SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número31Derretendo o gelo: A difícil abertura das cidades suíças às culturas juvenisAs Ruas Ainda São para Sonhar?: Punk, Thrash e Heavy Metal: Uma planta não registada da paisagem urbana de Beirute. índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


CIDADES, Comunidades e Territórios

versão On-line ISSN 2182-3030

CIDADES  no.31 Lisboa dez. 2015

https://doi.org/10.15847/citiescommunitiesterritories.dec2015.031.art02 

ARTIGO ORIGINAL

 

Livros, fanzines e outras publicações independentes. Um percurso pela ‘cena’ do Porto.

Books, fanzines and other independent publications. A journey through the Oporto scene.

 

Pedro QuintelaI; Marta BorgesII

[I]Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Portugal. e-mail: quintela.pedro@gmail.com.
[II]Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, Portugal e-mail: marta.cborges@gmail.com.

 


RESUMO

Na passagem para o século XXI, parece existir um emergente culto underground em torno da produção e consumo de fanzines e de outras publicações autoeditadas, especialmente no campo da ilustração e design gráfico. Inspirando-se, por um lado, na ética e estética do-it-yourself (DIY) proveniente do punk/hardcore e, por outro lado, na tradição oficinal das artes gráficas, muitos designers e artistas contemporâneos parecem estar interessados em utilizar os fanzines e publicações independentes como meio para expressar e divulgar o seu trabalho. Tratam-se de publicações de baixo custo, projetadas, produzidas e distribuídas em papel – frequentemente utilizando uma pluralidade de técnicas de produção (fotografia, ilustração, colagem, etc.) e reprodução (fotocópia, serigrafia, etc.).

Seguindo estas recentes tendências, nos últimos anos, também em Portugal, um número crescente de designers e artistas têm vindo a criar e publicar várias obras editoriais segundo uma lógica DIY. Após um breve enquadramento internacional, este artigo foca a realidade portuguesa procurando compreender as principais tendências presentes em fanzines e outras publicações independentes autoeditadas fortemente ligadas aos campos artísticos do desenho e da ilustração e do design gráfico. Centramo-nos na análise do contexto específico da cidade do Porto (Portugal), destacando os circuitos de produção, distribuição e consumo deste tipo de objetos, bem como as suas conexões com o crescente interesse face à cidade como espaço de criatividade emergente em torno de uma ‘movida’ DIY.


Palavras-chave: do-it-yourself; autoedição; fanzines; design gráfico; ilustração; Porto.


 

1. Introdução

No dealbar do século XXI, assistiu-se a um ressurgimento dos fanzines, livros de artista e outros objetos editoriais autopublicados (selfpublishing) escritos, desenhados e publicados por designers gráficos e ilustradores, individual ou coletivamente, e que, com crescente frequência, recorrem a ‘velhos’ saberes oficinais ligados às técnicas de tipografia, impressão e encadernação. Trata-se de um movimento que, numa primeira leitura, poderá parecer paradoxal, já que, desde finais da década de 1980, estas áreas têm sofrido profundas transformações que resultam, em larga medida, do crescente ‘peso’ das novas tecnologias que alteraram profundamente quer os processos de trabalho, quer os seus próprios resultados, tornando-os cada vez mais ‘imateriais’. Com advento da Internet e a ampla difusão do computador pessoal e das técnicas de impressão digital, muitos designers gráficos começam, progressiva e decisivamente, a afastar-se das oficinas de tipografia e das gráficas e, em certa medida, a reduzir os conteúdos impressos em papel. No caso dos ilustradores, recorde-se ainda outras mudanças recentemente ocorridas na esfera do mercado livreiro e da imprensa escrita que, em consequência de complexos processos de reestruturação e da necessidade de adaptar os conteúdos ao novo contexto do digital, têm contribuído para uma certa redução do número de profissionais em atividade.

Este artigo procura sondar as dinâmicas atuais de produção, distribuição e consumo de fanzines e outras publicações autoeditadas de design gráfico e ilustração em Portugal. Atendendo à escassez de literatura científica que se debruce sobre esta temática em Portugal, em particular no campo das ciências sociais, pareceu-nos importante começar por enquadrar e problematizar teoricamente a produção de fanzines e outras publicações autoeditadas na contemporaneidade. Desta reflexão de âmbito geral partimos, depois, para uma análise centrada no contexto português e, em particular, no caso do Porto.

Assim sendo, a primeira secção do artigo, que se segue a esta breve introdução, pretende contribuir justamente para a consolidação deste conhecimento, reconstituindo, de forma breve, o percurso que levou a que este tipo de objetos editoriais independentes – fanzines, livros de artista e outras publicações autoeditadas de um modo independente e do-it-yourself – que, durante um longo período de tempo, ocuparam um espaço marginal face ao mainstream do campo artístico e cultural, tenham sido recentemente reapropriados de um modo muito particular no campo da ilustração e design gráfico. Esta análise implica não só compreender as características específicas deste tipo de publicações, mas também do modo que estas têm vindo a ser correntemente reapropriadas e reinterpretadas por ilustradores e designers gráficos. Simultaneamente, identificam-se os principais agentes e contextos de ‘intermediação cultural’ que se dedicam à reflexão, mostra e venda de publicações autoeditadas (incluindo, nomeadamente, as escolas artísticas, as galerias e os espaços informais underground) e que, como procuraremos evidenciar, são chave para compreendermos a emergência, afirmação e desenvolvimento deste tipo de dinâmicas criativas territorializadas em espaço urbano. Ao longo desta discussão tentar-se-á estabelecer, sempre que possível, um diálogo entre as principais tendências que marcaram e marcam o contexto internacional (sobretudo, o anglo-saxónico), e o caso específico de Portugal, de modo a procurar identificar algumas continuidades e particularidades.

Num segundo momento do artigo, focamos o nosso olhar na cidade do Porto que é, na nossa opinião, um caso bastante rico para o desenvolvimento desta análise, apresentando um conjunto de características que o tornam exemplar. Centramo-nos nos primeiros anos da década de 2000 até à atualidade, procurando analisar o modo como aqui se tem desenvolvido uma interessante e dinâmica ‘cena’ independente ligada à produção, distribuição e consumo de fanzines e outro tipo de publicações autoeditadas relacionadas com design gráfico e ilustração. Numa abordagem de cariz qualitativo, avançamos com uma primeira caraterização dos agentes envolvidos na produção, distribuição e divulgação deste conjunto diversificado de objetos gráficos e editoriais, que serão eles próprios também objeto de análise. Olhamos também para os principais contextos de distribuição destas publicações, online e offline, procurando compreender os seus diferentes papéis e relevância no contexto da ‘cena’ do Porto. Por último, centramo-nos nas ‘carreiras’ destes ilustradores e designers gráficos, interrogando-nos acerca do modo como se constroem os seus percursos profissionais no quadro de lógicas de trabalho independente, bastante marcadas por uma ética e estética do-it-yourself, qual a sua sustentabilidade e quais as perspetivas de futuro que aqui se vislumbram.

Finalmente, concluímos o artigo apresentando as principais linhas de reflexão que resultam da análise realizada no âmbito desta pesquisa, bem como algumas questões e pistas de investigação que, na nossa perspetiva, interessará aprofundar no futuro.



2. Reinventando o DIY: fanzines e publicações independentes hoje

Embora o interesse de designers gráficos e ilustradores pela produção e consumo de fanzines, livros de artistas e outras publicações autoeditadas seja relativamente recente, importa começar por notar que este tipo de edições – frequentemente realizadas de modo do-it-yourself, distribuídas em circuitos underground e que estão profundamente marcadas por uma ética e estética fortemente associadas à expressão da criatividade, independência e autonomia – não são recentes; pelo contrário, possuem uma história e uma genealogia que interessa aqui recuperar, ainda que de uma forma breve e sucinta. Partindo deste enquadramento, procuraremos equacionar, em seguida, algumas das principais características que marcam a edição independente contemporânea, focando a nossa atenção no caso particular da ‘cena’ relacionada com design gráfico e ilustração.

É sobretudo entre as décadas de 1950-70 que se assiste uma afirmação pública dos media alternativos, bem como dos livros e publicações de artistas, frequentemente concebidos e produzidos e distribuídos de um modo independente e do-it-yourself. Neste contexto, interessa-nos, em particular, focar o boom de fanzines que, no contexto anglosaxónico, irão assumir um papel de grande relevo na difusão e fomento de uma certa ética e estética do-it-yourself que, como veremos, está estreitamente relacionada com determinadas (sub)culturas ou tribos urbanas underground.

Os fanzines são ‘objetos caseiros’, produzidos de forma artesanal, individual ou coletivamente, e que têm, em geral, uma difusão limitada, restrita a determinados circuitos underground. Os primeiros fanzines estavam associados aos fans de ficção científica, durante os anos 1920-30; posteriormente, nas décadas de 50 e 60, tornam-se crescentemente populares os fanzines de banda desenha e música (Triggs, 2010: 15-19; Atton, 2002: 55-56). Importa, contudo, reconhecer que a produção, distribuição e consumo de fanzines adquiriu relevância global com a emergência do fenómeno punk no Reino Unido e E.U.A., durante os anos de 1970-80, assumindo-se como um espaço de liberdade de pensamento e criação do-it-yourself, bem como uma alternativa aos media convencionais (Triggs, 2006 e 2010). Neste contexto, os fanzines punk procuraram criar um espaço alternativo de expressão face aos media tradicionais que tendiam a deturpar ou a dar uma visão negativa do punk (Hebdige, 1979; Savage, 1991). Por outro lado, os fanzines assumiram-se como uma parte muito importante da construção das ‘cenas’ punk – a par das bandas, dos discos, dos concertos –, contribuindo ativamente para a criação e consolidação de um determinado sentido de comunidade (Triggs, 2006 e 2010) e existência de símbolos de pertença (Force, 2005).

Nas últimas décadas, a produção de fanzines não parece ter cessado, bem pelo contrário, mantendo, em geral, uma estreita relação com diversas ‘cenas’ urbanas underground (ligadas não só à música, mas também a outros campos) (cf. Triggs, 2010). Este não tem sido, contudo, um trajeto linear mas, pelo contrário, encontra-se repleto de bifurcações e, por vezes, de contradições que interessa aqui brevemente analisar.

