Introdução
O presente trabalho originou-se na disciplina de “Estágio Supervisionado em Formação do Professor em Psicologia I”, do curso de Psicologia da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (Campus Goiânia). Este curso é ofertado nos graus acadêmicos de Bacharelado e Licenciatura, sendo o último condicionado e, portanto, complementar ao primeiro, de modo que o futuro professor de Psicologia obtém, necessariamente, o grau de psicólogo - específico da profissão.
Buscando tornar possível a consolidação dos conhecimentos teóricos acumulados nas disciplinas da Licenciatura, conectando-os com a prática, o Projeto Pedagógico Complementar do curso de Licenciatura em Psicologia - Grau Acadêmico Bacharelado e Licenciatura (2014) - prevê dois semestres de estágio, sendo que o referido relato deriva do primeiro deles (1/2020).
O curso de Psicologia está instalado na Faculdade de Educação, o que dá indícios da perspectiva da qual se parte para pensar tanto a relação entre Psicologia e Educação como a formação do futuro profissional, qual seja, uma formação rigorosa, consistente e crítica, capaz de possibilitar o enfrentamento das vicissitudes e demandas do indivíduo emergentes na sociedade brasileira.
Ademais, partindo da concepção de que somos seres determinados pelas condições históricas e materiais, impõe-se considerar que a ciência também é um fenômeno determinado, sendo produto da atividade humana, apreendida em seu contexto social, histórico e político. Nesta direção, vale lembrar que, no cenário atual, há uma valorização equivocada da ação sobre o pensamento ou da prática sobre a teoria, tendência que impede pensar numa formação integrada. Dada esta fragmentação, compete particularmente à universidade formar seres humanos que, na esfera da práxis, “não abandonem a dimensão do pensamento, da crítica, da liberdade, da ética, do ser, da criação do novo, do sonho, da utopia” (Coêlho, 2003, p. 49), com o intuito de criarem possibilidades para a transformação social.
Ao considerar estes aspectos, convém destacar que este relato refere-se à experiência de estágio de alunos do ensino superior, da Licenciatura em Psicologia, nos cursos de Licenciatura em Filosofia, Música e Ciências Biológicas da Universidade Federal de Goiás. No curso de Filosofia ministrou-se a disciplina de Psicologia da Educação I, enquanto nos cursos de Música e Ciências Biológicas, ministrou-se a disciplina de Psicologia da Educação II.
Entre as adversidades que a Licenciatura em Psicologia coloca, uma delas se apresenta neste estudo de forma mais evidente. Tendo em vista o contexto pandêmico, a impossibilidade do contato físico com os alunos e a condição excepcional sob a qual o estágio se realizou, fora do domínio espacial da universidade, a reflexão sobre como estabelecer as interações sociais e transmitir o conteúdo proposto tornou-se um desafio constante.
Neste sentido, objetiva-se apresentar, neste relato de experiência, as vivências relativas ao ensino de Psicologia no contexto do Ensino Remoto Emergencial, com foco nas metodologias, as quais buscam promover o aprendizado dos alunos de modo efetivo. Este estudo, de natureza teórica, demandou uma pesquisa bibliográfica e ancorou-se fundamentalmente no referencial teórico da Pedagogia Histórico-Crítica.
Destarte, a estrutura do presente relato inicia-se discorrendo sobre o ensino de Psicologia, apresentando não apenas a concepção de formação em que se fundamenta, como também concisos comentários sobre a relação imbricada existente entre Psicologia e Educação.
Em seguida, em um tópico específico, contextualiza-se o Ensino Remoto Emergencial como modalidade adotada para a retomada das atividades acadêmicas e o desafio de conceber a metodologia de ensino neste cenário.
Posteriormente, em uma seção própria, expõe-se a concepção de estágio na qual o presente trabalho se ampara, os procedimentos utilizados e a caracterização dos respectivos campos de estágio, delineando a metodologia adotada nas disciplinas ministradas.
Na sequência, descrevem-se e discutem-se os resultados dos dados coletados no decorrer do estágio, para, finalmente, se tecerem as conclusões em que serão esboçadas questões acerca das dificuldades encontradas e das perspectivas de continuidade dos estudos realizados, com avaliações e sugestões para trabalhos futuros.
Sobre o ensino de Psicologia
A história da origem da Educação se confunde com a história da origem do próprio Homem, uma vez que, para a produção e complexificação do trabalho material, fez-se necessário o desenvolvimento das ideias, ou seja, do trabalho não-material. A Educação certamente atua como trabalho não-material. Assim, além de um objeto de estudo das ciências humanas, esta é fundamentalmente um processo que possibilita a constituição do homem enquanto homem (Saviani, 1996).
