Introdução
A discussão aqui proposta emerge em um novo momento que intensifica reflexões no contexto da pandemia. A internacionalização do ensino superior exerce a função de produtora e propagadora de conhecimentos, logo, de fundamental importância para o desenvolvimento da sociedade, das universidades e dos países.
Com o desenvolvimento da globalização e internacionalização do ensino superior, a demanda de estudantes expandiu dramaticamente, uma grande proporção dos estudantes pretende estudar no exterior, abrindo caminhos para o ensino superior transfronteiriço. A vida dos estudantes que participam de programas de mobilidade internacional é composta por um conjunto de experiências, expectativas, sentimentos, emoções e adaptações. Os programas de estudo no exterior assumem muitas formas, mas todos compartilham a característica de que, por sua própria natureza, proporcionam aos estudantes uma dose saudável de aprendizado.
A imersão em outra cultura oferece novas oportunidades para aprender fazendo. Quando os estudantes vão para o exterior, eles inevitavelmente se veem olhando para dentro e para fora, reconciliando suas opiniões sobre si mesmos e suas suposições com o novo contexto cultural, formando um sentido inteiramente diferente de aprendizagem do tipo mais íntimo, o que, frequentemente leva a um autodesenvolvimento.
O currículo internacionalizado, focado no aprendizado do estudante, possibilita uma nova dinâmica, novos rumos para a formação acadêmica e a necessidade de desenvolver novas ideias, conceitos, produtos, métodos e serviços para a criação e transferência de conhecimento. Deve favorecer a formação holística do indivíduo e basear-se em uma estrutura curricular integral, humanística e socioeconômica. Seu objetivo é ajudar os estudantes a desenvolver uma perspectiva global (Gacel-Ávila, 2005).
Na última década, houve o fortalecimento de uma nova dimensão de avaliação das universidades baseada em índices de internacionalização, como o quantitativo de estudantes e de professores estrangeiros. Desde então, há uma verdadeira batalha pela excelência que gera implicações na educação superior em termos de internacionalização e competição, governança e autonomia, qualidade e produtividade (Veiga, 2014). As universidades precisam encontrar uma maneira de ser nacionais e internacionais (Gacel-Ávila, 2005).
O horizonte é infinito para os estudantes que apostam no ensino como uma oportunidade para conhecer o mundo. Conforme o mundo se torna cada vez mais interconectado, também aumentam os riscos que enfrentamos. O mundo foi pego de surpresa em consequência da pandemia do novo coronavírus Sars-Cov-2 causador do Covid-19, cidades mundo afora se esvaziaram. O aumento do número de infectados e de vítimas fatais em escala global exigiu uma mudança radical de comportamento e um isolamento social que afeta a maneira de conviver com as pessoas e de trabalhar. A pandemia, tal qual o nome indica, não parou nas fronteiras nacionais e requer esforços coletivos para enfrentar esta situação. No primeiro momento da chegada do vírus, a circulação foi restrita e sem o frenético ir e vir de pessoas e automóveis; o mundo praticamente parou.
Se, diante do cenário de isolamento social, todas as áreas enfrentam desafios para funcionar, não poderia ser diferente com a mobilidade acadêmica internacional. O novo coronavírus interferiu nos sonhos e objetivos acadêmicos dos estudantes internacionais. No ano 2020, foram surpreendidos por um grande obstáculo: uma doença viral altamente contagiosa. A rotina acadêmica foi completamente impactada e novas medidas de segurança foram tomadas. A tentativa de diminuir o contágio atingiu bruscamente o setor educacional, o qual decretou a suspensão das atividades acadêmicas por período indeterminado. A partir disso, universidades buscam prestar apoio aos estudantes, estabelecendo as medidas de proteção, os protocolos de segurança mais adequados durante esta realidade incerta e delicada.
Conforme casos do novo coronavírus foram se avolumando, governos de diversos países adotaram medidas para restringir a entrada de pessoas em seus territórios até chegar, em diversos casos, ao fechamento total de suas fronteiras. Com o governo brasileiro, a situação não foi diferente. A primeira medida foi fechar fronteiras terrestres, depois proibindo a entrada, via aérea, de viajantes oriundos de regiões onde havia o registro de casos da doença. Contudo, para a grande maioria dos estudantes brasileiros, a mobilidade acadêmica iniciou ainda no mês de fevereiro, período anterior a pandemia.
Mas, como fica a mobilidade acadêmica internacional neste novo arranjo? Como ficam as ações do programa diante do contexto atual? Há vários desafios pela frente; ao mesmo tempo, é também um momento de aprendizado para todos. O cenário traz muitas dificuldades, mas certamente possibilita desenvolver novas soluções e lidar com criatividade e determinação.
