Introdução
Quando o assunto é educação, parece que todos já possuem uma opinião formada quanto ao que a educação deveria ser, o que poderia ensinar, o que seria importante saber; todos parecem conhecer os seus problemas, mas dificilmente há alguma proposição que seja capaz de promover um salto qualitativo nas ações desenvolvidas. Talvez isso ocorra em virtude de toda proposta apresentar algum nível de fragmentação, afinal, a educação não é entendida como um processo constante e ininterrupto, que se desenvolve ao longo de toda a vida dos indivíduos, pelo contrário, ela é entendida como etapas de conhecimento.
Aliás, seria possível dizer que a maior parte das propostas educacionais, além de apresentar etapas e diferentes níveis de fragmentação, não possuem em suas premissas a perspectiva de entender a educação como o desenvolvimento contínuo de uma série de processos, onde a escola fornecerá antes de qualquer coisa a capacidade de análise, de crítica, de raciocínio pois, se os discentes conseguem entender a lógica de como as coisas funcionam, as linguagens, as tecnologias, mesmo havendo uma mudança de prisma, eles serão capazes de compreender as mensagens, acessar as tecnologias e entender os novos enfoques, desse modo, além do conteúdo, foram trabalhadas as capacidades de análise e reflexão.
E por mais que ser reflexivo pareça algo natural, ao longo da nossa vida escolar, somos condicionados a deixar o que seria algo natural de lado, na aposta de que a apresentação de conteúdos em forma de disciplinas poderá suprir qualquer necessidade que o indivíduo tenha, sendo que as disciplinas não são pensadas de forma que seja possível entender as suas interseções e compreender as relações que umas desenvolvem com as outras. Na verdade, elas são desenvolvidas para mergulhar cada vez mais em direção ao centro de seus próprios conhecimentos, como se a especificidade fosse capaz de compreender a complexidade.
O refletir de forma interdisciplinar não é incentivado e acabamos deixando de perceber que tudo está interligado e, assim, seguimos reproduzindo partes desconexas de um todo, que acabam perdendo facilmente o seu sentido. Lógico que pensar em uma proposta interdisciplinar na educação não é uma tarefa fácil, pois isso requer o uso de concepções investigativas desde o início da vida escolar, que devem ser mantidas e incentivadas por todo o percurso acadêmico, caminhando para além do pensamento abissal, como diria Santos (2007), pois não oferecer uma educação emancipadora é negar a possibilidade do indivíduo crescer como discente e também como cidadão. E é tentando superar o abismo que separa a educação fragmentadora, da educação interdisciplinar emancipadora, que propomos algumas reflexões sobre os processos de formação de professores, afinal,
Afirmar que os homens são pessoas e que, enquanto pessoas, devem ser livres, mas não fazer nada para que esta afirmação se torne realidade, sem dúvida, é uma comédia. Somente os oprimidos podem libertar os seus opressores, libertando-se a si mesmos. Eles, enquanto classe opressora, não podem nem libertar-se, nem libertar os outros. É pois essencial que os oprimidos levem a termo um combate que resolva a contradição em que estão presos, e a contradição não será resolvida senão pela aparição de um “homem novo”: nem o opressor, nem o oprimido, mas um homem em fase de libertação. Se a finalidade dos oprimidos é chegar a ser plenamente humanos, não a alcançarão contentando-se com inverter os termos da contradição, mudando somente os polos (FREIRE, 1979, p. 31).
Portanto, pensar em uma educação interdisciplinar emancipadora é antes de tudo uma questão política, pois ao propor uma lógica que não seja embasada em disciplinas, ela abre precedente para a autonomia do sujeito, logo, é uma educação direcionada para fornecer recursos para que o indivíduo possa desenvolver um raciocínio crítico-reflexivo, para que ele tenha condições de questionar situações, de sugerir mudanças e desenvolver ações que possam contribuir para o desenvolvimento de toda a sociedade em que ele está inserido.
A formação de professores: entre dilemas e necessidade de mudança
De acordo com Foucault (2004), o poder é algo imaterial, porém, ele exerce a sua força por meio das instituições, que empregam uma série de mecanismos pelos quais atuam, sendo esses últimos sistematizados por procedimentos que fazem com que o domínio do poder esteja presente pelo desenvolvimento da ação sobre ações, ou seja, pelo efeito da disciplina, onde ela tem o efeito de disciplinar, tornando as relações de poder mais claras, como na organização das forças individuais, no fracionamento de tempo, na distribuição espacial e no controle de atividades, que levam à padronização e massificação da sociedade.
Dentro das relações educacionais, as ações disciplinares podem ser identificadas nas diretrizes das agências internacionais multilaterais, nas políticas públicas educacionais e na destinação de orçamentos públicos para a educação, por exemplo. E dentro do ambiente escolar, entre os mecanismos de poder, temos os horários estabelecidos para o desenvolvimento das atividades, currículos, disciplinas, salas específicas, carteiras enfileiradas e uniformes.
As reflexões de Foucault (2004) sobre os sistemas de ordem disciplinar histórico e socialmente instituídos nas sociedades remetem à eficiência e utilidade econômica, pois em meios organizados, padronizados, massificados, os custos relacionados aos serviços prestados são menores. A ordem também tem a finalidade de adestramento, sendo que tal mecanismo exerce uma força tão grande que, depois de instituída, ela passa a ser entendida como desejável, correta, verdadeira, até que o hábito, ou o costume, a transforme no padrão, então ela deixa de ser contestada e, quando chega nesse ponto, estamos totalmente doutrinados, pois temos a ordem como uma verdade, esquecendo que as teorizações foucaultianas revelam que a verdade é uma invenção, visto que a sua validade depende do momento histórico em que ela foi introduzida na sociedade, logo, ela não tem como ser absoluta, pois ela só é a verdade em relação a um determinado tempo.
