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CIDADES, Comunidades e Territórios
versão On-line ISSN 2182-3030
CIDADES no.29 Lisboa dez. 2014
https://doi.org/10.7749/citiescommunitiesterritories.dec2014.029.rev01
RESENHA
Recensão do livro "De la Generación@ a la #Generación. La juventud en la era digital"
Review of "De la Generación@ a la #Generación. La juventud en la era digital"
Paula GuerraI
[I]Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Portugal. e-mail: pguerra@letras.up.pt.
De la Generación@ a la #Generación. La juventud en la era digital
Carles Feixa
Barcelona: Ned Ediciones, 2014
No princípio era o Game Boy, com bips eletrónicos como música de fundo. Logo chegaram o e-mail, os sms, YouTube, Facebook, Twitter, WhatsApp e SnapShot. Ao sétimo dia a rede descansou e os jovens se refugiaram de novo na tribo. Enquanto Noé, o filho de Félix o punk, atingia a maioridade em Lleida navegando por Tuenti, e Pablo, o filho de Pablo o Podre, crescia em Neza York navegando no Facebook, Groovy, uma jovem universitária apaixonada por música techno, recordava a sua adolescência na alvorada da era digital, apropriando-se da sua habitação, educando-se nas margens dos sistema escolar, divertindo-se na discoteca Florida, viajando a Berlim – primeiro como estudante Erasmus e depois como emigrante cultural -, participando em diversas subculturas vinculadas à música eletrónica, navegando pelo ciberespaço e descobrindo-se como uma replicante que temia ficar adulta, enquanto sentia o seu reflexo na novela de Philip K. Dick Sonham os andróides com ovelhas elétricas? (1996) [1968], que Ridley Scott popularizaria com o título de Blade Runner (1982). (Feixa, C. 2014: 13)
Assim começa este livro de Carles Feixa destinado à apresentação e sistematização de um conjunto de traços marcantes para todos os que se dedicam ao estudo da juventude e das culturas juvenis não só numa abordagem antropológica mas numa abordagem que radica no âmago das ciências sociais em geral. Dentro da linha que tem vindo a desenvolver nos últimos 15 anos (2011a, 2011b, 2011c, 2011d, 2010, 2006, 1999), Feixa faz uma abordagem da juventude articulando quer a abordagem subcultural, quer a do neotribalismo contemporâneo e a das teorias pós-subculturais, propondo um modelo de análise das culturas juvenis integrador (e feliz, diríamos nós) de posturas teóricas para a abordagem do contexto das culturas juvenis na modernidade tardia. Feixa considera que a noção de cultura juvenil está, muitas vezes, associada à noção de cultura subalterna, ou seja, é constituída por indivíduos que têm pouca integração na cultura hegemónica, segundo a linha de pensamento de Gramsci (Feixa, 1999). Ora, como o autor procura demonstrar, uma característica importante das culturas juvenis é o facto de estas culturas se inserirem numa fase transitória da vida, que lhes permite, apesar da sua condição desigualitária, manterem níveis elevados de autoafirmação (Nilan, 2004, Feixa & Porzio, 2004; Pais, 2003). Assim, a articulação social das culturas juvenis pode desenrolar-se em três cenários: face à cultura hegemónica, veiculada através das instituições e dos media, com a qual desenvolvem relações de conflito e de integração; face às culturas parentais, que se podem definir pelas grandes clivagens sociais de etnia e de classe social; face às culturas geracionais, isto é, a tessitura de relações sociais que os jovens estabelecem, com as quais se identificam e que colidem com aqueles do mundo adulto.