O estudo teórico e reflexivo assume um caráter exploratório e baseia-se, fundamentalmente, em recursos bibliográficos. O presente trabalho trata dos efeitos gerais da pandemia Covid-19 nas atividades das universidades; a análise se concentra nos efeitos sobre a mobilidade estudantil internacional e suas consequências para os estudantes internacionais.
Neste pulsar diferente e inédito da prática da mobilidade acadêmica internacional, nos questionamos quais são os desafios a serem enfrentados daqui por diante? Como será a mobilidade? Quais os efeitos? É possível que o virtual, o tecnológico, o online seja um espaço para a mobilidade acadêmica internacional se experimentar a si mesma? Seria esse um espaço e um tempo para uma educação internacional mais ampla? É possível afirmarmos e/ou (re)inventarmos uma educação internacional nesses ambientes e encontros virtuais; nas chamadas aulas online?
As inquietações seguem como nossas cúmplices nesta reflexão... de gerar e fazer nascer um novo pensamento que demanda o exercício de imaginar o futuro “pós-pandêmico” nas diversas esferas da atividade social. Assim, seguimos nas possibilidades que este tempo nos impele; admitimos a (re)invenção da própria universidade nos tempos que por e a ela movimentam. Tempo suspenso, de experiência, acontecimento, inícios e potência.
O desafio da internacionalização em ambientes educacionais durante a pandemia COVID-19
Para além do tripé tradicional da educação superior - ensino, pesquisa e extensão -, uma quarta missão emergente tem sido o escopo de atuação mais afetado nas universidades pela pandemia de Covid-19 e o que talvez mais demorará a se recuperar e a retomar a intensidade de patamares prévios à crise: a internacionalização (Goris, 2020).
Segundo Almeida (2020), a internacionalização das instituições de ensino superior é cada vez mais um processo intencional e não apenas uma experiência passiva. E, por esta razão, há muitas expectativas em torno da universidade internacionalizada, de sua contribuição para o processo de mundialização no século 21, da sua capacidade de competição além-fronteiras pelo desenvolvimento e capacitação de bons profissionais e tecnologias inovadoras.
Por este motivo, diante de uma crise que não conhece fronteiras, a cooperação internacional é mais crucial do que nunca. Esta cooperação é importante para o ambiente educacional, não apenas por causa de seu impacto sobre a mobilidade internacional, mas porque, acima de tudo, é a única forma possível de aprender de forma rápida o que funcionou no contexto da crise, por que e em que circunstâncias; também para estabelecer alianças que permitam uma ação coordenada e eficiente, encorajando a aprendizagem entre pares, promovendo a resiliência dos sistemas de ensino superior, compartilhando recursos e soluções tecnológicas e proporcionando melhor cobertura jurídica internacional à mobilidade acadêmica (Unesco Iesalc, 2020).
A mobilidade estudantil forneceu um novo mapa do mundo. Muitos países veem a mobilidade acadêmica internacional e os intercâmbios educacionais como componentes críticos para compartilhar conhecimento, construir capital intelectual e permanecer competitivo em ambientes globais. Estudar no exterior é uma forma de promover a compreensão mútua e a cooperação, especialmente em um clima de crescente incerteza política e agitação (Wu, Chang & Sun, 2020).
Entretanto, o que se observa é que a universidade é uma das instituições que a pandemia tem afetado de forma significativa e que, por maiores que sejam as discussões em torno desta temática, seus efeitos ainda não foram compreendidos totalmente (Goris, 2020).
Recio e Colella (2020) destacam o quanto a internacionalização foi maciçamente afetada pela pandemia. O modelo atual, fortemente baseado na mobilidade física, foi tanto prejudicado quanto questionado. As autoras indagam como as universidades estão contrabalançando esse prejuízo e de que forma a internacionalização será remodelada nos próximos meses e anos. Será possível para as universidades transformar toda essa crise em uma oportunidade?
Por este motivo, é uma tarefa urgente refletir sobre as diferentes experiências de internacionalização da educação superior, analisando as diversas dimensões, atores e possíveis consequências desse movimento mundial nas várias regiões (Almeida, 2020), principalmente em tempos de pandemia, de distanciamento social.
O atual cenário tem feito com que universidades, docentes, estudantes e pessoal técnico administrativo tivessem que se adaptar abruptamente a esse contexto migrando várias de suas atividades para o ambiente virtual (Hildeblando Júnior & Finardi, 2020). Com os estudantes e professores em casa, as aulas agora são ministradas por videoconferência - ou foram canceladas. A pandemia de Covid-19 impôs novas realidades e limites ao contato social tradicional do ensino superior, não apenas no Brasil, mas no mundo.
