, pode-se afirmar a existência de um corpo de conhecimento bastante robusto que evidencia a aplicação de Práticas Centradas na Família e desenvolvidas em contextos naturais como as que produzem melhores resultados (Carvalho et al, 2016; Dunst, 2000; Dunst & Bruder, 1999; Pereira, 2009). Contudo, estudos como o de Arroz (2015) têm evidenciado dificuldades na implementação dessas práticas, gerando uma lacuna entre o que se recomenda e o que de fato é implementado pelos profissionais (Almeida, 2011; Pereira, 2009; Pimentel, 2005).
No Brasil, estudos sugerem que essa lacuna encontra-se ainda maior, uma vez que os serviços de IP parecem permanecer estruturando-se pela lógica dos profissionais como detentores do conhecimento e crianças como alvo das intervenções, além de haver uma escassa literatura nacional sobre a temática (Bolsanello, 2003; Marini, Lourenço & Della Barba, 2017). Tais fatores parecem apontar para deficiências nos processos formativos dos profissionais (formação básica, especializada e continuada), o que, Segundo Pereira (2009), pode constituir uma das causas para a dificuldade de implementação de práticas baseadas em evidências no context da IP.
Assim, diante deste cenário, verifica-se que a garantia da qualidade técnica, incluindo a formação continuada e a adoção de práticas baseadas em evidência, tem sido identificada como mais um desafio a ser superado na direção da implementação de serviços com boas práticas em IP. Dessa forma, diante do reduzido número de estudos sobre a temática no Brasil, convém questionar: quais os referenciais têm sido empregados pelos profissionais de IP? Eles se reconhecem empregando práticas baseadas em evidências? Quais os desafios que identificam para a formação nesse campo?
Objetivo
O objetivo é identificar, pela ótica dos profissionais, quais os referenciais utilizados em suas práticas no campo da IP, se empregam práticas baseadas em evidências e quais os desafios relacionados à formação profissional.
Método
Trata-se do recorte de um estudo de metodologia transversal, descritiva e exploratória, de abordagem quali-quantitativa (Minayo, 2014). O estudo foi desenvolvido em duas etapas, sendo a primeira a identificação e caracterização dos serviços e equipas de Intervenção Precoce e a segunda um estudo exploratório com os profissionais que integram as equipas previamente selecionadas a partir da primeira etapa.
A seleção da amostra foi feita por conveniência, sendo a primeira etapa composta por serviços de Intervenção Precoce pertencentes a cada uma das cinco regiões abarcadas pelo Programa São Paulo pela Primeiríssima Infância, do estado de São Paulo, Brasil. Após a identificação das cidades que contam com estes serviços, foi realizado o contato telefônico com os coordenadores dos mesmos a fim de verificar se desenvolvem ações de Intervenção Precoce. Aos que desenvolviam, foi realizado o convite para participação desta pesquisa.
Assim, na primeira etapa do estudo participaram nove profissionais entre coordenadores e especialistas que integravam as referidas equipas de IP, os quais responderam três questionários online abarcando questões sobre as características do serviço (tempo de funcionamento, publico alvo, etc), características da equipa (profissionais, tempo de formação, etc) e participação das famílias nas diferentes etapas da intervenção).
A amostra da segunda etapa foi composta por equipas de profissionais que atuam em serviços de Intervenção Precoce participantes da primeira etapa. Foi selecionada uma equipa de cada uma das cinco regiões, utilizando como critérios as respostas aos quetionários no que se refere: a) A presença de indicadores de práticas centradas na família; b)Tempo de existência da equipa de IP, dando prioridade àquelas mais antigas; c) Composição da equipa, priorizando-se equipas com maior diversidade de profissionais. Os serviços de uma das regionais não atenderam aos critérios de inclusão nessa fase do estudo, portanto, foram incluídas apenas quatro equipas.
Nessa etapa participaram 23 profissionais, os quais responderam individualmente a uma entrevista, cujo roteiro semiestruturado foi desenvolvido pela pesquisadora e aplicado presencialmente nas dependências dos serviços de IP onde trabalhavam.
Os dados coletados na primeira etapa da pesquisa foram analisados por meio de técnicas de estatística descritiva, com o software Minitab Pro 16, tendo-se contado com o auxílio de um profissional com experiência na área estatística. Os dados coletados a partir da entrevista, na segunda etapa, foram estudados sob a perspetiva da Análise de Conteúdo (Bardin, 2011), na modalidade de Análise Temática.