Consequentemente, por analogia, é possível dizer que as verdades de um momento histórico constituem o que Bourdieu (2011) chamaria de habitus, que seria a capacidade dos sentimentos, dos pensamentos e das ações dos indivíduos de assimilar determinadas estruturas sociais. Desta forma, o habitus é um sistema aberto de posicionamentos socialmente constituídos dentro das experiências sociais e estruturas relacionais dos indivíduos, sendo que tais experiências e estruturas devem ser entendidas em relação a todas as dimensões da vida dos indivíduos, ou seja, corpóreas, familiares, religiosas, materiais, culturais, simbólicas, políticas, econômicas, educacionais etc., portanto, o habitus vai além do agente, pois enquanto princípio gerador e unificador das ações, percepções e ideologias, perpassa todas as instâncias nas quais ele está inserido, logo
O princípio unificador e gerador de todas as práticas e, em particular, destas orientações comumente descritas como “escolhas” da “vocação”, e muitas vezes consideradas efeitos da “tomada de consciência”, não é outra coisa senão o habitus, sistema de disposições inconscientes que constitui o produto da interiorização das estruturas objetivas e que, enquanto lugar geométrico dos determinismos objetivos e de uma determinação, do futuro objetivo e das esperanças subjetivas, tende a produzir práticas e, por esta via, carreiras objetivamente ajustadas às estruturas objetivas. (BOURDIEU, 2011, p. 201 e 202).
Dessa forma, enquanto um sistema de disposições inconscientes que resultam da interiorização das estruturas objetivas de nosso pensamento, o habitus é o princípio gerador de nossas práticas, orientando as nossas escolhas e o nosso agir quanto à tomada de decisões nas situações mais variadas.
E partindo das reflexões acima, temos que o conceito de educação e a escola enquanto ambiente formativo são instituições socialmente construídas e dominadas por mecanismos de poder, que visam a ordenar as aspirações dos indivíduos conforme os padrões estabelecidos como corretos pelos interesses políticos, econômicos e sociais de uma determinada sociedade, em um momento histórico específico, gerando um habitus daquela época.
Neste aspecto, segundo Gatti, Barreto e André (2011), Libâneo, Oliveira e Toschi (2012), Saviani, Sanfelice e Lombardi (2005), 40, 2012), Gentili (2005), Kuenzer (2005), Santos (2011), Sguissardi (2006, 2008), Chauí (2001, 2003), Catani, Oliveira e Dourado (2001), Dourado e Catani (1999), Dourado (2002) e Cury (2002, 2014), as ações educacionais brasileiras, historicamente foram e continuam sendo influenciadas tanto por grupos internos que representam interesses políticos e econômicos, quanto pelas designações das agências internacionais multilaterais que acabam sendo refletidas nas políticas públicas educacionais e, consequentemente, nos programas, metodologias de ensino e nos currículos adotados.
E, ainda com relação aos currículos, Saviani (2005, 2012) e Libâneo, Oliveira e Toschi (2012) destacam que, assim como acontece com o desenvolvimento das políticas públicas, os currículos também são desenvolvidos segundo as determinações políticas, econômicas, sociais e ideológicas da sociedade em que estão inseridos, que também estabelecem os objetivos e as ações que serão trabalhadas nas escolas. Consequentemente, os currículos operam dentro de uma esfera de poder, portanto, eles estão sujeitos a disputas entre grupos de interesse, que querem submeter a questão educacional às suas convicções ideológicas, em um determinado momento histórico, que atualmente significa entender a educação dentro de um contexto globalizado, tecnológico, capitalista e neoliberal.
Gatti e Barreto (2009) afirmam que os currículos dos cursos de pedagogia e das licenciaturas pecam ao tentar introduzir todas as orientações estabelecidas pelas políticas de formação de professores em uma matriz curricular desenvolvida ao longo de apenas três anos, como acontece na maioria dos cursos atualmente, pois isso pode levar a simplificações que comprometam a formação desses profissionais. E se ainda considerarmos que muitos desses cursos seguem modelos bacharelescos, onde há um enaltecimento das áreas científicas, em detrimento da docência, temos uma situação que contribui para fragmentar ainda mais a formação de professores e favorecendo a anulação de qualquer tipo de reflexão quanto ao papel social do docente, afinal, uma situação em que
O licenciando é um pingente pendurado em duas canoas, com identidade problemática: especialista em área específica ou professor? Matemático ou professor de Matemática? Geógrafo ou professor de Geografia? Físico ou professor de Física? As faculdades, centros ou departamentos de Educação funcionam para os institutos ou departamentos básicos como apêndice, às vezes até incômodo. Não seria o caso de começar a pensar a formação do professor em outras bases institucionais, de natureza realmente interdisciplinar? (GATTI, 1992, p. 72).
Sacristán (1995, 1999) salienta que ações educacionais sempre sofreram influências externas, onde o autor faz uma comparação da educação com o desenvolvimento de outros aspectos culturais adquiridos socialmente, como por exemplo os hábitos alimentares, pois todas essas questões foram sendo desenvolvidas de acordo com as necessidades apresentadas para a sociedade, em um determinado tempo e espaço, portanto, a partir do estabelecimento de uma cultura baseada em costumes, princípios, crenças e atitudes, temos também um conjunto de significados e valores atribuídos para os conceitos gerados em tais construções dentro daquela sociedade e, entre elas, a educação. O autor ainda reforça que, habitualmente, os discursos sobre o trabalho do professor desconsideram o quanto as ações educacionais estão sujeitas às intervenções externas, onde
Na assimilação cultural do pedagógico há uma componente idiossincrática (autobiográfica), que afecta os professores e os restantes actores educativos. Neste contexto, a cultura profissional codificada deve entender-se, sobretudo, como um meio do jogo de influências educativas e como uma fonte privilegiada de interpretação dos factos pedagógicos. Daí a importância profissional da origem social dos professores, que fazem parte de um mundo cultural onde existem múltiplas referências aos conteúdos e aos métodos de educação. A profissão docente é socialmente partilhada, o que explica a sua dimensão conflituosa numa sociedade complexa na qual os significados divergem entre grupos sociais, económicos e culturais. A escola apresenta-se muitas vezes como uma instituição obsoleta aos olhos de agentes e forças culturais que necessitam de uma outra educação e que, portanto, tendem a pôr em causa a legitimidade dos professores, contribuindo para a sua desprofissionalização. Por isso, toda a mudança educativa deve assumir-se, em primeiro lugar, como uma mudança cultural (SACRISTÁN, 1995, p. 71).