Nesta direção, a Educação “é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens” (Saviani, 2001, p. 30).
Contudo, Saviani (2018) admite a existência de contradições inerentes à Educação e à escola na sociedade capitalista, com base nos fundamentos das teorias críticas. Postula que a Educação deve propiciar a constituição do Homem em um contexto de liberdade, democracia, autonomia e exercício da cidadania. Porém, como a Educação e a escola também se tornaram instrumentos de legitimação da alienação própria do sistema econômico prevalecente na sociedade, para lutar contra os interesses conservadores, a dominação e os privilégios de uma classe que se mantém no poder, faz-se necessário, no interior das próprias contradições, insurgir uma pedagogia revolucionária que priorize os conteúdos.
Isso porque, segundo Saviani (2018), se os indivíduos das camadas populares não se apropriarem dos conteúdos científicos e culturais, não poderão fazer valer seus interesses, porque ficarão desarmados contra os dominadores, que fazem uso exatamente destes conteúdos para chancelarem e consolidarem a sua dominação.
Nesta perspectiva, conforme Gentili (2009) asseverou, a Educação precisa de práticas pedagógicas e de discursos vanguardistas críticos, porque a realidade que prevalece é injusta e brutal. E, como a realidade também se transforma, as velhas práticas e as antigas retóricas se tornam pouco convincentes para as grandes massas que enfrentam as consequências da exclusão, o extermínio da esperança e a desintegração de suas próprias vidas por parte dos dominadores.
Sendo assim, segundo Gentili (2009), transformar a Educação e a escola no âmago do ideário neoliberal constitui um enorme desafio, o qual demanda: forjar estratégias que assegurem a qualidade da Educação; restabelecer o papel crítico dos professores; democratizar o acesso à escola; e promover a equidade e a justiça social.
Esse processo, no entanto, levanta algumas questões, sobretudo quando se considera a relação que a Educação estabelece com outro campo do conhecimento: a Psicologia.
Muitos estudos têm sido sistematizados, especialmente nas últimas décadas, no Brasil, abordando a relação que se estabelece entre Educação e Psicologia e como a inter-relação destas duas áreas do conhecimento pode constituir um ponto de convergência com corpo teórico e objeto próprio (Warde, 1996; Maluf, 2004; Schlindwein, 2010; Bezerra & Araújo, 2012).
As contribuições de Miranda (2008), no que concerne a esta relação, acenam para uma dupla vinculação entre os campos do conhecimento em questão, uma vez que estes são interdependentes e inextricáveis. A primeira vinculação estaria relacionada com as formulações teóricas que são elaboradas e a segunda vinculação estaria referenciada à prática social historicamente constituída. No que tange à natureza desse vínculo, a autora apresenta duas concepções correntes:
[...] a primeira parte da teoria psicológica para a educação, tomada como campo para sua referenciação na prática, retornando em seguida à teoria (psicologia-educação-psicologia); a segunda vertente tem um sentido inverso, partindo da educação, a qual busca a teoria psicológica para em seguida retornar ao seu ponto original (educação-psicologia-educação) (Saviani & Goldberg, 1976, como citado em Miranda, 2008, p. 1).
Vigotski (2004), de modo eloquente, também sustenta que não se pode preterir, em absoluto, as contribuições da Psicologia para a Educação, ou, em sentido contrário, os aportes da Educação para a Psicologia. Este autor, cabe ressaltar, toma como pressuposto básico a reciprocidade no relacionamento entre Psicologia e Educação, sem que uma anule ou negue a outra.
Esta problematização, realizada no decorrer das disciplinas que compõem a Licenciatura em Psicologia, tomou forma nos campos de estágio e primou pelos aspectos fundantes da relação existente entre estas duas esferas do conhecimento.
Além da discussão acerca da natureza da relação entre Educação e Psicologia, outro ponto de tensão que permeia esta temática é a questão da competência técnica e do compromisso político do professor de Psicologia. É impreterível que este se aproprie de um conjunto de saberes teórico- metodológicos consistentes e propícios a subsidiar sua práxis pedagógica de modo objetivo e não reducionista, sem que a especificidade dessa práxis seja dissolvida em “tergiversações psicologizantes e fetichizadas” (Bezerra & Araújo, 2012, p. 148).