Todos os instrumentos foram desenvolvidos pela pesquisadora e avaliados por juízes com experiência na área.
Esse estudo foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal de São Carlos, tendo sido aprovado sob o parecer no1.539.965, homologado em 11 de maio de 2016. A concordância em participar se deu por meio do preenchimento do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos profissionais nas duas etapas do estudo.
RESULTADOS
A etapa de caracterização contemplou as respostas de coordenadores de nove serviços de IP e permitiu identificar que as equipas que são compostas, em média, por 11 profissionais de diferentes especialidades com, no mínimo, seis e, no máximo, 17 especialistas. Ao todo, foram identificados 95 profissionais, pertencentes a 15 diferentes especialidades profissionais, sendo eles: 24 Fisioterapeutas, 18 Logopedas, 14 Psicólogos, 13 Terapeutas Ocupacionais, oito Assistentes Sociais, quatro Enfermeiros, três Pedagogos, dois Psicopedagogos, dois Odontólogos, dois Psiquiatras, um Pediatria, um Otorrinolaringologista, um Musicoterapeuta, um Nutricionista e um Neurologista (Quadro 1).
Especialidade/ Serviço | S1 | S2 | S3 | S4 | S5 | S6 | S7 | S8 | S9 |
Terapeuta Ocupacional | 2 | 1 | 1 | 1 | 2 | 1 | 1 | 2 | 2 |
Fisioterapeuta | 5 | 2 | 4 | 1 | 5 | 2 | 1 | 2 | 2 |
Logopedas | 5 | 3 | 1 | 1 | 2 | 2 | 1 | 2 | 1 |
Psicólogo | 2 | 0 | 2 | 2 | 3 | 1 | 1 | 2 | 1 |
Pediatra | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 0 | 0 | 0 |
Assistente Social | 1 | 0 | 1 | 1 | 1 | 2 | 1 | 1 | 0 |
Pedagogo | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 1 | 1 | 0 | 0 |
Enfermeiro | 1 | 0 | 1 | 0 | 1 | 1 | 0 | 0 | 0 |
Odontólogo | 0 | 0 | 1 | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 0 |
Otorrinolaringologista | 1 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 |
Psiquiatra | 0 | 0 | 1 | 0 | 0 | 1 | 0 | 0 | 0 |
Psicopedagogo | 0 | 0 | 2 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 |
Musicoterapeuta | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 0 | 0 | 0 | 0 |
Nutricionista | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 0 | 0 | 0 |
Neurologista | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 0 |
Total por serviço | 17 | 6 | 14 | 6 | 16 | 13 | 6 | 11 | 6 |
O tempo de funcionamento dos serviços de IP participantes é, em média, de 28 anos e dois meses, com mínimo de nove anos e máximo de 54 anos. Em relação ao tempo de existência das equipas de IP nos referidos serviços, observa-se que essas possuem, em média, 15 anos, variando entre um e 30 anos. Dessa forma, verifica-se uma variação média de 11 anos entre o tempo de funcionamento dos serviços e das equipas de IP. No Gráfico 1, a seguir, são mostrados os dados sobre o tempo de funcionamento dos serviços e da implementação das equipas de IP, os quais evidenciam que apenas três serviços (S1, S2 e S5) desenvolvem ações de IP desde sua fundação. Em dois casos (S3 e S6), os serviços só passaram a contar com as equipas de IP após mais de 30 anos de sua fundação.
Os componentes indicativos de práticas centradas na família foram avaliados de entre cinco categorias, as quais foram detalhadas segundo descrito abaixo:
A) Avaliação da criança (três itens): As famílias acompanham as crianças durante a avaliação? As famílias são informadas sobre os resultados das avaliações? As famílias discutem e escolhem junto com a equipa os melhores instrumentos para avaliação?
B) Planejamento das intervenções (dois itens): Auxiliam a equipa na elaboração do plano de intervenção? São informadas sobre os objetivos do plano de intervenção?
C) Desenvolvimento das intervenções (dois itens): Acompanham a criança durante a intervenção? Recebem orientações ou capacitações?
D) Reavaliação (dois itens): São informadas sobre a reavaliação e os resultados obtidos? Decidem, junto com a equipa, o melhor momento para fazer a reavaliação?
E) Planejamento da alta (três itens): São informadas sobre a alta? Decidem, junto com a equipa, o momento da alta? São orientadas sobre os serviços disponíveis para continuidade do cuidado?