Neste novo cenário, também cabe destacar que, apesar da adaptação imediata da grande maioria das instituições ao ensino online, até agora as universidades têm operado no modo de “ensino remoto de emergência” para minimizar interrupções, em vez de abraçar totalmente a educação online. Portanto, é importante explorar como o ensino online e a aprendizagem combinada irão evoluir nos próximos meses e anos para garantir que a alta qualidade seja mantida (Recio & Colella, 2020).
Neste aspecto, destaca Tesar (2020) que a Covid-19 forçou todos os acadêmicos a se moverem online e o mundo inteiro se conectou. Tudo no meio acadêmico, dentro de alguns dias, mudou para online e os resultados demonstraram a criatividade, a adaptabilidade, mas também a natureza instrumental. Mostrou como a educação superior carece de pesquisas significativas em pedagogias digitais em ensino e aprendizagem, que podem ser traduzidas para colegas acadêmicos, mas também repassadas para as universidades.
Ter sua experiência interferida pelo novo coronavírus permite ao intercambista se questionar sobre suas expectativas e incertezas em permanecer no país. Afinal, estudos têm mostrado que a internacionalização no ensino superior envolve diferentes atividades, incluindo aprendizagem de línguas estrangeiras e programas para aumentar a compreensão global, e eles argumentam que os efeitos positivos da internacionalização se estendem de uma visão mais favorável de outros países a uma empatia crescente com outras culturas. A mobilidade do estudante aborda questões relativas à comunicação, consciência cultural e adaptabilidade, competências e habilidades (Wu, Chang & Sun, 2020).
Os intercambistas afetados por este cenário pandêmico perdem alguns benefícios da mobilidade internacional, como exposição internacional, oportunidade de viver no estrangeiro, networking, conhecer novas pessoas, a possibilidade de ampliar seus horizontes ou experimentar outras culturas, melhorar suas perspectivas no mercado de trabalho e melhorar sua competência em inglês (Schleicher, 2020).
Em todo o mundo, os programas de graduação foram transferidos para o ensino remoto e os programas de intercâmbio internacional foram suspensos ou adiados. Como os estudantes internacionais continuam enfrentando bloqueios, proibições de viagens e fechamentos de campus, os planos de mobilidade de graduação e crédito continuam ameaçados, com as restrições previstas para persistir nos próximos meses (Mercado, 2020).
Muitos estudantes atravessam o oceano para ter a vivência da sala de aula, o contato com outros estudantes estrangeiros, cursar disciplinas, conhecer novos lugares e viajar. Neste ano, muitos se depararam com uma situação completamente adversa. O convívio no campus com outros estudantes estrangeiros deu lugar ao distanciamento social necessário à preservação da vida.
Com campi fechados e pessoas em isolamento, a interação entre discentes, docentes e o público externo tornou-se praticamente impossível, salvo exceções de realização de cursos e eventos remotos em geral. Universidades de acolhimento parceiras no exterior também estão com atividades paralisadas e congressos, simpósios, seminários e feiras internacionais foram cancelados.
Não há dúvidas de que há um impacto negativo trazido pela pandemia Covid-19, manifestado em vários aspectos no ensino superior internacional e na mobilidade estudantil. As barreiras para os estudantes realizarem seus estudos no exterior incluem proibições de viagens, restrições de visto, fechamento de campus em países de destino, preocupações de suas famílias com saúde e segurança, atrasos nos testes de inglês, além da significativa diminuição de estudantes internacionais; considerando ainda que, com uma recessão econômica, o mercado de trabalho vai tornar-se ainda mais competitivo e os estudantes buscarão empregos em vez de estudar no exterior (Xiong, Mok, Ke & Cheung, 2020).
A universidade é, por si, um locus de socialização, convivência e integração. Nas palavras de Salles (2020, p.18): “Universidades são apostas ousadas da sociedade em um lugar especial”. Os estudantes vão às universidades para conhecer pessoas incríveis, ter conversas inspiradoras com o corpo docente, colaborar com pesquisadores no laboratório e vivenciar a vida social no campus (Schleicher, 2020). E isso se revela por ser um âmbito de grande importância na formação de discentes e na atuação profissional de professores, servidores e técnicos administrativos.
A universidade, em sua essência, herda e cultiva os padrões internacionais da ciência, da pesquisa e o patrimônio do saber humano, capacitando-se para aplicar o saber ao conhecimento da sociedade, à superação de seus problemas, a formação de uma força de trabalho com adequada qualificação ao progresso do país (Ribeiro, 1969). Para isso, a universidade não é um lugar qualquer, como afirma Salles (2020); é um lugar de múltiplas experiências afetivas, políticas, artísticas que buscam a verdade e fazem ciência. Permite fazer dialogar com os saberes e conviver matrizes de pensamentos conflitantes que colaboram; a universidade é lugar de esclarecimento e não apenas um repositório de verdades.
