Introdução
A língua portuguesa (LP) é falada por aproximadamente 250 milhões de pessoas, sendo que só no Brasil são cerca de 210 milhões, segundo informações do Instituto Brasileiro de Estatística (IBGE). Os demais falantes estão distribuídos pelos outros 8 países que têm a LP como oficial e também por regiões da Ásia: Macau (na China), Goa, Damão e Diu (na Índia), Malaca (na Malásia), Ilha das Flores (Indonésia) e Batticaloa (no Sri Lanka). É de mencionar ainda os países que têm grandes comunidades portuguesas (Alemanha, França, Reino Unido e Suíça etc.) e brasileiras (Estados Unidos, Paraguai, Japão e Reino Unido etc.), além de ser língua oficial de várias instituições, como a União Europeia, o Mercosul e a União Africana (Lewis, Gary, Fenning, 2014). O português é considerado um dos dez idiomas “vitais” nos próximos 20 anos, conforme o British Council of Languages .
No arco sul, o debate acerca da real conjuntura educacional dos estados nacionais do Mercosul tem sido pauta frequente em reuniões, cúpulas, convenções, etc. Nesse cenário, entra em discussão o ensino das línguas oficiais do Bloco, por considerá-las como fator de união e, sobretudo, de desenvolvimento da educação e da economia. Assim, o ensino da língua portuguesa, na educação superior nos países de língua espanhola fundadores do Bloco, tem sido tema de várias discussões e ganhado cada vez mais relevância no Setor do Mercosul Educacional (Nascimento, 2010).
Tendo em vista essa representatividade que a LP tem no mundo e, com efeito, no âmbito do Mercosul, refletimos sobre a situação atual do ensino desse idioma na educação superior no Bloco. Questionamo-nos, assim, quais universidades ensinam o PLE e em quais graduações está presente como disciplina obrigatória. E quando há a língua portuguesa em determinadas graduações/licenciaturas, quantos semestres letivos são dedicados a essa língua.
Isso posto, o objetivo principal do trabalho é mapear o ensino do português como língua estrangeira na educação superior (pública e privada) nos países fundadores do Mercosul.
Para mapearmos a oferta da LP, realizamos revisão bibliográfica, documental e análise das grades curriculares das graduações/licenciaturas presentes nas universidades do Mercosul. O procedimento foi realizado em três fases: a primeira foi acessar, de 1 de setembro a 30 de outubro de 2019, os websites dos órgãos oficiais responsáveis pelo credenciamento e pela autorização do funcionamento dos cursos de graduação/licenciatura a fim de verificar quais universidades públicas e particulares estão credenciadas e autorizadas a funcionar para em seguida proceder a pesquisa nos websites de cada universidade. Acedemos, na Argentina, à Comisión Nacional de Evaluación y Acreditación Universitaria, no Paraguai, à Agencia Nacional de Evaluación y Acreditación de la Educación Superior e, no Uruguai, ao Ministerio de Educación y Cultura. Num segundo momento, ingressamos nos sites das instituições e analisamos os planos de estudo e grades curriculares das graduações e licenciaturas que porventura poderiam oferecer português. Num terceiro momento, organizamos as informações em quadros por país com os nomes das universidades, a designação dos cursos e o número de semestres dedicados ao ensino do PLE como disciplina obrigatória. Por questão de delimitação, não incluímos em nosso estudo instituições de ensino que ofertam cursos superiores que não são designadas “universidade” nem os cursos que se encaixam na categoria “livre ou optativo”.
Mercosul: políticas educacionais e linguísticas
O Mercosul é um processo de integração econômica entre Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela (mais recente membro, que teve seus direitos e obrigações suspensos). Teve seu início com o Tratado de Assunção em 26 de março de 1991. O Bloco foi criado com o intuito de que os países integrantes juntassem esforços para um mercado comum que tivesse como resultado a livre circulação de bens, serviços, o estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial frente a terceiros Estados ou blocos econômicos.
O Bloco tem passado por algumas reconfigurações, sendo as mais recentes: a incorporação plena da Venezuela em 2012 (e suspensão em 2017, por ruptura democrática), a suspensão do Paraguai entre 2012 e 2013, porque o então presidente do país, Fernando Lugo, havia sido destituído de seu cargo (a destituição foi vista como quebra de ordem democrática do país) e o processo de adesão da Bolívia como país membro, que se prolonga até os dias atuais.