Alinhados com as questões anteriores, Tardif (2002) e Imbernón (2002) afirmam que a educação é o produto da sociedade em que ela está inserida, sendo que a escola recebe cobranças constantes frente às demandas existentes fora de seus muros, porém, paralelamente, os autores ainda reiteram que todas as mudanças sofridas pelas instituições sociais acabaram levando à desresponsabilização dos agentes políticos e da família, quanto ao caráter formativo do cidadão, o que gerou uma responsabilização maior para a escola e, consequentemente, para o professor.
No entanto, a mesma sociedade, que faz exigências para a educação, constantemente também faz objeções quanto ao trabalho desenvolvido pelas instituições educacionais, sendo ainda que, outras instâncias sociais, como por exemplo, a própria família, tentam controlar e limitar o alcance das ações educativas realizadas pela escola, gerando uma tensão entre a educação e os interesses da sociedade quanto às ações educacionais. Todos esses aspectos servem para reforçar a necessidade de pensar a educação não como um campo de disputa, mas como um conjunto de ações convergentes, visando à formação cidadã do indivíduo, bem como, mostra a urgência de discutir a formação e a profissionalização do professor, pois,
O contexto em que trabalha o magistério tornou-se complexo e diversificado. Hoje, a profissão já não é a transmissão de um conhecimento acadêmico ou a transformação do conhecimento comum do aluno em um conhecimento acadêmico. A profissão exerce outras funções: motivação, luta contra a exclusão social, participação, animação de grupos, relações com estruturas sociais, com a comunidade ... E é claro que tudo isso requer uma nova formação: inicial e permanente. [...] Nesse contexto, a formação assume um papel que transcende o ensino que pretende uma mera atualização científica, pedagógica e didática e se transforma na possibilidade de criar espaços de participação, reflexão e formação para que as pessoas aprendam e se adaptem para poder conviver com a mudança e a incerteza. Enfatiza-se mais a aprendizagem das pessoas e as maneiras de torná-Ia possível que o ensino e o fato de alguém (supondo-se a ignorância do outro) esclarecer e servir de formador ou formadora. A formação também servirá de estímulo crítico ao constatar as enormes contradições da profissão e ao tentar trazer elementos para superar as situações perpetuadoras que se arrastam há tanto tempo: a alienação profissional - por estar sujeitos a pessoas que não participam da ação profissional -, as condições de trabalho, a estrutura hierárquica etc. E isso implica, mediante a ruptura de tradições, inércias e ideologias impostas, formar o professor na mudança e para a mudança por meio do desenvolvimento de capacidades reflexivas em grupo, e abrir caminho para uma verdadeira autonomia profissional compartilhada, já que a profissão docente deve compartilhar o conhecimento com o contexto. Isso implica uma mudança nos posicionamentos e nas relações com os profissionais, já que isolados eles se tornam mais vulneráveis ao entorno político, econômico e social. (IMBERNÓN, 2002, p. 14 e 15).
E partindo do princípio que as discussões acima são urgentes, há também a necessidade de repensar o papel dos discentes, pois devem ser sujeitos ativos em seu processo de aprendizagem, em que possam experimentar, questionar, analisar, errar, refletir e produzir, já que, atualmente, esses discentes são ensinados a não refletir e a não desenvolver habilidades de análise crítica, nem na escola e nem em suas ações dentro da sociedade. Isso só contribui para a urgência de se pensar a educação como um processo contínuo que consiga fornecer recursos aos sujeitos para que eles tenham capacidades analíticas e crítico-reflexivas.
E, nesse aspecto, ao formar professores reflexivos, eles poderão também incentivar os discentes a buscar soluções, pesquisar respostas, por meio da análise, da reflexão, assim, contribuindo para que a sociedade tenha cidadãos capazes de escolher seus caminhos conscientemente, de tomar iniciativa e visualizar perspectivas. Afinal, enquanto seres sociais, somos direcionados a seguir os ditames estabelecidos socialmente e se a regra é acolher as proposições sem pensar, sem questionar, sem refletir, isso acaba gerando uma barreira para uma educação que tenha a intenção de promover a autonomia, afinal,
No tocante à profissão docente, a relação cognitiva com o trabalho é acompanhada de uma relação social: os professores não usam o "Saber em si", mas sim saberes produzidos por esse ou por aquele grupo, oriundos dessa ou daquela instituição, incorporados ao trabalho por meio desse ou daquele mecanismo social (formação, currículos, instrumentos de trabalho, etc.). Por isso, ao se falar dos saberes dos professores, é necessário levar em consideração o que eles nos dizem a respeito de suas relações sociais com esses grupos, instâncias, organizações, etc. Os juízos cognitivos que expressam no tocante aos seus diferentes saberes são, ao mesmo tempo, juízos sociais (TARDIF, 2002, p. 19).
Nóvoa (1997, 1999) destaca que a educação sempre sofreu alguma forma de monitoramento do Estado, que podem ser identificados nos aspectos ideológicos, científicos e curriculares adotados como adequados para fazer parte da base e parâmetros para os níveis educacionais e, para além dos controles políticos. A função social do professor é entendida como um desarticulador da ordem estabelecida, visto que ele pode levar os discentes a analisar o seu entorno, a pensar sobre as relações sociais, a questionar a sociedade em que vivem, a refletir acerca de todas as questões sociais, logo, o professor é um agente político e social, o que muitas vezes acaba contrariando as estruturas estabelecidas pelos setores políticos e as elites dominantes.