Em tempos de Covid-19, essa realidade face-a-face, os encontros oportunizados pela universidade dão lugar à presença remota, ao momento virtual.
Aos poucos, as atividades de ensino, pesquisa e extensão serão retomadas; entretanto, a internacionalização seguirá o ritmo mais lento. A atual pandemia representa uma interrupção da mobilidade estudantil internacional (Mercado, 2020). Momento importante para investimentos em pesquisa e a cooperação internacional entre instituições de ensino superior com vistas a soluções e condutas nestes tempos tão voláteis e incertos de pandemia.
Cabe ainda assinalar que o ensino superior tem sido frequentemente considerado um refúgio em períodos principalmente de pouca oferta de emprego, permitindo que os indivíduos desenvolvam suas habilidades. Em contraste com crises econômicas anteriores, as medidas de bloqueio/suspensão das atividades presenciais afetaram a oferta de aprendizagem e a experiência de estudar no exterior de maneira significativa. Também aumentou a conscientização sobre a vulnerabilidade dos estudantes internacionais em tempos de crise. Todas essas variáveis provavelmente influenciarão a percepção dos estudantes sobre o valor que obterão por estudar no exterior. Frente a esses desafios, as universidades precisarão desenvolver uma nova proposta que reavalie a qualidade da aprendizagem e as atividades em sala de aula atendendo às necessidades de uma população estudantil internacional que pode estar cada vez menos disposta a cruzar as fronteiras pelo único propósito de estudo (Schleicher, 2020).
O Futuro da Educação Superior: (re)significar a mobilidade acadêmica internacional
O momento que estamos vivendo impacta na educação superior e mais especificamente na internacionalização. Este é um momento único, jamais imaginado. Pensar no futuro e ver os acontecimentos atuais causa grande preocupação. Este é um dos maiores problemas que enfrentamos hoje, ajustar nossa maneira de pensar para enfrentar os novos desafios, organizar o conhecimento, o ensino e a internacionalização.
Esta crise expôs as muitas inadequações, injustiças e desigualdades em nossos sistemas de educação, desde o acesso a internet, computadores necessários para a educação online e ambientes de apoio necessário à aprendizagem, até o desalinhamento entre recursos e necessidades (Schleicher, 2020).
A propagação global da pandemia afetou severamente o desenvolvimento do ensino superior em vários aspectos, incluindo a mudança do ensino presencial para o ensino e aprendizagem online, o cancelamento de eventos físicos e atividades e a formação de um novo normal no ensino superior (Xiong, Mok, Ke & Cheung, 2020; Marinoni, 2020). Ainda não está claro por quanto tempo os países podem manter medidas rígidas de distanciamento e isolamento social (Wu, Chang & Sun, 2020).
Com vistas a garantir a continuidade da educação, apesar da suspensão das aulas presenciais, as universidades têm procurado usar a tecnologia e oferecer aulas e experiências de aprendizagem online em substituição ao tempo em sala de aula. No entanto, muitas instituições enfrentaram dificuldades e não tinham a experiência e o tempo de que precisavam para conceber novas maneiras de ministrar aulas e atividades (Schleicher, 2020).
Os esforços empreendidos para evitar a perda do ano letivo vazio e garantir um planejamento futuro apesar do alto grau de incerteza, demonstram a incrível pressão sobre as instituições de ensino superior para lidar com a atual crise (Marinoni, 2020).
E embora a Covid-19 tenha trazido muitos desafios para o ensino superior no ensino, na aprendizagem, nas colaborações de pesquisa e governança institucional, ele também traz uma excelente oportunidade para várias partes interessadas repensarem e até mesmo redesenharem o ensino superior com um risco eficaz (Xiong, Mok, Ke & Cheung, 2020).
A crise reforçou o papel essencial das universidades no serviço público de suas comunidades (Recio & Colella, 2020). Espera-se que as universidades saiam mais fortes dessa crise; o fato de as pandemias exporem nossas fraquezas faz com que as pessoas se refugiem na ciência, que é a razão de ser das universidades. As mudanças serão profundas, a Covid-19 não deterá a revolução digital, que já impactava a universidade, mas a fortalecerá (Goris, 2020).
A submissão de candidaturas de estudantes internacionais dependerá das medidas e políticas adotadas pelos governos dos países destinatários no futuro próximo (Goris, 2020). Neste cenário, surgem novas inquietações: haverá restrições de viagem para estudantes internacionais? Quais determinantes condicionaram a mobilidade internacional? A pandemia terá um impacto adverso na educação internacional e na mobilidade estudantil?