Descentrando-nos do seu caráter imprescindível em termos de obra síntese acerca da juventude, este livro apresenta três traços de singularidade a nossos olhos verdadeiramente fundamentais. Esta obra de Carles Feixa apresenta uma perspetiva diacrónica de abordagem das identidades e formas de sociabilidade juvenil desde o século XX até aos nossos dias sob a foram de um coletivo de interesses e de parcerias de investigação conjuntas entre a Europa, a América Latina e a Austrália (Pam Nilan, Cármen Leccardi, Yanko González, Oriol Romani, Ariadna Fernández-Planells, Mónica Figueras). Com efeito, este é um trabalho de afetos, de experiências partilhadas, de colaborações, de viagens, de trânsitos do próprio autor (Feixa & Nofre, 2013; Leccardi & Feixa, 2012; Feixa, Scandroglio, López, & Ferrándiz, 2011; Nilan & Feixa, 2006) – componentes fundamentais para se fazer e divulgar ciência na contemporaneidade. É particularmente relevante a história de vida de Groovy, jovem de Lleida (terra natal do autor) – ela própria fruto da experiência científica, pedagógica e pessoal de Feixa. Não é despiciendo relembrar que Feixa é o antropólogo espanhol mais citado, pois, tal como já nos tem habituado, não tendo a redação deste livro propriamente como interlocutores os jovens, acaba por ter um cuidado muito inusitado com as modalidades de comunicação juvenil, sendo em simultâneo rigorosa mas próxima dos quotidianos juvenis – traço cada vez mais raro na produção científica. Não deixa de ser relevante assinalar ainda a intensa criatividade linguística que a atravessa tão próxima das linguagens e esquemas linguísticos das tribos juvenis urbanas: basta lembrar o título do livro, assim como o seu prólogo e epílogo onde são utilizados os termos Generación@ e Generación# porque são os símbolos da rede e porque se converteram em acrónimos da cultura juvenil digital. Aqui são usados não só como símbolos, mas francamente minudenciados conceptualmente. O recurso intenso à filmografia e à literatura é por demais importante, pois faz equivaler estas criações artísticas (juvenis) contemporâneas não só a metáforas mas a textos, objetos de análise antropológica e sociológica. Uma última singularidade prende-se com o facto de este livro ser uma revisitação à sua obra seminal decorrente do seu doutoramento – a obra De jóvenes, bandas e tribus (1999). Assim, o desenvolvimento do conceito de Geração@ já estava presente aí, tendo vindo a ser desenvolvido nestas duas últimas décadas a partir da metáfora dos relógios – de sol, mecânico e digital, em temporalidades e espacialidades globais. Vale a pena apresentar aqui as palavras do próprio autor: Ao batizar os jovens de hoje como «Geração@», não pretendo postular a hegemonia absoluta do relógio digital ou da conceção virtual do tempo. Se ele não está todavia claro no Ocidente, muito menos o está à escala mundial, onde as desigualdades sociais, geográficas e geracionais não só não desaparecem, como inclusivamente se acentuam com o atual processo de globalização, o que pode explicar o papel ativo dos jovens nos movimentos antiglobalizadores, como se demonstrou em Seattle. ( ) Estamos experimentando um momento de mudança fundamental nas conceções do tempo, semelhante ao que viveram os primeiros operários fabris cuja vida começou a reger-se pelo relógio. Tendências todavia difusas, ambíguas e contraditórias, mas onde talvez nós possamos ver expostos, como nos relógios deformados que pintou Dali, esboços de tempos futuros (Feixa, 2014: 119-120).