Com efeito, desde meados dos anos 1990 assiste-se a um crescente interesse por fanzines que se reflete no crescente número de simpósios e exposições dedicadas a esta temática, bem como de livros, muitas vezes publicados por editoras mainstream, que compilam imagens de capas e páginas de fanzines emblemáticos das décadas anteriores. Com o advento da Internet, surgem ainda inúmeros blogues e websites que se dedicam à apresentação online de vários fanzines, permitindo, assim, um amplo e fácil acesso a publicações que tinham, até então, uma difusão bastante localizada e restrita a determinados circuitos underground (cf. Triggs, 2010: 7-9). É também neste período que os fanzines vão despertar o interesse da academia, através das primeiras investigações em torno desta temática[3] que refletem o profundo impacto dos cultural studies no contexto anglo-saxónico que, como é conhecido, contribuíram decisivamente para a afirmação pública de um novo entendimento da noção de cultura, menos elitista e mais alargado, e que estava especialmente atento à análise dos media e das diversas modalidades de culturas populares (popular cultures), em particular aquelas ligadas às subculturas urbanas.

Simultaneamente, assiste-se ao que Triggs (2010: 8) designa de processo de cooptação da forma gráfica dos fanzines que, de algum modo, vai colocar em causa uma certa ideia de ‘autenticidade do-it-yourself’ que constituía, desde a sua génese, um requisito e uma aspiração dos seus produtores e consumidores[4]. Esta questão tornou-se particularmente notória em meados dos anos 1990, com o surgimento de algumas ‘falsas’ fanzines publicadas por algumas grandes empresas ligadas à música, ao desporto e lifestyle. Importa notar que esta apropriação da estética ‘original’ dos fanzines baseia-se, pelo menos parcialmente, no modo como alguns fanzines punk emblemáticos dos anos 1970[5] construíram uma "linguagem gráfica de resistência" (Triggs, 2006: 73) com caraterísticas específicas – quer em termos estéticos, como editoriais – que foi determinante na criação de uma espécie de "cânone subcultural" que se generalizou, globalizou e continua ainda hoje a ser reproduzido (cf. Quintela et al., 2014). Esta é, contudo, na nossa perspetiva, uma visão redutora e estereotipada do universo rico e diversificado dos fanzines e da autoedição independente. Devemos, por outro lado, interpretar este tipo de processos no quadro de tendências mais vastas que operam no campo alargado da cultura pop contemporânea e que, nos últimos anos, têm levado a que outros elementos especificamente relacionados com determinadas ‘cenas’ urbanas ditas underground (ligadas da música mas não só, por exemplo) fossem também eles, gradualmente, cooptados e globalizados pelas indústrias culturais.

Na viragem do século, com o desenvolvimento das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação e, em especial, com uma generalização do uso do computador pessoal e o alargamento do acesso à Internet, assiste-se a um conjunto de importantes mudanças nos processos de produção, distribuição e consumo que vão afetar profundamente a edição de fanzines e a outro tipo de publicações independentes.

A multiplicação de editores de texto, imagem, desenho e paginação, a par de uma democratização do acesso ao computador pessoal[6], são elementos-chave neste processo. Em conjunto, estas transformações permitiram que qualquer pessoa possa produzir os seus próprios elementos impressos, sem necessitar de grandes conhecimentos técnicos ou sem ter de fazer avultados investimentos em equipamentos e matérias-primas (Borges, 2013). Outra alteração tecnológica que tem favorecido a autoedição é a vulgarização do print-on-demand, ou seja, a impressão mediante o número de exemplares solicitados, tem vindo a facilitar a reedição, eliminando todos os custos associados à manutenção de stocks (Borges, 2013). Este modo de edição tem sido especialmente importante para a publicação de livros de fotografia, ao permitir a reprodução destes álbuns com grande qualidade a baixos preços.

Por outro lado, surgem novos formatos editorais, especificamente concebidos para a web, que vão levar a que muitos dos fanzines tradicionais – impressos em suporte papel – sejam substituídos por fanzines eletrónicos (os chamados e-zines, disponibilizados online em PDF ou noutro formato eletrónico). Também o surgimento de múltiplos espaços online – websites, blogues, fóruns e redes sociais – permite, fácil e rapidamente, disponibilizar os fanzines (de forma gratuita ou não) e estabelecer redes de contacto entre produtores e leitores para troca ou venda dos fanzines. Este conjunto de transformações vão contribuir para que, nos primeiros anos de 2000, fosse já anunciada a ‘morte’ dos ‘velhos’ fanzines – o que, contudo, não chegou verdadeiramente a ocorrer.

A resiliência dos fanzines e de outros formatos de autoedição em suporte papel poderá explicar-se, pelo menos em parte, pela (re)emergência do craft que, neste contexto, advoga e valoriza os diferentes aspetos relacionados com o caráter manual e oficinal associados aos métodos tradicionais de conceção e execução de objetos editoriais: uma produção cuidada e rigorosa, realizada em pequena/média escala e obedecendo a tempos de trabalho lentos. Como nota Triggs (2010: 205), o craft tem subjacente uma dimensão eminentemente política que não pode ser dissociada de outros movimentos urbanos atuais que visam, de diferentes modos, contestar os ritmos acelerados de produção e consumo que caraterizam o capitalismo contemporâneo – como é o caso, por exemplo, da slow food ou do guerrilla gardening. Betsy Greer propõe mesmo a noção de craftivism¸ afirmando a urgência e a oportunidade de, através da produção de objetos de uma forma artesanal/manual (craft), desenvolver uma nova forma de ativismo social e politico, intervindo em múltiplos domínios e, simultaneamente, contestando a produção de objetos supérfluos fabricado de uma forma massificada[7]. Richard Sennett (2008), por seu turno, alerta para a importância do trabalho artesanal (craftmanship) nas sociedades contemporâneas – o que, na perspetiva deste autor, implica uma formação continua e aprofundada, que se reflete num trabalho realizado de uma forma lenta e meticulosa –, defendendo que o seu incremento constitui uma via fundamental para devolver um sentido profundo de satisfação que, embora seja inerente à condição humana, tem sido negligenciado ou mesmo negado por um capitalismo tardio assente predominantemente em vínculos laborais precários e em modalidades de trabalho ‘ao projeto’ cada vez mais fugazes (Sennett, 2007; Beck, 2000; Antunes, 2008; Pais, 2001). Por outro lado, parece-nos que é também importante inserir esta tendência craft no quadro de novas lógicas, cada vez mais abrangentes e generalizadas, de valorização de uma certa ‘pureza’ associadas à memória e à estética – frequentemente mitificada – de determinadas manifestações culturais, que tendem assim a sublinhar aspetos como o retro, o analógico ou o vintage (Reynolds, 2011; Lipovetsky e Serroy, 2014: 283-287).

No caso dos fanzines, esta reorientação para o craft teve um impacto profundo, tendendo frequentemente a confundir-se com a própria ideia de do-it-yourself[8]. Pretende afirmar a dimensão material – e, mais do que isso, sugere Triggs, a sua dimensão táctil – do objeto editorial, explorando as suas diversas potencialidades do ponto de vista da comunicação gráfica e visual. Mas, mais do que isso, trata-se de uma valorização do próprio objeto – e do tempo e dos skills despendidos na sua produção – que, de certo modo, ‘rompe’ com uma tradição punk que cultivava uma certa urgência e imediatismo (Triggs, 2010: 206).

A profusão e diversidade de abordagens ao formato fanzine – tanto do ponto de vista gráfico, como editorial – a que se assistiu na última década vieram colocar em causa uma visão unívoca deste tipo de publicações independentes. Esta diversidade evidencia-se claramente na dificuldade em definir o que é hoje um fanzine e em estabelecer as ‘fronteiras’ relativamente a outro tipo de publicações independentes. Farrajota (2012) desenvolve um exercício de definição e sistematização dos diferentes tipos de publicações independentes que podemos encontrar em Portugal[9], distinguindo diversas abordagens à autoedição e edição independente, consoante os objetivos e intenções com que cada editor e autor se propõem a abordar estes diferentes meios de comunicação, bem como os recursos e os skills de que dispõem para os executar. Como vimos, para Triggs (2010) são os recursos utilizados e os skills postos em prática, que transparecem um maior domínio técnico, que caracterizam e distinguem muitos dos fanzines produzidos na última década. São precisamente estes aspetos que, como procuraremos evidenciar de seguida, fazem dos fanzines e outras publicações autoeditadas produzidas designers gráficos e ilustradores um caso exemplar do modo dinâmico como a noção de do-it-yourself tem vindo a ser reequacionada e reinventada.

 

3. Design gráfico, ilustração e edição independente

Nas últimas duas décadas, tem-se assistido ao ressurgimento de determinadas práticas editorais de caráter independente, do-it-yourself e underground. Estas práticas encontram inspiração em, pelo menos, duas ‘tradições’ relativamente distintas – uma de cariz artístico, patente na produção de livros e publicações de artista, e uma outra de cariz subcultural/contracultural, relacionada com a produção de fanzines – que, contudo, convergem em muitos dos meios e formatos editoriais alternativos que, ao longo do tempo, têm utilizado para se expressar e comunicar.[10] Desde finais dos anos 1990, houve um aprofundamento deste movimento de convergência que, conforme argumentamos anteriormente, se reflete, nomeadamente, num crescente interesse em torno da ideia de regresso ao craft no campo da edição independente, underground e do-it-yourself associada a ‘meios’ artísticos e criativos em geral e que é muito particularmente visível no campo do design gráfico e da ilustração. Este “entusiasmo pela edição” (Bártolo, 2012b), que se generalizou nos últimos anos, reflete-se quer numa proliferação de fanzines e outras publicações independentes de designers gráficos e ilustradores – umas autoeditadas, outras lançadas com a chancela de pequenas editoras underground –, quer ainda num (res)surgimento de uma multiplicidade de espaços dedicados à distribuição, venda e divulgação deste tipo de edição independentes – dos websites e blogues especializados, às livrarias e bibliotecas, passando por artist-run-spaces, feiras e galerias especializadas em edição, design gráfico e ilustração (que, cada vez mais, asseguram simultaneamente uma presença online e offline), entre outros.