No curto prazo, é possível observamos as seguintes características: - restrições na concessão de vistos para pessoas oriundas de países com altas taxas de prevalência da doença; - condições psicoemocionais que diminuem a atração pela mobilidade internacional; - redução de financiamento a favor da mobilidade internacional; - aumento no custo das passagens aéreas para implementar o distanciamento social no transporte aéreo de passageiros; e - aumento da oferta de educação virtual transfronteiriça, tornando a mobilidade tradicional menos atrativa ao permitir aos estudantes a oportunidade de cursar disciplinas à distância, com o reconhecimento dos créditos pelas instituições de ensino superior de origem (Goris, 2020).
Ogden, Streitwieser e Van Mol (2020) defendem que dificilmente haverá qualquer interrupção na internacionalização como a conhecemos e apenas uma diminuição temporária e ligeira restrição dos padrões tradicionais de mobilidade estudantil.
Esta afirmação é sustentada por Xiong, Mok, Ke e Cheung (2020) que argumentam que, embora os impactos adversos da pandemia no ensino superior internacional e na mobilidade estudantil tenham sido reconhecidos, há uma visão otimista de que a mobilidade estudantil internacional continuará forte após a pandemia, uma vez que os esforços anteriores de globalização e internacionalização do ensino superior em cada país estabeleceram uma base sólida para a mobilidade estudantil, estimulando políticas de intercâmbio de estudantes. De acordo com os autores, há uma tendência de regionalização que pode ser mais evidente no ensino superior internacional durante e após a pandemia de Covid-19.
Para Schleicher (2020), o crescimento lento da perda de habilidades nos estudantes de hoje só será visto daqui a alguns anos. No entanto, quando considerado ao longo deste prazo, o impacto torna-se significativo. Os países continuarão enfrentando uma redução do bem-estar econômico, mesmo que suas universidades voltem imediatamente aos níveis de desempenho anteriores à pandemia; as mudanças afetaram o aprendizado, as avaliações, a segurança e o status legal dos estudantes internacionais em seu país anfitrião. Para o autor, a crise levanta questões sobre o valor oferecido por uma educação universitária que inclui networking, oportunidades sociais e conteúdo educacional e, para permanecerem relevantes, as universidades precisarão reinventar seus ambientes de aprendizagem para que a tecnologia expanda e complemente as relações estudante-professor e estudante-estudante.
Schleicher (2020) sustenta ainda que os desafios não terminam com a crise imediata; os investimentos com educação podem ficar comprometidos nos próximos anos. Como os fundos estão sendo direcionados à saúde e ao bem-estar social, os gastos públicos de longo prazo com a educação estão em risco.
De acordo com Bilecen (2020), quando a economia se contrai, o mesmo acontece com a despesa pública com a educação, incluindo bolsas e subsídios para mobilidade de entrada e saída. Isso pode levar a uma maior estratificação do ensino superior e a falta de incentivos aos programas de internacionalização. Assim, para promover a mobilidade internacional e garantir a colaboração transnacional, os governos devem fazer dos gastos públicos com educação uma prioridade.
Neste quesito, as universidades brasileiras, em especial, já experenciam esta realidade. São cada vez maiores as exigências por parte da sociedade e principalmente, mais restritivas as políticas de financiamento das suas atividades por parte do Estado. Nesta perspectiva de contingenciamento progressivo de recursos, as universidades públicas obrigam seus gestores a tomarem decisões, muitas vezes renunciando a assistência estudantil, a qualificação do pessoal docente e técnico, a manutenção de laboratórios ou o investimento de infraestrutura (Salles, 2020).
Não é apenas em razão da pandemia do Covid-19 mas, a universidade, considerada como um bem público, é ameaçada por pressões, se configura como um campo de disputa e tem sido historicamente tensionada a mudar (Souza Santos, 2018). Para enfrentar esse momento difícil, o caminho é a resistência. “Resistimos com a melhor aula, a mais rigorosa pesquisa, a mais ampla atividade de extensão, as mais bem cuidadas publicações” (Salles, 2020, p.88). A resistência acontece com o emprego de todo esforço necessário à sacralidade do espaço universitário; lugar de encontro entre vocação e profissão, de confrontação de saberes e culturas, de exercício do espírito cívico, de vanguarda cultural e científica (Salles, 2020).
Recio e Colella (2020) defendem que no futuro, essa crise será lembrada como um momento de emergência que, sob várias perspectivas, funcionou também como um alerta, demonstrando que muitas das atividades que eram realizadas fisicamente também podem ser realizadas em um formato virtual com semelhante sucesso; para isso, a infraestrutura digital, os métodos e as habilidades apropriadas devem ser incorporadas de forma adequada nas instituições.