Nóvoa (1997, 2007) ainda reforça a necessidade de diálogo entre as instituições formadoras e o ambiente profissional docente, visto que a formação desse profissional deve ser pensada durante toda a sua vida cidadã, acadêmica e profissional, abordando também que é preciso criar espaços para a reflexão e maturação dos conhecimentos sobre a profissão, pois,
A formação de professores é, provavelmente, a área mais sensível das mudanças em curso no sector educativo: aqui não se formam apenas profissionais; aqui produz-se uma profissão. Ao longo da sua história, a formação de professores tem oscilado entre modelos acadêmicos, centrados nas instituições e em conhecimentos "fundamentais", e modelos práticos, centrados nas escolas e em métodos "aplicados". É preciso ultrapassar esta dicotomia, que não tem hoje qualquer pertinência, adoptando modelos profissionais, baseados em soluções de partenariado entre as instituições de ensino superior e as escolas, com um reforço dos espaços de tutoria e de alternância. Esta opção obriga à instauração de novos mecanismos de regulação e de tutela da formação de professores, o que passa pela autonomia das Universidades e das escolas e pela celebração de acordos que traduzam a diversidade de interesses e de realidades institucionais. (NÓVOA, 1999, p. 26)
A formação docente como um processo em contínuo desenvolvimento
Como demonstrado até agora, é possível constatar que ainda há muito a ser feito para promover o diálogo entre os ambientes formativos e profissionais, no intuito de pensar uma formação que busque preparar um indivíduo consciente, reflexivo e autônomo. Da mesma forma, ainda há um longo trajeto para que a formação de professores seja entendida como um processo contínuo e dialógico entre a escola, a universidade e as suas realidades, frente à sociedade e ao compromisso social de formar um cidadão.
Nesse aspecto, Libâneo, Oliveira e Toschi (2012) destacam que os currículos adotados dentro da escola são representações das imposições políticas, econômicas e sociais existentes na sociedade, assim, definindo os objetivos e organização das ações educacionais, consequentemente, o currículo é um mecanismo de poder, refletindo as disputas entre grupos de interesse e suas concepções, em um determinado momento histórico.
Porém, Saviani (2012, p. 64) afirma que “ao desafio da realidade, representado pelo problema, o homem responde com a reflexão”. Portanto, se a resposta é a reflexão, é necessário entender a importância de formar um cidadão capaz de refletir, de realizar análises críticas e desenvolver um pensamento autônomo, mas isso significa entender a educação como um processo, e não como uma subversão da ordem estabelecida, dessa forma, exigindo o engajamento de toda a sociedade, para que ocorra uma mudança postural frente à educação.
Portanto, ao compreender a educação como um processo, da mesma forma, é possível entender que, desde o seu ingresso no ambiente escolar, os indivíduos devem ser direcionados para que consigam desenvolver um espírito investigador, que busque as perguntas, para promover a reflexão, sendo capaz de analisar, compreender e discutir acerca do seu entorno, conseguindo questionar suas próprias ações, sendo capaz de organizar, traçar e realizar ações, tendo potencial para pensar soluções e propor modificações, com base em suas análises, frente às suas percepções e reflexões.
Dessa forma, podemos entender que a formação de professores também deve ser um processo contínuo, em que o conjunto de conhecimentos, experiências e percepções, compreendidos em sua interdisciplinaridade, serve para orientar as ações educacionais desenvolvidas com intencionalidade de oferecer recursos que levem outros indivíduos a aprender a aprender, para tanto, tais ações exigirão a reflexão e reestruturação constante dos saberes trabalhados,
Deste modo, mais do que aos termos aperfeiçoamento, reciclagem, formação em serviço, formação permanente, convém prestar uma atenção especial ao conceito de desenvolvimento profissional dos professores, por ser aquele que melhor se adapta à concepção atual do professor como profissional do ensino. A noção de desenvolvimento tem uma conotação de evolução e de continuidade que nos parece superar a tradicional justaposição entre formação inicial e aperfeiçoamento dos professores [...] Por último, o conceito desenvolvimento profissional dos professores pressupõe uma valorização dos aspectos contextuais, organizativos e orientados para a mudança (MARCELO GARCÍA, 1997, p. 55).
E, partindo do pressupondo que a educação seja pensada como um processo contínuo e a escola trabalhe com os discentes, desde o seu ingresso no ambiente escolar, com o propósito de desenvolver o exercício de refletir, favorecendo a promoção de pesquisas e questionamentos, de uma forma que o conhecimento seja apresentado como algo inacabado e em constante construção, contribuindo para o desenvolvimento do aprender a aprender, temos uma perspectiva onde o indivíduo é impulsionado a aprender sozinho e, consequentemente, desenvolver a autonomia e o pensar de forma crítico-reflexiva.
Nesse aspecto, toda a postura educacional contribuiria para a formação de professores reflexivos, capazes de aprender a aprender, por meio das atitudes investigativas, da dúvida, do erro e do questionamento, que servem para articular situações que agregam conhecimento, exatamente em virtude do movimento de reflexão que eles provocam, afinal
Existe, primeiramente, um momento de surpresa: um professor reflexivo permite-se ser surpreendido pelo que o aluno faz. Num segundo momento, reflecte sobre esse facto, ou seja, pensa sobre aquilo que o aluno disse ou fez e, simultaneamente, procura compreender a razão por que foi surpreendido. Depois, num terceiro momento, reformula o problema suscitado pela situação; talvez o aluno não seja de aprendizagem lenta, mas, pelo contrário, seja exímio no cumprimento das instruções. Num quarto momento, efectua uma experiência para testar a sua nova hipótese; por exemplo, coloca uma nova questão ou estabelece uma nova tarefa para testar a hipótese que formulou sobre o modo de pensar do aluno. Este processo de reflexão-na-acção não exige palavras. Por outro lado, é possível olhar retrospectivamente e reflectir sobre a reflexão-na-acção. Após a aula, o professor pode pensar no que aconteceu, no que observou, no significado que lhe deu e na eventual adopção de outros sentidos. Reflectir sobre a reflexão-na-acção é uma acção (SCHÖN, 1997, p. 83).