Para Ferreira (2020), os ganhos do bloco no campo diplomático - de aproximar países na região e fazer contraponto ao Norte - ganham força com a ampliação. Nesse cenário, o Brasil sai beneficiado ao ampliar o mercado para seus produtos e garantir suprimento energético. Durante as suas três décadas de existência, o Mercosul se reafirmou internacionalmente, por ser considerado uma área de estabilização econômica e política e recolocou os países que dele fazem parte na economia mundial. Em 28 de junho de 2019, no Japão, na Cumbre dos G20, os países membros do Mercosul assinaram acordo comercial histórico com a União Europeia.
No Tratado de Assunção é notório a preponderância de questões econômicas. Somente o preâmbulo da Lei, no último parágrafo, se alude à questão político-social: “... vontade política de deixar estabelecidas as bases para uma união cada vez mais estreita entre seus povos...” (1991, p.1). Essa questão vem demonstrar que o Tratado desde seu nascimento ganhou sentido econômico, tornando-se inclusive razão de alguns desentendimentos entre Argentina e Brasil, a citar um caso: a União Europeia passou a ocupar o primeiro lugar de comprador dos produtos agrícolas, de couro e outros produtos argentinos.
Por outro lado, destacam Santos Bucco e Alves Fortaleza (2013) que o Mercosul não se restringe à questão econômica em que, em seu início, o objetivo era romper com as fronteiras para a liberação de serviços, bens e fatores produtivos, que de alguma forma continuam. Para os autores do estudo, no entanto, o que deslocou foi o foco da visão puramente econômico-política para uma visão social-científica, em que a educação e a mobilização de pessoas são os protagonistas agora.
Nesse âmbito, focando a educação, em 13 de dezembro de 1991, foi criado o Setor Educacional do Mercosul-SEM, época em que os ministros da educação assinaram o Protocolo de Intenções. O SEM foi instituído com base na ideia de que a integração regional não deve estar circunscrita somente aos aspectos econômicos e políticos, mas deve abrigar iniciativas culturais, educativas e sociais. O Protocolo estabelece que “a educação tem papel fundamental para que a integração se consolide e se desenvolva” (1991, p. 1). O objetivo geral do SEM, nessa perspectiva, consiste em construir um espaço educacional integrado por meio da coordenação de políticas de educação, promovendo a mobilidade, o intercâmbio e a formação de uma identidade regional.
Com efeito, as intenções que subjazem às propostas apontam em duas direções: forjar uma identidade comum aos países membros e qualificar a mão-de-obra regional para garantir a inserção competitiva do bloco (Ferreira, 2020).
Não podemos desvincular a educação das políticas internacionais. Pensando assim, em um nível macrorregional, entendemos que as proposições e discussões no âmbito do SEM também são políticas educacionais, uma vez que afetam ou podem afetar diferentes instâncias e sistemas educacionais nos países que dele fazem parte.
O Tratado de Assunção também destaca a necessidade de criar uma planificação linguística que incentive o uso do espanhol e do português. Observamos no Art.17 do referido Tratado: “Os idiomas oficiais do Mercado Comum serão o português e o espanhol e a versão oficial dos documentos de trabalho será a do idioma do país sede de cada reunião”.
Conforme afirma Sousa (1998), um dos aspectos em que houve maior atenção e destaque nos documentos diz respeito à educação no campo do incentivo ao ensino-aprendizagem dos idiomas oficiais do Mercosul: o português, o espanhol e o guarani.
O SEM e a Comissão de Educação Básica priorizam as políticas nacionais e buscam resolução de problemáticas comuns aos países, de acordo com as prioridades definidas do Setor. Nesse contexto, há blocos temáticos que orientam todos os projetos que fazem referência a línguas e aos aspectos curriculares como a aprendizagem das línguas enquanto processo cultural e a incorporação de projetos sobre ensino de línguas, reconhecendo-as pela dimensão política que têm para a integração regional.
Verificamos também no Plan del Sector Educativo del Mercosur (2006-2010), nas metas para a educação básica, que consta a criação de centros de estudo de língua e literatura dos idiomas oficiais do Mercosul: “Promover la creación de cátedras y/o espacios académicos que impulsen el conocimiento y difusión de la lengua y literatura de los idiomas oficiales del Mercosur” (p. 25). Vale ressaltar que, no item criação de centros de línguas, no Art.3 da Lei 11.161/2005, refere-se que o ensino de língua espanhola se torna obrigatório no ensino médio no Brasil, porém a Medida Provisória nº 746 de 2016 que reformulou o ensinou médio no Brasil retirou essa obrigatoriedade.
