INTRODUÇÃO
Microbiota é definida como o conjunto de micróbios (bactérias, fungos, vírus) que habitam num ecossistema, sendo que ao conjunto dos genes transcritos por esses microorganismos designa-se microbioma. Disbiose é definida como um desequilíbrio na microbiota potencialmente causador de doença.
Nos últimos anos vários estudos demonstraram a implicação da microbiota intestinal em doenças de mediação imune como a diabetes, a colite ulcerosa e a esclerose múltipla. Existem poucos dados sobre o microbioma folicular e o seu papel na patogénese de doenças que afetam o couro cabeludo, sendo uma área de investigação crescente. Alguns estudos mostram influência da disbiose nestas doenças, podendo a manipulação do microbioma representar uma possível opção terapêutica.1 São alguns exemplos conhecidos de disbiose a diarreia ou a candidíase vulvovaginal após toma de antibióticos ou as cáries dentárias. A correção da disbiose pode reverter um processo patogénico. Evidências antigas dão suporte a este conceito: no século IV, na China, as epidemias de diarreia bacterianas eram tratadas com transplante fecal a partir de indivíduos saudáveis; está descrita melhoria de cáries dentárias num indivíduo, após início de um novo relacionamento; a toma de Lactobacillus previne a diarreia provocada pela toma de antibióticos.2,3
As bactérias que crescem em meios de cultura, método convencional utilizado para o estudo dos microorganismos, representam menos de 1% da diversidade de espécies bacterianas. A metagenómica, análise genómica do DNA microbiano independente de cultura, permite a análise de micróbios não identificados por não serem passíveis de cultura. Assim, a metagenómica, com sequenciação de todo o genoma microbiano a par de novas tecnologias, tem permitido uma revolução da investigação em microbiologia.4
Microbiota Cutânea
A composição da microbiota cutânea varia nas diferentes regiões do tegumento, dependendo da idade e sexo do indivíduo, da predisposição genética e de fatores externos como a exposição solar, estilo de vida e uso de cosméticos.5-8Estes microorganismos são relevantes na manutenção de funções da fisiologia da pele e mucosas, tais como a barreira cutânea, imunidade, regulação e produção de citocinas e limitação da proliferação de patógenos.
As comunidades bacterianas são abundantes na parte superior do folículo, havendo poucos estudos que identifiquem os micróbios localizados mais profundamente a nível folicular.9,10As bactérias mais abundantes são Cutibacterium spp. (C. acnes 60%-75%) e Staphylococcus spp. (S. epidermidis 20%-25%).11Outras menos representadas são Corynebacterium spp., Streptococcus spp., Acinetobacter spp. e Prevotella spp. A maioria dos fungos são Malassezia spp., sendo as principais espécies a M. globosa e M. restricta. Outros fungos presentes são Ascomycota e Basidiomycota, Coniochaeta e Rhodotorula. Outros microorganismos colonizam o couro cabeludo como Demodex, Dermatophagoides spp., Euroglyphus spp. assim como vírus como o papiloma vírus.12
A relevância prática do infundíbulo folicular como reservatório de micróbios e local privilegiado de tráfego de células do sistema imunitário e reconhecimento de antigénios está bem estabelecida.13É crescente o conceito de que o microbioma folicular e as suas interações através do epitélio possam contribuir para o desencadear e propagação de determinadas doenças do couro cabeludo, mas está ainda por ser determinado se também uma desregulação a este nível de interface (infundíbulo-bulbo) pode contribuir para o seu desenvolvimento.13 Além do papel típico na infeção ou inflamação, a microbiota cutânea parece ter influência no sistema imunitário inato e adaptativo e consequentemente na hemostase tecidual e regulação ciclo do cabelo.12,15,16Em várias doenças do couro cabeludo existem respostas imunitárias aberrantes a estímulos endógenos ou exógenos, desconhecidos, que desencadeiam a destruição do folículo.14
Existem vários locais anatómicos de privilégio imunitário (PI) onde o microambiente está protegido da inflamação mediada pelo sistema imunitário. No folículo, o corpo e o bulbo têm este PI com características próprias de infra regulação dos complexos major de histocompatibilidade classe I e II e expressão de fatores imunorreguladores e imunossupressores locais que suprimem as respostas das células NK. A patogénese e perpetuação de doenças inflamatórias do couro cabeludo tem sido associada a desequilíbrios neste PI. Alterações no microbioma ou a penetração de metabolitos microbianos mais profundamente podem desencadear um colapso do PI com alterações da homeostase, ativação do sistema imunitário e consequente processo inflamatório.13