Observa-se que, em sete dos nove serviços, as famílias são envolvidas em ações desenvolvidas no âmbito das cinco categorias. Nos outros dois serviços elas participam de ações de quatro categorias (Quadro 2).
Categorias/Serviços | S1 | S2 | S3 | S4 | S5 | S6 | S7 | S8 | S9 |
Avaliação da criança | 2/3 | 2/3 | 2/3 | 2/3 | 2/3 | 1/3 | 2/3 | 2/3 | 2/3 |
Planejamento das intervenções | 2/2 | 1/2 | 1/2 | 1/2 | 1/2 | 1/2 | 1/2 | 2/2 | 1/2 |
Desenvolvimento das intervenções | 2/2 | 2/2 | 2/2 | 2/2 | 2/2 | 2/2 | 2/2 | 2/2 | 2/2 |
Reavaliação da criança | 1/2 | 1/2 | 0/2 | 1/2 | 1/2 | 1/2 | 0/2 | 1/2 | 1/2 |
Planejamento da alta | 3/3 | 2/3 | 2/3 | 2/3 | 2/3 | 3/3 | 2/3 | 2/3 | 2/3 |
Total de ações | 10/12 | 8/12 | 7/12 | 8/12 | 8/12 | 8/12 | 7/12 | 9/12 | 8/12 |
Com base nos dados da primeira etapa, realizou-se a seleção dos serviços para participação na segunda etapa. Foram incluídos 23 profissionais, vinculados a quatro desses serviços (Quadro 3), os quais responderam individualmente a uma entrevista semiestruturada sobre diferentes etapas do processo de intervenção (Referenciação, Primeiros contatos, Avaliação, Desenvolvimento do Plano de intervenção, Implementação e monitoramento, Avaliação dos resultados, Transição e Qualidade técnica). Para efeito de apresentação dos resultados, a análise contida nesse artigo refere-se às questões sobre Qualidade Técnica das equipas, a saber:
A) Você emprega referenciais específicos na sua prática de Intervenção Precoce (segue algum modelo, alguma abordagem)? Fale sobre o referencial adotado.
B) Se sim, você recebe/recebeu alguma formação específica para a utilização desse referencial?
C) Você considera que faz uso de Práticas Baseadas em Evidências? Fale sobre isso.
D) Se sim, quais os desafios que você encontra? Se não, quais os desafios você considera que existem para a adoção desse tipo de prática?
Participante | Sexo | Profissão | Tempo de vinculação |
---|---|---|---|
P1 | Feminino | Logopeda | Dois anos |
P2 | Masculino | Terapeuta Ocupacional | Nove anos |
P3 | Feminino | Fisioterapeuta | Um ano e seis meses |
P4 | Feminino | Psicóloga | Quatro anos |
P5 | Feminino | Enfermeira | Três anos |
P6 | Feminino | Fisioterapeuta | Um ano e seis meses |
P7 | Feminino | Fisioterapeuta | Dez anos |
P8 | Feminino | Logopeda | Nove anos |
P9 | Feminino | Fisioterapeuta | Cinco anos |
P10 | Feminino | Terapeuta Ocupacional | Oito anos |
P11 | Feminino | Nutricionista | Seis anos |
P12 | Feminino | Fisioterapeuta | Dez anos |
P13 | Feminino | Logopeda | Doze anos |
P14 | Feminino | Psicóloga | Um ano |
P15 | Feminino | Terapeuta Ocupacional | Dois anos |
P16 | Feminino | Logopeda | Um ano |
P17 | Feminino | Fisioterapeuta | Dezasseis anos |
P18 | Feminino | Assistente Social | Dois anos e seis meses |
P19 | Feminino | Psicóloga | Quatro anos |
P20 | Feminino | Fisioterapeuta | Oito anos |
P21 | Feminino | Pedagoga | Um ano e quatro meses |
P22 | Feminino | Logopeda | Cinco anos |
P23 | Feminino | Terapeuta Ocupacional | Cinco meses |
Os dados analisados revelaram que os profissionais têm utilizado diferentes referenciais para sustentar sua prática na IP, que em geral estão relacionados à área específica de formação e selecionados segundo as características da criança. No entanto, esses referenciais permanecem circunscritos aos conhecimentos do funcionamento e desenvolvimento biológicos, o que parece refletir diretamente sobre o tipo de prática que desenvolvem, como verificado nos excertos abaixo.
