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CIDADES, Comunidades e Territórios
versão On-line ISSN 2182-3030
CIDADES no.40 Lisboa jun. 2020
https://doi.org/10.15847/cct.jun2020.040.art04
ARTIGO ORIGINAL
A política urbana no Brasil e em Portugal: contexto e evolução histórica
Urban policy in Brazil and Portugal: context and historical evolution
Eglaísa Micheline Pontes CunhaI; Rui Pedro JuliãoII; Francisco Henrique OliveiraIII
[I]Universidade do Estado de Santa Catarina, Brasil. e-mail: eglaisa@gmail.com
[II]FCSH Universidade Nova de Lisboa, Portugal. e-mail: rpj@fcsh.unl.pt
[III]Universidade do Estado de Santa Catarina, Brasil. e-mail: chico.udesc@gmail.com
RESUMO
O presente artigo resume o processo de evolução histórica da política urbana no Brasil e em Portugal, a partir dos principais aspectos do seu contexto político e respectivos marcos regulatórios. Pela análise empreendida foi possível constatar que ambos os países sofreram com o acelerado processo de urbanização ocorrido na segunda metade do século XX, com as transições e alternâncias entre os regimes conservadores e democráticos, mas possuem uma legislação urbanística nacional avançada e que prima pela eficácia na implementação de seus instrumentos urbanísticos. O desafio está na sua implementação e articulação com as demais políticas setoriais que, em sua maioria, seguem de forma independente e limitadas na sua vertente territorial, bem como no fomento de uma cultura coletiva político-administrativa territorial, envolvendo técnicos, gestores, comunidade profissional e cidadãos em geral para que conheçam e apliquem de forma adequada os instrumentos regulados.
Palavras-chave: Política urbana, Brasil, Portugal, ordenamento territorial.ABSTRACT
This article summarizes the process of historical evolution of urban policy in Brazil and Portugal, based on the main aspects of its political context and its regulatory frameworks. The analysis shows that both countries have suffered from an accelerated process of urbanization in the second half of the twentieth century, with transitions and alternancesbetween conservative and democratic regimes. However, they have advanced national urbanistic legislations, effective in implementing their urbanistic instruments. The challenge lies in their implementation and articulation with other sectoral policies, which, in most cases, remain independent and limited in terms of territory, as well as fostering a collective territorial political-administrative culture, involving technicians, managers, the professional community and citizens in general so that they know and apply the regulated instruments in an appropriate manner.
Keywords: urban policy, Brazil, Portugal, territorial planning.
1. Introdução
As políticas urbanas “devem referir-se às reais ações e às propostas consequentes de ação do Estado sobre o Urbano” (Villaça, 1999:180). Sua implementação depende dos recursos públicos que lhe são aferidos, conforme as diretrizes e marcos regulatórios estruturados pelo Estado ao longo do tempo. Sua eficácia, no entanto, depende da interseção de vários fatores, tais como o contexto histórico e o protagonismo de seus agentes.
Neste artigo, buscamos reconstituir o processo de evolução histórica dos quadros regulamentares da política urbana no Brasil e em Portugal, a partir do século XIX, de forma a conjugar aspectos que permitam uma compreensão geral do atual contexto de ambos os países e dos seus desafios consequentes. Por se tratar de um processo histórico e exaustivo, optamos pela abordagem dos principais condicionantes que contribuíram para a evolução das respectivas políticas.
Na primeira parte apresentamos a evolução histórica da política urbana no Brasil, onde se destaca a aprovação do Estatuto da Cidade, Lei n.º 10 257, de 10 de julho de 2001, que congregou um conjunto de princípios e instrumentos que expressam a concepção de cidade, de planejamento e de gestão urbana por meio de um processo público e democrático. Esta Lei ocasionou mudanças no cotidiano dos municípios, em especial, sob o ponto de vista do controle social, requisito obrigatório na implementação da nova política urbana.
De seguida, resume-se a evolução do processo de formação do ordenamento do território como política pública autónoma em Portugal. Apresenta-se, assim, a evolução dos seus principais marcos regulatórios, em que se busca uma perspectiva estratégica por meio, entre outros, da institucionalização de um Programa Nacional de Políticas de Ordenamento do Território (PNPOT) para a coordenação de políticas e instrumentos de gestão territorial.
Ainda que Brasil e Portugal, apesar de suas conexões históricas, sejam muito diferentes nas perspectivas territorial, económica, demográfica, social e institucional, foi possível compreender a partir deste estudo, as fragilidades técnico-institucionais dos agentes públicos e sociais envolvidos com a implementação da política urbana. Tais fragilidades revelam-se, seja em função da conjuntura política específica, em que governos e atores sociais contribuem para conformar ambientes específicos que limitam e condicionam a ação popular, seja em função da carência de recursos humanos qualificados para resolver de forma eficiente questões técnicas que fazem parte de qualquer programa, projeto ou ação de governo na área urbana, e a partir disso tecer algumas considerações e recomendações possíveis.
2. A Política Urbana no Brasil
A política urbana no Brasil foi marcada por momentos de inflexão política intermitentes. Motivada pelo acelerado processo de urbanização do país, a partir da segunda metade do século XX, e impregnada das mazelas estruturantes do processo de formação da sociedade brasileira, a formalização efetiva da política urbana brasileira só ocorreu a partir da Constituição Federal de 1988, a primeira a dedicar-lhe um capítulo específico [4], ainda que vinculada ao título “da ordem económica e financeira”.
No âmago da perspectiva histórica deste processo encontra-se o intenso processo de industrialização associado à explosão demográfica no país. A população passa de predominantemente rural para maioritariamente urbana em apenas cinquenta anos: entre 1960 e 2010, o Brasil urbano passa de 32 milhões para 160 milhões de pessoas (IPEA, 2016: 30). Neste processo observa-se uma correlação direta entre o modelo de desenvolvimento e as políticas públicas adotadas no país que, ao contrário de mitigar, retroalimentaram a crise urbana deflagrada pelo despreparo dos municípios em lidar com os efeitos da urbanização, a partir de um cenário de recursos financeiros insuficientes, inadequados meios administrativos e ausência de instrumentos jurídicos específicos.