Quanto ao ensino superior, observamos que as principais temáticas abordadas no SEM dizem respeito à acreditação de cursos, mobilidade acadêmica de alunos e professores e acordos de admissão de títulos, sem destaque relevante para o ensino do PLE.
Nessa perspectiva, Silveira (2016) destaca que, no contexto do SEM, estão sendo criadas estratégias que facilitam o reconhecimento e a padronização/equiparação de estudos, bem como a livre circulação de estudantes, o intercâmbio entre professores universitários, tanto de graduação quanto de pós-graduação, com o objetivo de promover a integração e a regionalização da educação superior.
Como Portugal, o Brasil tem seus vizinhos falantes de espanhol. Da Venezuela ao Uruguai são aproximadamente 14 mil quilômetros de fronteira com 8 países hispano-falantes. Antes dos acordos do Mercosul, a divulgação e ensino do português nos países da América do Sul era feita eventualmente por meio dos leitorados ligados ao Ministério das Relações Exteriores (no caso do Brasil) e do Instituto Camões (no caso de Portugal). Com o advento do Mercosul, abriram-se novas oportunidades para a formação de professores de língua portuguesa na Argentina, no Paraguai e no Uruguai para ensinarem português em cursos livres, na educação básica e na educação superior (em menor escala).
Ao longo dos anos, as Políticas Linguísticas são entendidas como políticas públicas de responsabilidade do Estado no que diz respeito às línguas, em suas muitas especificidades, que envolvem desde a implantação à manutenção de projetos e/ou programas em determinada sociedade. Por assim ser, a relação entre os estudos da linguagem e Estado é uma questão que aflora como área de estudo (Oliveira, 2017).
Desse modo, a discussão acerca de Políticas Linguísticas ocorre em diversos países em que se há mais de uma língua em uso, abrangendo questões sobre bilinguismo, principalmente em regiões de fronteira, as chamada línguas de contato, a relação entre dialetos e língua standard, entre outras Oliveira, (2017). Há que mencionar, contudo, que esse debate também está presente em países considerados monolíngues, como é o caso do Brasil, em que se considera apenas o português como língua oficial. No país, as discussões vão além e abarcam questões relacionadas com as normas, a pedagogia de variação linguística, os estrangeirismos, bem como as políticas públicas que envolvem a educação (Faraco e Zilles, 2015).
Nesse sentido, para Calvet (2007), não se pode separar política linguística de sua aplicação, isto é, de seu planejamento, o que assenta na ideia de que política linguística implica questionamentos científicos da língua em uso e a elaboração de intervenções oficiais e ainda diz respeito aos meios para que ponham em prática as intervenções que envolvem a(s) língua(s), criando “novas maneiras” de abordar as relações entre língua e sociedade.
As Políticas Linguísticas, segundo Spolsky (2005), devem ser entendidas não apenas como política oficial. Com esse olhar, devem se orientar para os estudos das práticas de linguagem. O autor sugere que as Políticas Linguísticas deveriam, assim, explorar três dimensões: (i) as práticas de linguagem dos membros da comunidade discursiva, (ii) as crenças de seus membros no que diz respeito à língua e (iii) os esforços dos membros para mudar as práticas e as crenças existentes. Dito de outra forma, quando se trata de política linguística, devem ser consideradas as crenças e a ideologia da comunidade em que a língua vai ser objeto de investigação, o que significa dizer que as propostas oficiais também estão permeadas dessas crenças e ideologias.
Consoante Angelucci e Pozzo (2018), na América Latina, no que tange às Políticas Linguísticas, houve três etapas importantes, a saber: a primeira, em síntese, ocorreu durante o período dos primórdios da Guerra Fria, como decorrência da divisão do mundo em dois eixos e as descolonizações tardias dos países asiáticos e africanos. Nesse período, houve a necessidade de tentar organizar o mundo que estava dividido por questões políticas e linguísticas. As autoras destacam ainda o desenvolvimento da linguística aplicada nessa época, bem como assinalam que emergem as bases da glotopolítica, a definição de categorias de línguas, questões de bilinguismo, diglossia, a linguística de corpus e a de status. Acrescem ainda que, no âmbito latino americano, há duas línguas majoritárias: o espanhol e o português. Somente três países na América do Sul, de língua espanhola, têm outro idioma oficial, além do espanhol: Peru (quéchua), Paraguai (guarani) e Bolívia (quéchua e aimará).