As autoras traçam algumas perspectivas para o futuro da internacionalização da educação superior. De acordo com elas, haverá uma mobilidade combinada, as mobilidades começarão virtualmente e terminarão fisicamente e os estudantes poderão decidir se mudar para o exterior enquanto seguem as aulas virtualmente. Os programas de estudo no exterior serão fortemente afetados, haverá um foco maior em soluções online e atenção especial aos programas desenvolvidos para os estudantes que desejam uma experiência internacional sem necessariamente se mudar de seus países. Para algumas universidades o foco será maximizar a entrada de estudantes locais e nacionais. O reconhecimento do ECTS obtido através das mobilidades online será acelerado, as parcerias com universidades facilitarão o processo de reconhecimento. Os dias de acolhimento, de boas-vindas e as semanas de recepção aos novos estudantes serão realizados em formato online, envolvendo os estudantes locais.
Mobilidade Virtual Internacional: um novo mundo?
À medida que a pandemia Covid-19 persiste, haverá maior familiaridade e aceitação das plataformas online. Novas modalidades menos conhecidas despontam como possibilidades para o aprendizado internacional. É possível observar que o termo "estudar no exterior" foi gradualmente substituído por "educação no exterior" para abranger outras modalidades, como a mobilidade virtual por exemplo (Ogden, Streitwieser & Van Mol, 2020).
O objetivo da proposta de mobilidade acadêmica virtual é promover a cooperação entre países e o intercâmbio de ideias, mesmo no atual contexto da pandemia causada pela Covid-19. Contudo, a mobilidade virtual é um conceito emergente que necessita ainda de trajetórias mais consolidadas para encontrar reconhecimento. Este modelo é definido como a utilização das tecnologias da informação e comunicação (TIC’s) para obter o mesmo benefício que um estudante de mobilidade física tem sem ter que se deslocar; os créditos para cursos ou disciplinas cursadas na modalidade virtual são garantidos com reconhecimento na instituição de origem (Goris, 2020).
Mesmo considerando que as universidades voltaram seus olhares para a virtualidade com o objetivo de garantir a continuidade do processo ensino-aprendizagem, essas instituições ainda apresentavam baixo nível de virtualização acadêmica. A mobilidade não encontra a mesma correspondência e afinidade em mudanças nas arenas da virtualidade. Consequentemente, a mobilidade acadêmica internacional estará pausada até que as universidades reiniciem, parcial ou totalmente, as atividades presenciais, e os fatores condicionantes da mobilidade física não ofereçam riscos significativos para permitir fluxos de mobilidade acadêmica internacional (Goris, 2020).
A crise da Covid-19 pode contribuir para mudanças duradouras na forma como os estudantes vivenciam a educação internacional. Novas oportunidades podem ser encontradas ao permitir que os estudantes construam comunidades acadêmicas online que os conectam com outros estudantes e ideias semelhantes em todo o mundo, permitindo atingir seu potencial educacional por meio da aprendizagem internacional colaborativa (Ogden, Streitwieser & Van Mol, 2020).
Algumas universidades têm enfrentado esses desafios, introduzindo programas de tutoria de amigos, envolvendo estudantes locais para apoiar estudantes internacionais na transição, organizando “cafés virtuais” para os estudantes internacionais se manterem em contacto com os mesmos, organizando outras atividades de engajamento online. Treinamentos interculturais virtuais e sessões especiais de boas-vindas online foram lançadas para aproximar as pessoas e facilitar apresentações. As universidades também criaram seções de sites dedicadas com informações importantes para estudantes internacionais (Recio & Colella, 2020).
É possível prospectar um novo tipo de ensino superior internacional, um mundo em que a mobilidade não é necessária e, às vezes, nem mesmo desejável, para um intercâmbio internacional significativo ou uma educação internacional. Esses eventos como consequência da Covid-19 aceleraram o surgimento de um novo mundo pós-mobilidade, ou aquele em que a viagem física é desnecessária para a criação e produção de conhecimento através das fronteiras (Mercado, 2020).
A mobilidade virtual é uma alternativa viável à mobilidade física. Os indivíduos em ambientes de aprendizagem virtuais podem se envolver em colaborações transfronteiriças com pessoas de diferentes locais e culturas, aumentando assim a compreensão intercultural e o intercâmbio de conhecimento. Entretanto, se, por um lado, o vasto potencial da aprendizagem internacional permanece inexplorado enquanto a maioria dos estudantes do mundo tiver barreiras à sua mobilidade pessoal, por outro lado, a aprendizagem online e colaborativa pode fornecer ganhos de aprendizagem a um custo relativamente baixo (Mercado, 2020).