Para tanto, é indispensável que exista integração entre os ambientes acadêmicos e profissionais, como também o processo educacional deve ser compreendido como sendo um conjunto de ações participativas e compartilhadas, pois,
Aprender a ensinar constitui um processo que perpassa toda a trajetória profissional das professoras, mesmo após a consolidação profissional. Os relatos fazem referências constantes à importância da atuação docente para esse tipo de aprendizagem. Analisam casos específicos e explicitam como foram importantes para o estabelecimento de relações, realização de 'diferentes leituras' e modificação tanto das concepções que possuíam quanto da prática que realizavam. Pode-se dizer que essa aprendizagem, ao perpassar toda a trajetória profissional do professor, pode ser considerada num contínuo (mesmo que com momentos de grandes avanços e/ou longas estagnações) que é pessoal e que supera visões tradicionais de se considerar teoria e prática na formação (básica e continuada) de professores, já que todo tipo de conhecimento (inclusive o da própria prática) na realização de um ensino é contextualizado em situações singulares. (MIZUKAMI,1996, p. 85).
Portanto, partindo do princípio que é necessário haver uma mudança cultural com relação à forma como a educação é compreendida em nossa sociedade, visto que a sua finalidade não é apenas formar mão-de-obra para o mercado de trabalho, mas antes de tudo preparar um cidadão, temos que as ações educacionais devem trabalhar no intuito de levar o indivíduo ao desenvolvimento do pensamento crítico-reflexivo e à capacidade de aprender a aprender, assim, levando a proposta de pensar a formação de professores e as ações educacionais desenvolvidas nas escolas dentro de uma perspectiva de uma educação interdisciplinar emancipadora.
O diálogo interdisciplinar como opção formativa: algumas reflexões sobre formação de professores dentro da perspectiva de uma educação interdisciplinar emancipadora
Como demonstrado até o momento, a educação é um processo social, culturalmente transmitido para as futuras gerações, consequentemente, todos os nossos aprendizados contribuem para que sejamos capazes de fazer conexões e interconexões entre as diversas áreas de conhecimento. Portanto, para formar melhor nossos professores, é necessária uma mudança de postura frente à educação, o que implica compreendê-la como um instrumento de libertação do ser humano e não como uma subversão que pretende suplantar a ordem estabelecida socialmente, logo, é imprescindível que ocorra uma mudança cultural, que respalde as ações educacionais e a função social do professor.
Para tanto, as ações educacionais devem ser desenvolvidas de forma a possibilitar o desenvolvimento interdisciplinar reflexivo, de forma que os discentes consigam perceber as conexões existentes entre as áreas de conhecimento pois, segundo Fazenda (2008), a interdisciplinaridade deve ser entendida como uma atitude de ousadia, de investigação frente ao conhecimento, portanto, sendo necessário pensar como formar professores dentro dessa perspectiva e que consigam promover o desenvolvimento dessa ousadia investigativa em seus discentes ainda de acordo com Fazenda (2008, p. 21), “na interdisciplinaridade escolar, as noções, finalidades, habilidades e técnicas visam a favorecer sobretudo o processo de aprendizagem, respeitando os saberes dos alunos e sua integração”.
Afinal, em um país continental, que além das influências e questões acima descritas, para que a educação consiga promover um salto qualitativo, também é necessário considerar as manifestações e especificidades regionais, sendo assim, podemos concluir que é indispensável pensar a formação profissional do professor para atuar em múltiplos e diversos cenários educativos, o que implica planejar currículos que possam propiciar uma formação reflexiva, preparando-os para a diversidade e para um mundo em constante mudança, para que o futuro professor seja capaz de desenvolver ações educacionais com intencionalidade, levando também os seus futuros alunos à reflexão, pois,
O homem se constrói e chega a ser sujeito na medida em que, integrado em seu contexto, reflete sobre ele e com ele se compromete, tomando consciência de sua historicidade. O homem é desafiado constantemente pela realidade e a cada um desses desafios deve responder de uma maneira original. Não há receitas ou modelos de respostas, mas tantas respostas quantos forem os desafios, sendo igualmente possível encontrar respostas diferentes para um mesmo desafio. A resposta que o homem dá a cada desafio não só modifica a realidade em que está inserido, como também modifica a si próprio, cada vez mais e de maneira sempre diferente [...] A elaboração e o desenvolvimento do conhecimento estão ligados ao processo de conscientização. O conhecimento é elaborado e criado a partir do mútuo condicionamento, pensamento e prática. Como resultado, consiste ele na superação da dicotomia sujeito-objeto. (MIZUKAMI, 1986, p. 90 e 91).
Portanto, como destaca Condee (2016), é necessário realizar uma mudança de foco do ensino, para a aprendizagem, contribuindo para que seja possível desenvolver abordagens investigativas, que consigam promover habilidades para resolver problemas e desenvolver o pensamento crítico. Ainda segundo o autor, nessa perspectiva, a interdisciplinaridade não é uma condição, mas uma ferramenta, um processo de ruptura e um ato de provocação, pois rompe com uma lógica de apenas acumular conhecimentos isolados e desconexos.
Dentro dessa perspectiva, a aprendizagem passa a focar no desenvolvimento de habilidades de discernimento e no pensamento crítico-reflexivo, fornecendo suporte para que os discentes sejam capazes de fazer inferências, que consigam avaliar e classificar as informações recebidas, entendendo seus significados e referências.
