O que este estudo adiciona
Estudo pioneiro na região sobre o tema adicionando informações sobre o perfil epidemiológico da dermatite atópica (DA) nesta população, evidenciando maior prevalência em fototipos mais altos, no sexo feminino e o início precoce (89% antes dos 5 anos de idade). Demonstrou a associação da DA com outras patologias atópicas (rinite, asma e alergia alimentar) corroborando a marcha atópica e com outras condições alérgicas, como: prurigo estrófulo.
INTRODUÇÃO
A dermatite atópica (DA) é uma doença cutânea inflamatória crônica de alta prevalência na população, especialmente na população infantil.1 Tem caráter recidivante e se caracteriza por xerose cutânea, além de prurido importante.2 Nas três últimas décadas, o número de pacientes com DA duplicou ou até mesmo triplicou na maior parte do mundo, constituindo um importante problema de saúde pública, principalmente nos países industrializados.3-5
A patogênese da DA inclui alterações na função da barreira cutânea, mutações no gene da filagrina, aumento da colonização por Staphylococcus aureus e resposta imune Th2 exacerbada, com sensibilização a alérgenos, aumento dos níveis de IgE e eosinofilia no sangue periférico.6
Diversos fatores têm sido associados ao aumento do risco de DA, incluindo: componente genético, nível socioeconômico, aspectos raciais, fatores psicológicos, infecções virais, presença de pais fumantes, fatores alimentares e ambientais (exposição ao pó, ácaros, fungos, entre outros possíveis alérgenos).7 É importante frisar que a DA pode estar associada a outras manifestações de atopia, como a asma e a rinite alérgicas, as quais ocorrem com maior frequência nos pacientes com DA grave ou de difícil controle.1
O diagnóstico da DA é essencialmente clínico e baseia-se nos critérios diagnósticos clínico-laboratoriais estabelecidos por Hanifin e Rajka.3,8Exames complementares podem auxiliar, mas não são suficientes para concluir o diagnóstico.3,9
A maioria dos estudos prévios ressaltam que aproximadamente 30% das crianças com DA desenvolvem asma e 35% rinite alérgica.10-13Frequentemente a DA é a primeira manifestação de atopia em muitos dos pacientes que também apresentarão rinite, asma ou ambos e/ ou mesmo alergia alimentar. Este padrão epidemiológico é chamado de marcha atópica.10,14,15
A associação entre DA e alergia alimentar (AA) é estimada em aproximadamente 35% das crianças com DA. Na maioria dos pacientes, ambas as condições são transitórias e melhoram espontaneamente na adolescência. Pacientes adultos que persistem com DA, apenas uma pequena porcentagem apresentam AA simultaneamente.16,17A DA e a AA coexistem predominantemente em pacientes com início precoce, agressivo e persistente da DA.16,18,19A AA é considerada fator agravante de DA, especialmente AA mediada por IgE.16
Histórico familiar para condições alérgicas outras que não a DA também é frequentemente referido na literatura, porém raramente mensurado, e em conjunto com o exposto acima motivou o presente estudo que objetivou: determinar o perfil epidemiológico e a prevalência de antecedentes pessoais e de histórico familiar de alergia em pacientes portadores de DA atendidos em um Serviço de Referência, comparando com dados da literatura.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo transversal e descritivo, de base hospitalar, envolvendo crianças atendidas no Ambulatório de Dermatologia Pediátrica do Hospital Municipal Universitário de Taubaté (H.MUT), no período de 01 de outubro de 2018 até 30 de abril de 2019.
Foram incluídos neste estudo, indivíduos de ambos os gêneros, de zero a 18 anos de idade e com diagnóstico clínico de DA (critérios de Hanifin e Rajka). Os dados foram obtidos do levantamento dos prontuários destes pacientes, buscando dados epidemiológicos (idade, fototipo e gênero) e dados relacionados ao histórico pessoal e familiar de alergias (respiratória, alimentar, medicamentos, picadas de insetos, entre outras) diagnosticadas, em sua maioria, clinicamente pelo médico generalista, sendo por vezes corroborado com exames complementares (teste cutâneo de leitura imediata (Prick test) e radioallergosorbent test (RAST)). Estes dados já se encontravam presentes no prontuário, independente do estudo em questão.
Os dados foram avaliados de forma contínua e posteriormente categorizados.
O programa computacional utilizado para a análise e compilação dos dados foi o Microsoft Excel, versão 2019.
Por se tratar de levantamento de prontuários, dispensou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Taubaté (UNITAU).
RESULTADOS
Dos 440 atendimentos realizados no período, 35 (7,9%) foram de DA, sendo 12 (34,3%) no sexo masculino e 23 (65,7%) no sexo feminino.
A idade média dos pacientes com DA foi de 7,7 anos (desvio padrão(DP)=4,3), variando de 6 meses a 15 anos. Em relação ao tempo de evolução da DA, este variou de 2 meses a 14 anos com média de 5,3 anos (DP=4,3). Quatorze pacientes (40,0%) manifestaram o quadro de DA no primeiro ano de vida e em 31 pacientes (88,6%) este surgiu até o quinto ano.