Lançando agora um olhar às diferentes partes da obra, o primeiro aspeto a merecer a nossa atenção prende-se com a justeza e cabimento das suas partes: discursos, cenas e relatos juvenis. A Parte I. Discursos é composta por seis pontos: 1. Tarzán, Peter Pan, Blade Runner: relatos juveniles en la era global; 2. Una juventud global? Identidades híbridas, mundos plurales; 3. El concepto de generación en las teorías sobre la juventud; 4. Generación XX: teorías sobre la juventud contemporánea; 5. Generación @: la juventud en la era digital; 6. Generación XXI: de la tribu a la red. Esta parte concentra todo um conjunto de abordagens teóricas destinadas à compreensão da juventude e da cultura juvenil na era digital com particular incidência na globalização e na emergência de identidades híbridas. A fragmentação do próprio conhecimento nas ciências sociais tem levado a que o conceito de «hibridação» tem sido definido de muitas formas pelas ciências sociais e nos estudos culturais, especialmente pela teoria pós-colonial (op cit: 33). No caso de Feixa, a hibridação é definida como criatividade cultural a partir de múltiplas fontes, como a realização de algo novo a partir de materiais pré-existentes, ou seja, quando as condições da participação cultural, quer sejam antagónicas ou complementares, são produzidas de forma performativa (op cit:34). Esta questão é particularmente central para as abordagens dos pós-estudos culturais, pois entende-se que as tendências e os produtos da cultura juvenil global são ferramentas e recursos importantes para a constituição criativa de culturas juvenis globais distintas da cultura local, o que induz logo a pensarmos em recriações culturais incessantes (Canclini, 2001; Pais & Blass, 2004; Reguillo, 2004; Appadurai, 2004; Bennett & Kahn-Harris, 2004). A Parte II. Escenas é composta igualmente por seis pontos: 7. Los jóvenes en su habitación; 8. Los jóvenes en el espacio escolar; 9. Los jóvenes en espacios de ocio; 10. Los jóvenes en las migraciones; 11. Los jóvenes en las subculturas; 12. Los jóvenes en el ciberespacio e dedica-se a analisar a maneira como as experiências sociais dos jovens se expressam coletivamente mediante a construção de estilos de vida distintivos, espacialmente diferenciados ou nos espaços intersticiais da vida institucional. Feixa defende, como características cruciais das culturas juvenis a heterogeneidade e o dinamismo, o que implica que as fronteiras entre as diferentes microculturas sejam ténues e exista uma proficuidade de espaços de sociabilidade. A parte III. Relatos apresenta a vida de Groovy em oito pontos: 13. Biografía de una Replicante; 14. Groovy en su habitación; 15. Groovy en el espacio escolar; 16. Groovy en espacios de ocio; 17. Groovy en las migraciones; 18. Groovy en las subculturas; 19. Groovy en el ciberespacio; 20. De Replicante a Blade Runner. Groovy, uma jovem universitária, estudante Erasmus, raver, imigrante, creativa, moderna, amante de música eletrónica acaba por ser a personificação da transição entre a Geração@ e a Geração#.
A custo, aproximamo-nos do fim do livro – não é fácil em tão pouco espaço apresentar a sua densidade. O epílogo retoma a transição da Geração@ para a Geração# e termina com cinco desafios fundamentais. O primeiro escreve-se Geração @ versus Geração # e tematiza a passagem de uma sociabilidade conectada para uma sociabilidade hiperconectada, marcada pela segmentação e simultaneidade das conexões (de cujos exemplos supremos são o Twitter e o Facebook). Segue-se o dilema espaço global versus espaço glocal. A Geração@ experienciou a globalização ao passo que a Geração# está à reconquista de espaços de proximidade alternativa reconstituindo os espaços de interação de forma híbrida. O tempo virtual versus tempo viral deverá ter um lugar especial nas nossas reflexões acerca da cultura juvenil, pois passamos de um tempo virtual flexível, com fases expansivas e contractivas a um tempo que podemos denominar de viral, um tempo de multiplicação exponencial de informação. O nomadismo versus translocalismo é outra das encruzilhadas no estudo da juventude contemporânea, pois a Geração@ experienciou as identidades nómadas (Maffesoli, 1988, 1997) mas a Geração# desenvolve-se translocalmente em mobilidades físicas ou virtuais na reconstituição de identidades ambivalentes. Finalmente, a rede versus rizoma, mostra que a Geração# participa política e civicamente através do modelo da rede social, da capilaridade de canais, de raízes descentralizadas – exigindo um outro olhar ao cientista social.
REFERÊNCIAS
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