A segunda etapa, de acordo com Angelucci e Pozzo (2018), tem como lema a defesa das línguas minoritárias que ocorreu entre os anos 1970 e 1985. Nesse contexto, entram em discussão as línguas regionais dos estados nacionais e a atenção é dada a situação linguística de países que tiveram sua independência na década de 70 até meados dos anos 80. Essa etapa reúne três bases fundamentais: a alemã - língua como característica essencial para o reconhecimento de uma nação; a francesa - língua resultante do desenvolvimento histórico capitalista, produz-se a ficção duma comunidade de língua como base da nação e, por último, a concepção dos estados multinacionais - nação é definida pela comunidade de destino que pode ou não coincidir com a comunidade de língua (Angelucci e Pozzo, 2018).
Na terceira e última etapa, ainda segundo Angelucci e Pozzo (2018), os fundamentos das Políticas Linguísticas se referem à internacionalização das línguas. Os projetos transnacionais consolidam as áreas idiomáticas, como o da francofonia. O tema é abordado de uma maneira multidisciplinar. Há também nessa fase a catalogação de uma variedade de línguas com o intuito de estabelecer novos critérios para reconhecer quais línguas precisariam de intervenção e quais aquelas que não precisariam.
Nesse sentido, nosso trabalho se insere nas investigações que têm se desenvolvido no campo da glotopolítica, especificamente, sobre o ensino de línguas estrangeiras (Arnoux e Bein, 2015) e instrumentos linguísticos (Arnoux, 2016). Isso significa que estamos em uma corrente que entende políticas de linguagem em um sentido amplo, considerando não apenas as ações realizadas pelo Estado por meio da legislação linguística e planejamento, mas também representações sociolinguísticas, o que pode levar ao seu fracasso (Bein, 2013).
Por outro lado, cabe mencionar que, sobre políticas educacionais e linguísticas, tendo como pano de fundo o Mercosul, ainda que haja o SEM e o Grupo de Trabalho de Políticas Linguísticas, mostra-se necessário um permanente debate social entre os atores sociais que promovem o ensino de língua portuguesa na educação superior, sobretudo, para fazer operar a transnacionalização da legislação linguística, de modo que se faça cumprir o que já é lei, como indicam Salgado e Boschi (2016).
Mapeamento da língua portuguesa no Mercosul
Nesta seção do artigo, apresentamos alguns elementos, organizados por meio de quadros, os países, a relação de universidades, as graduações e licenciaturas que oferecem PLE, bem como lançamos um olhar para os programas e grades curriculares desses cursos a fim de entender as várias áreas em que o português está inserido e com quais propósitos.
Cabe mencionar, a título de sugestão para outras investigações, os cursos de formação de professores, os Profesorados, na educação terciária, com quatro anos de duração, que existem na Argentina e no Uruguai. Por exemplo, em Buenos Aires, pode-se estudar Profesorado de Portugués no Instituto de Lenguas Vivas Juan Ramón Fernandéz, institutos semelhantes há em Montevideu. No Paraguai, inexiste esse tipo de instituto.
Argentina
A República da Argentina tem 24 províncias, sendo que algumas delas fazem fronteira com o Brasil. A fronteira tem um total de 1.132 km de extensão. Muitas das cidades argentinas e brasileiras dessa região convivem com o português e o espanhol diariamente, as chamadas cidades gêmeas, que estão localizadas notadamente nas províncias de Misiones e Corrientes (do lado argentino) com as cidades do Rio Grande do Sul (do lado brasileiro). Mesmo que, segundo Müller de Oliveira e Morello (2019, p. 57), “o contato entre as línguas na fronteira hispano-portuguesa na América do Sul, com poucas exceções, produz uma relação assimétrica, com os hispano-falantes tendo mais proficiência em português que os brasileiros em espanhol”.