A partir desse contexto, em meados da década de 1960, segmentos progressistas da sociedade brasileira iniciaram demandas por reformas estruturais na questão fundiária, a partir dos ideais da Reforma Agrária que integrava o plano das chamadas «reformas de base» no governo do Presidente João Goulart. Essas demandas foram discutidas durante a realização de um Seminário de Habitação e Reforma Urbana (SHRU)[5] promovido pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil, em 1963, e sistematizadas como orientações para que fosse iniciada uma reforma urbana no país, a partir de medidas para o estabelecimento de uma política de planejamento urbano e habitação.
Com a ditadura militar, a partir de 1964, uma boa parte das propostas do Seminário não prosperou e só foi retomada duas décadas depois, no período de redemocratização do país, por meio da atuação do Movimento Nacional da Reforma Urbana junto à Constituinte de 1988 e à criação do Ministério das Cidades em 2003.
No entanto, a profunda transformação imposta à força pelos militares também impulsionou a implementação de algumas orientações decorrentes do SHRU, como a criação do Banco Nacional de Habitação e do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU): “(...) A reformulação da ação habitacional no país requeria um novo quadro institucional, pois o quadro político do período pré-64 obstaculizava transformações mais profundas, que já tinham sido tentadas em outras oportunidades. Assim, contraditoriamente, a profunda transformação imposta à força pelos militares criou um ambiente favorável à implementação de algumas propostas surgidas no SHRU, como a criação do BNH e do SERFHAU”. (Bonduki, 2010, n.p)
Durante o período militar destaca-se ainda a aprovação do II Plano Nacional de Desenvolvimento - PND (Lei n.º 6 151, de 4 de dezembro de 1974), que além do viés económico moldado pela estratégia de integração nacional e de desenvolvimento social, apresenta formalmente, e pela primeira vez, uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU) para o país, em conjunto com a estratégia de controle da poluição e preservação do meio-ambiente, indicando dessa forma certa preocupação acerca dos efeitos da expansão industrial e da excessiva concentração urbana.
O II PND destacou-se ainda por apresentar, no âmbito de uma PNDU, maior detalhe e amplitude da temática urbana com a temática regional e ambiental, o que pode ser interpretado como uma tentativa de ampliar a visão setorial tradicionalmente encontrada, embora pouco se tenha avançado na alocação coerente de recursos, conforme as ações preconizadas. Segundo Bernardes (1986), havia pouco respaldo político e pouco apoio dos grupos económicos às ações, o que fez com que a referida política de desenvolvimento urbano não alcançasse melhores resultados.
Institucionalmente, neste período, a gestão da política urbana ficava a cargo da Secretaria de Articulação entre Estados e Municípios administradora do Fundo de Participação dos Municípios, e do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU), que administrava o Fundo de Financiamento ao Planejamento (Brasil, 2004). Neste sentido, a questão habitacional avançava sob dois pontos de vista: da produção do espaço urbano e da colmatação do espaço existente por meio do planejamento (Serra, 1991). O plano diretor foi a proposta para planejar o crescimento urbano das cidades e seu financiamento era provido pelos órgãos referidos: SERFHAU, FIPLAN (Financiamento para o Planejamento Urbano) e o BNH, conforme a Lei n.º 4 380/1964 que também lhe pautou atribuições que compreendiam desde promover pesquisas e estudos relativos ao déficit habitacional, aspectos do planejamento físico, técnico e socioeconómico da habitação.
O Sistema Financeiro da Habitação e o Banco Nacional da Habitação (BNH), na prática, foram os responsáveis pelo primeiro maior movimento de construção que o Brasil conheceu nas cidades, alimentado pelas contribuições compulsórias dos assalariados ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e pela poupança privada relativa à Sociedade Brasileira de Poupança ou Empréstimo.
Cabe observar que o SERFHAU, imbuído da atribuição de dar apoio ao planejamento urbano e local no Brasil, era dependente dos recursos do BNH, mas protagonista do processo metodológico dos planos a serem desenvolvidos pelos municípios.
Da vasta bibliografia relacionada ao tema [6], depreende-se que a aplicação desses planos a uma parte das cidades ignorou as condições de assentamento e as necessidades da grande maioria da população urbana, relegada à ocupação ilegal e clandestina das encostas e áreas baixas das periferias ou, em menor escala, aos cortiços [7] em áreas centrais abandonadas. Por consequência, a falta de aplicabilidade dos planos diretores fez com que o seu destino fosse as gavetas das administrações municipais. A sociedade pouco se envolveu ou teve notícia destes instrumentos e de suas possibilidades.
O planejamento tecnocrático foi, portanto, o destaque na concepção urbanística da década de 1970, materializada nos referidos organismos criados em 1964 para dirigir a política urbana do regime militar. Dessa forma, a gestão tecnocrática empreendida acabou por fomentar um processo caracterizado pela apropriação privada dos investimentos públicos e pela segregação de grandes massas populacionais em favelas, cortiços e loteamentos periféricos, excluídos do acesso a bens, serviços e equipamentos urbanos essenciais (Bassul, 2004).
Além disso, as concepções do urbanismo modernista funcionalista inseriram-se no cotidiano das cidades brasileiras e contribuíram para a consolidação de sociedades desiguais, ao ocultar a cidade real e preservar condições para a formação de um mercado imobiliário especulativo e restrito a uma minoria (Maricato, 2015). Segundo Del Rio (2000, n.p), “um dos mais sentidos legados desse urbanismo e que permeia o cotidiano de nossas cidades são os dispositivos restritivos e classificatórios da lei de zoneamento. Se por um lado tenta-se proteger funções urbanas do impacto de outras, o ’zoning’ é derivado da quebra da visão da cidade como ’ continuum’ (físico-espacial, social e histórico) e tende a promover uma abordagem fracionada, que não reconhece a riqueza da complexidade urbana e trata a cidade por partes estanques, mais facilmente manipuláveis. No Brasil, bem como em todas as grandes cidades mundiais, através do zoneamento, esta visão modernista equivocada promoveu o monofuncionalismo e o esvaziamento de áreas urbanas, impacto sentido sobretudo nos centros históricos das cidades maiores, gerando áreas esvaziadas, propensas à marginalidade e inseguras, com processos de degradação de difícil reversão, nesses espaços repletos de infraestrutura e, na maioria das vezes, carregados de significado para suas comunidades.”