Ao dominar estes saberes, o professor de Psicologia terá condições para planejar e avaliar o conteúdo a ser ministrado em suas aulas, assim como para conduzir, com circunspecção, o processo de ensino-aprendizagem, refutando posições deterministas, ecléticas ou despóticas, convenientes à preservação do statu quo dominante.
Diante disso, o professor de Psicologia, no entender de Demo (2006), se realiza ao operar a instrumentalização científica, as bases epistemológicas e os determinantes sócio-históricos e políticos que marcam a constituição das abordagens teóricas, a fim de evidenciar, durante a sua práxis pedagógica, quais têm proximidade com a alienação e com a perpetuação da sociedade de classes e quais têm conexão com a emancipação do Homem e com a dimensão revolucionária.
Sendo assim, com base no olhar crítico proposto por Gatti (2010), o presente relato parte do pressuposto de que não se trata de conciliar, mas antes tensionar ao máximo a articulação entre os dois campos do saber, Educação e Psicologia, priorizando as condições concretas da práxis pedagógica do professor de Psicologia, na excepcionalidade do contexto pandêmico do ano de 2020, em que novos desafios emergiram no âmbito teórico-prático.
O Ensino Remoto Emergencial e a metodologia de ensino
Assim que a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou recomendações para o controlo do avanço da pandemia de COVID-19 (World Health Organization, 2020), o Conselho Universitário (CONSUNI) da Universidade Federal de Goiás aprovou uma instrução normativa que dispunha sobre os procedimentos relativos a todas as atividades acadêmicas da graduação no ensino remoto (Resolução n.º 34, 2020). Além deste documento, a Universidade Federal de Goiás também aprovou outras resoluções e elaborou um e-book, em formato de perguntas e respostas, contendo diretrizes didático-pedagógicas para a organização desta nova modalidade de ensino (Sá et al., 2020).
É relevante sublinhar que os princípios do Ensino Remoto Emergencial diferem dos preceitos da Educação a Distância (EaD). Autores como Joye, Moreira e Rocha (2020) reiteram esta distinção ao mencionarem, neste contexto, o surgimento de diversos termos como: educação remota, educação virtual, educação domiciliar (homeschooling) e educação mediada pelas Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação.
De acordo com Hodges et al. (2020) e Reich et al. (2020), o Ensino Remoto Emergencial envolve o uso de soluções de ensino e a produção de atividades no ambiente virtual, em formato síncrono e assíncrono. Para estes autores, o objetivo do Ensino Remoto Emergencial é o de fornecer um acesso temporário à Educação por meio de tecnologias virtuais, considerando o isolamento social e suas consequências, sem criar um novo modelo educacional.
Deste modo, as diretrizes do Ensino Remoto Emergencial, conforme reconhece e instrui o e-book da Universidade Federal de Goiás, não atravessam exatamente os mesmos dilemas e particularidades da EaD, uma vez que esta é uma modalidade que encerra em si um processo educacional previamente planejado, portanto, não acidental ou emergencial (Sá et al., 2020).
Dado o exposto, o Ensino Remoto Emergencial carrega complexidades e questionamentos que desafiam os diversos atores sociais envolvidos no processo educativo (Souza & Ferreira, 2020). Neste sentido, é inviável ignorar as peculiaridades dos estudantes em um momento em que o ambiente da universidade se mescla ao ambiente em que eles habitam, adentrando suas intimidades, ao mesmo tempo em que por estas é permeado. Ademais, o contexto pandêmico traz consequências sociais, econômicas e de saúde mental para professores e alunos, que são irreparáveis e que, por isso mesmo, não devem ser menosprezadas ao planejar a Educação.
Moreira, Henriques e Barros (2020) asseveram que a suspensão das aulas presenciais nas instituições escolares e acadêmicas em todo o mundo, resultou na obrigatoriedade de os professores e estudantes migrarem para a realidade virtual, transpondo metodologias e práticas pedagógicas, específicas dos espaços físicos de aprendizagem, para o Ensino Remoto Emergencial. De acordo com estes autores, este foi um momento relevante de transição, em que os professores se viram diante da necessidade de aprender a usar determinadas ferramentas tecnológicas, uma vez que precisavam de gravar videoaulas e utilizar sistemas de videoconferência, assim como plataformas de aprendizagem.
Todavia, no contexto pandêmico, evidenciaram-se as desigualdades existentes em relação à Educação no Brasil e o quanto ainda havia a ser feito para que fosse possível garantir o acesso igualitário e de qualidade à Educação como direito social (Vieira & Ricci, 2020).