Contrariamente aos ‘tradicionais’ produtores de fanzines que eram, por definição, amadores autodidatas, sem uma aprendizagem específica no ramo gráfico ou editorial, estamos aqui perante editores e autores com formação específica ao nível do desenho e projeto editorial – o que tem despoletado significativas alterações nos modos de abordagem a este tipo de objetos editoriais. Com efeito, o cuidado e arrojo gráfico aplicados à conceção e produção de muitas destas publicações tornam-nas objetos híbridos, algures entre o fanzine, o livro de artista e, por vezes, os chamados big books.[11]

Mas o que tem originado, afinal, este fascínio de muitos ilustradores e designers gráficos pelas publicações ‘alternativas’, concebidas de forma do-it-yourself, com baixos recursos, recorrendo frequentemente a técnicas de impressão e acabamento artesanais – ou que, pelo menos, evidenciam uma forte inspiração nas ‘velhas’ técnicas das artes gráficas – e distribuídas em circuitos, mais ou menos restritos ou underground? Não existe, evidentemente, uma única causa, resultando antes a resposta a esta questão da conjugação de diversos fatores – alguns dos quais, de cariz genérico, já aqui abordados, e que estão relacionados com as importantes mudanças técnicas e tecnológicas ocorridas na área da edição, produção/impressão e distribuição – que, de forma breve, procuraremos enunciar de seguida.

Desde logo, importa sublinhar que esta dinâmica não pode ser dissociada do debate que, desde meados dos anos 1990, tem animado o campo disciplinar do design em torno das questões da autoria (Rock, 2005) e de um novo papel que muitos designers vão reivindicar para si e para os seus pares enquanto produtores (Lupton, 2005; Bártolo, 2011 e 2014; Blauvelt e Lupton, 2011; McCarthy. 2013) e, em particular, enquanto editores (Margolin, 2002). Trata-se de uma mudança profunda no seio da disciplina, que traduz um nítido desejo de emancipação de visões, mais ou menos utilitaristas ou funcionalistas do design – pelo contrário, o design passa a ser muito claramente assumido enquanto expressão cultural.

Um dos aspetos centrais deste debate reside no facto de um número crescente de designers e ilustradores terem começado, nos últimos anos, a trabalhar em projetos autopropostos, assumindo-se plenamente enquanto autores, produzindo sem a encomenda de um cliente e tendo muitas vezes como audiência outros designers, ilustradores e artistas. Como observa Mário Moura: “o design enquanto disciplina já não é uma atividade que existe apenas em função de um cliente exterior – ou seja, como um serviço – mas torna-se uma disciplina auto-consciente, cujos mecanismos, até agora internos, ganharam também um público próprio” (2011: 15). Mas este novo paradigma do designer enquanto produtor pode ser ainda interpretado, na leitura de José Bártolo (2012a; 2014), como um espaço de emancipação dos designers relativamente aos modelos convencionais da profissão, buscando respostas alternativas a um mercado de trabalho cada vez mais saturado, marcado por uma precarização crescente das condições laborais e por um dificuldade em encontrar encomendas de projetos que sejam desafiadores do ponto de vista criativo.

Ora, uma das características fundamentais da edição independente, de cariz do-it-yourself, prende-se justamente com o facto dos seus processos de produção implicarem que o autor/editor tenha um papel ativo em todas as partes do processo: da conceção e direção editorial (criando sozinho e/ou convidando outros autores a colaborarem), à maquetagem, passando pela impressão (nalguns casos imprimindo e fazendo os acabamentos ou, pelo menos, acompanhando cuidadosamente todo o processo de impressão), distribuição e venda ou troca. Além disso, muitos destes fanzines e publicações independentes e underground constituem espaços de pensamento crítico sobre o próprio campo da ilustração e do design gráfico contemporâneo, nos quais ilustradores e designers autorefletem sobre as suas práticas profissionais e os recentes desenvolvimentos da disciplina – dilemas, frustrações, reflexões de cariz mais pessoal ou de cariz mais eminentemente teórico.

Este boom da autoedição de publicações relacionadas com ilustração e design está também estreitamente relacionado com uma dinâmica crescente de iniciativas e eventos públicos, mais mainstream ou mais underground, que associam design gráfico, ilustração e práticas do-it-yourself – exposições, workshops, conferências, debates, lançamentos de livros, fanzines e publicações independentes, etc. A este propósito, importa destacar o importante papel desempenhado por diversas escolas de design, em particular no Norte da Europa, que estimulam os seus alunos a uma prática de produção ativa de publicações próprias, realizadas de forma autónoma, mas em que são disponibilizados meios e incentivos (Bártolo, 2012b; Lucena, 2012; Laranjo, 2012). Progressivamente, têm vindo a surgir ofertas pedagógicas (graduadas e pós-graduadas) especificamente dirigidas para o campo da edição, ilustração e impressão que, de algum modo, procuram beneficiar deste crescente interesse em torno dos processos de edição realizados de forma autónoma, independente e do-it-yourself. Na Holanda, por exemplo, não só existem cursos de licenciatura e mestrado nesta área, como são concedidos apoios estatais a artistas e designers, possibilitado a concretização dos seus projetos de publicação independente, bem como a algumas instituições culturais que “estão diretamente ligadas à produção de livros e à distribuição, servindo também como plataformas mediadoras entre os artistas e o público” (Lucena, 2012: 21).

Este boom da autoedição de publicações relacionadas com ilustração e design está também estreitamente relacionado com uma dinâmica crescente de iniciativas e eventos públicos, mais mainstream ou mais underground, que associam design gráfico, ilustração e práticas do-it-yourself – exposições, workshops, conferências, debates, lançamentos de livros, fanzines e publicações independentes, etc. A este propósito, importa destacar o importante papel desempenhado por diversas escolas de design, em particular no Norte da Europa, que estimulam os seus alunos a uma prática de produção ativa de publicações próprias, realizadas de forma autónoma, mas em que são disponibilizados meios e incentivos (Bártolo, 2012b; Lucena, 2012; Laranjo, 2012). Progressivamente, têm vindo a surgir ofertas pedagógicas (graduadas e pós-graduadas) especificamente dirigidas para o campo da edição, ilustração e impressão que, de algum modo, procuram beneficiar deste crescente interesse em torno dos processos de edição realizados de forma autónoma, independente e do-it-yourself. Na Holanda, por exemplo, não só existem cursos de licenciatura e mestrado nesta área, como são concedidos apoios estatais a artistas e designers, possibilitado a concretização dos seus projetos de publicação independente, bem como a algumas instituições culturais que “estão diretamente ligadas à produção de livros e à distribuição, servindo também como plataformas mediadoras entre os artistas e o público” (Lucena, 2012: 21).

Este tipo de circuitos – de formação, produção, divulgação e/ou distribuição – ligados à edição independente assume hoje grande relevância em todo este processo e na dinâmica associada, no sentido em que não só contribui para criar condições inéditas de visibilidade e reconhecimento deste tipo de práticas editoriais entre pares, como também permite que este tipo de produção cultural chegue a audiências mais amplas, ajudando ainda a viabilizar, do pronto de vista económico, novas práticas profissionais de designers gráficos e ilustradores – através da venda de fanzines e autoedições, ilustrações, mas também de roupa e acessórios (t-shirts, sweatshirts, sacos, bonés, etc.).

Um dos desafios que se coloca a análise dos circuitos de consumo e distribuição de fanzines e publicações autoeditadas de forma independente e do-it-yourself prende-se, justamente, com a profusão e diversidade de contextos onde podem ser encontrados este tipo de objetos e que incluem, nomeadamente, espaços artísticos independentes (artist-run spaces, associações), galerias (especializadas ou não), livrarias, feiras de publicações independentes, mas também lojas de discos, lojas de roupa e acessórios, bares, salas de concertos, entre tantos outros locais. Importa notar ainda que, se até há alguns anos atrás, o correio postal assumia um papel de grande relevo nestes processos, facilitando quer o contacto direto produtor/leitores, quer a troca e/ou venda através de distribuidoras underground, atualmente uma parte importante da distribuição deste tipo de objetos faz-se através da Internet, em websites e blogues especializados.[12] Estes múltiplos espaços e redes (online e offline) desempenham hoje um papel-chave nestes circuitos underground, permitindo não só ‘alimentar’ o que Triggs (2010: 209) designa de “emerging micro-craft economy” associada à venda deste tipo de objetos editorais, mas também criar e robustecer comunidades de indivíduos que partilham determinados gostos e estilos de vida, participando ativamente na ‘cena’, como autores/produtores, dinamizadores e/ou leitores. Neste sentido, estes espaços de distribuição e consumo assumem hoje um papel relevante no fomento, dinamização e divulgação destas ‘cenas’ locais ligadas à autopublicação independente e do-it-yourself.

Portugal não tem estado à margem deste conjunto de discussões e transformações, e o recente boom de fanzines e publicações autoeditadas por designers e ilustradores portugueses (muito deles bastante jovens), individualmente ou reunidos em coletivos, assim como o surgimento de pequenas editoras underground como a Dois Dias, a Plana, a Chili Com Carne, a Opuntia Books, a Ghost, a MMMNNNRRRG, a El Pep ou a entretanto extinta Braço de Ferro, evidenciam bem esta crescente dinâmica[13]. De um modo geral, esta dinâmica é considerada positiva por vários dos editores, designers e ilustradores contactados que, em entrevista, salientaram o incremento – em termos de quantidade, qualidade e diversidade – do panorama editorial independente português. Alguns entrevistados, contudo, não deixaram de assinalar aspetos menos positivos que associam a um certo ‘efeito de moda’ que, na sua perspetiva, se limita a repercutir entre nós alguns ‘ecos’ de uma tendência internacional cada vez mais difundida, mas que ainda pouco refletida e discutida em Portugal.

“Em Portugal penso que há cada vez mais produção e edição de zines. Calculo que o boom da cultura hipster tenha alguma coisa a ver com essa acentuação.”

Zé Burnay, 22 anos, licenciado em design gráfico e trabalha como ilustrador e cartoonista.

Este dinamismo em torno da publicação independente está também relacionado com o crescente interesse académico que estas questões têm despertado em Portugal, com repercussões importante a diversos níveis. Embora, como refere Cardoso (2012), os currículos de ensino da generalidade das instituições de ensino artístico portuguesas ainda não incluam disciplinas que se dediquem exclusivamente ao estudo deste tipo publicações, a verdade é que, nos últimos anos, têm sido realizadas algumas teses de mestrado e doutoramento nesta área, existindo ainda alguns projetos de investigação que evidenciam o crescente interesse em recolher, arquivar e estudar a produção de fanzines e livros de artista desenvolvidos por artistas, designers e ilustradores portugueses.