“Olha, técnica, eu uso mais o Bobath mesmo, em alguns casos que são mais específicos, né? A gente faz uma salada tão grande de coisas, que a gente perde até ... eu não sei se a gente perde uma identidade ou se a gente ganha um novo conceito de pluralidade de abordagens, sabe? De enxergar a.. a... a pessoa de um jeito diferente. É... já fiz uma porção de cursos, de técnicas, não sei o quê e tal, mas a gente vê que não tem uma coisa só, né? Isso, então, Brunnstrom, Kabat, não é? Umas coisas assim, interessantes e tudo, mas que não funcionam pra todo mundo. Aí, quando você pega um pouquinho de cada um, você consegue uma coisa legal, né? Assim, por formação, pensando em técnica específica eu uso do Bobath que fala do desenvolvimento, trabalha aquelas etapas todas, serve pra tudo, as chaves de controle me servem desde eu avaliar um bebê recém-nascido pra ver se tem algum reflexo patológico grave, até o adulto” (P2)
“Olha, na verdade, específico não. A gente tem mais ou menos, todo mundo ..todo... a maior parte, pelo menos dos fisioterapeutas que trabalham com crianças eles têm muito o Bobath como referência, né? Então a nossa referência é, até hoje, o Bobath, né? Então, assim, a gente usa muitas técnicas, né?” (P6)
“Cada área usa um pouco da sua... mas não específico, né? De protocolos de referenciais de trabalhos com estimulação precoce, de literatura de estimulação precoce, não.” (P12)
“Eu uso as técnicas do Bobath, da Integração Sensorial, e da... neuropediatria, né? Que... que são as bases que eu tenho.” (P13)
Alguns relatos evidenciam que, apesar da referência ao uso de técnicas específicas que requerem uma formação a nível de especialização, os conhecimentos empregados pelos profissionais foram, em sua grande parte, adquiridos na formação básica ou na troca de experiências com outros profissionais.
“É. Geralmente o Bobath. E aí entre outras técnicas, bandagem funcional, mas geralmente é o Bobath, eu uso o Bobath mesmo. (...) Eu tive base de faculdade, tudo isso, mas não tenho o curso.” (P3)
“Embora eu, por exemplo, nunca tenha feito o curso, né? O Bobath mesmo. Mas na faculdade você já tem professores que são (Especialistas na técnica), supervisores de estágio que são, né?” (P6)
“Usa algumas coisas do Bobath, né? Que é o clássico, né? Da estimulação. Não tenho a formação específica, mas, assim, conheço alguma coisa que a fisioterapeuta me passou, a terapeuta ocupacional, né?” (P7)
Nesse sentido, identificam-se limitações e falta de incentivo para o acesso dos profissionais à formação continuada, mesmo nos casos em que os cursos são disponibilizados em plataforma virtual, como os lançados pelo sistema AvaSUS.
“Então a gente sente falta disso, né? De .. até tem algumas capacitações, igual essa, online, que dava pra gente fazer mas, a gente fica sem tempo, né? A gente não tem um estímulo, né? [...] É o maior desafio, pra falar bem a verdade.” (P7)
“Até mesmo o incentivo mesmo, financeiro. Mas pela prefeitura fica mais difícil. Quando a gente vai atrás, mesmo, e a gente faz os cursos, né? Então é difícil. Tem esses assim, do próprio governo, que é online, é gratuito, que eles oferecem pra gente, sempre entrega um folhetinho, que a Secretaria repassa pra ... mas é.. esses mais específicos, né? Em... em locais de nome e tudo mais, é a gente que tem que ir atrás mesmo.” (P8)
“Até profissional que vai fazer especialização, é...alguns casos, ah... a prefeitura não dispensa. Ou tem que trabalhar outro dia, ou desconta no salário.[...] Acham que o profissional não precisa se readequar, que o profissional não precisa aprender.” (P9)
“É... agora a gente está recebendo uns cursos, inclusive teve uma... um curso aí do AvaSUS... agora está tendo o curso do AvaSUS. Eu.. eu não estou fazendo [...] Mas até... eu até tinha começado, mas acabei parando, porque a minha demanda agora não é tanto pediatria, e eu fui contratada para trabalhar com neuropediatria e a minha maior demanda é AVE.” (P10)
“Então, a gente está sempre lendo, mas assim, por iniciativa nossa. Então a gente sempre troca material, troca informação, pesquisa, mas aí é cada um por si, sabe? Se eu tenho interesse eu vou lá, busco material, estudo, pego um livro, busco um livro. Mas aí é cada um.” (P15)
“Que eu precisaria, tipo métodos, né? Mas, assim, fora (do município), isso tudo eu que tenho que pagar, então fica mais complicado.” (P21)
Os participantes dessa pesquisa referiram ter dificuldade para realizar uma atualização frequente e em alguns casos demonstraram desconhecimento da terminologia “práticas baseadas em evidência”, o que permite inferir que essa não é uma linguagem acessível e presente no cotidiano desses serviços.