Segundo Muñoz, Loureiro e Lautharte (2020), a intermitência no processo de aprendizagem, principalmente do estudante em situação de vulnerabilidade, a ausência de interação efetiva entre estudantes e professores, e a elevação das taxas de evasão demostraram que deveria ser premente transitar do ensino remoto para uma educação digital de qualidade, uma vez que o que estava em pauta não era a realização da transferência de práticas presenciais para ambientes virtuais de aprendizagem, mas antes a possibilidade de forjar uma concepção histórico-social de metodologia em que a práxis pedagógica fosse o resultado de um processo em construção. Este, por sua vez, deveria ser desenvolvido conforme o contexto social no qual a instituição educacional estivesse inserida, considerando ainda as individualidades e necessidades dos agentes sociais que a compunham (Masetto, 2003).
Neste ínterim, o professor deveria assumir o papel de mediador entre o aluno e o objeto de conhecimento, visando uma aprendizagem efetiva. Para tanto, as aulas deveriam ser planejadas a partir das interações emergentes no contexto educativo, tendo em vista o momento histórico caracterizado pela “cruel pedagogia do vírus”, na expressão de Boaventura de Sousa Santos (2020).
Por conseguinte, considerando as adversidades do Ensino Remoto Emergencial, e seguindo as preleções de Masetto (2003), presume-se que a metodologia de ensino deve qualificar-se em uma perspectiva histórico-dialética da Educação como um conjunto de princípios sócio-políticos e epistemológicos, articulados a uma estratégia pedagógica capaz de revertê-los em procedimentos legítimos que orientam o processo de ensino-aprendizagem em situações concretas.
Acredita-se, deste modo, que a adoção de procedimentos metodológicos diversos constituiria aporte para minimizar as dificuldades particulares que se apresentavam no Ensino Remoto Emergencial. A concepção de metodologia de ensino que fundamenta este trabalho, portanto, se relaciona com o que preconiza Saviani (2009): um amálgama entre pesquisa, ensino e aprendizagem, permeado pela visão que se tem de mundo, indivíduo e Educação, que traz consigo implicações de ordem política e que envolve o conhecimento produzido historicamente e sistematizado pelo Homem, substrato ineliminável do processo de ensino.
Sobre os campos de estágio e as disciplinas ministradas
Nesta produção teórica, compreende-se o estágio não apenas como campo de conhecimento, detentor de um estatuto epistemológico próprio, mas também como uma atividade de pesquisa (Pimenta & Lima, 2006).
Com base nesta concepção, optou-se por realizar uma investigação de natureza qualitativa, uma vez que nesta modalidade de pesquisa, segundo Moreira (2002), os investigadores se valem de uma dupla hermenêutica. Isto porque os seres humanos, objeto de estudo das ciências sociais e humanas, não são apenas agentes interpretativos do mundo em que vivem, mas são também seres que compartilham interpretações à medida que interagem com os outros, refletindo sobre suas experiências no curso de suas atividades cotidianas.
Ao retomar os princípios supracitados, utilizaram-se os seguintes instrumentos para realizar uma análise crítica do campo de estágio: observação participante, leitura de documentos e aplicação de questionário. Entende-se por observação participante “uma estratégia de campo que combina ao mesmo tempo a participação ativa com os sujeitos, a observação intensiva em ambientes naturais, entrevistas abertas informais e análise documental” (Moreira, 2002, p. 52).
Além disso, prosseguiu-se à análise dos dados específicos de cada curso (Licenciatura em Filosofia, Música e Ciências Biológicas) em que se concretizou a experiência de estágio. O questionário teve como objetivo avaliar: as disciplinas de Psicologia I e II ministradas nestes cursos; a atuação das estagiárias; os procedimentos metodológicos adotados; a aprendizagem dos conteúdos nas aulas assíncronas; a coerência das propostas avaliativas; e a atividade realizada no momento inicial das aulas, a qual denominou-se “momento de compartilhar” - referente às apresentações pessoais dos alunos, durante as quais estes ligavam as câmaras e partilhavam com a turma algo de seu interesse que haviam realizado durante o período de isolamento social. Para o cumprimento desta atividade estabeleceu-se que, no início das aulas síncronas, dois a quatro estudantes (dependendo do número total de alunos que constituía a turma) realizariam as apresentações do dia no tempo máximo de 5 minutos cada um.
No que diz respeito às disciplinas ministradas, Psicologia da Educação I e II, reitera-se que estas possuíam ementas próprias e faziam parte da estrutura curricular de todos os cursos de Licenciatura da Universidade Federal de Goiás.
No que se refere aos cursos que constituíram os campos de estágio, antes de descrever as particularidades de cada um, optou-se por apresentar primeiramente seus pontos em comum.