O contato dos argentinos com o português na região de fronteira não se daria apenas informalmente, estaria presente na educação básica e nas universidades onde estão localizadas tais cidades gêmeas, no entanto, a maioria das iniciativas das Políticas Linguísticas está voltada para a educação básica. Nessa região fronteiriça, existe o Programa das Escolas Interculturais Bilíngues de Fronteira- PEIBF como política de gestão do bilinguismo português/espanhol, como apontam Müller de Oliveira e Morello (2019).
A Argentina tem 100 universidades, sendo 50 públicas e 50 particulares. Desse total, apenas 32 oferecem a língua portuguesa como unidade curricular (disciplina) ou como graduação (carrera de grado, pregrado ou licenciatura). Vejamos o Quadro 1 abaixo.
O Quadro 1 apresenta um total de 32 universidades com 62 graduações e 200 semestres com disciplinas relacionadas à PLE. Constatamos também que apenas nove graduações são específicas para formação professores de PLE com as seguintes nomenclaturas: Licenciatura en Portugués, Profesorado de Portugués, Licenciatura de Lengua Extranjera-Portugués. Esses cursos são oferecidos em universidades nacionais, ou seja, públicas. Os outros cursos são de áreas relacionadas ao comércio/economia (com 18 graduações, como Licenciatura en Comercio Exterior, Contador Público, Licenciatura en Administración de Negocios, Marketing etc. ); ao turismo (24 cursos, como Turismo, Licenciatura en Turismo, Licenciatura en Hotelería etc.); à comunicação (seis cursos: Periodismo, Comunicación, Licenciatura en Comunicación Social etc.); à tradução (quatro cursos: Traductorado Publico en Portugués, Traductorado Cientifico Literario, Traductorado de Portugués e Traductorado en Portugués) e um curso de Licenciatura en Gastronomia na Universidad de Belgrano em Buenos Aires.
Além disso, percebemos que a oferta da língua portuguesa na educação superior na Argentina ocorre com denominações diferentes para os cursos de graduação: Licenciatura, Bacharelado e Traductorado. Ademais, temos os cursos de idioma para fins específicos, idioma para a comunidade não acadêmica e projetos de extensão, que não foram objeto de nosso estudo. Estes últimos marcam uma tendência para a inserção da língua e cultura portuguesa nas universidades.
A análise das grades curriculares e planos de cursos nos levaram a perceber a predominância do inglês no ensino superior, tanto nos cursos de formação de professores, quanto nos cursos das áreas econômicas/de turismo, ainda que, conforme The Obervatory of Economic Complexity, o principal parceiro comercial da Argentina seja o Brasil e a Argentina seja o terceiro parceiro comercial do Brasil. Segundo a Secretaría de Turismo de la Nación da Argentina, somente no ano de 2018, foram 1.318.148 turistas brasileiros que chegaram a terras argentinas, o que significa o maior fluxo de turistas no país, sendo esse número maior do que o resto de toda a América Latina. De acordo com esses dados e considerando o valor econômico da LP, a Argentina não dá à apropriada relevância, ao priorizar o inglês, ainda que o português mobilize mais a economia. Por outro lado, esse fato, com efeito, aplica-se também às áreas de comunicação, gastronomia, tradução etc. Não se trata de posicionar a língua inglesa em uma condição menos importante, porém, sobretudo, de colocar o português, talvez, no mesmo patamar dessa língua e valorizá-la pelo seu potencial econômico que move, parte significante, da economia argentina, sem mencionar outros setores.
Gil (2009) corrobora a questão de que na Argentina o inglês é a língua estrangeira mais ensinada em todos os níveis de ensino. Para a autora, 80% das licenciaturas para o ensino de línguas estrangeiras são de língua inglesa. E acrescenta que o ensino da língua inglesa é obrigatório desde o primeiro ano nas escolas primárias na cidade de Buenos Aires. Segundo Varela (1999), o predomínio do inglês pode ser explicado pelo valor simbólico, cujo domínio, na sociedade argentina, é caracterizado como forma de ascensão social. Não obstante, o idioma de Saramago e Machado de Assis é o segundo idioma mais estudado na Argentina. Nos últimos anos, ultrapassou o italiano e o alemão em termos de oferta e procura.