E, deste modo, no contexto da internacionalização do ensino superior, a pandemia vem reforçando uma tendência que já se mostrava uma realidade, a de que a mobilidade física é restrita a poucos estudantes devido ao investimento financeiro, mas a mobilidade virtual é uma realidade possível para muitos (Hildeblando Júnior & Finardi, 2018).
À medida que libertam os alunos de restrições geográficas e envolvem outras populações de estudantes que tradicionalmente não podiam viajar para o exterior, é provável que essas modalidades expandidas de mobilidade estudantil cresçam em reconhecimento e aceitação (Ogden, Streitwieser & Van Mol, 2020).
Todavia, o principal desafio quando se trata da internacionalização em formato virtual é compreender como as universidades podem garantir o valor agregado aos estudantes internacionais que iniciam sua mobilidade sem a presença física no campus; como expô-los às habilidades interculturais que teriam emergido das interações humanas; como compensar a perda de interação física com a comunidade de acolhimento. Além disso, os estudantes internacionais quando ingressam nas instituições de acolhimento precisam de orientações necessárias ao funcionamento da instituição. É fundamental neste momento fornecer suporte aos estudantes internacionais que buscam compreender o funcionamento da universidade neste novo formato (Recio & Colella, 2020).
Esses desafios se somam à competição acirrada por universidades, para as quais será mais difícil provar valor agregado aos estudantes internacionais quando as vantagens de estar fisicamente no próprio campus forem removidas, em comparação com universidades que incorporaram o ensino online e aprendizagem combinada por anos. Outras questões desafiadoras são consideradas ao trabalhar ao mesmo tempo com estudantes baseados em diferentes países e fusos horários; é preciso ainda garantir que todos tenham uma infraestrutura de TI para acompanhar as aulas virtualmente (Recio & Colella, 2020).
Na verdade, as experiências de estudo no exterior ajudam os estudantes a desenvolver uma série de habilidades essenciais, incluindo resolução de problemas, tomada de decisão autônoma, capacidade reforçada de gerenciar mudanças e diferenças, desenvolvimento de habilidades transversais, habilidades multiculturais, linguísticas e mentalidades globais (Mercado, 2020).
As experiências internacionais podem contribuir para o sucesso dos estudantes, equipando-os para trabalhar em diferentes culturas em ambientes globais. A mobilidade acadêmica internacional pode ter outros benefícios relacionados ao aprendizado, conduz ao desenvolvimento pessoal, resulta em notas mais altas, melhores resultados de graduação e melhores perspectivas de carreira (Mercado, 2020).
Bilecen (2020) argumenta que os estudantes internacionais fazem contribuições sociais, culturais e econômicas inestimáveis não apenas para os lugares onde estudam, mas também para seus países de origem e em outros lugares, em termos de como vivem e trabalham. O estudo no exterior beneficia não apenas os estudantes internacionais, mas seus colegas locais, por meio do que é conhecido como internacionalização em casa, através de uma experiência internacional em sala de aula com conteúdo e discussões globais. Receber uma educação em uma sala de aula internacional e por meio da socialização traz melhorias à experiência universitária de todos os estudantes. É bem sabido que, com amizades construídas em diferentes culturas e nacionalidades, os estudantes acumulam competências interculturais e cooperação, contribuindo para uma maior compreensão e sociedades mais tolerantes.
Então, será que os cursos online internacionais podem oferecer as mesmas vantagens? O corpo de evidências sobre os benefícios da mobilidade virtual é ainda pouco convincente quando observados os resultados sobre estudos presenciais no exterior. E, embora a Comissão Europeia tenha definido como prioridade estratégica a promoção da mobilidade virtual, até agora as instituições europeias de ensino superior fizeram apenas tentativas modestas para adotá-la. Na verdade, as evidências sugerem que, mesmo em meio à crise do coronavírus, muitos jovens continuarão a preferir estudar pessoalmente no exterior (Mercado, 2020).
Espera-se que a universidade submeta seus estudantes a experiências pedagógicas que, independentemente do curso escolhido, criem flexibilidade, promovam o desenvolvimento pessoal, agucem a motivação individual e produzam conhecimento (Souza Santos, 2018). Neste sentido, o conhecimento oportunizado pela universidade não regula apenas conceitos, mas, também, valores, práticas, culturas e corpos.
Todavia, a educação com a missão de preparar indivíduos para a vida em sociedade não está isenta da importância do seu papel nesse momento histórico que vivemos e os muitos desafios a enfrentar; o ensino-aprendizado, seja no espaço virtual ou no espaço físico, é o mais urgente. O aprendizado global, local, intercultural também é ou pode ser local, virtual ou híbrido (Hildeblando Júnior & Finardi, 2020).