Os cursos (Licenciatura em Filosofia, Música e Ciências Biológicas) possuíam duração de oito semestres, totalizando quatro anos de formação. A organização das aulas e as plataformas utilizadas nos três cursos foram as mesmas: Google Meet, Google Classroom e Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas (SIGAA). A metodologia adotada e os recursos pedagógicos empregados (aulas expositivas dialogadas, uso de slides, vídeos, músicas, filmes e apresentação inicial denominada “momento de compartilhar”) também foram os mesmos para as três turmas. Aulas síncronas e assíncronas foram intercaladas a cada semana, sendo que as atividades assíncronas constituíram-se de leituras sistemáticas da bibliografia selecionada, trabalhos individuais e em grupo, e indicação de músicas e filmes para interpretação e análise. Nas semanas de aula assíncrona houve a disponibilização de um horário, aos alunos, para tirar dúvidas com a estagiária designada para determinada turma.
Tratando-se das especificidades de cada campo de estágio, notou-se que o curso de Filosofia contava com a entrada de novos alunos apenas no primeiro semestre de cada ano, na modalidade ABI (Área Básica de Ingresso), sendo que os mesmos, posteriormente, poderiam optar pela Licenciatura ou pelo Bacharelado. No curso de Licenciatura em Filosofia, a disciplina de Psicologia da Educação I era ofertada no terceiro período após o ingresso.
De acordo com a Resolução CEPEC n.º 862 (2008), que fixa o currículo pleno do curso de graduação em Filosofia, modalidades Bacharelado e Licenciatura, observou-se que este objetivava oferecer aos estudantes a base para desenvolverem um olhar crítico, com substrato em uma educação plural -em contato com as várias abordagens da Filosofia. O curso visava, também, formar professores com base em pesquisas, análises e compreensão de escritos clássicos, para atuarem na Educação Básica. Ambicionava, ainda, que o egresso pautasse sua prática pedagógica pelas obras clássicas da Filosofia e analisasse filosoficamente a sociedade.
Além da preocupação com os saberes técnicos da área específica, este documento analisado propunha discussões acerca da educação, de tal modo que as disciplinas do núcleo específico dos licenciandos apresentassem problemáticas próprias da escola e considerassem os aspectos sociais, históricos e econômicos contemporâneos (Resolução CEPEC n.º 862, 2008).
Especificamente sobre a turma a que a disciplina de Psicologia da Educação I foi ofertada, pode-se afirmar que a mesma contou com apenas sete alunos. O ano de ingresso destes alunos na universidade situava-se entre 2014 e 2019. As aulas para esta turma ocorreram às quartas-feiras, no horário das 8h30 às 10h30. Houve assiduidade da maioria dos alunos nos encontros síncronos, apesar de notar-se pouca participação da sua parte. Por esta razão, as aulas foram focadas em exposição verbal e em slides produzidos pela professora e pela estagiária, com raras discussões. A maioria do grupo não se conhecia previamente, o que, provavelmente, contribuiu para o caráter introvertido da turma.
A Licenciatura em Música, por sua vez, estabelecida na Resolução CEPEC n.º 532 (2000), fixou o currículo do curso de forma a ser destinado à formação de professores de Música, para atuarem em todos os níveis do ensino formal. O referido curso, sob responsabilidade da Escola de Música e Artes Cênicas (EMAC), ofertava as disciplinas de Psicologia da Educação I e II no terceiro ano e era integral ou predominantemente noturno.
A disciplina ministrada à turma no período letivo de 1/2020, Psicologia da Educação II, ocorreu às sextas-feiras, no horário das 18h50 às 20h50. No início das aulas, 15 alunos estavam matriculados nesta turma, sendo que apenas 12 finalizaram o semestre. O ano de ingresso destes estudantes na universidade variava no intervalo entre 2013 e 2020. Como a maioria destes alunos não se conhecia entre si, as discussões não fluíam satisfatoriamente, ficando limitadas a comentários esparsos.
Durante as aulas síncronas, os alunos demonstraram estar sempre atentos e possuir interesse pelo conteúdo, embora interviessem raramente com comentários e questionamentos, fosse pela linguagem escrita, via chat, fosse pela linguagem oral, via microfone.
No que concerne ao curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, constatou-se, com base na análise do Projeto Pedagógico do Curso (Resolução CEPEC n.º 1527, 2017), que este poderia ser realizado na modalidade noturna com a mesma carga horária do curso oferecido na modalidade integral - com a excepcionalidade de ser realizado em dez semestres de duração ao invés de oito. A disciplina de Psicologia da Educação II fazia parte do núcleo obrigatório do curso e era ofertada no sétimo período.