O aumento da oferta de licenciaturas em formação de professores PLE, na Argentina, que está prevista na Lei 26.468/2009, tem a inserção ainda embrionária. Nota-se que muitas escolas não incluíram o português em seus curriculos pelo fato de que as províncias têm autonomia de implantá-lo ou não, em conformidade com a Lei mencionada. Ainda sobre essa questão, Canteros (2017) afirma que o ensino do português na Argentina continua ligado a questões de ordem política, econômica, cultural e ideológica. Para o autor, essa questão começou nas primeiras tentativas de aproximação de ambos países, o mesmo ocorreu entre os atores sociais no âmbito da cultura, dado que os vínculos sempre “foram muito complexos, indo da desconfiança e concorrência permanente em decorrência das necessidades de cada Estado para garantir o interesse nacional, a segurança exterior e a soberania, até a promoção da cooperação, a interdependência e a integração” (Canteros, p. 1 2017).
Sugerimos ainda que algumas medidas poderiam ser aplicadas com a finalidade de impulsionar o ensino do português na Argentina, como, a título de exemplo, a expansão da oferta de cursos de formação de professores no nível universitário para argentinos, considerando que a maioria dos professores de PLE na Argentina é brasileira, com formação no Brasil, residente no país (Ferreira, 2020). Além do mais, a nível macro, seria relevante estabelecer políticas educacionais e linguísticas para posicionar o português com o status de língua regional, não língua estrangeira, incluindo-a como obrigatória em algumas graduações, a fim de se criar uma consciência crítica em relação ao “ensino exagerado” do inglês e, por fim, a criação de uma consciência da importância do plurilinguismo na região a começar pelo âmbito universitário.
Paraguai
Brasil e Paraguai compartilham 1.339 Km de fronteira - a quarta maior extensão de fronteira. O Brasil é o principal parceiro comercial do Paraguai. Em 2018, para exemplificar, absorveu mais de 30% de todas as exportações paraguaias, inclusive a energia de Itaipu não consumida pelos paraguaios é comprada pelo Brasil. Ainda segundo dados do Itamaraty, o Paraguai é o segundo país com maior número de brasileiros, ficando apenas atrás dos Estados Unidos.
A presença do idioma português no Paraguai é relativamente recente e está presente em vários departamentos, notadamente naqueles que fazem fronteira com o Brasil. A LP está relacionada com o aumento da agricultura, em áreas do Estado do Paraná e do Rio Grande do Sul, que levaram os agricultores a comprar terras na região de fronteira com o Brasil. Podemos observar que isso ocorreu, em especial, nos departamentos de Canindevú e Alto Paraná. Essa questão deu origem a uma população chamada brasiguaios, que, consoante Müller de Oliveira e Morello (2019), aproxima-se de 500 mil pessoas. Para os autores, esse fenômeno estabeleceu uma espécie de fronteira política e linguística.
O Paraguai possui 54 universidades, sendo 8 públicas e 46 privadas, e apenas oito têm PLE. O Quadro abaixo apresenta o cenário.
Uruguai
O Uruguai tem uma fronteira de 1068 km com o Brasil. Em algumas áreas dessa fronteira se fala o português conhecido como portunhol riverense ou, apenas, portunhol. É falado em cidades como Artigas e Quaraíy no Uruguai e Santana no Livramento no Brasil. Mozzillo (2013), afirma que a origem do portunhol se deve a colonização portuguesa na região norte do Uruguai, que sofreu sucessivas disputas entre Portugal e Espanha, caracterizando-se por uma mistura das duas línguas.
No Uruguai existem atualmente sete universidades oficialmente credenciadas: duas públicas e cinco privadas. No Quadro 3 a seguir as universidades que ensinam português numa graduação.
O Quadro 3 revela que somente três universidades, das sete que recebem a nomenclatura “universidade”, têm a LP como uma unidade curricular. A Universidad de la República é a única instituição pública que tem cinco graduações com a PLE: Traductor Público, com duas disciplinas intituladas Taller de la Lengua Portuguesa e Cultura de la Lengua Portuguesa, cada uma com um semestre (no quarto e último ano). A grade curricular dessa licenciatura é de 1988. Cabe destacar também que, além do português, do plano de curso constam o italiano, o alemão, o francês e o inglês como línguas estrangeiras com carga horária superior ao português, além da língua materna, o espanhol, com seis semestres dedicados ao seu ensino. Na mesma universidade, há os cursos relacionados com o turismo (Licenciatura en Turismo e Licenciatura Binacional en Turismo), o comércio (Relaciones Internacionales) e a comunicação (Licenciatura en Ciencias de la Comunicación). Esses cursos contam apenas com um semestre em LP.