O pensamento de Condee (2016) vai ao encontro do que afirma Freire (2014), quando o autor defende que temos de ultrapassar a concepção de educação bancária, onde só o professor que sabe tudo, somente ele que tem algo a oferecer, logo, só ele fala, pois o professor que é o sujeito do processo de formar os objetos alunos, que não possuem nada a oferecer e, portanto, não possuem a capacidade de refletir, de questionar, assim os ensinamentos vão sendo passados como se fossem depósito em um banco, dessa forma, desconsiderando que a potencialidade da educação está no
[...] processo de aprender, em que historicamente descobrimos que era possível ensinar como tarefa não apenas embutida no aprender, mas perfilada em si, com relação a aprender, é um processo que pode deflagrar no aprendiz uma curiosidade crescente, que pode torná-la mais e mais criador. O que quero dizer é o seguinte: quanto mais criticamente se exerça a capacidade de aprender tanto mais se constrói e desenvolve o que venho chamando “curiosidade epistemológica” [...] Neste caso, é a força criadora do aprender de que fazem parte a comparação, a repetição, a constatação, a dúvida rebelde, a curiosidade não facilmente satisfeita, que supera os efeitos negativos do falso ensinar. Esta é uma das significativas vantagens dos seres humanos - a de se terem tornado capazes de ir mais além de seus condicionantes (FREIRE, 2014, p. 26-27).
Ainda de acordo com Mizukami (2005, 2010), a questão da formação de professores é permeada pelos processos de aprendizagem da docência, que não são constituídos unicamente nos cursos superiores, afinal, o ser humano é um constructo de interações pessoais, desde a hora de seu nascimento, até a sua morte. Consequentemente, quando os discentes ingressam na vida escolar, eles já possuem os aprendizados advindos da família e dos demais ambientes por eles frequentados e, na escola, os discentes começam a aprender também com os seus professores, não apenas os conteúdos escolares, mas também exemplos de princípios éticos, morais e sociais.
Portanto, quando o discente opta por um curso de formação de professores é esperado que ele tenha predisposição para aprender a aprender, logo, torna-se imprescindível que a sua instrução consiga promover experiências que sejam significativas, que levem à discussão e reflexão sobre o papel social do professor, evitando que o futuro docente tenha seus modelos embasados em práticas fragmentadas e desprovidas de experiências e ações integradoras, pois,
Estudos sobre o pensamento do professor, sobre ensino reflexivo, sobre base de conhecimento para o ensino, apesar de diversidade teórica e metodológica que os caracterizam, têm apontado para o caráter de construção do conhecimento profissional, para o desenvolvimento profissional ao longo do próprio exercício da docência e para a construção pessoal desse tipo de conhecimento [...] e vêm apontando sistematicamente a importância da experiência pessoal na aprendizagem profissional, da significação pessoal de tal experiência e da consideração da prática profissional como fonte básica (embora não única) de tal aprendizagem. (MIZUKAMI,1996, p. 60).
Consequentemente, a formação de professores deve considerar o fator humano e as suas interações relacionais, o que implica que o professor deva saber como levar outros seres humanos à compreensão das demandas que envolvem aspectos éticos, morais, sociais, políticos, econômicos, gênero e opções sexuais, minorias étnicas, escolhas religiosas, contexto histórico e as mais variadas possibilidades que lhes são apresentadas, pois considerar a aprendizagem e o fator humano é conseguir oferecer uma formação onde o professor consiga questionar a sua própria prática, levando em consideração as múltiplas realidades existentes em uma sala de aula e seja capaz de criar novas maneiras para promover o ensino, possibilitando aos discentes as condições de reflexão e entendimento, mesmo frente a uma sociedade mutante e fragmentada, afinal,
Se o ensino deve assegurar não somente a reprodução das competências, como também seu progresso, seria preciso em consequência que a transmissão do saber não fosse limitada à de informações, mas que ela comporte a aprendizagem de todos os procedimentos capazes de melhorar a capacidade de conectar campos que a organização tradicional dos saberes isola ciosamente. A palavra de ordem da interdisciplinaridade, difundida sobretudo após a crise de 68, mas preconizada bem antes, parece seguir esta direção. (LYOTARD, 1988, p. 94).
Segundo Freire (1979, 2014), a educação pode libertar o ser humano, dessa forma, a escola, enquanto ambiente construído historicamente para abrigar a finalidade de ensinar os legados da humanidade para as futuras gerações, é um local de libertação, visto que o ato de aprender oferece possibilidades de continuar aprendendo e de transformar o próprio conhecimento. O autor ainda destaca a função social que o professor exerce ao desenvolver o seu trabalho, que por meio da intencionalidade colocada nas ações educacionais apresentadas em sala de aula, ele oferece recursos para que os discentes possam refletir a respeito do seu entorno, da sua sociedade e do mundo em que vivem, analisando todas as suas dinâmicas e imposições, assim, fornecendo condições para que, conscientemente, os discentes sejam capazes de fazer escolhas embasadas em suas análises, em suas experiências, logo,
É preciso, sobretudo, e aí já vai um destes saberes indispensáveis, que o formando, desde o princípio mesmo de sua experiência formadora, assumindo-se como sujeito também da produção do saber, se convença definitivamente de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção [...] Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Quem ensina, ensina alguma coisa a alguém (FREIRE, 2014, p. 24-25).
E, para tanto, é necessário que ocorra uma reflexão sobre os rumos que desejamos traçar para os cursos de formação de professores, pois as diretrizes estabelecidas para a educação acabam refletindo o tipo de sociedade que desejamos construir, afinal, a escola não é apenas um ambiente em que serão ensinados aspectos culturais da sociedade, ou científicos de áreas do conhecimento, antes de tudo, a escola é o ambiente onde serão ensinadas lições para a vida, para a constituição do indivíduo enquanto cidadão, logo
A qualidade da educação escolar repousa na interação construída entre pessoas na intencionalidade de instruir(-se) e educar(-se) [...] Ela repousa nas relações pedagógicas entre seres que buscam construir uma civilização. Ela se constitui nas mediações frutíferas que permitem a sequência dos conhecimentos e da busca por uma sociedade mais justa, em relações interpessoais, por onde perpassam os sentidos de uma civilização (GATTI, 2013, p. 58).
De acordo com Gatti (1997), a ação educacional ocorre pelo desenvolvimento da práxis com intencionalidade desde o início da formação de professores, assim contribuindo para que os futuros professores consigam refletir, de forma que trabalhem com conteúdos direcionados para o tipo específico de discente para quem a ação formativa foi pensada e consiga articular tais ações às condições sociais, econômicas e políticas a que são submetidas.
Mizukami (1996) também destaca a importância da ação reflexiva do professor, pois é no exercício reflexivo que o docente aprende a analisar as suas práticas, que consegue pensar forma de aprimorar o seu desenvolvimento e estrutura o direcionamento de suas ações com a intencionalidade necessária para favorecer a aprendizagem tanto dos discentes, como também vai redefinindo os seus próprios conceitos, conhecimentos e práticas. Afinal, a formação do professor é contínua e ocorre durante toda a sua trajetória, no fazer e ser professor, nos exercícios constantes de aprender, ensinar e aprender novamente outros aspectos, perspectivas e assuntos, nas escolhas de exemplos, nos materiais a serem usados na aula e no diálogo que ele desenvolve frente às mais diversas situações apresentadas em seu dia-a-dia, pois,
A premissa básica do ensino reflexivo considera que as crenças, os valores, as suposições que os professores têm sobre ensino, matéria, conteúdo curricular, alunos, aprendizagem etc. estão na base de sua prática de sala de aula. A reflexão oferece a eles a oportunidade de se tornarem conscientes de suas crenças e suposições subjacentes a essa prática. Possibilita, igualmente, o exame de validade de suas práticas na obtenção de metas estabelecidas. Pela reflexão eles aprendem a articular suas próprias compreensões e a reconhecê-las em seu desenvolvimento pessoal (MIZUKAMI,1996, p. 61).
Como também é por meio do processo educacional que se processa a aprendizagem e a descoberta irá garantir ao sujeito uma compreensão da estrutura fundamental do conhecimento. Dessa forma, os processos pelos quais a aprendizagem se realizou assumem papel preponderante. O ponto fundamental do ensino, portanto, consiste em processos e não em produtos de aprendizagem [...] O ensino, pois, deve levar, progressivamente, ao desenvolvimento de operações, evitando a formação de hábitos, que constituem a fixação de uma forma de ação, sem reversibilidade e associatividade (MIZUKAMI, 1986, p. 76 e 77).
Nóvoa (1997, 2007) também destaca a necessidade de formar professores reflexivos, pois, se os professores são capazes de refletir sobre suas ações, de trabalhar questões que contribuam para a aprendizagem dos discentes, ele trabalhará para formar um cidadão mais consciente e ator de suas próprias escolhas.
A formação deve estimular uma perspectiva crítico-reflexiva, que forneça aos professores os meios de um pensamento autónomo e que facilite as dinâmicas de autoformação participada. Estar em formação implica um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projectos próprios, com vista à construção de uma identidade, que é também uma identidade profissional [...] A formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (reconstrução permanente de uma identidade pessoal. Por isso é tão importante investir a pessoa e dar um estatuto ao saber da experiência (NÓVOA, 1997, p. 25).
Nóvoa (1997, 2007) ainda afirma que “não é a prática que é formadora, mas sim a reflexão sobre a prática” (2007, p. 16), sendo que, “para a formação de professores, o desafio consiste em conceber a escola como um ambiente educativo, onde trabalhar e formar não sejam actividades distintas” (1997, p. 29). Portanto, para o autor,
A formação de professores deve ser concebida como uma das componentes da mudança, em conexão estreita com outros sectores e áreas de intervenção, e não como uma espécie de condição prévia da mudança. A formação não se faz antes da mudança, faz-se durante, produz-se nesse esforço de inovação e de procura dos melhores percursos para a transformação da escola. É esta perspectiva ecológica de mudança interactiva dos profissionais e dos contextos que dá um novo sentido às práticas de formação de professores centradas nas escolas (NÓVOA, 1997, p. 28).
Assim, temos que a educação é um componente de mudança, logo, se quisermos promover o desenvolvimento da interdisciplinaridade como um agente transformador, segundo Chartier (2002), é necessário mostrar que não existe a necessidade de embate entre as áreas do conhecimento, porém, é preciso haver uma formulação teórica rigorosa, que consiga propor métodos de análise que possam ser aplicados.
Chartier (2002), referindo D. F. McKenzie (1985), ainda aborda uma questão primordial, quando pensamos na questão das novas tecnologias existentes nas sociedades atuais, pois ao estender o conceito de texto para além das produções escritas e autorizando a chamar de textos aquelas produções que não são construídas a partir de signos, ou sistemas simbólicos, inclusive levantando questões quanto à materialidade da obra textual, o autor consegue demonstrar que a interpretação de uma obra depende dessas questões. Afirmando ainda que nem todos os usos e interpretações de um determinado texto são equivalentes, pois, o controle da significação e a imposição de sentido são questões fundamentais, relacionadas às lutas políticas e/ou sociais, bem como, a um instrumento de dominação simbólica.
Para Flusser (1985), devemos aprender a ler além dos textos escritos, pois ao definir imagem, o autor afirma que ela é uma superfície que pretende representar algo, destacando a questão da decodificação da imagem que aparentemente pode ter seu significado captado pela definição escrita da imagem. Porém, com o advento da fotografia, cinema e, posteriormente, da televisão, até chegar no computador e na imagem virtual, vemos o surgimento de imagens técnicas, portanto, sendo necessário pensar uma nova forma de abordar e entender essas imagens, pois elas também possuem contextos e representam significados, para os quais não somos treinados para entender. O autor ainda afirma que as imagens técnicas promoveram uma transformação cultural, na qual a mídia é uma formadora de cultura.
De acordo com Pérez-Gómez, estamos passando por mudanças nas maneiras como nos socializamos com outros seres humanos, no jeito como nos relacionamos com o mundo e nas formas de aquisição do conhecimento, em virtude do uso das novas tecnologias. Tal situação acaba gerando dois efeitos: a superinformação e a desinformação, e a escola tem que proporcionar a capacidade de compreender e saber selecionar tanta quantidade de dados, portanto, nos preparar para aprender a aprender em um mundo digital, afinal,
Aprender a "linguagem da tela", das "tecnologias da interrupção" chega a ser tão necessário como a alfabetização relacionada com a leitura e a escrita verbais. Consequentemente, preparar os cidadãos não só para ler e escrever nas plataformas multimídias, mas para que se envolvam com esse mundo, compreendendo a natureza intrincada, conectada, da vida contemporânea, torna-se um imperativo ético e também uma necessidade técnica. (PÉREZ-GÓMEZ, 2015, p. 21).
Canclini (1997) trabalha com a hibridação e os processos interculturais, que envolvem noções de apropriação e elaboração simbólica, afirmando que é necessário desenvolver a capacidade de fazer a leitura da história das sociedades e dos lugares onde ocorrem as apropriações de cultura, de conhecimento e de formas de ler o mundo, pois todos são processos sociais repletos de cruzamentos e intersecções, que geram novas hibridações e paradigmas.
Rojo (2017) afirma a urgência de trabalhar além da alfabetização, também o multiletramento, pois em sociedades globalizadas, somos expostos à multiculturalidade, à multiplicidade cultural, às multimodalidades dos textos e novos gêneros de discurso, novas mídias, tecnologias e linguagens, exigindo formas mais complexas de julgamentos e de leituras críticas, consequentemente, devemos aprender a compreender os vários letramentos e tradições culturais, que combinem modalidades semióticas diferentes para construir significados.
Isso significa que não basta mais a escola enfatizar os letramentos da letra ou do impresso e os gêneros discursivos da tradição e do cânone. É urgente enfocar os multiletramentos e os novos letramentos que circulam na vida contemporânea de nossos alunos. A maior parte dos gêneros discursivos que estão presentes nas atividades letradas que mencionei [...] incorpora textos escritos, mas não unicamente e nem principalmente. Apresentam também diagramas, tabelas, campos, formulários, boxes (como e-mails, torpedos e agendas) ou fotos, imagens, mapas, plantas, vídeos, animações, sons, música, fala e uma multidão de outras linguagens. Isso quer dizer que as capacidades de leitura e escrita dos letramentos da letra ou do impresso não são mais suficientes para a vida contemporânea. Assim, não bastam mais para compor os currículos nas escolas. Os cenários futuros para as escolas devem incluir a leitura e escrita de gêneros discursivos multissemióticos (compostos por todas essas linguagens ou semioses, para significar e funcionar) e os multiletramentos e novos letramentos requeridos pelas práticas letradas em que eles estão inseridos. (ROJO, 2017, p. 4 e 5).
Portanto, de uma forma geral, conseguimos identificar que os autores com quem dialogamos ao longo do artigo abordam a importância de saber refletir e de promover o pensamento de forma articulada, compreendendo a interdisciplinaridade existente entre as áreas de conhecimento, assim favorecendo o entendimento dos sentidos, pois quando se entende a lógica de funcionamento dos signos e instrumentos simbólicos, é possível desvendar seus significados.
Por fim, temos que pensar a formação do professor em toda a sua complexidade e dentro de toda a diversidade existente na atualidade, porém, a formação não deve ser uma colcha de retalhos, que tenta colocar uma série de conhecimentos, como se o professor tivesse a obrigação de saber tudo. Pelo contrário, o professor tem que ter domínio de sua área de conhecimento, mas tem que ter a capacidade de fazer conexões com as demais áreas, entendendo que nenhum conhecimento é estanque e que sempre há uma interdisciplinaridade em todas as coisas, portanto devemos formá-lo para ser um profissional que entenda as mudanças como oportunidades, que veja a dúvida como perspectivas, que entenda o erro como aprendizagem.
Que a formação de professores seja pensada no intuito de promover o desenvolvimento de um cidadão crítico-reflexivo que estuda, inova e pesquisa, que tem capacidade de aprender a aprender e de desenvolver novos mecanismos que contribuam em suas práticas diárias, que aprenda com todas as suas experiências e que precise ser identificado como ele é, afinal, se a sua profissão é a docência, ele deve ser capaz de se identificar como um professor.
Conclusão
Á guisa de conclusão, dentro da perspectiva apresentada acima, pensar na formação de professores seria pensar nas ações educacionais dentro de um projeto de nação, de forma que a educação não fosse toda fragmentada para manter poderes sobre o conhecimento, ou para limitar as possibilidades educacionais dos indivíduos. Logo, adotar uma postura interdisciplinar é pensar em uma formação de professores emancipadora, em que o professor consegue exercer ações educativas com intencionalidade, que possibilite aos discentes aprendizagens capazes de promover a conscientização quanto ao seu entorno, bem como, oferecer condições para exercer uma análise crítico-reflexiva que contribua para o desenvolvimento autônomo do cidadão.
Portanto, educar não é apenas ensinar uma série de conhecimentos e como compreender as múltiplas formas, como é apresentado hoje, nem apenas saber entender os mutiletramentos, ou como viver em sociedade. Educar é saber oferecer a dúvida, para que a resposta seja construída por meio da reflexão sobre todos os aprendizados adquiridos, pois se o indivíduo aprende o processo, entende como buscar as respostas e que elas não são fechadas, mas sim parte de conhecimentos maiores e interligados entre si, o indivíduo consegue replicar tal lógica, em tudo o que ele se propuser a pesquisar.
Afinal, fica claro que precisamos pensar em formar seres humanos, que sejam de fato humanos, que consigam desenvolver a empatia e vejam os demais indivíduos também como seres humanos, , que entendam que ter consciência de seus atos é ter responsabilidade pelo todo e isso é um processo contínuo de aprendizado, de perseverança, de desconstrução e reconstrução diária, que se aprimora na troca de experiências e se concretiza na reflexão dos próprios atos.
Nesse aspecto, a educação é descoberta, é libertação, é perspectiva e ela pode oferecer múltiplas oportunidades para a sociedade e para o indivíduo, para tanto, basta ter consciência, determinação e disposição para aprender a aprender.