“Com as crianças nas questões de aprendizagem, é.. a gente faz mais esse tipo de ... de revisão de literatura, de .. vai ter que sentar a bunda na cadeira e pesquisar, não tem outro jeito. Os autistas são o maior desafio pra mim.[...] Essa também é outra coisa que, às vezes, me fez buscar as referências dentro dos protocolos. Hoje a gente tem quatro, cinco, seis, por mês. Entradas de caso de autismo. Isso mexe um bocado com as necessidades, com as demandas. Porque não é uma coisa, assim, que são todos iguais, não. Ninguém é igual. Mas os desafios são muito diferentes.” (P2)
“Como assim práticas baseadas? Eu ainda não entendi“(P15)
“Seria importante ter, né? Um .. uma experiência, né? Ter uma outra visão e estar por dentro, né? Da atualidade e coisas científicas, enfim. Mas a gente não tem muito no nosso dia a dia.” (P15)
“Eu não consigo responder essa sua pergunta (risos). Então, estimulação essencial, ela não muda, né? Porque o ser humano também. Primeiro ele segura a cabeça, depois ele rola, depois ele segura o tronco, depois ele, né?” (P9)
“Olha, não muito. Não muito, vou ser bem sincera, pela correria, pela rotina que a gente tem aqui, às vezes em casa, quando dá uma ... brechinha, assim, mas dizer que a gente tem constante (acesso aos materiais), não temos não.” (P18)
“Sim, eu tenho... tenho ... tenho lido, né? Alguma coisa que... algum artigo de novidade, é.. alguma coisa que... que tem surgido na... na... eu pesquiso, muito na internet. Então tenho lido bastante sobre as intervenções. Mas não é sempre que dá pra gente fazer, né? Por questão de instrumento, mesmo, e por questão de, às vezes, a gente não tem o... é... a possibilidade de um curso, de um aperfeiçoamento próximo da nossa cidade, é sempre muito longe, ás vezes muito caro também, então tem todos esses fatores que acaba que não dá pra gente estar atualizada em tudo. Mas tenho visto muitas... lido sobre muitas coisas, assim, que tem me colaborado também.” (P20)
Nesse contexto, como verificado nas falas abaixo, os profissionais sinalizam que as limitações para o desenvolvimento desse tipo de prática estão relacionadas desde o caráter de atendimento generalista, à falta de acesso à capacitação e sobrecarga da demanda institucional.
“Quando a gente fala nas práticas baseadas em evidências você supõe que você vai ter o material certo pra fazer a intervenção. O local certo pra você fazer a intervenção, uma equipa devidamente capacitada pra fazer aquela intervenção, né? Não dá mais pra trabalhar do mesmo jeito que você trabalhava há vinte anos atrás, quando eu saí da faculdade. Num dá mais a mesma coisa. Então, o desafio é aqui e agora. O desafio é ter condições de fazer o que você tem que fazer, é ... com a dificuldade de fazer um congresso, às vezes. A dificuldade pra você ter esse apoio, dar o suporte que a gente precisa pra fazer é muito grande. A gente vai porque a gente tem interesse, não é? [...] A gente vai fazer congresso porque a gente foi atrás, né? Paguei as diárias do meu bolso [...] (P2)
“Então, assim, em recursos humanos, capacitação continuada a gente não tem, que é outra coisa que não adianta implantar o método e não ter capacitação. Então a gente também não tem é... e a gente não tem só um público. [...] Então eu vejo esses pontos como dificultador de implantar alguma coisa. [...] Sempre tem evidências de que você tem que mudar, de que você tem que fazer, e aí? Você está especializado naquele método que você aprendeu há dez anos atrás, né? Então, aqui, eu sempre falei, a gente não tem um método, assim, se fala de currículo funcional mas, assim, eu nunca fui capacitada pra tal. Aqui, tá? Já li, mas isso não é uma capacitação continuada.” (P19)
“É.. primeiro é o aperfeiçoamento, né? Que pra gente desenvolver uma prática, uma técnica, não basta só você ler também ou você ver algum videozinho na internet de... como é feita. Então, essas ... esses cursos, pra nós, na nossa região, é sempre muito complicado. Ou pela distância ou pelo custo, também, né? E... nem sempre que a gente está preparada pra isso também. Então, essa é a dificuldade que a gente encontra, assim.” (P20)
Discussão
A qualidade técnica da equipa e o desenvolvimento de práticas baseadas em evidência são considerados importantes indicadores de boas práticas em IP (Buysse & Hollingsworth, 2009; Carvalho et al, 2016; Guralnick, 2008). Nesse sentido, aponta-se que, além da diversidade de profissionais que compõem a equipa, a qualidade técnica refere-se à adoção de um referencial sólido que sustentará as intervenções desenvolvidas, necessitando, para tanto, de uma excelente formação básica e continuada (Buysse & Hollingsworth, 2009, Pereira, 2009).