A plataforma online Tipo.pt[14], desenvolvida por Catarina Figueiredo Cardoso e Isabel Baraona, é provavelmente o exemplo mais interessante, contemplando a disponibilização de um arquivo de “projetos de edição independente e/ou autoedição, small press, livros de artista, fanzines e objetos de natureza semelhante”. Esta dupla de investigadoras tem publicado o anuário Portuguese Small Press Yearbook e contribuído para a dinamização de encontros e reflexões sobre o contexto nacional da edição independente em Portugal, o seu trajeto histórico e a dinâmica atual (cf. nomeadamente Cardoso, 2012 e 2013; Cardoso e Baraona, 2012). Numa linha de investigação distinta, mas ainda assim com inúmeros pontos de interseção com as artes visuais e o design gráfico, o projeto Po-ex.net – Arquivo Digital da Literatura Experimental Portuguesa[15], recolheu, catalogou e disponibiliza online documentação diversa relacionada com a poesia experimental (visual e sonora) portuguesa, das décadas de 1960, 70 e 80.

Atualmente, existem ainda poucas bibliotecas dedicadas ao arquivo de livros de artista, fanzines e outras publicações independentes. Neste contexto, destacam-se os acervos das Bibliotecas de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa) e da Fundação de Serralves (Porto). Neste último caso, importa notar que, nos últimos anos, têm-se realizado, com regularidade, várias exposições em torno da publicação independente, comissariadas por Guy Schraenen.[16] Destaque-se ainda a Bedeteca de Lisboa, equipamento integrado na Rede de Bibliotecas Municipais de Lisboa, que dispõe de um importante acervo de fanzines e publicações independentes de ilustração e banda desenhada. Criada em 1996, a Bedeteca de Lisboa foi bastante ativa, sobretudo até 2005, promovendo a realização de várias exposições, feiras e eventos dedicados à edição independente (em particular ligadas à banda desenhada) e ainda edições próprias.

O número de livrarias especializadas em livros de artista, fanzines e outras publicações independentes é ainda muito reduzido em Portugal. Destacam-se duas: a Inc. Livros e Edições de Autor, fundada no Porto em 2008 (cf. Inc, 2012) e a STET, especializada em photobooks, fundada em Lisboa, em 2011 (cf. Valladares e Catrica, 2012). Existem, contudo, em todo o país vários eventos (nomeadamente, feiras de publicações independentes) e outros espaços não especializados onde é possível encontrar fanzines e publicações independentes (cf. Cardoso, 2013: 74-81).

Embora sem beneficiar de qualquer tipo de apoios públicos específicos que, como vimos, existem noutros contextos da Europa, várias escolas de artes e design e associações[17] de todo o país têm vindo igualmente a acompanhar esta tendência, contribuindo para difundir e ampliar este debate. De entre outras iniciativas, importa destacar o crescente número de seminários, conferências e encontros científicos centrados, nomeadamente, nas questões da autoria e da autopublicação[18], bem como a organização regular de cursos, workshops e outros eventos relacionados com a autoedição, fanzines e livros de artista, técnicas de impressão e acabamentos, etc.[19]

Para além da já mencionada Fundação de Serralves, outras instituições têm, pontualmente, promovido exposições em torno dos livros de artista, dos fanzines e de outras publicações independentes. A título de exemplo, saliente-se a exposição Books Make Friends, patente na Culturgest (Lisboa) de 20 de Maio a 27 de Agosto de 2006 e a exposição Tarefas infinitas. Quando a Arte e o Livro se Ilimitam, patente na Fundação Calouste Gulbenkien (Lisboa) de 20 de junho a 21 de outubro de 2012 (cf. Dias, 2012).

Em suma, verifica-se que, nos últimos anos, um crescente interesse em torno das publicações independentes têm obtido protagonismo em Portugal, o que se reflete não só numa dinâmica de produção editorial bastante forte, mas também numa assinalável diversidade de eventos e acontecimentos, muitos deles de cariz mais underground, enquanto outros estão já inseridos em contextos mais institucionalizados e reconhecidos (dentro e fora da academia). Contudo, a verdade é que estas dinâmicas estão ainda muito pouco estudadas entre nós. Um dos objetivo deste artigo é justamente o de contribuir para aumentar o conhecimento e a reflexão sobre este tema, nomeadamente no campo das ciências sociais. Neste sentido propomo-nos a desenvolver, de seguida, um exercício de análise mais situada e delimitada, do ponto de vista das suas dinâmicas territorializadas, acerca da ‘cena’ do Porto. Trata-se de um caso que é, na nossa opinião, exemplar em contexto nacional e que interessa estudar, pois permite-nos compreender melhor alguns dos mecanismos e caraterísticas do fenómeno da autoedição e da publicação independente contemporâneos.

 

4. A ‘cena’ do Porto: produção e difusão de publicações autoeditadas e fanzines de design e ilustração na contemporaneidade

Nestes primeiros anos do século XXI assistiu-se na cidade do Porto a uma particular efervescência em torno da autoedição e edição independente e do-it-yourself, com um especial destaque no campo da ilustração e do design gráfico. Esta dinâmica reflete-se, desde logo, na presença de um número significativo de produtores individuais – ilustradores, artistas e designers gráficos – mas também, em menor número, de editoras e coletivos ligados à edição independente. Destacam-se, por outro lado, a presença de um conjunto de espaços de intermediação, onde é possível contactar e adquirir este tipo de publicações: livrarias independentes, galerias especializadas em ilustração e desenho, feiras dedicadas à edição independente. Igualmente relevantes para esta dinâmica, as principais instituições de ensino superior de arte e design da cidade que, através de alguns dos seus investigadores e docentes interessados nestas questões – frequentemente, eles próprios também autores, produtores e editores de fanzines e outras publicações independentes –, têm ajudado a divulgar e a promover, em contexto académico, este tipo de práticas, organizando, com certa regularidade, vários eventos e iniciativas no campo do ensino e investigação. E, finalmente, esta ‘cena’ local conta ainda com a presença decisiva de um público local interessado, mas também de uma audiência que é, cada vez mais, global, presente online e offline, que tem permitido a criação de uma “micro-craft economy” (Triggs, 2010: 209) que se desenvolve hoje não só em torno da venda de fanzines e de outras publicações independentes autoeditadas, mas também da venda de outro tipo de objetos gráficos bi e tridimensionais.

Assim, nesta secção do artigo propomo-nos a abordar estas diferentes dimensões que, em conjunto, ajudam a configurar a existência no Porto de uma ‘cena’ local especificamente ligada à autoedição e edição independente no campo do design gráfico e da ilustração. Esta é uma abordagem de cariz qualitativo que assenta essencialmente na realização, durante o ano de 2014, de entrevistas com designers, ilustradores, investigadores e galeristas ligados ao universo da autoedição e da edição independente. Paralelamente, procedemos à observação direta de vários eventos relacionados com este universo: inaugurações de exposições de design gráfico e ilustração; lançamentos de fanzines, livros e publicações; feiras de publicação independente; outros eventos, realizados em livrarias, galerias e outro tipo de espaços. Têm sido ainda recolhidos vários fanzines, livros e publicações autoeditadas ou editadas por pequenas chancelas independentes, de modo a permitir uma análise das principais temáticas focadas, bem como do tipo de linguagem gráfica e das técnicas de impressão e acabamento utilizadas. Finalmente, importa referir que este trabalho ainda se encontra em curso, pelo que o que apresentaremos, de seguida, são resultados ainda preliminares que decorrem da análise dos dados que foram já recolhidos e sistematizados.

Como ponto de partida para o desenvolvimento desta análise, centremo-nos no conjunto de indivíduos e coletivos que estão hoje envolvidos na elaboração, produção e edição de fanzines e outro tipo de publicações (auto)editadas de forma independente. Desde logo, duas caraterísticas parecem destacar-se: em primeiro lugar, estes produtores e editores são essencialmente jovens (com idades entre os 20-30 anos), recém-licenciados ou ainda estudantes, embora também exista um núcleo significativo de ‘resistentes’, indivíduos um pouco mais velhos (com idades acima dos 30-40 anos), com um trajeto já relativamente consolidado neste campo da (auto)edição independente; em segundo, possuem geralmente formação superior especifica em arte e design (sobretudo no ramo gráfico/comunicação). Se o primeiro aspeto era, à partida, expetável, pois o envolvimento neste tipo de práticas (sub)culturais está, em geral, associado ao período da juventude, já o segundo aspeto parece-nos mais interessante, ainda que não seja absolutamente surpreendente, pois confirma a tendência, antes referida, de um crescente número de designers (e ilustradores) estarem interessados na edição independente e, em sentido mais amplo, em assumir um papel mais interventivo, social e culturalmente, enquanto autores (Rock, 2005) e produtores (Lupton, 2005; Bártolo, 2011 e 2014; Blauvelt e Lupton, 2011; McCarthy. 2013).

A influência da passagem pela faculdade no despertar do interesse pelos fanzines e pelas publicações independentes foi, na verdade, um aspeto referido por vários dos designers, ilustradores e editores entrevistados, mas também por professores, investigadores e galeristas. Com efeito, parece existir uma certa unanimidade em assinalar como marcante este período de formação, onde se dá um primeiro contacto de muitos alunos com este tipo de objetos que, com frequência, desemboca nas primeiras experiências do-it-yourself de produção de edições próprios. Esta é, de resto, uma tendência que atravessa várias escolas de arte e design portuguesas, como já referimos.[20]

No caso do Porto, a presença de várias instituições de ensino superior artístico, público e privado, parece ser um elemento fundamental para despoletar e ‘alimentar’ boa parte da dinâmica intensa de produção de fanzines, autoedições e outras publicações de cariz independente e do-it-yourself relacionadas com design gráfico e ilustração. Alguns professores desempenham um papel-chave neste processo, conforme ficou claro nos diversos contactos estabelecidos no decurso desta investigação. Importa, por isso mesmo, citar a influência de Rui Vitorino Santos, Júlio Dolbeth ou Luís Mendonça (ilustrador conhecido por Gémeo Luís), professores de ilustração nos cursos de licenciatura e mestrado em design na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP) e, no caso de Mendonça, também na Escola Superior de Artes e Design de Matosinhos (ESAD-M), frequentemente apontada, quer por designers e ilustradores, quer por galeristas, como decisiva para este primeiro contacto com o universo dos fanzines, das publicações independentes e da utilização da ilustração em contextos menos convencionais. Por exemplo, João Sobral, 23 anos, licenciado em design de comunicação, autor e editor de fanzines, assinando os seus trabalhos com o alter-ego Panda Gordo, referiu justamente este aspeto em entrevista:

“Foi no primeiro ano [da licenciatura], numa aula do Professor Rui Vitorino Santos em que ele levou várias publicações. Acho que todos os anos ele dá esta aula, em que leva vários exemplares de fanzines, livros de artista e outras publicações... Há um projeto no primeiro ano em que temos que fazer uma publicação. Acho que foi a primeira vez em que vi fanzines (...) Foi aí que começou o interesse. Eu sei que foi mesmo nessa aula, algures em 2011, 2010 talvez...”.