Cabe observar, igualmente, que os planos governamentais antecedentes e subsequentes, como o III Plano Nacional de Desenvolvimento (1980-1985), ou o I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República (1986 a 1989) não tinham a política urbana como prioridade. A ênfase estava sempre na proposição de ações voltadas ao crescimento económico amparado pelo desenvolvimento do mercado, o que ampliou a pauta de problemas existentes, tornando o quadro urbano ainda mais complexo diante das diretrizes e das proposições superficiais registradas nesses documentos.
No período que compreende os anos de 1980 e 1990 o país entra em compasso de baixo crescimento. Os setores produtivos ligados à habitação e ao saneamento entram em crise e o BNH, afundado em dívidas, é extinto em 1986. A Caixa Econômica Federal assume, então, o espólio do BNH e termina por conduzir, ainda que sem uma orientação formal e explícita, o rumo da política urbana, tendo em vista seu poder como agente operador do FGTS a maior fonte de recursos para o financiamento público da habitação e do saneamento.
A restrição de crédito para o setor público e o corte nos investimentos públicos motivados pelos ajustes impostos pelos agentes financeiros internacionais [8], entre eles o Fundo Monetário Internacional (FMI), promoveram um forte recuo das ações de infraestrutura urbana no Brasil, resultando numa ausência de políticas setoriais claras decorrentes de uma gestão macroeconómica pautada pelo ajuste fiscal.
Na contramão do declínio do crescimento económico, movimentos sociais e operários atuaram na elaboração de plataformas para mudanças políticas, com propostas de base. Esse crescimento das forças democráticas alimentou a articulação de movimentos comunitários e setoriais urbanos com o movimento sindical. Dessa forma, nasce o Movimento Nacional pela Reforma Urbana (MNRU) que resgata as propostas de base elaboradas no SHRU na década de 1960 e retoma a agenda interrompida pela ditadura, com o objetivo de lutar pela democratização do acesso a condições condignas de vida nas cidades brasileiras. Segundo Maricato (2015), esse movimento reunia entidades profissionais (arquitetos e urbanistas, engenheiros, advogados, assistentes sociais), entidades sociais (urbanitários, sanitaristas, setor de transportes), lideranças de movimentos sociais, ONGs, pesquisadores, professores, intelectuais, entre outros. Por sua influência foram criadas comissões parlamentares e foram eleitos prefeitos, vereadores e deputados.
Nesse período destacam-se algumas experiências democráticas, como o orçamento participativo de Porto Alegre [9] e programas de urbanização e regularização fundiária de favelas, que começaram a incorporar a participação popular nas decisões das administrações públicas.
Em paralelo, os ideais da reforma urbana ganham corpo conceitual e maior consistência política no âmbito da Assembleia Nacional Constituinte, convocada em 1986, cujo Regimento admitiu a apresentação de propostas de iniciativa popular.
Neste sentido, as entidades componentes do MNRU articularam-se e apresentaram uma Emenda Constitucional de Iniciativa Popular de Reforma Urbana firmada por mais de 160 mil eleitores em todo o país. Pela primeira vez na história do Brasil, uma Constituição Federal aprovada estabelece um capítulo dedicado à política urbana, cujas bases se firmam em torno da função social da cidade e da propriedade[10].
Segundo Saule Júnior (2009: 262), “com a emenda popular, o direito público brasileiro passou não somente a garantir a propriedade privada e o interesse individual, mas a assegurar o interesse coletivo quanto aos usos individuais da propriedade. Assim, a propriedade deixou de ser somente vinculada ao direito civil, matéria de caráter privado, e passou a ser disciplinada pelo direito público. Separou-se o direito de propriedade do direito de construir, que tem outra natureza, que é a de concessão do poder público; estabeleceram-se penalizações com atribuição normativa, calcadas em uma série de instrumentos jurídicos e urbanísticos, impondo ao proprietário do solo urbano ocioso que se vê sustentado pela especulação imobiliária, ou mantém seu imóvel não utilizado, subutilizado ou não edificado graves sanções, inclusive a desapropriação.”
A eficácia destes preceitos constitucionais, no entanto, prescindia da sua regulamentação, processo que durou 13 anos marcados por “vitórias e derrotas” até a comemorada aprovação, em 2001, da Lei n.º 10 257, denominada Estatuto da Cidade, primeira norma federal brasileira de diretrizes para a política urbana.
A partir do Estatuto da Cidade, as bases do pensamento da política urbana no Brasil passaram a ter características singulares que se estabelecem pela nova e avançada legislação urbanística pautada por meio do “direito a cidades sustentáveis”, e do “direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações” (art. 2º, I, Lei n.º 10 257/2001), por meio de uma “gestão democrática” que deve ser articulada no âmbito da “participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano” (art. 2º, II, Lei n.º 10 257/2001) e, sobretudo, pelo princípio da função social da cidade e da propriedade que fundamentam o novo paradigma jurídico-político que projeta, para o poder público e a sociedade civil organizada, o controle, o uso do solo e o desenvolvimento urbano.
A materialização do Estatuto da Cidade depende substancialmente das reformas dos quadros regulatórios municipais criados para o controle e uso do solo, especialmente por meio da aprovação obrigatória do plano diretor [11]. Este deve conter os novos [12] instrumentos, preconizados como ferramentas capazes de ampliar os potenciais e limites do meio físico, de forma que os impactos projetados pela sua implementação possam sanear desequilíbrios e deseconomias, além de prover a construção e reconstrução de espaços urbanos humanizados, a partir de um processo de gestão democrática. E é por meio do processo político e do engajamento da sociedade civil que se encontram a natureza e a direção de intervenção de uso dos instrumentos propostos no Estatuto, o que pressupõe uma série de arranjos políticos e sociais para que a viabilidade e a eficácia dos seus instrumentos sejam estruturados na prática.
Passados mais de 18 anos da aprovação do Estatuto da Cidade, as disputas e críticas ainda se renovam no sentido de que é preciso qualificar e multiplicar o seu conteúdo para que a sua implementação e regulamentação seja possível. De fato, a capacitação dos agentes sociais para exercerem o pleno direito de participar na construção do ordenamento urbanístico de sua cidade depende de um processo pedagógico participativo que desmistifique a implementação da política urbana no âmbito das administrações municipais. Este é talvez o maior desafio a ser superado para que esta Lei do Estatuto da Cidade seja plena.