Considerações Finais
Estamos em experiência. É uma experiência educativa, educacional e de pensamento também, mas não podemos, tampouco queremos, afirmar que esta seja, a partir de agora, a verdadeira experiência da mobilidade internacional. Nossa tarefa à frente será transformar os desafios imediatos em oportunidades.
A internacionalização do ensino superior, em especial, a mobilidade acadêmica, são temas relativamente novos e de significativa importância, quer como prática, quer como discussão, na medida em que envolvem a política educacional, provocando, desta forma, significativos e controversos debates, uma vez que a ação pode implicar em resultados educacionais, econômicos, políticos e culturais para as universidades. Em tempos de pandemia da Covid-19, assuntos como este surgem com novas inquietações e controvérsias.
Sem dúvida, parece provável que a crise acelere o desenvolvimento da educação online, paralelamente e em complemento à educação presencial, assim que for retomada; mas isso não significa que a demanda por ensino superior presencial diminuirá significativamente a longo prazo. A pandemia não está sinalizando o fim da educação internacional, mas apenas acelerando algumas mudanças que já estão em andamento há anos.
A sala de aula física, espaço do encontro, da interação, do contato, da aproximação apresentam benefícios pessoais que não podem ser substituídos. Contudo, depois de recorrer ao ensino online como uma medida de emergência, as instituições verão os benefícios deste modelo híbrido. Embora algumas já tenham marcas digitais fortes, outras são mais novas no aprendizado virtual, portanto, as ofertas online futuras irão variar dependendo da experiência, mercado e posicionamento de cada universidade.
Neste sentido, é muito provável que as universidades repensem a educação da maneira que tem sido praticada. De fato, neste momento em meio às incertezas, um novo normal, essas instituições têm a oportunidade de entender e conceber a educação de novas maneiras.
Cabe destacar que se o próximo ano acadêmico começar com as atividades remotas, as plataformas precisarão ser de melhor qualidade do que as adaptações temporárias postas em prática.
Quanto a mobilidade acadêmica internacional, a pandemia afetou enormemente o ensino superior e levará algum tempo até que os fluxos tradicionais se estabilizem. O impacto de uma recessão global pendente certamente diminuirá ainda mais a oferta de estudantes globalmente móveis. E ainda não sabemos realmente até que ponto os estudantes intercambistas estão satisfeitos com os arranjos de educação online, não só pela qualidade, mas também pela perda de relações interpessoais presenciais com colegas e docentes.
No futuro, a mobilidade acadêmica internacional assumirá diferentes formas, que vão desde o modelo do estudante que busca educação no exterior até o modelo mais complexo de mobilidade interinstitucional e intra-institucional. Nesse cenário, a mobilidade virtual deve emergir como um meio pelo qual aqueles que não podem se mover fisicamente através das fronteiras podem desfrutar de algumas das qualidades e benefícios da educação internacional.
Este novo contexto convida a um (re)pensar, (re)desenhar, (re)imaginar o que entendemos por educação superior. Almejar um mundo de mobilidade responsável onde a mobilidade física tradicional está disponível para os jovens e coexiste com a mobilidade virtual para tornar as experiências internacionais ainda mais acessíveis.
Ao entrarmos na fase de recuperação da Covid-19, será fundamental refletir sobre o papel dos sistemas educacionais na promoção de sociedades resilientes. A crise global de saúde trouxe à tona a ciência, a pesquisa e a consciência do valor das universidades para a sociedade. Por meio de seu papel no desenvolvimento de competências e habilidades necessárias para a sociedade de amanhã, os sistemas de educação precisarão estar no centro desse planejamento.
Nesse sentido, a pandemia é também um apelo à renovação do compromisso do governo, dos países em garantir educação para nossa sociedade futura, oportunidade de desenvolver conhecimento, habilidades, atitudes e valores que contribuam para a agenda global.
Embora a pandemia de coronavírus tenha sido um evento indesejável com efeitos destrutivos tanto para as pessoas quanto para a economia, ela nos proporcionou uma oportunidade única. Isso nos permitiu imaginar como podemos transformar a educação de estudantes internacionais - se não todo o ensino superior.
Como afirma Tesar (2020), não há dúvida de que vivemos em uma época que nossa geração se lembrará para sempre. Usamos a linguagem da ‘nova normalidade’, que assumiu a novidade, mas também o medo. O que há de ‘novo’ nesta ‘nova normalidade’ e o que é ‘normalidade’ nesta ‘nova normalidade’ são algumas das questões que teremos de abordar. O caminho à frente será um desafio para a educação internacional, mas não foi sempre?