Para além da prática projetual de objetos editoriais menos convencionais, concebidos de forma autónoma e do-it-yourself, estar a assumir, nos últimos anos, um crescente protagonismo em algumas disciplinas de licenciatura e mestrado em design, importa salientar ainda que, através da realização regular de conferências, debates e mesas redondas centradas em torno do papel do designer enquanto autor, produtor e agente cultural, bem como da organização regular de cursos e workshops relacionados com a autoedição, fanzines e livros de artista, técnicas de impressão e acabamentos,[21] estas escolas artísticas têm vindo a desempenhar um papel importante na consolidação de uma ‘cena’ local ligada à (auto)edição independente. Também ao nível da investigação se constata uma relativa centralidade de temas como a autoedição e os novos modelos de produção em design editorial, existindo atualmente já algumas dissertações de mestrado na área de design que se têm debruçado sobre estas matérias. Encontra-se ainda em curso na FBAUP um projeto de investigação, designado de Kraft, que visa recolher, catalogar, arquivar e estudar a produção de fanzines e livros de artista, designers e ilustradores portugueses, disponibilizando posteriormente esses resultados numa plataforma online.[22] Alguns dos docentes e investigadores entrevistados salientam ainda que, nos últimos anos, as próprias bibliotecas universitárias têm vindo a constituir acervos de fanzines, num claro reconhecimento institucional da importância deste tipo de produção, do ponto de vista artística e cultural.

A ‘porta de entrada’ de muitos produtores no universo underground dos fanzines, das autoedições e publicações independentes relacionados com ilustração e design parece estar, assim, intimamente associada ao momento em que se iniciam os estudos superiores. Segundo muitos dos autores e editores entrevistados, é durante a passagem pela universidade que se leem e produzem os primeiros fanzines e em que se organizam, individual ou coletivamente, os primeiros projetos de edições independente, frequentemente desenvolvidos de uma forma do-it-yourself. Assim sendo, não admira que, quando retrospetivamente recordam a passagem pela faculdade, seja justamente esta dimensão de uma certa ‘aprendizagem informal’, que está associada a uma certa cultura underground e do-it-yourself, combinada com a oportunidade de conhecer outros indivíduos que partilham de interesses comuns, a emergir como um dos aspetos mais valorizados pelos entrevistados:

“… apesar de ter aprendido bastante nas Belas Artes, aprendi definitivamente muito mais com as pessoas que me rodearam, mesmo durante a universidade, por essa troca de informação e de partilha, e esses submundos paralelos dentro do ensino.”

Miguel Carneiro, 34 anos, licenciado em pintura. Atualmente, é membro da Oficina Arara e um dos editores da publicação Buraco.

Embora os autores e produtores individuais assumam uma evidente preponderância na ‘cena’ da edição independente do Porto, é importante salientar que, por um lado, várias fanzines e outras publicações independentes reúnem em cada número um leque de colaborações diversificadas que vão para além do seu núcleo-duro de editores (caso, por exemplo, das publicações Pangrama, Buraco ou Panda Gordo). Por outro lado, existem no Porto algumas pequenas editoras independentes que, de uma forma mais ou menos continuada e regular, têm vindo a editar livros¸ fanzines e outras publicações, como é o caso da Plana (especializada em ilustração e banda desenhada) ou da já extinta Braço de Ferro (especializada em arte e design). Podemos, finalmente, estabelecer ainda uma terceira categoria, onde se incluem alguns coletivos, como a Oficina Arara ou os We Come From Space, que embora com caraterísticas distintas, exploram, de forma bastante livre e experimental, o que poderá definir como o campo expandido da impressão e edição de objetos de design e ilustração.

Com efeito, importa salientar que a noção de atividade editorial deve ser aqui entendida em sentido amplo e multifacetado, compreendendo não só a publicação de fanzines, revistas, livros e outro tipo de publicações de difícil definição, mas também outro tipo de objetos editoriais – incluindo, nomeadamente, posters, cadernos e blocos, ilustrações originais impressas em Riso[23] ou em serigrafia; mas também peças têxtil (como t-shirts, sweat-shirts ou tote bags) e outros suportes menos convencionais impressos em serigrafia, por exemplo.

Esta tendência para um alargamento dos objetos editoriais reflete ainda uma clara expansão da própria ideia de ilustração que, cada vez mais, tende a desvincular-se da clássica associação ao desenho sob papel, com vários ilustradores a experimentarem novos suportes e abordagens. Mas, por outro lado, exprime também uma intencionalidade e um sentido estratégico na abordagem dos seus produtores que, como refere Triggs (2010), olham hoje para os fanzines e publicações independentes como um contexto privilegiado para intervirem e mostrarem o seu trabalho. Neste contexto, todo o processo de conceção e produção deste objetos bi e tridimensionais adquire uma maior complexidade, que decorre justamente da atenção e do apuro técnico implicado no desenvolvimento deste projetos.

Precisamente neste sentido, tanto os autores/editores como os professores, investigadores e galeristas entrevistados sublinharam a crescente atenção dada aos processos de produção de fanzines e publicações próprias de designers e ilustradores. Em entrevista, Rui Vitorino Santos, 43 anos, ilustrador, coproprietário da Galeria Dama Aflita e investigador e docente universitário, salientou justamente que, ao contrário do que acontecia há alguns anos atrás, hoje os jovens autores/editores têm ideias bastante claras acerca dos seus projetos editoriais – “não é uma coisa tão despreocupada como antes”, nota. Esta preocupação reflete-se quer nos conteúdos, com abordagens mais conceptuais (caso, por exemplo, das publicações temáticas, cujos conteúdos são desenvolvidos em função dos temas específicos), quer nas técnicas de impressão e acabamento utilizadas, fazendo com que muitas destas publicações não enquadrem facilmente nos formatos e classificações ‘clássicas’, oscilando entre o fanzine e o livro de artista ou de autor (para retomarmos a tipologia de Farrajota, 2012). Acompanhando as tendências internacionais, também no Porto vêm ganhando relevância as abordagens craft aplicadas ao campo do design gráfico e da ilustração. Torna-se, assim, frequente o recurso a técnicas de impressão mais tradicionais e dispendiosas (como é o caso da serigrafia, por exemplo), ou a opções de acabamentos manuais ou mais luxuosas do que seria expetável num fanzine (por exemplo, cosendo à mão a encadernação da publicação ou utilizando diversos tipos de papeis, com cores e gramagens distintos).

Para Rui Vitorino Santos, este tipo de preocupações na produção de fanzines e de outros objetos editoriais desenvolvidos de forma independente deve-se ao contexto atual que, como vimos, é muito marcado por um certo hype em torno da autoedição, mas também ao próprio sistema de formação em design que concede aos designers autores/editores/produtores uma maior sensibilidade e preocupação com o aspeto gráfico geral deste tipo de publicações, levando a abordagens não só menos espontâneas – no sentido de são mais maturadas e refletidas, afastando-se de uma certa espontaneidade e imediatez que caracterizava os primeiros fanzines (Triggs, 2010) –, como também, paradoxalmente, frequente menos experimentais.

“Nos anos (19)90, quando estudava, [as fanzines] eram mais arty com [recurso a materiais como] tampas de tupperware pintadas, plásticos... Eram objetos mais estranhos. Agora são mais clean e têm o papel como principal suporte e o livro como formato”.

Rui Vitorino Santos

 

 

“Saber que [o fanzine] foi dobrado e colado um a um, mesmo que esteja torto, valoriza completamente o objeto.”

Mariana Santos/Mariana a Miserável.

Embora muitos dos autores/editores tendam a interpretar e a afirmar que a sua abordagem do-it-yourself é, no essencial, um processo de trabalho específico – que implica o seu envolvimento direto da conceção, à produção e distribuição da publicação –, parece existir uma dimensão ética e política subjacente que interessa aqui explicitar. Com efeito, a valorização do caráter manual/artesanal destas publicações e a opção por recorrer a determinados modos de produção que apelam declaradamente a um esforço físico no processo da sua concretização – como é o caso, por exemplo, da serigrafia – parece estar frequentemente associada a uma certa saturação que alguns designers manifestam relativamente ao papel preponderante da tecnologia nos seus processos de trabalho – referem-se, em especial, ao papel do computador e dos diversos softwares de tratamento e edição gráfica. Um dos elementos da Oficina Arara, Miguel Carneiro, salientou justamente a importância dos processos manuais:

“Estamos muito saturados de passar muitas horas em frente ao computador e pelo menos este desgaste é mais físico [o trabalho braçal associado à impressão em serigrafia] obriga-nos a pensar como conseguir a plasticidade que não conseguimos no computador”.

A fuga a determinadas linguagens gráficas, mais ou menos estereotipadas e globalizadas – através do recurso a abordagens mais manuais, porventura menos ‘rigorosas’, esteticamente mais ‘sujas’ e desejavelmente mais originais –, constitui um outro aspeto que, em entrevista, surge com certa frequência nos discursos de vários designers e ilustradores envolvidos neste tipo de projetos independentes e do-it-yourself. Isto não significa, contudo, que este tipo de dispositivos técnicos e tecnológicos sejam, em absoluto, renegados por estes jovens designers gráficos/comunicação e ilustradores. Na verdade, é frequente que os trabalhos produzidos resultem de abordagens hibridas, que combinam na sua idealização e concretização tecnologias analógicas e digitais.