É importante ressaltar também que, desde a publicação da Lei do Estatuto da Cidade em 2001, além da aprovação da sua normatização, vários elementos se combinaram de forma subsequente para que as proposições do ideário da reforma urbana fossem retomadas: a eleição de um Presidente da República (2002) comprometido diretamente com o Movimento Nacional de Reforma Urbana e, por consequência, a criação de um conjunto de instituições como o Ministério das Cidades (2003) e as suas secretarias nacionais de programas urbanos, habitação, mobilidade urbana e saneamento ambiental. Além disso, houve a consolidação de espaços dirigidos à participação direta das lideranças sindicais, profissionais, académicas e populares como as Conferências Nacionais das Cidades e a institucionalização do Conselho das Cidades.
Sem dúvida, os avanços na trajetória da política urbana no Brasil são significativos, como se pode constatar no campo normativo, tendo em conta a avançada legislação brasileira aprovada, especialmente por meio da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Cidade (Lei n.º 10 257/2001) e, no campo institucional, por meio da criação do Ministério das Cidades em 2003, com a possibilidade de reunião e gestão transversal das políticas setoriais afetas ao desenvolvimento urbano, sob a perspectiva de gestão participativa em nível nacional, por meio do Conselho das Cidades.
Atualmente, sob nova gestão presidencial, desde 1 de janeiro de 2019, o Ministério das Cidades foi extinto e a maior parte de suas competências foi absorvida pelo novo Ministério do Desenvolvimento Regional [13].Embora ainda não se possa dimensionar o impacto das mudanças políticas intermitentes, o desenho complexo estabelecido para as atribuições e competências legais municipais, estaduais e federais ainda é um desafio de grandes proporções nessa área, especialmente quando se trata do controle sobre o uso e ocupação do solo, ainda que no nível federal seja possível impor alguma regulação, como contrapartida aos repasses de recursos financeiros, à semelhança do caso dos planos urbanísticos municipais e dos planos setoriais exigidos no âmbito dos marcos regulatórios da Habitação (Lei n.º 11 124/2005), do Saneamento (Lei n.º 11 445/2007), e da Mobilidade Urbana (Lei n.º 12 587/2012). Também é importante mencionar a aprovação do Estatuto da Metrópole (Lei n.º 13 089/2015), dentro da perspectiva das articulações necessárias para a elaboração do plano de desenvolvimento urbano integrado e outros instrumentos de governança interfederativa necessários à gestão e execução das funções públicas de interesse comum, em regiões metropolitanas e em aglomerações urbanas instituídas pelos estados.
Além da complexidade das atribuições, podemos inferir que, mesmo com os avanços em torno da preconizada gestão democrática, ainda não foi possível promover uma mudança cultural no sentido de construir e consolidar um novo paradigma de política urbana no Brasil.
3. O ordenamento do território em Portugal
Em Portugal, as diversas transformações ocorridas e os impulsos modernizadores detectados no âmbito do planejamento e governança urbana são fruto da evolução e implementação do conceito de ordenamento do território, que ganha força já em meados do século XIX (Campos e Ferrão, 2015). Mas a sua consolidação só ocorre depois da passagem de um regime conservador e autoritário para um regime democrático (1974) e após a integração à CEE em 1986, hoje União Europeia.
De início, segundo Campos e Ferrão (2015: 7), “as primeiras iniciativas modernas do Estado visando regular a organização e ocupação do território português datam da segunda metade do século XIX, num período em que o país se caracteriza ainda por uma forte presença do mundo rural, e desenvolveram-se segundo duas linhas de política autónomas: agroflorestal e urbanística.”
A linha de política urbanística restringe-se, inicialmente, à esfera responsável pelas obras públicas, como forma de adequar-se às doutrinas higienistas da época. Sua primeira expressão significativa foi a regulação das vias públicas [14], por meio dos “planos de melhoramentos urbanos” que eram obrigatórios para as duas principais cidades (Lisboa e Porto) e facultativos para as demais. No entanto, devido aos interesses fundiários e imobiliários de uma cultura de propriedade privada e capital prevalecente, tais planos só se vão concretizar após algumas décadas (Campos e Ferrão, 2015).
Em 1926, com a mudança para o regime ditatorial, uma reforma estrutural em todo o quadro legal do desenvolvimento urbano é conduzida por Duarte Pacheco. Este político visionário deixou uma contribuição sem precedentes no urbanismo português: instituiu os “planos de urbanização” para os aglomerados urbanos com mais de 2 500 habitantes e estabeleceu as bases para um sistema de colaboração e financiamento de obras de urbanização. Modificou assim, de forma pragmática, as bases da política de solos vigentes, de forma interventiva, reivindicando para o poder público a prerrogativa de condução do processo de urbanização. Com a sua morte inesperada, em 1943, as reformas instituídas por Duarte Pacheco são revertidas ao longo do tempo por meio de processos gradativos, tendo em conta a pressão dos interesses privados afetados por estas.
Na prática, não havendo à época qualquer plano urbanístico juridicamente eficaz (Campos e Ferrão, 2015), mesmo estando sob a tutela de um Estado centralista e autoritário, os proprietários e promotores privados ganham de novo o controle sobre o tempo, o lugar e a forma da urbanização no processo de crescimento das principais cidades portuguesas.
Este retrocesso na política urbana traduz-se igualmente na multiplicação dos bairros clandestinos a partir de 1950, com a intensificação do êxodo rural decorrente das novas oportunidades surgidas com a ampliação do processo de industrialização do país.
Em 1968, sob influência da política regional francesa, com foco na ampliação da racionalidade supra-urbana, destaca-se o lançamento do III Plano de Fomento (1968-1973)[15] que propõe, pela primeira vez, o combate às assimetrias existentes, com vista ao reequilíbrio da rede urbana, em especial para o reordenamento da localização da atividade industrial. Neste período, o Estado promove os Planos Integrados de Habitação por meio do Fundo de Fomento de Habitação, elabora o primeiro Relatório do Ordenamento do Território e revê a lei sobre regime jurídico do solo (Decreto-Lei n.º 576/70, de 24 de novembro), dando ênfase aos instrumentos de política de solos com vista à dinamização do mercado fundiário. O IV Plano de Fomento (1974-1979) incorpora a experiência do plano anterior e inova ao sustentar a premissa do ordenamento do território como um grande objetivo para o reequilíbrio regional do país. No entanto, com a revolução democrática de 1974, este plano não se concretiza e um novo cenário de profundas mudanças toma conta do país.