No que se refere aos objetivos do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas constantes no documento analisado, observou-se que o referido curso prezava a formação de professores críticos que fossem competentes nos aspectos teórico-metodológicos, relacionados com os conteúdos biológicos e pedagógicos inerentes à sua formação, além de serem questionadores no que diz respeito à própria prática profissional e à realidade educacional de atuação (Resolução CEPEC n.º 1527, 2017).
Tratando-se especificamente da turma em que ocorreu o estágio, o dia determinado para as aulas síncronas foi a sexta-feira, no horário das 8h30 às 10h30. A turma, composta por 25 alunos, possuía 18 alunos que haviam ingressado no curso em 2017, enquanto os demais variavam o ano de ingresso na universidade no período entre 2013 e 2019.
Em aspectos gerais, a turma se mostrou bastante assídua e participativa quanto às aulas síncronas: interagiam entre si no chat da plataforma, assim como com a professora e a estagiária, fazendo comentários assertivos ou tirando dúvidas.
Todavia, com relação às atividades assíncronas, os estudantes dos três cursos não utilizaram o horário disponível pelas estagiárias para tirarem dúvidas, tampouco mencionaram ter apresentado quaisquer dificuldades no decorrer dos momentos assíncronos, o que dificultou a avaliação, tanto da docente como das estagiárias responsáveis, no que tangia à apropriação dos conteúdos ministrados. Era evidente que a participação da turma se restringia aos momentos síncronos dos encontros.
Breves apontamentos para um debate
Além da observação, utilizou-se neste trabalho um questionário para analisar os campos de estágio. Este era composto por duas questões para identificação do curso/período dos discentes e sete questões para avaliar a experiência nas respectivas disciplinas, sendo seis fechadas e uma aberta. As questões foram respondidas por 23 alunos, sendo três da disciplina de Psicologia da Educação I e 20 da disciplina de Psicologia da Educação II.
Os resultados compilados, apresentados em um quadro geral, constituíram um recorte analítico que evidenciou, como ponto de convergência, as metodologias utilizadas nas duas disciplinas, guardadas as devidas particularidades de cada curso.
As respostas para as questões de identificação demonstraram que os períodos em que os alunos cursavam eram diversos, embora a maioria deles (18 alunos ou 78,2%) estivesse na segunda metade do curso.
Em uma escala de 1 a 5, sendo 1 “péssimo” e 5 “excelente”, 4 alunos (17,4%) classificaram a experiência na disciplina ofertada dando nota 4. Os restantes, 19 alunos, atribuíram nota 5, totalizando 82,6%. Quanto à atuação da respectiva estagiária, na mesma escala, as respostas foram similares. As atividades das estagiárias consistiram em ministrar algumas aulas, auxiliar a supervisora nos encontros síncronos, administrar o Google Classroom e tirar dúvidas aos alunos. O desempenho recebeu nota 5 por parte de 87% dos alunos, enquanto os outros 13% concederam nota 4.
Dado o exposto, de forma genérica, todos os alunos tiveram uma percepção positiva do semestre nas disciplinas de Psicologia da Educação I e II, apesar de serem ministradas no Ensino Remoto Emergencial. A apropriação dos conteúdos presumiu a aplicação satisfatória de tecnologias digitais em um contexto no qual os cursos presenciais precisaram de se adequar à realidade de uma educação dependente do ambiente virtual (Nemer & Almeida, 2020).
Além do SIGAA, já utilizado pela Universidade Federal de Goiás, na experiência em questão foram adotadas plataformas voltadas para a Educação. No Google Meet foram realizados os encontros síncronos e no Google Classroom foram inseridos materiais, postagens de avisos e orientações para avaliações, além de ser o espaço de interação dos alunos com as estagiárias, onde estas disponibilizavam um horário para os alunos esclarecerem as dúvidas.
A frequência dos estudantes era acompanhada através de respostas em um formulário do Google Forms. Em cada aula síncrona, uma das estagiárias era responsável por realizar uma pesquisa artística e selecionar algo que considerasse interessante para compor o formulário de frequência, sendo preparado um texto para apresentação da imagem/da obra artística no momento final da aula, valendo-se de outros recursos metodológicos para a promoção das interações sociais. Dentre as imagens/textos apresentados pelas estagiárias destacaram-se as obras: Caminhante sobre o mar de névoa, de Caspar David Friedrich; Ritmo 0, performance de Marina Abramovic; Segunda Classe, de Tarsila do Amaral; Projeto Coca-cola, Cildo Meireles; e Desconstrução do simples desconstruído, de Juli Finkler.