Mas a conceção e produção de fanzines e outras edições independentes com um rigor e ‘apuro’ gráfico que seria, à partida, pouco expectável, está também relacionada com uma visão crítica do panorama editorial contemporâneo e, em particular, com o papel pouco criativo que a ilustração e o design gráfico vêm assumindo neste âmbito. Num contexto em que se assiste a uma clara desvalorização do mercado de trabalho neste setor, a valorização dos projetos gráficos independentes e de qualidade, desenvolvidos de forma lenta e rigorosa, parece constituir também, de algum modo, uma forma de resistência e de liberdade (criativa, em termos gráficos, como editoriais) para muitos destes ilustradores e designers que, paralelamente, têm muitas vezes de exercer a sua atividade profissional em moldes mais convencionais e na sua perspetiva, menos criativos. Nalgumas entrevistas a designers esta questão tornou-se claro que a opção pela ilustração (numa abordagem autoral e, por vezes, quase autorreferencial) decorria de um processo de rutura face ao processo tradicional da encomenda em design e de uma certa aversão a um tipo de trabalho entendido como comercial, rotineiro, estandardizado e, de forma geral, muito pouco criativo. Especialmente nestes casos, os projetos editoriais independentes tendem a cumprir uma dimensão importante de demonstração e divulgação dos skills dos seus autores/produtores, assumindo a função de portfolio profissional – o que certamente ajuda também a explicar algum do investimento feito na conceção e produção cuidada de alguns destes objetos gráficos.

Vejamos agora os espaços de divulgação e distribuição de fanzines e publicações independentes, um elemento fundamental para fomentar e robustecer uma dinâmica local associada à produção deste tipo de objetos editoriais de produção própria, seja através do consumo e de um reconhecimento público mais alargado, seja através das oportunidades para o estabelecimento de contactos e o fortalecimento de relações (networking) não só entre produtores (autores e editores), mas também entre estes e alguns ‘intermediários culturais’ interessados em acompanhar as dinâmicas em curso no campo das edições independentes (incluindo galeristas, investigadores e docentes universitários, comissários, editores de chancelas de maior dimensão, designers e diretores criativos de agências e gabinetes de design de média e grande dimensão, etc.). A análise do caso do Porto é, deste ponto de vista, bastante interessante ao evidenciar, por um lado, a existência de uma grande diversidade de espaços de mostra e venda de publicações independentes ligadas ao universo da ilustração e do design gráfico – das feiras de publicações independentes, às galerias de ilustração, passando por livrarias mais especializadas e outros espaços de natureza mais underground –, mas porque também nos permite compreender, por outro lado, a importância relativa destes vários lugares, que decorre justamente dos diferentes papéis que assumem na ‘cena’.

Comecemos por abordar o papel de grande relevância desempenhado pelas duas galerias dedicadas exclusivamente à ilustração – a Dama Aflita[24] e a Ó Galeria[25] – que, no contexto da cidade do Porto, animam um circuito de distribuição mais alargado de fanzines e outras edições independentes ligadas à ilustração e design gráfico. Localizadas na Baixa do Porto, ambas as galerias dedicam-se exclusivamente à ilustração, embora com diferenças significativas a nível programático, o que, mais do que gerar rivalidades, parece contribuir para estimular complementaridades e sinergias entre ambos os espaços. Com efeito, a Dama Aflita assume um carácter vincadamente mais experimental, apresentando frequentemente abordagens menos evidentes ao desenho e à ilustração; já a Ó Galeria é um projeto com um carácter assumidamente mais comercial, onde predominam um tipo de trabalhos mais convencionais.

 

 

Ambas as galerias assumem, no contexto da cidade do Porto, um papel relevante na descoberta de ‘talentos’ locais, bem como na legitimação e consolidação de carreiras. Este aspeto foi reconhecido pelos próprios galeristas, mas também por vários ilustradores que afirmaram a importância da existência destes dois espaços, sublinhando o seu papel crucial na geração de uma dinâmica – criativa, mas também económica – local obtida através da organização de exposições regulares (individuais e coletivas), mas também da mostra e venda permanente de ilustrações originais e de múltiplos, bem como de fanzines, livros e outras publicações independentes. No caso da Ó Galeria, assumem ainda relevância outro tipo de objetos bi e tridimensionais, como os postais, as t-shirts, os sacos, etc., que também se encontram em exposição para venda na galeria.

O papel destas duas pequenas, mas muito dinâmicas, galerias na criação de um circuito regular na cidade do Porto dedicado à exposição e venda de originais, múltiplos e publicações de diferentes tipos parece-nos ser, sem dúvida, fundamental para a consolidação de uma ‘cena’ local independente ligada ao design gráfico e ilustração, uma vez que a sua dinamização através da promoção de eventos/feiras especializadas é ainda pontual e pouco consequente. De resto, importa notar que esta preocupação com o alargamento do público de interessado, ‘rompendo’ com o circuito mais underground das feiras de publicação independentes – em que, normalmente, quem compra são os mesmos que produzem e que vendem, como nos foi afiançado por diversos interlocutores – constitui um objetivo que é partilhado por ambas as galerias.

Note-se, contudo, que a maioria dos autores/editores contactados afirma valorizar as feiras de publicações e outros eventos similares, encarando-os enquanto oportunidades para estabelecerem um contacto direto entre autores/editores e leitores. Salientam ainda, com frequência, a sua importância no estabelecimento/fortalecimento de redes e inter-relações com outros editores/autores – “é muito importante para conhecer pessoas e trocar experiências”, como nos referiu uma das entrevistadas. Importa ainda, por outro lado, salientar o carater crescentemente performativo deste tipo de eventos. Com efeito, hoje é, cada vez mais, frequente a participação neste tipo de eventos incluir não só a mostra e venda de publicações e outras edições (cartazes, cadernos, etc.), mas também momentos de performance ao vivo que, na sua versão mais convencional, incluem a realização de sessões de autógrafos, conversas com os autores/editores ou a possibilidade de observar os ilustradores a desenharem ao vivo mas que, por vezes, adquirem um cariz mais experimental e transdisciplinar, associando a ilustração, à música, poesia ou artes visuais como, por exemplo, tem vindo a acontecer nalguns dos eventos em que participam elementos do coletivo Oficina Arara.

O caráter do-it-yourself associado às fanzines e outras publicações independentes está-se também evidente nas suas múltiplas formas de distribuição. Com efeito, constata-se que estas publicações são, em geral, distribuídas pelos próprios autores/editores através do recurso a redes já estabelecidas com um conjunto de galerias, lojas e feiras dedicadas a publicações independentes, à ilustração e design. Assim, é bastante frequente os autores/editores deslocarem-se a este tipo de eventos, levando consigo exemplares das suas publicações próprias mas também de publicações de amigos e colegas com quem partilham os custos, por exemplo repartindo a banca na qual expõe os seus trabalhos. Para além das publicações propriamente ditas, assiste-se hoje, como já referimos anteriormente, a uma crescente aposta na produção de produtos derivados que, de algum modo, partilham de uma estética ou linguagem gráfica que é comum ao autor/editor – os sacos, as t-shirts, as sweatshirts, os cadernos e blocos de notas, os postais impressões de cartazes ou ilustrações em serigrafia ou em riso, etc.

Para além dos circuitos de distribuição e venda presencial, o online tem ganho uma clara relevância nos últimos anos. Com efeito, a Internet tornou possível, e é hoje cada vez mais frequente, a venda direta de fanzines, publicações independentes e outras edições próprias através da Internet – seja através do website pessoal, seja redes sociais (como o facebook ou o behance, por exemplo). Também se têm revelado importantes algumas plataformas globais de venda de trabalhos de autor, em vários suportes: impressões de ilustrações, t-shirts, iPhone cases, tote bags, etc.[26] Estas são novas plataformas de comercialização que, crescentemente, têm vindo a ser também aproveitadas por muitos designers e ilustradores portugueses para chegarem a públicos mais vastos do que aqueles com quem contactam diretamente em feiras ou galerias.

Estes múltiplos e diferenciados espaços de mostra e venda de publicações e outras edições independentes são, sem sombra de dúvida, elementos muito importantes na criação de oportunidades para que autores, produtores e editores, mas também certos intermediários culturais, possam obter algum retorno, criando assim microeconomias underground que, também elas, ajudam a fomentar uma maior dinâmica local, fazendo com que novos artistas, ilustradores e designers se interessem por publicar. De resto, parece-nos que o caso do Porto parece evidenciar, de forma clara, que a construção deste tipo de ‘ecossistema’ está claramente dependente da criação de uma dinâmica deste tipo.

Note-se, contudo, que são ainda bastante raros os casos em que se possa falar de uma efetiva e plena profissionalização dos autores/produtores/editores ligados a este tipo de práticas. Dos vários contactos estabelecidos, a perceção com que ficamos é que este tipo de atividade editorial independente desenvolve-se quase sempre de forma combinada com outras atividades que permitem dar alguma sustentabilidade económica, ou então recorrendo a apoios familiares, nomeadamente no caso de jovens estudantes. Neste sentido, pode afirmar-se que a conceção, produção e edição de fanzines e outro tipo de publicações independentes permanece uma atividade essencialmente amadora, embora permita gerar algum retorno económico que, em regra, é insuficiente. Isto não significa, porém, que de uma prática editorial independente, mais ou menos regular, não possam surgir oportunidades de trabalho para alguns ilustradores ou designers gráficos, por exemplo colaborando de forma pontual com grupos editoriais de maior dimensão – o que já tem ocorrido, ainda que pontualmente, com alguns ilustradores e designers ligados à ‘cena’ independente do Porto. Importa ainda assim referir que, por outro lado, embora a ambição de profissionalização esteja presente, mais ou menos explicitamente, nos discursos de muitos dos nossos entrevistados, parece existir uma perceção aguda das dificuldades e também dos riscos associados à sua saída do circuito underground, por exemplo obrigando a determinadas cedências e compromissos na abordagem gráfica seguida que nem todos estão dispostos a correr.