Quanto à qualidade técnica das equipas de Intervenção Precoce participantes desse estudo, os resultados demonstraram predominância do emprego de referenciais vinculados ao modelo médico/reabilitativo, o que parece impactar diretamente sobre as práticas desenvolvidas. Nesse sentido, os resultados corroboram com os achados de Bolsanello (1998), a qual verificou que, com base na eleição dos objetivos da estimulação precoce e do desenvolvimento de práticas pautadas na estimulação, pelas participantes de sua pesquisa, “pode-se supor que esses procedimentos lhes foram transmitidos pelos cursos e leituras que efetuaram e que, por conseguinte, vêm a embasar o exercício profissional das mesmas” (p. 82).
Tal constatação demonstra que, apesar das quase duas décadas de intervalo entre os estudos, não se verifica uma mudança de paradigma nos referenciais que compõem a formação dos profissionais que atuam em IP no Brasil, mantendo-se os objetivos do trabalho vinculados a características do desenvolvimento biológico dentro de uma perspetiva reabilitativa. Dessa forma, segundo Bolsanello (2003)
Observa-se que os profissionais utilizam o que sabem sobre o desenvolvimento infantil, não como parte daquilo que devem conhecer amplamente para a sua própria referência no processo de intervenção, mas sim para organizar roteiros de atividades que se constituem em objetivos a serem alcançados pelo bebê, a fim de promover o seu desenvolvimento ou corrigir os déficits que possam apresentar (p.347).
A esse respeito, Palácios, Maia e Fiamenghi Júnior (2003) apontam que a formação básica dos profissionais ainda se mantém atrelada à um modelo de diagnóstico e conduta, o que evidencia uma falha logo em seu estágio inicial.
Partindo do pressuposto de que as práticas refletem o processo de formação, o estudo conduzido por Bobrek (2014) evidenciou que a maior parte dos profissionais que trabalham em estimulação precoce afirmam não receber nenhum preparo para essa atuação durante o curso superior, ou quando o recebem o consideram insuficiente/superficial. Esse cenário faz com que os profissionais se sintam despreparados para o atendimento, uma vez que desenvolvem atividades para as quais não foram capacitados, exigindo novas qualificações que os levam à adoção de uma gama ainda maior de referenciais para sustentar essas práticas (Bobreck, 2014; Bolsanello, 1998, 2003).
Pereira (2009) discute que as especializações em variadas áreas não produzem conhecimentos suficientes para responder com qualidade às demandas das crianças e famílias que são atendidas nos programas de IP, uma vez que suas necessidades estão em constante transformação. Dessa forma, aponta que tal característica indica a necessidade de uma contínua capacitação em serviço, através da qual os profissionais possam alinhar as práticas e conhecimentos adquiridos, em um processo contínuo.
No que se refere à capacitação dos profissionais para a atuação em IP, os resultados do presente estudo reforçam os achados de Bolsanello (1998) e Bobrek (2014), as quais verificaram que esses profissionais se fundamentam em múltiplos processos formativos, nas trocas de experiências com outros profissionais e nos resultados de práticas desenvolvidas anteriormente, sendo que os elementos informais de capacitação têm se destacado em comparação à qualificação formal. Quanto à essa característica, destaca-se que
Isso parece indicar a importância do compartilhamento de informações para dar conta de um tipo de trabalho que é complexo, especializado e envolve uma multiplicidade de saberes. Assim, o trabalho em equipa com discussão de casos e grupo de estudos fornece maiores subsídios para desenvolver o trabalho. (Bobreck, 2014, p. 63).
A formação continuada em serviço também tem sido apontada como eficaz e necessária por outros autores, como Bairrão e Almeida, 2003 os quais apontam que
Esses aspectos referentes à formação proporcionada em diferentes níveis a profissionais que estão no campo, são fundamentais para melhorar as suas práticas. Por exemplo, uma formação em serviço prestada através de uma supervisão bem organizada e estruturada poderá dar uma grande contribuição ao nível da qualidade das práticas. Um trabalho continuado, quer em termos de supervisão, quer em termos de formação conjunta das equipas, é fundamental se nos quisermos aproximar de um modelo de trabalho em equipa transdisciplinar, tal como hoje se recomenda em IP (2003, p.25).
Dentro dessa conceção, destaca-se a importância da supervisão enquanto um elemento com potencial para “melhorar as práticas dos profissionais, desenvolver novas competências e proporcionar uma aprendizagem e auto-avaliação contínuas” (Serrano et al, 2010, p. 16). Ainda segundo Wollenburg (1992 citado por Serrano et al, 2010), ela é um processo através do qual os profissionais podem, contínua e regularmente, refletir acerca de suas intervenções e ser apoiados e encorajados por outros membros da equipa em busca dos melhores procedimentos e do crescimento profissional.
Serrano et al, (2010) apontam que, para que essa supervisão seja eficaz, é necessário que ela seja criativa para se adaptar aos diferentes profissionais e suas variadas demandas e não se limitar a orientações. Dessa forma, uma supervisão de qualidade respeita e reconhece as necessidades da equipa, encorajando a comunicação recíproca e a resolução conjunta de problemas e, simultaneamente, assume que a equipa é capaz e está motivada para crescer. (...) facilita o aperfeiçoamento contínuo do programa e está atenta às necessidades de formação, reconhecendo-as e satisfazendo-as, sempre que possível (Serrano et al, 2010, p. 17).
Além da supervisão, outro elemento que tem se destacado dentro do processo de capacitação continuada, é a necessidade de promoção de uma atualização frequente em relação aos conhecimentos científicos produzidos nas diversas áreas de atuação, elemento que caracteriza a adoção de práticas baseadas em evidências (Guralnick, 2008). Nesse contexto, espera-se que o profissional aplique esses conhecimentos “como base para a tomada de decisões sobre a assistência em saúde” (Galvao & Sawada, 2003, p.57).
A despeito de alguns autores indicarem que as evidências de melhor qualidade para a intervenção são verificadas a partir de estudos experimentais randomizados (Closs & Cheater, 1999; Dickersin, Sherer & Lefebure, 1994; Galvao, Sawada & Mendes, 2003), Dunst (2009) aponta que elas podem estar presentes em qualquer tipo de estudo, desde que determinado resultado esteja associado à uma prática, ou seja, “uma prática baseia-se em evidências quando os resultados de diferentes estudos da mesma prática se replicam e mostram que as mesmas características da prática estão relacionadas com os mesmos resultados” (p. 46).
Contudo, apesar da reconhecida importância atribuída à capacitação continuada e à adoção de práticas baseadas em evidência, essas ainda representam um desafio aos profissionais que estão no campo. Os resultados apresentados no presente estudo evidenciaram que limitações relacionadas ao tempo, custo, necessidade de deslocamento, demandas profissionais e a falta de incentivo por parte dos serviços onde trabalham são alguns dos fatores que impactam diretamente na qualidade técnica.
A ausência de incentivos à formação continuada também foi relatada como preocupação por um dos participantes no estudo de Bobrek (2014), onde foi listada como uma limitação ao desenvolvimento do trabalho em estimulação precoce.
Cabe aqui pontuar que a questão colocada está muito além de ser exclusiva dos profissionais que atuam diretamente em Intervenção Precoce. Batista e Gonçalves (2011) apontam que a formação dos profissionais de saúde (maioria dentre os participantes desse estudo)
ainda está muito distante do cuidado integral. O perfil dos profissionais de saúde demonstra qualificação insuficiente para a mudança das práticas. Uma necessidade crescente de educação permanente para esses profissionais com o objetivo de (re) significar seus perfis de atuação para implementação e fortalecimento da atenção à saúde no SUS é um grande desafio (Batista & Gonçalves, 2011, p. 886)
Diante dessa colocação, aponta-se a necessidade de investimento em programas de formação continuada que se orientem pelas especificidades de cada serviço e da população por ele atendida, objetivando não apenas a transmissão de conhecimentos técnicos, mas focalizando também nos aspectos pessoais, valores e ideias dos profissionais, os quais influenciam substancialmente as práticas desenvolvidas (Batista & Gonçalves, 2011).
Tais necessidades justificam-se por achados como os de Bolsanello (1998), que identificou em seu estudo sobre as conceções e o modo de atuação dos profissionais em estimulação precoce, que apenas 13% dos participantes consideravam a competência profissional (embasamento teórico, competências técnicas e experiência do profissional) um elemento fundamental para o atendimento, contra 23% que elegeram o amor do profissional como elemento mais importante. Os resultados de Bobrek (2014), por sua vez, demonstram um avanço em relação a essas conceções, com maior valorização do conhecimento técnico. No entanto, características pessoais como o envolvimento do profissional continuam despontando entre os elementos considerados importantes para um bom atendimento em IP.
Dessa forma, segundo Brasil
As demandas para a capacitação não se definem somente a partir de uma lista de necessidades individuais de atualização, nem das orientações dos níveis centrais, mas prioritariamente desde a origem dos problemas que acontecem no dia a dia, da organização do trabalho em saúde. Desse modo, transformar a formação e a gestão do trabalho em saúde não pode ser considerado uma questão simplesmente técnica, pois envolve mudanças nas relações, nos atos de saúde e, principalmente, nas pessoas (2004a, p.10).
Com vistas a essas demandas, verifica-se que algumas ações têm sido desenvolvidas pelo Ministério da Saúde, como a implantação, por meio da Portaria GM/MS no 1.996 de 20 de agosto de 2007, da Política de Educação Permanente em Saúde, a qual tem por objetivo transformar as práticas dos profissionais e a própria organização do trabalho nos serviços da rede pública de saúde, de modo a aproximá-las das demandas das pessoas e populações. As ações referentes a essa política têm sido implementadas por meio do envolvimento das três esferas do governo, dentro de um modelo de organização de Polos de Educação Permanente e Colegiados de Gestão Regional, sendo 63 desses Colegiados presentes no estado de São Paulo (Batista & Gonçalves, 2011; Brasil, 2007).
Uma outra estratégia recentemente adotada foi a disponibilização de cursos, materiais de consulta e realização de fóruns através de plataformas online, como o AVASUS (Ambiente Virtual de Aprendizagem do SUS), o TeleSaúde Brasil Redes, o UNA-SUS (Universidade Aberta do SUS) e os portais Comunidade de Práticas e Saúde Baseada em Evidências. Esse tipo de estratégia tem por objetivos ampliar e democratizar o acesso à formação em saúde, construir conhecimentos a partir da troca de experiências entre os profissionais que atuam na rede e promover o acesso ao conhecimento científico e técnico atualizado.
Nota-se, no entanto, que apesar dos esforços em desenvolver estratégias para a capacitação, essas ainda são de limitada abrangência (executadas apenas na área da saúde) e parecem pouco significativas para os profissionais aos quais se destinam, o que pode indicar que não têm atendido às suas demandas práticas. No contexto da IP, outras possíveis hipóteses para a baixa adesão à capacitação parecem remeter novamente à necessidade de incentivo apontada pelos participantes desse estudo e por Bobrek (2014), bem como à pouca disponibilidade na oferta de cursos aos profissionais, sobrecarga da demanda institucional e atendimento generalista, suposições tais que indicam a conveniência de investigações que se debrucem em profundidade sobre a temática.
Em relação ao emprego das práticas baseadas em evidência, Tegethof (2007) aponta que o distanciamento existente entre os profissionais que estão na prática e o conhecimento científico produzido na academia pode se dar por duas razões:
a primeira tem a ver com o fato de a maioria das sínteses de investigação realizadas serem feitas para os investigadores e não para os que estão na prática e a segunda resulta do fato destes últimos, normalmente, não as consultarem ou, quando o fazem, as considerarem de utilidade duvidosa (p.86)
Considerações finais
Diante das questões colocadas, evidencia-se que a formação profissional, assim como o acesso e emprego de referenciais atualizados constituem importantes dificuldades enfrentadas por profissionais atuantes no campo da Intervenção Precoce. Nesse sentido, muitos dos esforços empreendidos na superação desses obstáculos partem dos próprios profissionais de maneira independente, o que pode levá-los a adotar referenciais variados, mesmo trabalhando em um mesmo serviço. Dessa forma, verifica-se a importância de promover a qualificação do corpo técnico dos serviços de IP não apenas para o atendimento de questões específicas apresentadas pelas crianças, mas para um trabalho em lógica sistêmica e que esteja fundamentado em conhecimentos científicos, potencializando sua capacidade de adotar práticas baseadas em evidências