Já a Licenciatura en Relaciones Internacionales conta com quatro semestres de LP e seis de inglês. Na carrera de Escribanía e Abogacía os estudantes têm dois semestres de LP. Fato que nos chamou atenção é que a única graduação em Derecho (dos três países objeto de nosso estudo) que conta com LP na grade curricular é a da Universidad de la Empresa, com a designação Portugués Juridico I e II. Cabe mencionar também que a Universidad de la República é a única do bloco que tem um curso, no caso, o de Marketing, com a designação Mercosul, ou seja, Uruguay y Mercosur. Embora no Uruguai não haja nenhuma universidade que forme professores de PLE, há os institutos universitários que têm o Profesorado en Portugués, aspecto que não focamos, uma vez que não fez parte da delimitação de nosso estudo, como já exposto.
Diferentemente da Argentina e do Paraguai, o português está presente em terras uruguaias, no norte do país, desde o século XVII, resultado dos fluxos colonizadores e migratórios empreendidos por portugueses até o século XIX e, em momento posterior, por brasileiros. Assim, a ocupação do norte uruguaio se deu historicamente de forma conjunta com a colonização portuguesa do sul do Brasil, com destaque para o estado do Rio Grande do Sul, de onde brasileiros continuaram migrando durante o século XX, de modo que milhares de uruguaios que moram no norte do país tem o português como língua materna. O chamado dialeto português uruguaio é falado por aproximadamente 15% da população
Para respaldar essa questão, Carvalho (2006) destaca que o reconhecimento científico e linguístico da língua portuguesa como língua materna do Uruguai também foi consequência da luta constante e da participação recente de linguistas em comissões de educação no Uruguai sobre a inserção do ensino bilíngue nas escolas uruguaias, em tempo integral. Ainda ressalta que desde o ano 2000 o português brasileiro é reconhecido no sistema educacional uruguaio.
No que diz respeito ao ensino da língua portuguesa, possivelmente, o Uruguai tenha dado mais passos adiante no ensino dessa língua, pois está na educação desde o Tratado do Mercosul, em 1991, mesmo que seja na educação básica. Atualmente são 93 escolas do ensino fundamental e 22 no ensino médio, onde o português é aprendido, por opção, durante três horas por semana.
Discussão dos resultados
O mapeamento do ensino da língua portuguesa na educação superior nos países do Mercosul evidenciou que o ensino é incipiente e pouco se tem avançado, tanto nas universidades públicas quanto nas privadas. Como é de conhecimento, o Mercosul tem um enorme potencial econômico, sobretudo por causa do Brasil. Ficando atrás apenas dos Estados Unidos, o país tem o segundo maior Produto Interno Bruto (PIB) de toda a América ((IIP, 2018), pelo que se esperava que a LP, como língua oficial do país, tivesse maior peso na região, considerando que a língua está diretamente conectada com todos os fatores da vida e que as universidades têm, entre outras funções, a de preparar os indivíduos para enfrentar o mercado de trabalho e contribuir para a expansão econômica da região (e do mundo), de modo que venha melhorar a vida das pessoas. Os dados revelam-nos que não está sendo dada a devida importância a LP no meio acadêmico. Na Tabela 1, sumarizamos o que discutimos até agora a fim de compararmos.
Do total de universidades argentinas, apenas 32% delas têm alguma graduação ou disciplina ligada à LP e há apenas 11 cursos que formam professores de tal língua em todo o território, o que leva a maioria dos professores de LP ser brasileira. No Paraguai, apenas 14,8% do universo de 54 universidades têm LP e o mais preocupante é que há apenas um curso de formação de professores de PLE, o da Universidad Nacional de Asunción, que inclusive foi instituído com ajuda do estado brasileiro. No estado uruguaio, 42,8% das universidades ofertam a língua portuguesa em forma de cursos ou disciplinas ao passo que não há nenhuma licenciatura de formação de professores de português em instituições nomeadas como “universidades”. No entanto, há os institutos superiores de educação que formam professores de língua portuguesa, que não compõem objeto de nosso estudo.
Esses dados refletem que não há uma Política Linguística contundente que encare os desafios para o fortalecimento do ensino do português. Constatamos, como já aferido, que o inglês ganha o terreno (e muito), mesmo que o maior parceiro comercial da Argentina, do Paraguai e do Uruguai seja o Brasil, como preconizam Teles et al. (2019).