Na experiência do presente relato foram utilizadas diversas ferramentas tecnológicas para viabilizar as metodologias propostas. Em consonância com a concepção de metodologia de ensino que fundamentava a prática da docente e das estagiárias, a preocupação foi a de desenvolver um conjunto de ações em conformidade com o caráter remoto e virtual em que o ensino se consolidava, a fim de propiciar a aprendizagem.
A partir disso, recorreu-se na maioria das aulas à exibição de vídeos, músicas e exemplos que aproximavam o conteúdo trabalhado da realidade dos alunos. Quando perguntados acerca da utilização dos diferentes recursos metodológicos, todos os alunos responderam que os mesmos possibilitaram a compreensão das teorias. Além disso, observou-se maior interesse nas discussões das aulas e interação entre os alunos no chat quando eram utilizados procedimentos metodológicos diferentes. De fato, estudos como os de Candau (2014) e Veiga (2020) já haviam indicado os efeitos positivos do uso de distintos recursos metodológicos no engajamento dos alunos.
Uma das perguntas do questionário possuía o objetivo de verificar a percepção dos alunos quanto à aprendizagem no que se referia aos momentos assíncronos, posto que estes exigiam maior autonomia dos estudantes para a leitura e compreensão da bibliografia indicada. Quanto a isto, mais da metade (52,2%) respondeu que tanto nas aulas síncronas como assíncronas o aproveitamento havia sido o mesmo. Isto pode ser compreendido, especialmente se for levado em consideração que a partir da terceira aula síncrona o conteúdo proposto para a aula assíncrona passou a ser recuperado e também trabalhado em aula, contando, portanto, com exposição e explicação por parte da professora.
Ademais, a análise das atividades avaliativas corroborou a percepção favorável da aprendizagem por parte dos discentes, visto que a maioria alcançou 80% ou mais da pontuação máxima. Estas avaliações foram compostas por atividades já conhecidas, como lista de questões dissertativas, roteiro com estudos de caso e resenhas de filmes. Todavia, dentre estas atividades avaliativas, duas propostas revelaram-se inovadoras.
Para a disciplina de Psicologia da Educação I, os alunos deveriam criar diálogos em tirinhas da Mafalda (personagem criada por Quino), com os balões em branco, empregando conceitos da disciplina. Já em Psicologia da Educação II, requereu-se a produção de Memes, relacionando a teoria estudada com o momento de ensino remoto.
Cabe ressaltar que, segundo Horta (2015), os Memes referem-se a um gênero do discurso que produz humor ligado à sua eventicidade. Trata-se de uma unidade de cultura replicante, baseada na recriação excessiva, coletiva e paródica de imagens, textos verbais, vídeos, entre outros, que se disseminam de forma viral. É uma ferramenta do pensamento e da linguagem que conecta diferentes mundos. Salienta-se que a intenção da docente e das estagiárias, ao sugerirem tal modalidade de avaliação, era a de tornar a aprendizagem mais interessante e desafiadora, de modo a aproximar-se da realidade dos estudantes, com o intuito de preservar a fundamentação teórica necessária à composição da atividade.
Outro ponto relevante no que tange aos aspectos avaliativos das disciplinas diz respeito à angústia relatada pela docente responsável, e em certa medida compartilhada pelas estagiárias: a dificuldade em constatar se os alunos estavam realmente apreendendo o conteúdo abordado.
Considerando os entraves das interações no Ensino Remoto Emergencial previamente citados, o fato de algumas das avaliações serem grupais, assim como a não procura pelas estagiárias por parte dos alunos para sanar dúvidas ao longo do semestre, contribuíram para o sentimento de apreensão da docente no que dizia respeito à ratificação da aprendizagem dos estudantes.
A única pergunta aberta no questionário aplicado aos alunos se referia ao momento da apresentação no início de cada aula síncrona, que ficou conhecido como “momento de compartilhar”. Em geral, os alunos consideraram a experiência bastante profícua, pelo fato de ter contribuído para a criação de um espaço de diálogo e socialização de conhecimentos, diminuindo a sensação de distanciamento entre eles e permitindo-lhes conhecer os gostos e interesses uns dos outros. Nestes momentos os estudantes comentavam o que era exibido na tela, elogiando, agradecendo e contribuindo para o instante de acolhimento. Os estudantes compartilhavam slides e/ou vídeos, contendo: podcasts, músicas, livros, filmes, séries de streaming, além de trabalhos artesanais em crochê, tecido e cerâmica confeccionados por eles próprios, assim como coleções de pedras, conchas e objetos diversos, os quais passaram a fazer parte de seus acervos pessoais durante a pandemia. Dentre as diversas apresentações realizadas, considerando os limites de extensão desta produção teórica, foi possível elencar os seguintes materiais:
Podcasts: Escriba café, criado e produzido por Christian Gurtner; e Gugacast, apresentado pelos irmãos Guga Mafra e Rafael Mafra;
Mangás: Koe No Katachi, escrito e ilustrado por Yoshitoki Ōima; e One Piece, escrito e ilustrado por Eiichiro Oda;
Filmes: Tapete Vermelho, dirigido por Luiz Alberto Pereira; Lisbela e o Prisioneiro, dirigido por Guel Arraes; The Boy Who Harnessed the Wind, dirigido por Chiwetel Ejiofor;
Filmes de animação: Over the Garden Wall, criado por Patrick McHale; A Viagem de Chihiro, dirigido por Hayao Miyazaki;
Séries de streaming: Grace and Frankie, criada por Marta Kauffman e Howard J. Morris; Fleabag, produzida por Phoebe Waller-Bridge; This Is Us, escrita por Dan Fogelman;
Músicas e álbuns de bandas: Disparada, de Geraldo Vandré e Théo de Barros; House of Tolerance, da banda Cambriana; e Melhor do Que Parece, da banda O Terno;
Livros: O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde; A interpretação das culturas, de Clifford Geertz; Uma história do samba, de Lira Neto; Essa Gente, de Chico Buarque.
Por fim, considerando a angústia, a ansiedade, as privações e as mudanças de toda a ordem que ocorreram durante a pandemia do (novo) coronavírus, os milhões de empregos perdidos, o temor da contaminação por um vírus desconhecido, o aumento das desigualdades sociais, da miséria humana e das milhares de vidas ceifadas, a atividade proposta foi descrita como um momento leniente, de alento, aproximação, reflexão e empatia, que fez bem afetivamente aos alunos, enfatizando a relevância da dimensão humanizante no processo do Ensino Remoto Emergencial em tempos incontestavelmente incertos.
Considerações Finais
A experiência relatada neste texto objetivou apresentar as vivências relativas ao ensino de Psicologia no contexto do Ensino Remoto Emergencial, no que diz respeito às metodologias.
Além dos entraves existentes, o estágio ocorreu remotamente, em um contexto social e sanitário insólito e conturbado. Dentre as principais dificuldades, destacou-se a mudança na relação professor/aluno e aluno/aluno, uma vez que, no referido contexto, tanto o professor como os alunos encontraram-se em uma sala de aula virtual sem que se conhecessem, já que na maioria das vezes as câmaras e os microfones dos alunos permaneciam desligados.
Deste modo, o Ensino Remoto Emergencial constituiu uma nova maneira de se relacionar, que demandou formas inéditas de criar vínculos e expressar a afetividade. Esse distanciamento e a dificuldade de receber um retorno imediato por parte dos alunos, como o que ocorria presencialmente, foi sem dúvida um grande obstáculo.
Porém, apesar dos desafios supracitados, a experiência de estágio foi profundamente formativa para as discentes, sobretudo no que tange ao processo de ensino-aprendizagem como construção. Diante das dificuldades, foi preciso redimensionar a prática pedagógica e as metodologias priorizadas. A construção do Ensino Remoto Emergencial representou um momento de aprendizado e descobertas em conjunto entre docente, estagiárias e alunos.
Além do que foi discutido, aponta-se como perspectiva de continuidade o trabalho com avaliações processuais, ou mesmo sugestões para outras atividades afins, e a investigação mais aprofundada acerca das possibilidades de olhares producentes sobre a relevância das metodologias e de novas dinâmicas na relação professor/aluno, considerando as dificuldades de comunicação e o comprometimento na qualidade das interações sociais, da apropriação do conteúdo e do processo de ensino-aprendizagem durante o Ensino Remoto Emergencial.
Portanto, faz-se necessário perscrutar as metodologias sob a ótica do materialismo histórico e dialético, a fim de depreender que, pelo fato de estarem em constante transformação e serem provisórias e transitórias, estas devem passar pelo crivo da crítica para trabalharem na “presença do contraditório” (Ciavatta, 2014) e para não obliterarem a perspectiva da prática social emancipatória, tão necessária ao enfrentamento da funesta realidade em que vivemos na atualidade.