A cultura centralista do Estado passa a ser diluída no contexto do poder local democrático, de forma a ampliar progressivamente o protagonismo dos municípios na condução da política urbana, conforme preconizava a nova Constituição aprovada em 1976, embora o tema ainda fosse conduzido, no âmbito nacional, pela redenominada Direção Geral do Planeamento Urbanístico (DGPU).
De facto, o texto original da Constituição de 1976 interpôs o ordenamento do território Português como uma obrigação transversal do estado e enquadradora da efetivação dos direitos à habitação e ao ambiente e qualidade de vida e como um instrumento necessário ao planejamento de base económica. Em 1989 este estatuto constitucional foi reforçado, ao ser assumido explicitamente como uma tarefa fundamental e autónoma do estado (Carmo, 2016). Neste ínterim, um conjunto de instrumentos foram aprovados e articulados: os Planos Diretores Municipais (PDM, Decreto-Lei n.º 208/82), que reconhecem aos municípios o seu papel na promoção do desenvolvimento económico e social e suas relações com o ordenamento do território [16], e os Planos Regionais de Ordenamento do Território (PROT, Decreto-Lei n.º 338/83), que promoveram a valorização dos recursos naturais, paisagísticos e ambientais no âmbito do desenvolvimento económico preconizado e do avanço do processo de urbanização sob a ótica do desenvolvimento regional.
Em 1990, já sob a égide da Comunidade Económica Europeia, promove-se uma reforma do quadro legal (Decreto-Lei n.º 69/90) regulando os planos municipais de ordenamento do território, tentando integrar as várias concepções dos planos de ordenamento do território. Em 1995 são regulados os Planos Especiais de Ordenamento do Território (PEOT), com vista às suas articulações com outros instrumentos do ordenamento do território (Decreto-Lei n.º 151/95), tendo em conta a salvaguarda e valorização de áreas territoriais ambientalmente sensíveis.
Mesmo com uma estrutura permeada por dispositivos legais funcionais, somente em 1998 é que Portugal passa a dispor de uma Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo (LBPOTU, Lei n.º 48/98) aprovada pelo Parlamento, que estabelece, de forma articulada, no âmbito nacional, regional e local, os Instrumentos de Gestão Territorial (IGT) que constituirão o Sistema de Gestão Territorial (SGT). Na sequência, em 1999 foi aprovado o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), Decreto-Lei n.º 380/99.
Sob influência do Esquema de Desenvolvimento do Espaço Comunitário (EDEC), a LBPOTU e o RJIGT, de modo geral, distinguiram competências e regularam as ações dos diversos segmentos atuantes no ordenamento do território e introduziram princípios para a coordenação das políticas setoriais. Pela primeira vez, o ordenamento do território estabeleceu-se como política pública autónoma e aberta ao diálogo em paridade com as demais políticas setoriais.
Segundo Mourato (2011: 112), a inovação institucional e funcional que a LBPOTU introduziu é fundamental para compreender a dinâmica contemporânea do planejamento como política pública em Portugal. Por um lado, a LBPOTU estabelece a diferença entre o que são instrumentos de desenvolvimento territorial (PNPOT, PROT e PIOT) e quais são os instrumentos de planejamento territorial (PMOT, PDM, PU e PP). Da mesma forma, estabelece uma clara diferença entre o que são planos municipais, planos especiais e planos setoriais, dentro da estrutura de planejamento territorial mais ampla, permitindo o delineamento de uma plataforma legislativa integrada, na qual coexistem a abordagem de planejamento regulatório explícito e a abordagem de desenvolvimento estratégico implícita[17].
Nesta perspectiva, e com vista ao Sistema Nacional de Gestão Territorial, segundo Caldeira (2010: 13), o governo central passa a ter incontornavelmente uma função decisiva que se centra em três domínios: “na criação de um ambiente geral e dinâmica favorável à afirmação do ordenamento e planeamento do território, no preenchimento dos vazios legislativos e no melhoramento da qualidade das normas na envolvente do ordenamento mas fundamentais à boa prática do ordenamento do território e do urbanismo (caso da Lei de Solos, nomeadamente), na promoção da formação e qualificação dos técnicos (da administração central, regional e municipal), no desenvolvimento de ferramentas de orientação técnica e metodológica de suporte às práticas de gestão territorial”.
Neste sentido, em 2002 inicia-se a elaboração do primeiro Programa Nacional de Políticas de Ordenamento do Território (PNPOT), cuja aprovação somente em 2007 incluiu os elementos necessários em falta para a implementação das políticas de planejamento nacional. Sua natureza estratégica estabelece: “as grandes opções com relevância para a organização do território nacional, consubstancia o quadro de referência a considerar na elaboração dos demais instrumentos de gestão territorial e constitui um instrumento de cooperação com os demais Estados membros para a organização do território da União Europeia” (Lei n.º 58/2007).
Por outras palavras, o PNPOT estabeleceu-se como um instrumento nacional de coordenação de políticas e uma plataforma para cooperação de atores (Mourato, 2011: 113).
Outras iniciativas que se destacam entre os anos de 2007 e 2011 são os Planos Regionais de Ordenamento do Território (PROT) em todas as regiões do país, oportunidade em que se busca a integração entre os níveis de governança por meio de estratégias municipais de desenvolvimento local, com vista à elaboração dos planos municipais de ordenamento do território. Tais iniciativas, no entanto, foram interrompidas a partir de 2011, tendo em conta um processo de revisão do quadro regulamentar do ordenamento do território a partir da nova gestão do XIX Governo Constitucional (2011-2015), cenário em que se aprova em 2014 a nova Lei de Bases da Política Pública de Solos, Ordenamento do Território e de Urbanismo (Lei n.º 31/2014), um novo Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (Decreto-Lei n.º 80/2015) e um novo regime de classificação, reclassificação e qualificação do solo (Decreto Regulamentar n.º 15/2015).