Microbiota Intestinal e Pele
Os seres humanos transportam cerca de 50% de genoma huma-no e cerca de 50% de genoma bacteriano, estando a sua maioria no trato gastrointestinal, que contém aproximadamente 1015 micróbios.17 No global, a flora intestinal saudável é composta maioritariamente por bactérias dos fila Bacteroidetes e Firmicutes, contendo também fungos (Candida, Malassezia e Saccharomyces), arquea (Methanobrevibacter genus) e vírus (maioritariamente bacteriófagos).18
Alguns estudos sugerem que o microbioma intestinal poderá ser capaz de regular o sistema imune inato e adaptativo quer local quer sistemicamente, contribuindo para a função e/ou disfunção de outros órgãos à distância, como a pele, sugerindo a existência de um “eixo intestino-pele”.19,20Esta regulação parece ser mediada epigeneticamente, direcionada pelos micróbios intestinais e os seus metabolitos ou por nutrientes capazes de regular a expressão miRNA.21 O aumento da permeabilidade intestinal e degradação da barreira intestinal promovem inflamação que pode levar a fenómenos de autoimunidade quer local quer a distância.
Um crescente de investigações realizadas em seres humanos e ratinhos tem permitido avaliar a possível intervenção da microbiota intestinal no desencadear de doenças dermatológicas.22,23Disbioses intestinais específicas foram relacionadas com características clínicas e prognósticas de determinadas doenças dermatológicas de mediação imune.24,25
Este artigo procura rever o conhecimento atual relativo ao im-pacto da disbiose nas doenças dermatológicas do couro cabeludo, como dermatite seborreica, psoríase, alopécia areata, alopécia androgenética, líquen plano pilar, alopécia fibrosante frontal e foliculite decalvante. Uma compreensão alargada da influência da microbiota nas doenças de mediação imune poderá sugerir tratamentos adicionais além das terapêuticas convencionais.
DISBIOSE E PATOLOGIA DO COURO CABELUDO
Dermatite Seborreica
A relação da Malassezia com a dermatite seborreica (DS) é já amplamente reconhecida. O mecanismo fisiopatológico não é completamente compreendido, mas parece relacionar os ácidos gordos livres gerados pelas lipases produzidas pela Malassezia com uma cascata inflamatória e hiperproliferação epidérmica.26
Espécies de M. globosa e M. restricta correlacionam-se com a gravidade da DS e a modificação mais notável parece ser um aumento do rácio M. restricta/M. globosa.27 Também outras espécies de fungos, como Filobasidium spp., foram relacionados com a doença.28,29É interessante notar que esta disbiose implica não só as áreas afetadas pela doença, mas todo o couro cabeludo.30 Estudos efetuados em diferentes partes do globo mostram que existem variações entre grupos controlo e grupos de paciente com DS.31 Múltiplos tratamentos que se utilizam para esta doença baseiam-se num mecanismo de controlo da população de Malassezia, que por sua vez leva a uma diminuição da inflamação e melhoria da função de barreira cutânea. Além disso, a DS pode estar associada a foliculites por Malassezia e a pitiríase versicolor. Em todas estas entidades clínicas, quando refratárias ao tratamento tópico, o tratamento com antifúngico oral é uma opção terapêutica.32
Não só a hiperproliferação de Malassezia parece ser relevante, mas também a alteração na proporção relativa de bactérias e fungos.33-35 Nos indivíduos com DS, C. acnes parece estar diminuído representando apenas 15% da flora do couro cabeludo (versus 60%-75% indivíduos controlo) e S. epidermidis parece estar aumentado (60% vs 20%-25% nos controlo), havendo uma maior prevalência de outras populações bacterianas que representam até 25%.28 Estas variações parecem estar correlacionadas diretamente com a gravidade da doença.29,36Além disso, determinadas bactérias como Hymenobacter e Deinococcus parecem ser responsáveis por determinados sintomas como prurido ou ardor, que podem acompanhar o curso da DS.37
A alteração da microbiota tem um papel imunopatogénico im-portante o que poderá traduzir um novo potencial terapêutico. A intervenção poderia passar por tratamento antibiótico ou antifúngico dirigido em vez de tratamento antifúngico de largo espectro, bem como pela reposição da flora normal (através do uso tópico de um bio-champô ou loção).38