Constatamos, como Angelucci e Pozzo (2018), que, mesmo com os avanços institucionais e legislativos, muito precisa se avançar, tanto no âmbito político e executivo, para implementar com eficiência e eficácia as mudanças que estão prescritas nas leis, bem como aprofundar o conhecimento sobre novas perspectivas do ensino do português. Para tanto, implica ir além das imposições impulsadas pelas políticas linguísticas das grandes potências, que colocam o inglês no pedestal, dando-lhe quase que exclusividade como idioma universal.
É importante que se derrubem estereótipos para a compreensão de que as línguas abrem portas à construção global de comunidades mais empáticas ao outro, ao diferente. Além do mais, a multiplicidade cultural e a diversidade linguística, bem como o plurilinguismo, desvelam-se como estratégias políticas e sociais que devem fazer parte do dia a dia do cidadão.
Palavras (por ora) finais
Como podemos verificar, são muitas as formas como a PLE é introduzida nas universidades públicas e particulares na Argentina, no Paraguai e no Uruguai. Os programas de graduação na área da economia e do turismo são os que mais incorporam a língua portuguesa como disciplina. Também foram encontrados cursos da área de comunicação, de tradução, de gastronomia e de direito, ainda que o português seja só abordado num semestre e, por último, as graduações que formam professores de PLE.
As informações recolhidas nos websites das universidades nos revelaram que um número mínimo de graduações na educação superior oferece a disciplina LP, bem como cursos de PLE. Faz-se necessário que voltemos às perguntas que nortearam este trabalho: Quantas e quais universidades ensinam o português? Num total de 161 universidades existentes nos três países, apenas 43 delas têm LP como unidade curricular ou como cursos de PL e L2 em licenciaturas para formar professores de PLE.
Quanto à segunda pergunta, Em quais graduações está presente o português como disciplina obrigatória?, os cursos estão divididos nas áreas econômica, turística, comunicacional, tradução e formação de PLE. Em relação à questão Quando há a língua portuguesa nas grades curriculares/planos de curso das graduações, quantos semestres são dedicados a essa língua?, notamos que há uma grande variação: enquanto na Universidad Nacional de Cuyo, no curso de Turismo, há 4 semestres de LP e na Universidad Católica de la Plata, no mesmo curso, existe apenas um semestre. A maioria das graduações oferece dois semestres de LP, exceto os cursos que formam professores de português, que têm 8 semestres de LP. Já no Paraguai, os cursos variam entre um e quatro semestres. Por exemplo, a Universidad Artística y Politécnica del Paraguay, no curso de Periodismo, da sua grade curricular constam quatro semestres de português, enquanto a Universidad Tecnológica Intercontinental somente tem um semestre com um curso de mesma denominação. No Uruguai, os semestres dedicados à LP são os menores, de um a dois. Apenas constatamos no curso de Licenciatura en Relaciones Internacionales na Universidad de la Empresa que há 4 semestres de LP. Este é também o único no país a oferecer a LP num curso de Abogacía, mesmo que seja apenas um semestre.
Ainda que haja avanços institucionais e legislativos, no sentido de ampliar a oferta da LP nos países fundadores do Mercosul, há muito o que se fazer ainda. Se, por um lado, no contexto político linguístico/educacional, deve-se pôr em prática o que já é lei no Mercosul, por outro lado, deve-se criar uma “consciência universitária” no que concerne à valorização do português, o que, com efeito, não significa desvalorizar as demais, mas dar mais espaço às línguas da região na universidade. Possivelmente, para tal, isso requer tomadas de consciência de ações que tirem o monopólio, quase que exclusivo, dado ao inglês (Gusmão, 2015), ainda que o português seja a língua da região de maior valor econômico, em decorrência das relações comerciais que a Argentina, o Paraguai e Uruguai têm com o Brasil, como já citado e repaldado por autores como Gusmão (2015). Nesse sentido, o trabalho empreendido requer que pesquisas futuras sejam realizadas, verificando se o número de resultados recopilados relativos ao ensino de português nas universidades do Mercosul se mantém, aumentaram ou até mesmo diminuiram e seu impacto nas diversas áreas. Isso é necessário para um planejamento assaz de política linguística de PLE.