Segundo Galvão (2016: 37), este novo quadro regulamentar da política de solo, embora assumindo a revisão de aspectos estruturais e regimentais importantes, continua a ser reconhecível a partir da matriz definida pela reforma de 1998/99. Ou seja, apesar das novidades, não há ruptura sistemática, não há sistema ex novo, mas há, no entanto: “uma continuidade aberta a soluções disruptivas e a inovações que reflectem a evolução que assumidamente se pretende. Muda-se, portanto, embora sem romper em definitivo com a experiência passada” (Galvão, 2016: 37)
Campos (2016) reforça, no entanto, que tal reforma do quadro legal da política de solo, de ordenamento do território e de urbanismo não era necessária nem prioritária, tendo em conta que os problemas que afetam a gestão territorial não são de natureza legal, mas problemas de organização e de prática, decorrentes da ausência de uma cultura coletiva do território e da cultura de gestão do território, e ainda afirma: “Excetuando o regime jurídico do solo e os aspetos relacionados com o regime económico-financeiro dos programas e planos territoriais, não há muito de substancialmente novo nos diplomas resultantes da revisão. Na lei anterior já estava quase tudo o que é preciso em termos instrumentais para gerir bem o território e parte do que é novo nestes diplomas não se nos afigura imprescindível. O que fazia e continua a fazer falta é capacitar as instituições, os profissionais e as organizações, para usarem bem os instrumentos que a lei prevê e aplicarem corretamente os princípios, os critérios e os sistemas de valores que lhe estão subjacentes. O que faz falta é desenvolver as competências genéricas dos atores territoriais, a normativa técnica, os indicadores e a demais informação de apoio, mudar a cultura do território e a cultura da sua gestão. E isso não se resolve escrevendo no Diário da República.” (Campos, 2016: 41)
Nesta perspectiva, Campos e Ferrão (2015: 24) referem ainda as dificuldades de coordenação intersetorial das políticas públicas, o que reforça a importância do “ordenamento do território como matriz essencial da organização espacial das pessoas e das atividades e de valorização sustentável dos recursos territoriais, reequilibrando o sistema de gestão territorial e abrindo perspectivas para uma nova agenda política do ordenamento do território que lhe permita dialogar em paridade com as políticas sectoriais ´fortes`, nomeadamente com o ambiente”.
A esse respeito, Ferrão (2014: 25) afirma que o ordenamento do território em Portugal, no contexto das políticas públicas, corresponde a uma política duplamente fraca: “fraca em relação à sua missão, dada a desproporção que se verifica entre a ambição dos objetivos visados e as condições efetivas para os atingir; e fraca em relação aos efeitos indesejados decorrentes de outras políticas, dada a sua vulnerabilidade em relação a impactos negativos à luz dos objectivos e princípios do ordenamento do território. Existe, portanto, um problema simultâneo de eficiência e de resiliência.”
Por outro lado, percebe-se um esforço progressivo por parte do governo em avançar na articulação política que o ordenamento do território propõe. A revisão do PNPOT[18], prevista a cada 10 anos, por exemplo, foi um exercício cuja elaboração envolveu a participação efetiva de outros setores do governo, tendo em conta a estratégia a ser desenvolvida no âmbito do orçamento a ser disponibilizado pelo Programa Nacional de Investimentos 2030, que é o instrumento de definição de prioridades de investimentos infraestruturais estratégicos de médio e longo prazo nos setores da Mobilidade e Transportes, Ambiente e Energia.
De acordo com as informações disponibilizadas pela Direção Geral do Território [19], “ao longo do processo da elaboração da alteração do PNPOT, procurou-se desde o início assegurar uma participação continuada e efetiva, gerando um diálogo alargado e fomentando a reflexão sobre as condicionantes, as oportunidades e os desafios que se colocam ao território nacional e sobre os objetivos de ordenamento e desenvolvimento que o país quer prosseguir, a partir de uma visão territorial informada.” [20]
Como resultado da discussão pública, o documento resultante prevê uma Agenda para o Território estruturada em 5 pontos:
“1º - enunciam-se 10 compromissos para o território que traduzem as ideias fortes das apostas de política pública para a valorização do território e para o reforço da consideração das abordagens territoriais. Apresenta-se ainda o esquema de articulação do PNPOT com a Estratégia para o Portugal 2030 e Programa Nacional de Investimentos 2030.
2º - apresenta-se o conjunto das medidas de política que integram o Programa de Ação do PNPOT, estruturadas e organizadas em 5 domínios de intervenção: Domínio Natural, Domínio Social, Domínio Económico, Domínio da Conetividade e Domínio da Governança Territorial.
3º - procede-se à Operacionalização do Modelo Territorial, estruturado de acordo com os sistemas identificados na Estratégia: Sistema Natural, Sistema Social, Sistema Económico, Sistema da Conetividade, Sistema Urbano e Vulnerabilidades Críticas.
4º - identificam-se as diretrizes para os instrumentos de gestão territorial, abordando as questões de articulação e questões de conteúdo territorial e temático.
5º - apresenta-se o esquema do Modelo de Governação do PNPOT, identificando as estruturas de operacionalização, monitorização e avaliação bem como de articulação e consulta.”
Embora seja perceptível o caráter transversal das estratégias apontadas pelo PNPOT, sua aplicação dependerá da forma como estas se associam a decisões políticas ou a componentes de investimento público. Neste sentido recomenda-se ultrapassar a visão endógena ao sistema de planejamento e fomentar relações horizontais junto aos setores que mobilizam recursos estruturantes para a implementação de políticas urbanas, de modo que o PNPOT funcione como referencial estratégico vinculativo, enquanto instrumento legal, e seja incorporado na orgânica do governo como premissa para o desenvolvimento urbano do país.
4. Síntese comparativa
A análise da evolução histórica do processo de política urbana empreendido no Brasil e em Portugal permite conjugar alguns aspectos importantes e imprescindíveis para a compreensão do atual contexto dos dois países.
Em comum, ambos sofreram grandes transformações resultantes do acelerado processo de urbanização na segunda metade do século XX, e das transições e alternâncias entre os regimes conservadores e democráticos que tornaram ainda mais complexas as relações entre os diversos agentes responsáveis pela implementação da política urbana.
Em ambos os países, a legislação nacional é avançada e prima pela eficácia na implementação dos seus instrumentos urbanísticos. Há uma semelhança estrutural e dos processos definidos evidenciada na evolução dos respectivos quadros regulamentares, conforme se demonstra na Figura 1.
No âmbito da evolução da política urbana (Figura 1), destaca-se, no caso do Brasil, a pauta obrigatória vigente dos planos diretores participativos em 2001, a partir da aprovação do Estatuto da Cidade, onde se buscou a superação do viés tecnicista que os tornavam incompreensíveis ao cidadão comum, de forma a incorporá-lo no processo de planejamento, com vistas à sua eficiência e adequação à realidade municipal. Essa mudança de paradigma pode ser comprovada, de certa forma, por meio da evolução dos resultados apresentados no âmbito da Pesquisa de Informações Básicas Municipaisn Munic (IBGE, 2019): em 2018, 2.866 municípios possuíam Plano Diretor, o que corresponde a 51,5% dos 5.570 municípios brasileiros, percentual próximo ao apurado na Munic de 2015, de 50%, mas bem superior ao percentual de 2005, de 14,5%.
Os dados da Munic (IBGE, 2019) também revelam que 2 701 municípios brasileiros (48,5%) não têm Plano Diretor, sendo que 533 informaram que o instrumento estava em elaboração. Tal percentual foi mais elevado no grupo de municípios com população de até 20 000 habitantes, 2 526 (66,9%), onde não há obrigatoriedade legal para a elaboração desse instrumento. No que se refere aos municípios com mais de 20 000 habitantes, dos 1.762 que são legalmente obrigados a elaborar o Plano Diretor, conforme o Estatuto da Cidade, restam apenas 175 (9,9%) que ainda não o fizeram, sendo que destes, 76 informaram que estariam em processo de elaboração. O Gráfico 1 demonstra a situação geral de aprovação dos Planos Diretores municipais nos municípios brasileiros, a partir das determinações do Estatuto da Cidade (Lei n.º 10.257/2001).
Em Portugal, apesar da sua tradição centralista, a multiplicidade de planos e programas existentes fundamenta-se na premissa de gestão integrada do território, conforme preconizado pelo projeto europeu. Dessa forma, as sucessivas reformas regulamentares estimularam ações estratégicas para ampliar a capacidade de articulação dos mecanismos de coordenação das políticas setoriais. É o caso do Programa Nacional de Políticas de Ordenamento do Território (PNPOT), que introduz um modelo territorial para o país e se consolida como instrumento nacional de coordenação de políticas, de forma que seus preceitos sejam estimulados pelos recursos advindos do Plano Nacional de Investimentos e dos fundos europeus.
No que se refere aos Planos Diretores Municipais PDM, é importante ressaltar que Portugal já está coberto na sua totalidade (100%). Impulsionados pela adoção de medidas condicionantes que inviabilizavam o acesso aos recursos de fundos comunitários por parte dos municípios sem plano, no final dos anos 90, a maioria dos PDM foi aprovada.
Segundo dados da Direção Geral do Território (PNPOT, 2019), em finais de 2017, 38% dos 308 municípios portugueses ainda não tinham concluído o processo de revisão do PDM, motivo pelo qual ainda utilizam os PDMs elaborados no âmbito da Lei de Bases de 1998. Além disso, pouco mais da metade dos Planos estão vigentes há menos de 10 anos. Dos restantes, 117 têm mais de 15 anos e 98 têm mais de 20 anos. Os PDMs com tempos de vigência mais longos encontram-se no interior do país, mas também municípios do Vale do Tejo, Lisboa, Alentejo litoral e do Algarve, totalizando 19% do total. Por outro lado, a região Norte apresenta 87% dos PDMs revistos e recentes.
5. Considerações finais
Embora o plano diretor seja um instrumento fundamental para a definição da política urbana, existem muitos outros vetores de transformações, ações, sujeitos e poderes em jogo que vão além das normas e da construção de institucionalidades ou distribuição de investimentos públicos.
No entanto, a delegação progressiva ao poder local/municipal para o protagonismo na elaboração obrigatória dos respectivos planos diretores pautada pelos dois países, sob pena de sanções orçamentais, aumentou as possibilidades de implementação e regulamentação de instrumentos urbanísticos compatíveis com a realidade municipal, de forma a ampliar as possibilidades de atendimento às necessidades locais.
No caso do Brasil, não se pode negar que o processo recente de elaboração de planos diretores participativos propiciou a ampliação da discussão sobre o acesso à cidade e à terra urbanizada, apesar dos conflitos e disputas territoriais relativas à reprodução do espaço urbano (Oliveira, 2011).
Já em relação a Portugal, o grande desafio para os municípios consiste na necessidade regulamentar de atualização dos seus planos diretores, para adaptação ao novo regime de classificação, reclassificação e qualificação do solo e para integração das normas dos Programas Especiais relacionados com o regime de uso do solo. Por meio desse processo de atualização espera-se, ainda, a produção de "instrumentos mais estratégicos, integrados, dinâmicos e participados, garantindo a sustentabilidade e a eficiência dos recursos naturais e um desenvolvimento territorial mais equilibrado e adequado a novos desígnios. Nestes desafios inclui-se o de reforçar a cultura da avaliação em sintonia com um reforço da cultura do território, de ordenamento do território e de planeamento territorial" (PNPOT, 2019: 203).
Além desses desafios, o que se pode inferir é que a implementação da política urbana prescinde, em ambos os países, de uma articulação sistemática com as demais políticas setoriais que, em sua maioria, seguem de forma independente e limitadas na sua vertente territorial.
Nesse sentido, há a necessidade de fomento de uma cultura coletiva político-administrativa territorial, conforme aponta Ferrão (2014) e Campos (2016), por meio da oferta de processos de formação para técnicos, gestores, comunidade profissional e cidadãos em geral, para que conheçam e apliquem de forma adequada os instrumentos regulados, bem como os critérios e valores que lhe são inerentes.
Combater o analfabetismo urbanístico (Maricato, 2012:45) e identificar as forças que têm poder sobre a produção das cidades para que se articulem de forma sistêmica no âmbito do seu planejamento são estratégias fundamentais a serem adotadas para o aprimoramento da política urbana tanto no Brasil, como em Portugal.
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Received: 05-09-2019; Accepted: 16-06-2020.
NOTAS
[4] O Capítulo da Política Urbana é composto pelos artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1998. Está inserido no Título VII, que trata da Ordem Económica e Financeira. Sobre a inclusão da moradia no rol dos Direitos Sociais (art. 6), esta só ocorreu a partir da Emenda Constitucional n.º 90, de 2015.
[5] Os resultados do Seminário de Habitação e Reforma Urbana (SHRU) foram publicados na Revista Arquitetura n. 15, Rio de Janeiro, set. 1963, pp. 17-24.
[6] A exemplo de Serra (1991), Villaça (2001), Bonduki (2010) e Ipea (2016).
[7] Conjuntos habitacionais compostos por frações para aluguer e instalações sanitárias comuns, similares aos pátios e vilas de Lisboa, associados a habitantes de baixos rendimentos e condições insalubres.
[8] As principais recomendações de ajustes ocorreram no âmbito do Consenso de Washington e incluíam: “1) disciplina fiscal; 2) redução dos gastos públicos; 3) reforma tributária; 4) determinação de juros pelo mercado; 5) câmbio dependente igualmente do mercado; 6) liberalização do comércio; 7) eliminação de restrições para o investimento estrangeiro direto; 8) privatização das empresas estatais; 9) desregulamentação (afrouxamento das leis económicas e do trabalho); 10) respeito e acesso regulamentado à propriedade intelectual. A referência a “consenso” significou que esta lista foi baseada num conjunto de ideias partilhadas, na época, pelos círculos de poder de Washington, incluindo o Congresso e a Administração dos Estados Unidos da América (Tesouro e Federal Reserve Bank), por um lado, e instituições internacionais com sede em Washington, tais como o FMI e o Banco Mundial, por outro, apoiados por uma série de grupos de reflexão e economistas influentes.” (Lopes, 2011).
[9] Surgido no final dos anos 1980, o Orçamento Participativo de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, no Brasil, consolidou-se como modelo participativo na primeira gestão da Frente Popular (1989-1992), uma coligação entre o Partido dos Trabalhadores (PT) e o então Partido Comunista Brasileiro (PCB). Tornou-se referência nacional e internacional quando a ONU o selecionou como uma das 40 melhores experiências de gestão local para a conferência Habitat II (Istambul,1995) e, posteriormente, quando Porto Alegre foi escolhida para sediar o Fórum Social Mundial. (FEDOZZI, 2009)
[10] Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
§ 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.
§ 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
§ 3º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.
§ 4º É facultado ao poder público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I - parcelamento ou edificação compulsórios; II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
[11] Lei n.º 10 257/2001 (...) Art. 41. O plano diretor é obrigatório para cidades: I com mais de vinte mil habitantes; II integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas; III onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no§ 4o do art. 182 da Constituição Federal; IV integrantes de áreas de especial interesse turístico; V inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional; VI incluídas no cadastro nacional de Municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos.(Incluído pela Lei nº 12 608, de 2012)
[12] Segundo Bassul (2010), boa parte dos instrumentos incluídos no Estatuto já vinham sendo postos em prática pelos municípios anteriormente à aprovação da norma federal, com resultados considerados estimulantes pelo capital imobiliário, o que constituiu, sem dúvida, importante fator de diminuição do grau de restrições à sua aprovação.
[13] Decreto nº 9 666, de 2 de janeiro de 2019.
[14] “A pretexto de assegurar a livre circulação de pessoas e bens nas estradas e caminhos, regulou-se o alinhamento das construções e a sua altura máxima em função da largura das vias (…).” (Campos e Ferrão, 2015)
[15] O I Plano de Fomento (1953-1958) baseou-se num conjunto de investimentos públicos em vários sectores, com prioridade para a criação de infraestruturas. No II Plano de Fomento (1959-1964) o montante investido é ampliado e elege-se a indústria transformadora de base como foco (siderurgia, refinação de petróleos, adubos, químicos). No período de 1965 a 1967, o Plano Intercalar de Fomento absorve as exigências aos acordos externos assinados à época, e a necessidade de rever o condicionamento industrial, que se considerava desadequado às novas realidades.
[16] Cabe mencionar, igualmente, a Lei n.º 79/1977, de 25 de outubro, que ampliou as atribuições e competências das autarquias locais no que se refere ao desenvolvimento social, económico e ambiental e confere às assembleias municipais competências sobre o Plano Diretor do Município (art.48, No.1, alínea i)
[17] “The institutional and functional innovation that the LBPOTU introduced is key to understanding the contemporary dynamics of planning as a public policy in Portugal. For one, the LBPOTU (Figure 5.2) sets out the difference between what are territorial development instruments (PNPOT, PROT and PIOT) and what are territorial planning instruments (PMOT, PDM, PU and PP). In addition, it outlines a clear difference between what are municipal plans, special plans and sectoral plans, within the wider territorial planning framework. In doing so, the LBPOTU provides an integrative legislative platform within which coexist the explicit regulatory planning approach and the implicit strategic development approach. In addition, it includes the legislative equivalent of a coordination agreement between the three main bodies of contextual influence identified throughout this chapter (i.e. urban planning, regional planning and environmental planning). But above all it introduces the National Spatial Planning Policy Programme (PNPOT).” (Mourato, 2011: 112)
[18] O novo PNPOT foi aprovado pelo Conselho de Ministros em 14/7/2018, e em votação final global na Reunião Plenária do Parlamento, de 14/6/2019.
[19] Atualmente, a Direção Geral do Território - DGT (Decreto-Lei n.º 7/2012), vinculada ao Ministério do Ambiente (Decreto-Lei n.º 251-A/2015), é o organismo público nacional português responsável pelas políticas públicas de ordenamento do território e de urbanismo, atuando nas ações de formação, informação e divulgação técnica e de boas práticas dirigidas à capacitação dos agentes territoriais, públicos e privados, e aos cidadãos em geral.
[20] http://pnpot.dgterritorio.gov.pt/documentos-pnpot (Acesso em 21/05/2019)