Psoríase
Psoríase (PS) é doença inflamatória crónica cuja patogénese depende de uma interação entre o sistema imunitário, fatores ambientais e genéticos. Do ponto de vista molecular, a PS é caracterizada pela ativação de vias complexas de inflamação que levam a uma infiltração cutânea de linfócitos T ativados que estimulam a proliferação de queratinócitos.39
É conhecido desde há vários anos o papel da infeção estreptocócica da orofaringe no desencadear da psoríase guttata. Além desta infeção, também a microbiota cutânea parece desempenhar um papel importante no desenvolvimento da PS, o que é suportado por alguns factos: nas lesões psoriáticas, o filo Firmicutes está sobrer-representado e o Actinobacteria está subrepresentado40-42; há também um aumento do S. aureus em relação aos controlos, tendo sido demonstrado em modelos murinos que esta bactéria desencadeia uma resposta Th17 que está sobrerregulada nos doentes com PS.
Relativamente aos fungos, a taxa de culturas positivas para Malassezia é superior em lesões psoriáticas do couro cabeludo em comparação com controlos saudáveis e episódios de exacerbação da doença estão associados a concentrações aumentadas destes fungos, em particular M. globosa.43 É possível provocar lesões novas em doentes com psoríase aplicando suspensões de Malassezia ovalis em pele aparentemente normal.44,45Gomes-Moyano et al detetaram que as alterações do microbioma do couro cabeludo são dependentes da gravidade da doença: M. restricta era o mais frequente na PS do couro cabeludo ligeira e M. globosa nos casos moderados a graves e em pacientes com exacerbações no último mês.43 Além disso, casos refratários de psoríase do couro cabeludo foram tratados com sucesso com imidazóis, seguindo-se de uma redução do número de colónias fúngicas, o que suporta a teoria do papel da Malassezia como factor agravante na PS do couro cabeludo.44 A libertação de citocinas através dos TLR2, a elevação de TGF- β1 (fator de crescimento transformador beta 1), ativação do complemento e recrutamento dos neutrófilos são alguns dos processos imunológicos desencadeados pelas leveduras que podem exacerbar a PS.46
A microbiota intestinal, também parece ser disbiótica nos paciente com psoríase, sendo caracterizada por uma redução da diversidade microbiana com depleção de determinadas espécies e aumento de outras, em particular com diminuição do rácio Bacteroidetes/Firmicutes, assim como achados recentes de aumento da permeabilidade intestinal que suporta o conceito do “eixo intestino-pele” na psoríase.47-50Em modelos murinos é possível induzir lesões psoriáticas através da alteração da composição da microbiota intestinal.51 É interessante notar que também as comorbilidades associadas à psoríase parecem ter relação com determinadas alterações no microbioma intestinal.47,48,52Esta disbiose parece ter também impacto com a resposta à terapêutica biológica, como mostrou o es-tudo de Yeh et al.53 Alguns autores sugerem que um conhecimento da microbiota intestinal nos doentes com psoríase poderá guiar as opções terapêuticas e hipoteticamente ajudar a prevenir o inicio de comorbilidades associadas através de intervenções capazes de mo-dular a flora intestinal.23
Alopécia Androgenética
Poucos estudos comparam a flora existente em pacientes com alopécia androgenética (AGA) com grupos controlo. As maiores diferenças entre grupos parecem ocorrer no terço mais profundo do folículo, que é também a zona com maior diversidade bacteriana.54
Habitualmente, espécies dos géneros Propionibacterium e Staphylococcus estão mais presentes nas zonas mais superficiais do folículo, Burkholderia no terço médio, enquanto o terço mais profundo se caracteriza por uma maior diversidade bacteriana. Em doentes com AGA, cabelos miniaturizados do vértex mostraram aumento do Propionibacterium acnes nos compartimentos mais profundos dos folículos enquanto os cabelos não miniaturizados de outras regiões eram comparáveis aos dos indivíduos saudáveis. Atendendo que o terço inferior é mais vascularizado e tem uma maior exposição ao sistema imunitário, postula-se que a disbiose nesta zona possa desencadear um aumento de citocinas pro-inflamatórias e consequentemente microinflamação. Um aumento da abundância do P. acnes nos folículos miniaturizados poderia estar associada a um aumento da resposta imunitária.
Em cerca de 50% dos doentes com AGA encontramos um infiltrado de células mononucleares. Filaire et al mostraram uma abundân-cia relativa de Cutibacterium acnes e Stenotrophomonas geniculata em doentes com AGA, e uma diminuição de Staphylococcus epidermidis, Malassezia restricta e Malassezia globosa.55 Por outro lado, Huang et al. mostraram uma correlação positiva entre a Malassezia e a AGA.56 Porfirinas que estimulam a produção do complemento, produzidas por Cutibacterium spp. foram identificadas na unidade pilossebácea em 58% dos doentes com AGA em comparação com 12% do grupo controlo.
Alguns estudos mostram que a aplicação de antimicrobianos parece melhorar esta doença.57 Relativamente ao uso de cetoconazol em específico, estudos recentes têm suportado a sua eficácia na AGA: em modelos murinos, verificou-se um aumento do crescimento do cabelo em áreas desnudas; em humanos, objetivou-se um aumento do diâmetro da haste pilosa e um aumento dos cabelos em anafase. O cetoconazol parece exercer a sua ação anti-inflamatória através da inibição da 5-lipooxigenase e, ao controlar a população de Malassezia, ocorrerá uma redução da inflamação local com desaceleração da miniaturização e deflúvio. Além disso, este fármaco bloqueia a síntese de testosterona, diminuindo a 5α-dihidrotestosterona.58
É interessante notar que doentes com episódios agudos de AGA também exibem características de dermatite seborreica do couro cabeludo.59 Estes argumentos sugerem uma possível relação de AGA com a microflora do couro cabeludo.
Alopécia Areata
A fisiopatologia da alopécia areata (AA) envolve a ativação local de células Th1 e Th17 com libertação de citocinas pró-inflamatórias e consequente inflamação peribulbar que resulta na perda do cabelo. Os fatores que desencadeiam esta autoimunidade não estão ainda esclarecidos, embora a predisposição genética seja o principal.60
Existem alguns factos que sugerem que a microbiota poderá ter um papel relevante na patogénese desta doença. Estes pacientes, quando comparados com controlos, têm na porção mais profunda do folículo mais bactérias do género Propionibacterium e menos S. epidermidis, sem diferenças no S. aureus.61 Foi também proposta uma possível relação entre a colonização do couro cabeludo por Alternaria spp. e o desenvolvimento de AA, uma vez que fungos deste género foram encontrados em 20% dos doentes em comparação com 13,3% dos controlos.62
Uma prevalência mais alta de dermatite atópica (DA) em doentes com AA e a sua associação a um curso mais grave de AA leva a pesquisa de mecanismos fisiopatológicos comuns a ambas as doenças. De acordo com alguns estudos recentes a disbiose com sobrecrescimento de S. aureus e diminuição de outras bactérias comensais como Cutibacterium, Corynebacterium ou Streptococcus pode influenciar a gravidade da DA. A produção de superantigénios, proteases e outras toxinas produzidas pelo S. aureus e a interação direta das bactérias com o sistema imunitário pode contribuir para a inflamação e disfunção da barreira, que por sua vez pode facilitar a penetração de micróbios nos compartimentos mais profundos do folículo. Alguns autores sugerem que esta alteração do microbioma cutâneo poderá estar também presente em doentes com AA.12
Relativamente à microbiota intestinal, um estudo em doentes com alopecia areata universal mostrou um aumento relativo das espécies Erysipelotrichaceae e de Lachnospiraceae. Estas alterações foram já descritas em outras doenças autoimunes, como a colangite esclerosante, espondilite anquilosante e dermatite atópica.63,64Além disso, existem relatos de doentes com alopécia areata universal de longa duração que receberam transplante fecal para tratamento de doença intestinal associada e que iniciaram reponte significativo das áreas de alopécia com persistência a longo prazo.65 Xie et al reportaram uma observação comparável num doente com alopécia areata que teve crescimento persistente de cabelo após transplante fecal por diarreia não infecciosa.66 Um aumento da permeabilidade intestinal devido a disbiose e/ou inflamação pode ser fator desencadeante do sistema imunitário em indivíduos geneticamente suscetíveis.
Estes achados realçam que não só o fenómeno imunopatogénico pode ser influenciado pela microbiota intestinal, como a normalização da microbiota intestinal pode ter efeito terapêutico nesta doença. Bord et al consideram que é a inflamação intestinal que desencadeia a desregulação do sistema imunitário que leva à destruição do folículo. Nesse sentido, embora seja importante controlar a inflamação local e o privilégio imunológico em volta dos folículos, qualquer inflamação crónica, mais comumente localizada a nível intestinal, deve ser erradicada de forma a extinguir o elemento perpetuador da doença.25
Líquen Plano Pilar e Alopécia Fibrosante Frontal
Apesar de serem doenças distintas, o líquen plano pilar (LPP) e a alopécia fibrosante frontal (AFF) têm características histológicas similares. Os poucos estudos que avaliaram a microbiota cutânea nestas doenças fizeram-no em conjunto e com achados equivalentes entre ambas. Constantinou et al, investigaram a composição do couro cabeludo e folículos em doentes com AFF, LPP e indivíduos saudáveis.14 O principal género isolado em doentes com AFF e LPP foi Staphylococcus em comparação com Lawsonella em indivíduos saudáveis. Foram também encontradas diferenças entre o ratio Firmicutes/Actinobacteria no couro cabeludo de indivíduos saudáveis e áreas lesionais e não lesionais de AFF e LPP. Esta disbiose na proximidade do bulbo estava associada a um aumento da expressão de HβD1 e HβD2 (beta-defensina 1 e 2) nos locais afetados, que se sabe serem responsáveis pela atração de células T e células dendríticas.
Foliculite Decalvante
Na maioria dos doentes com foliculite decalvante (FD), o S. aureus pode ser isolado no exame bacteriológico e este, em conjunto com uma resposta imunitária alterada, tem já um papel reconhecido na patogénese.67 Além disso, mesmo nos doentes nos quais não se encontra esta bactéria, existe um infiltrado neutrofílico crónico que parece dever-se à disbiose.9 Sabe-se que os antibióticos podem con-trolar parcialmente a doença, em particular as tetraciclinas (que têm uma ação anti estafilocócica), sendo que a melhoria clínica frequentemente ocorre após o desaparecimento de S. aureus.9,68O P. acnes parece também estar envolvido na patogénese da doença.69
Existem um subgrupo de indivíduos que apresentam uma transição de alopécia cicatricial neutrofílica, FD, para alopécia cicatricial com infiltrado linfocítico do tipo LPP, sendo a este espectro denominado FDLPPPS (folliculitis decalvans and lichen planopilaris phenotypic spectrum). É interessante notar que níveis aumentados de S. aureus são encontrados em doentes com padrão de FD típico em comparação não só com indivíduos saudáveis, mas também em comparação com indivíduos com FDLPPPS.70 Neste estudo, em doentes com FD neutrofílica típica, o Staphylococcus foi o melhor biomarcador micro-biológico para distinguir FD de FDLPPS. Tendo em conta os achados, os autores sugerem que nas fases mais agudas e neutrofílicas da FD, deve ser dada prioridade aos antibióticos, por outro lado na FDL-PPPS os fármacos anti-inflamatórios devem ser a primeira escolha.
Matard et al encontraram na parte mais profunda do folículo destes pacientes um biofilme de bactérias comensais anormal, permanente, que poderia ser responsável pela perpetuação do processo inflamatório e recorrência da doença na FD.71 A persistência da doença apesar de um efeito eficaz transitório do antibiótico, a infiltração de neutrófilos, que são capazes de destruir o folículo mas não o biofilme, são argumentos que favorecem este conceito. Postula-se que um biofilme inicialmente não patogénico poderia tornar-se mais extenso, tornando-se patogénico e capaz de criar inflamação.12,72O tratamento antibiótico poderia matar algumas bactérias libertadas pelo biofilme, melhorando temporariamente os sintomas, mas as restantes células do biofilme constituiriam um nicho para infeção crónica.73 O tratamento antibiótico melhoraria os pacientes por controlo de bactérias patogénicas como S. aureus e melhoraria a inflamação, no entanto não acabaria com a disbiose na parte mais profunda do folículo. Em concordância com este conceito, Trueb et al sugerem que a excisão em bloco na fase inicial da doença poderia funcionar uma vez que todo o bloco excisado contém a área de disbiose.74
Transplante Capilar
No transplante de cabelo é transportada microbiota e atual-mente desconhece-se o impacto que este transporte de microbiota de uma zona do couro cabeludo para outra pode ter. Sabe-se que quando existem doenças inflamatórias descamativas do couro cabeludo, como a dermatite seborreica ou a psoríase, antes de realizar um transplante capilar, é importante reequilibrar a microbiota através do uso, por exemplo, de um champô com derivado imida-zólico uma vez que a inflamação excessiva poderá determinar um aumento do TNF-alfa, indutor de catagénese, o que poderia resultar num maior eflúvio autoimune pós transplante.75 Finalmente, a longo prazo, o controlo da disbiose reduziria a microinflamação associada a alopécia androgenética, reduzindo assim o risco de progressiva miniaturização do cabelo não transplantado.76
Transplante Fecal
Como referido acima foram reportados 3 casos de doentes masculinos com alopécia areata, dois deles com padrão de AA universal com reponte significativo e resposta mantida após transplante fecal por patologia intestinal.65,66O transplante fecal poderá representar uma potencial terapêutica para doentes com AA refratária. São necessários, no entanto, mais estudos para confirmar o papel desta intervenção.
Pós-bióticos
Probióticos são suplementos/alimentos que contêm microorganismos viáveis que alteram a microflora do hospedeiro; pré-bióticos contêm ingredientes não digeríveis que estimulam o crescimento ou atividade das bactérias indígenas; pós-bióticos contêm metabolitos bacterianos não viáveis ou produtos metabólicos de microorganismos probióticos que desencadeiam atividade biológica no hospedeiro.
Dados os estudos crescentes que sugerem uma relação entre disbiose do couro cabeludo e patologia do mesmo foi sugerido um possível papel terapêutico para pós-bióticos. Rinaldi et al estudaram impacto da administração de um preparado pós-biótico (plantaricina A, Lactobacillus kunkei e extratos de Tropaeolum majus) em 160 doentes com AA tendo obtido uma regressão completa em 47,5% dos indivíduos com doenças versus 5% no grupo controlo.77 Um outro estudo, envolvendo 80 doentes, mostrou melhoria da se-borreia do couro cabeludo no grupo de doentes que tomaram um pré-biótico Triphala em comparação com o grupo controlo.78
Outros
Alguns autores sugerem que os polifenóis e terpenos têm um efeito positivo sobre o crescimento folicular, intensificando a proliferação celular ao nível das papilas dérmicas e aumentando a concentração de fatores crescimentos, nomeadamente IGF-1 e VEGF, com redução do stress oxidativo. Num pequeno estudo com 12 doentes com AGA foi aplicado localmente um extrato de Lindera strychnifolia numa parte do couro cabeludo, sendo comparada com a zona não tratada. Na área onde foi aplicado o extrato, ao 84º dia de tratamento, verificou-se uma reposição da microbiota acompa-nhada de crescimento capilar.79
O papel dos imidazóis na AGA, eczema seborreico e psoríase foi também já acima referido.
CONCLUSÃO
O estudo da microbiota tem tido um interesse crescente na Dermatologia, uma vez que alterações da microbiota são comuns em doenças de mediação imune. A disbiose, quer cutânea quer intestinal, pode determinar ou contribuir para o exacerbar de doenças do couro cabeludo. Existem ainda dúvidas se a disbiose representa um processo primário que desencadeia a doença, ou secundário por alterações desencadeadas por um mecanismo fisiopatológico da doença. No futuro poderão estar disponíveis melhores formas de corrigir a disbiose, seja através do uso de antibióticos ou anti-fúngicos mais seletivos, quer através da reposição da flora normal, sendo necessários mais estudos nesta área. É ainda desconhecido se tais terapêuticas terão um impacto positivo no controlo das doenças.