Numa outra linha, a análise realizada permitiu perceber ainda que o recente “entusiasmo pela edição” (Bártolo, 2012b) criou algumas oportunidades para alguns ilustradores e designers que, individual ou coletivamente, têm vindo a promover a realização de workshops e outro tipo de ações de formação, de cariz informal, em áreas relacionadas com desenho e ilustração, gravura, caligrafia, das técnicas de impressão (letterpress, serigrafia, impressão riso) e de encadernação e acabamentos, entre outras. Atualmente, existem no Porto alguns espaços e coletivos – como a Oficina Arara, o espaço de coworking Cru ou o autodesignado ‘estúdio/escola’ We Come From Space – que promovem, de forma mais pontual ou mais regular, este tipo de iniciativas que acabam por constituir um meio interessante de obter algum retorno económico para os ilustradores e designers envolvidos, uma vez que estas são atividades pagas. Estes workshops e ações de formação são importantes não só para a divulgação deste tipo de técnicas e de abordagens mais artesanais/oficinais (craft), desenvolvidas de um modo autónomo e do-it-yourself, acabando por contribuir, de forma mais ou menos direta, para um robustecimento e rejuvenescimento da ‘cena’ editorial independente do Porto, ao alargarem o leque de público potencialmente interessado em fanzines e noutros tipo de publicações próprias e, simultaneamente, estimulando a emergência de novos projetos editorais independentes na cidade.

 

5. Conclusões

Este artigo procurou sondar as dinâmicas atuais de produção, distribuição e consumo de fanzines e outras publicações autoeditadas de design gráfico e ilustração em Portugal. Uma vez que se trata de uma temática ainda muito pouco explorada do ponto de vista académico, em particular por parte das ciências sociais, pareceu-nos importante analisar aqui o caso particular da cidade do Porto que, como procurámos argumentar, apresenta um conjunto de características que o tornam exemplar para o desenvolvimento. Em jeito de conclusão, gostaríamos de apresentar algumas breves reflexões, que resultam da análise realizada no âmbito desta pesquisa, mas também apontar algumas pistas de investigação a eventualmente aprofundar no futuro.

As práticas do-it-yourself têm vindo a assumir uma crescente importância na produção gráfica contemporânea, revelando-se enquanto espaços privilegiados de expressão e de experimentação artística e pessoal. Com efeito, se até há algum tempo atrás este tipo de objetos editoriais tendia a ser marginalizado no universo artístico, a verdade é que, nos últimos anos, se constata um crescente interesse de produtores, editores e também de consumidores por este tipo de publicações autoeditadas, realizadas de forma independente e do-it-yourself. Portugal não tem estado à margem deste conjunto de discussões e transformações, bem pelo contrário; atualmente parece mesmo existir uma espécie de boom de produção e edição de fanzines e de outro tipo de publicações autoeditadas realizadas por designers e ilustradores portugueses. Como procurámos argumentar, não existe uma causa única que explique esta efervescência, devendo considerar-se antes a convergência de vários fatores de distinta ordem.

Sinteticamente, poder-se-á afirmar que esta dinâmica está relacionada, no essencial, com a crescente atenção académica que tem sido dada a este tipo de publicações autoeditadas, realizadas de forma independente e do-it-yourself, mas também com a criação de novos circuitos de distribuição e venda – tanto online, como offline – que se revelam hoje fundamentais para estimular não só o consumo, mas a própria dinâmica de produção local. Como procuramos evidenciar, a partir da análise do caso do Porto, que, como vimos, constitui um exemplo muito interessante, pela diversidade e vitalidade de designers e ilustradores envolvidos no universo dos fanzines e das publicações independentes, esta confluência de elementos parece ser crucial para a constituição de uma ‘cena’ local – que, cada vez mais, está também ela sujeita a dinâmicas de consumo cada vez mais globalizadas.

Num contexto em que o mercado de trabalho neste tipo de áreas criativas se revela cada vez mais saturado e crescentemente adverso e precário, sobretudo para aqueles que procuram entrar na profissão, a realização deste tipo de projetos editorais independentes e do-it-yourself parece ser ainda, e cada vez mais, assumida por estes jovens designers e ilustradores como uma oportunidade para criarem e divulgarem o seu portfolio, uma espécie de ‘montra’ profissional que lhes permite ambicionar a construção de um percurso profissional dentro de outros universos mais institucionais e convencionais – seja no circuito artístico, seja no circuito da edição profissional de vocação comercial. Possivelmente ainda é demasiado cedo para afirmar se serão bem-sucedidos nestes trajetos profissionais, até porque existem várias opções e tensões que, como referimos, estão associadas a este processo de emergência de um circuito underground e que podem implicar cedências e compromissos que nem todos estão dispostos a aceder. Neste quadro, parece-nos que constitui seguramente um desafio importante para as ciências sociais adotarem uma postura diferente relativamente a este tipo de práticas (sub)culturais, reconhecendo a sua relevância e, consequentemente, passando a acompanhar de forma mais atenta e crítica este tipo de dinâmicas contemporâneas, de forma a estarem em condições de compreender quais os seus impactos futuros.

Finalmente, este artigo procurou ainda evidenciar a relevância dos vários circuitos e espaços de distribuição e de intermediação em torno das publicações independentes, contribuindo para criar na cidade uma atmosfera de crescente interesse por produções (sub)culturais underground e de cariz do-it-yourself. Através desta análise do caso do Porto, esta dimensão territorializada das práticas de consumo e produção cultural constitui um elemento fundamental para melhor compreendermos uma dinâmica local com especificidades próprias, que resultam de uma congregação particular de atores, espaços de produção e consumo (ateliers, galerias, livrarias, feiras, etc.) e escolas.

Agradecimentos

Este artigo resulta, em parte, da investigação doutoramento de um dos autores do artigo, Pedro Quintela, que se encontra, neste contexto, a beneficiar de uma bolsa individual de doutoramento concedida pela FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia, IP. (SFRH/BD/84115/2012) e financiada através do POPH - Programa Operacional Potencial Humano e do FSE - Fundo Social Europeu. As reflexões aqui apresentadas beneficiaram ainda do diálogo e das discussões suscitadas pelas pesquisas em curso no âmbito do projeto de investigação KISMIF – Keep it Simple, Make it Fast!, coordenado pela Prof. Doutora Paula Guerra, e que está também a ser apoiado pela FCT (PTDC/CS-SOC/118830/2010) e financiado através do Programa Operacional Fatores de Competitividade (COMPETE). Os autores agradecem aos/às entrevistados/as que, simpática e generosamente, acederam a colaborar na nossa investigação. Agradecem ainda todos os comentários e observações dos/as colegas presentes na Keep it Simple Make it Fast: Underground Music Scenes & DIY Culture – International Conference (FLUP, Julho de 2014), onde este artigo foi, pela primeira vez, apresentado.

 

Referências

Antunes, R. (2008), “Desenhando a nova morfologia do trabalho: As múltiplas formas de degradação do trabalho”, Revista Crítica de Ciências Sociais, 83, pp. 19-34.         [ Links ]

Atton, C. (2002), Alternative Media, London/Thousand Oaks/New Delhi: Sage.         [ Links ]

Atton, C. (2006), “Sociologie de la presse musicale alternative”, Volume !, 5: 1, pp. 7-25.         [ Links ]

Bártolo, J. (2011),“O designer como produtor”, in ForoAlfa, de 24 de Fevereiro. Disponível em: http://foroalfa.org/articulos/o-designer-como-produtor.         [ Links ]

Bártolo, J. (2012a), “Editorial”, PLI Arte & Design, 2/3, pp. 10-11.         [ Links ]

Bártolo, J. (2012b), “Entusiasmo pela publicação”, PLI Arte & Design, 2/3, pp. 12-13.         [ Links ]

Bártolo, J. (2014), “Modos de produção: notas para uma economia política do design”, in E.T. Vilar (coord.), Design et al. Dez Perspectivas Contemporâneas, Lisboa: D. Quixote, pp. 97-117.         [ Links ]

Baraona, I. (2012), “Oficina do Cego”, Journal of Artists’ Books, 32, pp. 49.         [ Links ]

Blauvelt, A., Lupton, E. (2011), Graphic Design: Now in Production, Minneapolis/New York: Walker Art Center/Cooper-Hewitt National Design Museum.         [ Links ]

Beck, U. (2000), The Brave New World of Work, Cambridge / Malden: Polity         [ Links ]

Becker, H.S. (2010), Mundos da Arte, Lisboa: Livros Horizonte.         [ Links ]

Borges, M. (2013), John Doe – o livro no mundo digital, Dissertação de Mestrado em Design Gráfico e Projetos Editoriais, Porto: Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto.         [ Links ]

Cardoso, C.F. (2012), “Artist’s Books Not Found: an absence in Portuguese Art Theory but no in Portuguese Art Practise”, Journal of Artists’ Books, 32, pp. 5-8.         [ Links ]

Cardoso, C.F. (ed.) (2013), Portuguese Small Press 2013, Lisboa: Edição de Autor (Catarina Figueiredo Cardoso e Isabel Baraona).         [ Links ]

Cardoso, C.F., Baraona, I. (2012), “In Portugal: Authors’ Editions, Samll Presses, Independent Publishers, & Book Artists”, Journal of Artists’ Books, 32, pp. 3-4.