Quinze pacientes apresentavam fototipo IV de Fitzpatrick (42,9%), seguido do fototipo III (25,7%) (Fig. 1).
Dos 35 pacientes com DA, 27 (77,1%) referiam histórico pessoal de patologias atópicas e outras condições alérgicas relacionadas e destes, 12 (34,3%) apresentavam dois ou mais tipos de alergias. A rinite alérgica predominou neste estudo, totalizando 16 pacientes (45,7%), seguida pelo prurigo estrófulo (13 pacientes - 37,1%) e por asma/bronquite (9 pacientes - 25,7%). A categoria “outras alergias” foi a que apresentou menor ocorrência, apenas 1 paciente (2,9%), portador de alergia a pelo de cão (prurido ao contato e RAST positivo).
Quando agrupamos rinite, asma e bronquite (alergias respiratórias) observamos o predomínio destas sobre as demais categorias analisadas (71,4%). A alergia alimentar foi referida por 6 pacientes (17,1%), sendo 5 alérgicos ao leite de vaca e um à clara de ovo (RAST positivos). Quatro pacientes tinham diagnóstico clínico de alergia a medicamentos (11,4%), dois à dipirona (eritema multiforme e eritema fixo medicamentoso), um ao cetoprofeno (não discriminado) e um à amoxicilina (exantema) (Fig. 2).
Analisando o histórico pessoal de alergia quanto à faixa etária, 11 pacientes (40,7%) tinham 10 anos ou mais; 10 pacientes (37,0%) tinham entre 5 e 10 anos e 6 pacientes (22,2%) tinham entre 1 e 5 anos. Nenhum paciente abaixo de 1 ano foi diagnosticado com outra alergia além da DA (Fig. 3). Dos 35 pacientes com DA, 22 (62,9%) apresentavam histórico familiar de alergias.
DISCUSSÃO
Trata-se de um estudo pioneiro na região do Vale do Paraíba Paulista, analisando o perfil epidemiológico e as condições alérgicas associadas à DA.
Sob o ponto de vista epidemiológico, a DA é uma dermatose inflamatória das mais frequentes na infância manifestando-se muitas vezes nos primeiros anos de vida. Estima-se que sua prevalência tenha aumentado durante as últimas 3 décadas.20,21No Brasil, segundo o estudo ISSAC (International Study of Asthma and Allergy Diseases in Childhood) de 1999, a prevalência média da DA seria em torno de 6,3%(1) e a ocorrência de 7,9% detectada por este estudo corrobora esta afirmação.22
Das crianças que desenvolvem DA, 50% manifestam o quadro até o primeiro ano de vida e 30%, do primeiro até o quinto ano.23 Neste estudo, 88,6% dos pacientes manifestaram a DA até o quinto ano de vida, concordando com a literatura.
Dados quanto ao sexo são escassos na literatura. Veiga,14 em sua revisão sobre DA, afirmou que até os 6 anos de idade ambos os sexos eram igualmente afetados. Após esta idade, predominaria o sexo feminino, o que foi concordante com nossos achados (65,7% sexo feminino, idade média de 7,7 anos).
Quanto ao fototipo, o predomínio de um fototipo cutâneo mais alto nesse estudo pode se justificar na grande miscigenação racial observada em nossa população. Estudos anteriores também já demonstraram estigmas atópicos correlacionados a fototipos mais elevados.24
Concordando com Belda et al, o estudo evidenciou a rinite alérgica como a alergia mais prevalente nos portadores de DA.10 Quanto à prevalência de asma/bronquite e DA, os dados do presente estudo também mostraram-se concordes com a literatura.10,11
Somente 17,1% dos pacientes com DA neste estudo mostraram-se sabidamente portadores de AA, percentagem inferior à encontrada por Rojas et al.16 Porém, estes autores afirmam que ambas as condições podem ser transitórias, o que pode sugerir que, em um outro momento, alguns destes pacientes também pudessem ser diagnosticados como portadores de AA.
O presente estudou mostrou maior prevalência de histórico pessoal de alergias nos pacientes mais velhos (faixa etária acima dos 10 anos) corroborando a teoria da marcha atópica, na qual a DA é a primeira condição atópica a se manifestar.10,14,15
O histórico familiar de condições alérgicas outras que não a DA foi referido por cerca de 63% dos portadores de DA deste estudo, concordando com Rivitti et al que cita uma ocorrência familiar de atopia de 70% (eczema, asma ou rinite alérgica).25
O número reduzido de doentes, o curto período do estudo e as incongruências e limitações no preenchimento dos prontuários representam possíveis limitações deste estudo.
CONCLUSÃO
O presente estudo permitiu determinar o perfil epidemiológico dos pacientes portadores de DA do Ambulatório de Dermatologia Pediátrica do H.MUT, revelando início precoce (cerca de 89% até os 5 anos) e maior prevalência no sexo feminino e no fototipo IV.
Além disso, também identificou a prevalência de antecedentes pessoais e de histórico familiar de alergia nesses pacientes, mostrando dados concordes com a literatura existente.
Apresentações / Presentations
Estudo apresentado e premiado na 25ª Reunião Anual dos Dermatologistas do Estado de São Paulo (RADESP), de 13 a 22 de novembro de 2020, ONLINE.