Dettere, G., Nannucci, M. (eds.) (2012), Artist-Run Spaces, Zurik: JRP Ringier.         [ Links ]

Dias, J.C. (coord. ed.) (2012), Tarefas infinitas. Quando a arte e o livro se ilimitam, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.         [ Links ]

Dickinson, B. (1997), Imprinting the Sticks: The Alternative Press Beyond London, Aldershot: Ashgate.         [ Links ]

Drucker, J. (2004), The Century of Artists’ Books, New York: Granary Books.         [ Links ]

Duncombe, S. (1997), Notes from the Underground: Zine and the Politics of Alternative Culture, London: Verso.         [ Links ]

Farias, P.L. (2011), “Sem futuro: the graphic language of São Paulo city punk”, in Design History Society Annual Conference 2011, Design Activism and Social Change, Barcelona: Fundació Història del Disseny, pp. 1-16.         [ Links ]

Farrajota, M. (2012), “Relatório sobre Fanzines e Edição Independente em Portugal 2011 (actualização)”, Blogzine da Chili Com Carne, de 15 de Janeiro, Disponível em http://chilicomcarne.blogspot.pt/2012/01/relatorio-sobre-fanzines-e-edicao.html.         [ Links ]

Force, W. (2005), No, we don't have any t-shirts: identity in a (self-consciously) consumerist punk subculture, Dissertação de Mestrado, Tampa: University of South Florida.         [ Links ]

Grimes, M.,Wall, T. (2014), “Punk ‘zines: ‘Symbols of defiance’ from the print to the digital age”, in The Subcultures Network (ed.), Fight back. Punk, politics and resistance, Manchester: Manchester University Press.         [ Links ]

Guerra, P., Quintela, P. (2014), God Save the Portuguese Fanzines, Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto.         [ Links ]

Hebdige, D. (1979), Subculture: the meaning of style, London: Routledge.         [ Links ]

Hein, F. (2012), “DIY comme dynamique contre-culturelle? L’exemple de la scène punk rock”, Volume !, 9: 1, pp. 105-126.         [ Links ]

Laranjo, F. (2012), “Publicação Própria ou Design Gráfico em Modo Curatorial”, PLI Arte & Design, 2/3, pp. 29-39.         [ Links ]

Lipovetsky, G., Serroy, J. (2014), O capitalismo estético na era da globalização, Lisboa: Edições 70.         [ Links ]

Lucena, I. (2012), “Publicação-Própria na Holanda”, PLI Arte & Design, 2/3, pp. 20-24.         [ Links ]

Lupton, E. (2005), “The Designer as Producer”, in S. Heller (ed.), The Education of a Graphic Designer, 2nd Edition, New York: Allworth Press, pp. 214-219.         [ Links ]

McCarthty, S. (2013), The designer as author, producer, activist, entrepreneur, curator & collaborator, Amsterdam: BIS.

McKay, G. (1998), “DiY Culture: notes towards an intro”, in G. McKay (ed.), DiY Culture: Party & Protest in Nineties Britain, London: Verso.         [ Links ]

Moura, M. (2011), O Big Book: uma arqueologia do autor no design gráfico, Tese de Doutoramento. Porto: Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto.         [ Links ]

Pais, J.M. (2001), Ganchos, Tachos e Biscates: Jovens, Trabalho e Futuro, Porto: Âmbar.         [ Links ]

Quintela, P. (2014), “Novos espaços de intermediação cultural, de produção e partilha de conhecimento: uma reflexão acerca dos blogues sobre design em Portugal”, in VIII Congresso Português de Sociologia. 40 anos de democracias, progressos, contradições e prospetivas. Lisboa: Associação Portuguesa de Sociologia. Disponível em http://www.aps.pt/viii_congresso/VIII_ACTAS/VIII_COM0274.pdf.         [ Links ]

Quintela, P., Guerra, P., Feixa, C., Farrajota, M. (2014), “As «cenas» punk em Portugal (1977-2012): um olhar sociológico a partir da análise das redes de produção, distribuição e consumo de fanzines e e-zines”, in VIII Congresso Português de Sociologia. 40 anos de democracias, progressos, contradições e prospetivas. Lisboa: Associação Portuguesa de Sociologia. Disponível em http://www.aps.pt/viii_congresso/VIII_ACTAS/VIII_COM0629.pdf.         [ Links ]

Reynolds, S. (2011), Retromania: Pop Culture's Addiction to Its Own Past, London: Faber and Faber.         [ Links ]

Rock, M. (2005), “Graphic Authorship”, in S. Heller (ed.), The Education of a Graphic Designer, 2nd Edition, New York: Allworth Press, pp. 200-209.         [ Links ]

Savage, J. (1991), England's Dreaming. Sex Pistols and Punk Rock, London: Faber and Faber.         [ Links ]

Sennett, R. (2007), A Corrosão do Caráter – As consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo, Lisboa: Terramar.         [ Links ]

Sennett, R. (2008), The Craftsman, London: Penguin Books.         [ Links ]

Sousa, J.M. (2010), Pequeña historia del libro, Gijón: Ediciones Tera.         [ Links ]

Thompson, S. (2004), Punk Productions: Unfinished Business, New York: State University of New York Press.         [ Links ]

Triggs, T. (2010), Fanzines, London: Thames & Hudson.         [ Links ]

Triggs, T. (2006), “Scissors and glue: punk fanzines and the creation of a DIY aesthetic”, Journal of Design History, 19: 1, pp. 69–83.         [ Links ]

 

 

Notas

[3]Destaque-se, nomeadamente, as obras pioneiras de Stephen Duncombe, e Bob Dickinson publicadas em 1997.

[4]Justamente neste sentido, Triggs afirma: “The fanzine as graphic form was co-opted – moving from an authentic, edgy, political underground into the world above as an item now imbued with commercial hipness.” (2010: 8).

[5] Como é o caso, designadamente, dos fanzines punk pioneiros Panache, Sniffin’ Clue e Ripped & Tom.

[6] Segundo José Martínez de Sousa (2010: 195-196), a autoedição começa a ganhar forma ainda em 1985, quando a Apple Inc. apresenta o conjunto computador, impressora Laser Write e o software de paginação PageMaker.

[7] Para mais informações acerca dos textos e projetos desta artista e ativista inglesa consultar http://craftivism.com/.

[8] Importa notar que embora a dimensão do-it-yourself ocupe, desde sempre, uma posição central nas várias fases de conceção, produção e distribuição de fanzines e de outras publicações independentes, importa salientar que tal não significa, nem nunca significou, um desfasamento tecnológico dos editores/produtores – este é uma visão romântica que nem sempre corresponde à realidade, bem pelo contrário. Como recorda Stephen Duncombe (1997: 197), foram vários os produtores de fanzines que utilizaram aos programas edição e processamento de texto que acompanhavam os primeiros computadores pessoais, em meados da década de 1980. Tratava-se, assim, de procurar tirar partido, em cada momento, dos métodos de produção mais rápidos e eficazes para, de uma forma autónoma, desenhar os fanzines.

[9] Numa classificação que o próprio autor reconhece estar ainda incompleta, e que é evidentemente discutível, Farrajota identifica e descreve as caraterísticas específicas seguintes tipologias de edições em suporte papel: fanzine; zine; edição de autor ou autoedição; livro de autor; livro de artista: impressão digital / P.O.D. (print on demand); edição de autor (incluindo edições de pequenas editoras ou livros de pouca circulação de grandes editoras); split’zine; prozine; micro-edição. Ainda que não desenvolva, Farrajota refere ainda outros suportes digitais em que têm sido produzidas publicações independentes: “e-zines, PDFs para visualização e/ou descarga, etc.” (Farrajota, 2012).

[10] Na verdade, sempre foram bastante fluídas e profícuas as relações que se estabeleceram entre alguns meios artísticos e certas ‘cenas’ musicais – recordemos, por exemplo, os primórdios do punk inglês, que cativou inúmeros estudantes de artes e design que participavam, de forma bastante ativa, na produção de cartazes, de fanzines e noutros elementos que compõem o artwork associado às bandas (do desenho dos logotipos às capas de discos e demotapes).

[11] Tratam-se de publicações feitas por designers gráficos sobre o seu próprio trabalho, e que tiveram uma particular projeção e impacto na disciplina durante a segunda metade da década de 1990.(cf. Moura, 2011).

[12] É importante referir ainda que, nestes últimos anos, o campo do design gráfico e da ilustração tem sido particularmente marcado pela ascensão de uma certa portfolio culture digital, para utilizarmos a terminologia de José Bártolo, que é potenciada pelo surgimento de novas “ferramentas de arquivo e partilha [online] – como o Tumblr, Stumble Upon, Flickr, VVork ou o Behance – e disseminada, com um crivo mínimo, por outlets surgidos na segunda metade da primeira década do século XXI – como o Manystuff e o It’s Nice That” (Bártolo, 2014: 114).

[13] Atendendo ao espaço limitado para a elaboração deste artigo, não é possível apresentar aqui uma análise detalhada e exaustiva da diversidade de fanzines e publicações independentes editadas em Portugal recentemente. Para uma síntese deste panorama editorial underground e do-it-yourself, cf. nomeadamente Cardoso, 2012 e Farrajota, 2012.

[14] Cf. http://tipo.pt/index.php/pt/

[15] Cf. http://po-ex.net/.

[16] Guy Schraenen fundou, em 1974, o Archive for Small Press & Communication e é responsável pelas coleções e exposições de livros de artista em diversos museus como, por exemplo, o MACBA – Museu d'Art Contemporani de Barcelona, o Museo Reina Sofía, em Madrid, e o MGLC – Mednarodni Graficni Likovni Center, em Ljubljana.

[17] Caso, por exemplo, da Oficina do Cego, fundada por Isabel Baraona, em Lisboa, em 2009 (cf. Baraona, 2012).

[18] Por exemplo, a edição de 2014 da CIDAG - Conferência Internacional em Design e Artes Gráficas foi justamente dedicada ao tema do do-it-yourself.

[19] Pelas suas caraterísticas particulares, destaque-se o evento anual O que o livro pode. Encontros à volta do livro de artista e da auto-edição, organizado e produzido de forma independente pela Oficina do Cego, Ghost, Stet e Tipo.pt, em colaboração com o Atelier Real. O programa contempla a realização de mesas redondas, conferências, lançamentos e apresentações de edições, feira de publicações, workshops.

[20] No caso de Mariana Santos, por exemplo, ilustradora que publica com o alter-ego Mariana a Miserável, 28 anos, atualmente a residir no Porto, refere justamente o ambiente de grande efervescência que caracterizava a Escola Superior de Artes e Design de Caldas da Rainha (ESAD-CR), onde estudou design gráfico, em que era frequente os fanzines produzidos por alunos e professores serem vendidas/trocadas no bar da escola.

[21] Recentemente, a FBAUP deu mesmo início a um Mestrado em Desenho e Técnicas de Impressão.

[22] Cf. http://i2ads.org/kraft/.

[23] Sistema de impressão a jacto de tinta para trabalhos de média/grande tiragem, entre a fotocópia e o offset.

[24] Fundada pelos designers, ilustradores, investigadores e professores universitários Júlio Dolbeth e Rui Vitorino Santos e pela designer Lígia Guedes, em Novembro de 2008.

[25] Fundada em meados de 2009, pela galerista Ema Ribeiro.

[26] É o caso do Society 6, por exemplo (cf. http://society6.com/).

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons