Introdução
O município de Olinda, com seus 42 km², está localizado no estado de Pernambuco, no nordeste brasileiro e integra a Região Metropolitana do Recife, fazendo limite ao Norte com a capital (Recife) e ao leste com o Oceano Atlântico.
Devido ao seu acervo arquitetônico e urbanístico, parte da cidade de Olinda foi tombada em 1968 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, como conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico. Conforme define a Rerratificação da Notificação Federal Lei Nº1.155/79 , a área do Polígono de Preservação possui cerca de 10,4km² e inclui a Área de Entorno e o Polígono Tombado, este último com 1,2km² de ruas com traçados peculiares e imóveis de diversos períodos históricos e diferencia-se por ser o núcleo inicial de colonização a partir do qual a cidade se expandiu.
No Polígono de Preservação destacam-se: o Mosteiro de São Bento, onde foi ministrado o primeiro curso de Direito do Brasil; o Convento de São Francisco, o mais antigo monumento construído pelos franciscanos no Brasil; a Igreja da Sé, construída no século XVI; a Igreja do Carmo, que data do ano de 1580, quando chegaram os primeiros carmelitas ao País e o casario colonial com cerca de 1.200 imóveis.
Em 1982, a UNESCO declarou o sítio histórico de Olinda como Patrimônio da Humanidade.
Fundada pelos Portugueses em 1535, Olinda é a terceira povoação mais antiga do Brasil, destacando-se que:
“(…) a cidade tem uma história ligada à produção de açúcar. Reconstruída após ser saqueada por holandeses, seu tecido urbano central data do século XVIII. O equilíbrio harmonioso entre construções, jardins, 20 igrejas barrocas, conventos e numerosos pequenos passos (capelas) contribui para o charme particular de Olinda.” (UNESCO, 1982)
Suas características naturais são mescladas com o traçado urbano irregular, tendo o mar como pano de fundo do casario, igrejas e conventos, assim como torres realçadas contra os quintais arborizados.
O casario, tradicionalmente na arquitetura colonial, era rebocado e pintado utilizando a cal como material principal. Apenas no século XIX iniciam-se as pinturas à base de óleo e posteriormente tintas PVC e PVA/Látex e posteriormente o uso de cimento Portland para reboco. Entretanto, ao longo dos anos, o uso de materiais inadequados, em especial de tinturas, somado à umidade, intempéries e poluição mostrou-se prejudicial à alvenaria antiga, causando danos como descascamento, mofo, bolhas e desagregamento de reboco. Estas patologias têm se apresentado com frequência na cidade histórica de Olinda, o que causa preocupação no tocante à salvaguarda das construções históricas. Entretanto, o desconhecimento técnico por parte dos proprietários faz com que os mesmos permaneçam utilizando material inadequado em seus imóveis.
Vale ressaltar que a Lei Nº4849/92 - Legislação Urbanística dos Sítios Históricos de Olinda , não especifica materiais para revestimento, cita apenas que “os revestimentos de paredes, pisos e forros dos cômodos que se abrem para os logradouros, devem ser compatíveis com as características da edificação, e do conjunto”, deixando em aberto se estes materiais devem ser compatíveis no âmbito estrutural ou meramente estético. Já na Rerratificação do Polígono de Tombamento do Município de Olinda e Seu Entorno Lei Nº155/79, lei federal também incidente no Sítio Histórico de Olinda, consta que “a pintura das fachadas e cômodos que se abrem para ruas e praças não poderá ser a óleo ou de outro produto de textura brilhante”. Constata-se assim que a questão estética é primordial no âmbito legal, não havendo obrigação do morador de utilizar materiais e técnicas tradicionais, corroborando para práticas que venham a comprometer a integridade do casario antigo.
Neste contexto e diante da evidente necessidade de incentivo ao morador de adotar técnicas mais adequadas nas pinturas dos seus imóveis, é desenvolvido o Projeto Pinte Seu Patrimônio - PSP, objeto de descrição neste artigo.
O Projeto foi lançado em novembro de 2017 e integra os serviços de zeladoria da administração municipal, promovido pela Secretaria de Patrimônio, Cultura, Turismo e Desenvolvimento Econômico - SEPACTURDE através da Secretaria Executiva de Patrimônio - SEP da Prefeitura de Olinda. Seu objetivo é promover a pintura de fachadas de imóveis inseridos no Polígono Tombado (ocupação mais antiga da cidade) utilizando materiais e técnicas tradicionais, através da reversão da utilização de tintas industrializadas e consequente substituição por pintura à base de cal e, se necessário, recomposição do reboco. Desta forma, busca-se promover as boas práticas de conservação na cidade tombada com o diferencial da participação ativa do morador e de utilizar a mão de obra de apenados, por meio de convênio da Prefeitura junto ao Governo do Estado de Pernambuco.
A Prefeitura de Olinda exerce a coordenação do PSP com a disponibilização de técnicos necessários ao acompanhamento do serviço especializado (engenheiro, arquiteto, restaurador e arqueólogo), além de promover de oficinas e capacitações, tanto para os apenados quanto para os moradores.
Para mão de obra, podem participar os condenados em liberdade vigiada, regime semi-aberto e livramento condicional. Vale ressaltar que para a Prefeitura Municipal é vantajoso financeiramente o uso desse pessoal, uma vez que Lei de Execução Penal reduz os custos de contratação em cerca de 40%, comparado ao trabalhador comum. No âmbito social, segundo o Governo do Estado, destaca-se que o índice de reincidência criminal entre os participantes do Programa de Patronato em Pernambuco é de apenas 1% (Diário de Pernambuco, 2020). A participação do apenado como mão de obra visa ainda devolvê-lo ao mercado de trabalho enquanto profissional com experiência em obras de imóveis antigos.
Já o morador participa adquirindo os insumos necessários para execução da pintura. A atuação do morador é fundamental como ação de educação patrimonial, uma vez que ele participa integralmente do processo, compreendendo as peculiaridades da intervenção no patrimônio histórico além de ser propagador do seu conhecimento adquirido. Além disso, o contato direto e diário com o apenado, colabora com a reinserção do mesmo na sociedade.
Diante do exposto, através do presente artigo, cuja autora atuou como Secretária Executiva de Patrimônio de Olinda e coordenadora do Projeto Pinte Seu Patrimônio, busca-se registrar de forma inédita e em caráter de artigo científico a ação de preservação reconhecida nacionalmente como de excelência no âmbito do patrimônio construído.
1. Utilização tradicional da cal em revestimentos exteriores do Sítio histórico de Olinda
No Sítio histórico de Olinda,
“(…) os valores artísticos e arquitetônicos estão manifestados através da unidade estilística das edificações religiosas, a permanência da tipologia arquitetônica e das técnicas construtivas, da diversidade de registros estilísticos do casario e, ainda, dos bens móveis e integrados à arquitetura. As edificações civis comparecem com seu papel relevante, seja na conformação das vias e quadras, seja nas distintas tipologias arquitetônicas (planta, volumetria, técnica construtiva) presentes na cidade, como também na diversidade estilística que documenta praticamente quatro séculos de arquitetura civil. Essas características são encontradas no percurso pela cidade, na qual convivem, em diálogo, edificações com características dos séculos XVIII, XIX e XX em suas distintas representações estilísticas: casa mourisca, neoclássica, eclética, chalé e art déco.” (Barreto e Milet, 2019, p. 15)
Dentre as características do sistema construtivo comuns ao casario da cidade, destacam-se:
“1) sistema de coberta, com estrutura em madeira (traves, caibros e ripas); coberta de telha cerâmica canal, tipo capa e bica, com beiral ou platibanda com calha; 2) alvenaria, que pode ser: alvenaria de pedras, alvenaria mista (pedra e tijolo) e tijolos maciços; 3) revestimento da alvenaria em argamassa de cal e areia; e 4) revestimentos internos caracterizados por térreo em cimentado, tijoleira ou ladrilhos hidráulicos. No sobrado, o revestimento é feito em assoalho de madeira.” (Barreto e Milet, 2019, p. 19)
No tocante à cal, não apenas em Olinda, se apresenta como um dos materiais mais importantes para erguer, revestir e manter as alvenarias tradicionais, em especial considerando suas propriedades compatíveis e confiabilidade histórica.
“No Brasil, utilizou-se a cal de conchas marinhas desde os primeiros tempos de colonização, nas argamassas e revestimentos das construções da cidade de Salvador da Bahia, fortificações e casarios ao longo do território brasileiro. Mais tarde, fabricou-se, também, cal de calcários ou dolomitos ainda de forma tradicional, bem como foram importados aglomerantes hidráulicos.” (Karan, 2008, p.15)
Na segunda metade do século XX, surge no Brasil a indústria da cal e do cimento, e desaparecem as antigas fábricas de cal de conchas tradicionalmente conhecidas por caieiras. Devido sua facilidade de uso, houve um progressivo desaparecimento dos meios tradicionais de produção deste material bem como de sua mão-de-obra especializada, favorecendo a substituição de materiais na manutenção das edificações históricas. (Idem, Ibidem)
Em Olinda, assim como em outras cidades históricas, observa-se o hábito contemporâneo de realização de pintura dos imóveis com materiais industrializados que produzem película impermeável, facilmente disponíveis no mercado local, de rápida e simples aplicação e amplamente divulgados comercialmente. Todavia,
“Verifica-se que as tintas plásticas, acrílicas ou de PVA, encontradas hoje em dia no mercado, funcionam de forma inadequada sobre paredes de edifícios antigos. Devido à sua composição química, quando aplicadas formam um filme, que tem uma acção impermeabilizante nas paredes, alterando o seu comportamento global à água. Estas tintas apresentam também, em geral, uma aderência deficiente às superfícies frágeis e muitas vezes com baixa coesão superficial dos rebocos de cal, sejam eles antigos ou de substituição. Assim, surgem facilmente vários tipos de degradação na camada pictórica, tais como, empolamento, fissuração e destacamento.” (Veiga e Tavares, 2002, p. 6)
Entretanto, o uso de argamassas e revestimentos à base de cal vai além da contribuição estética uma vez que desempenham importantes funções na estrutura das alvenarias tradicionais. Como observado por Veiga e Tavares (2002):
“As paredes dos edifícios antigos, anteriores ao advento do betão armado, tinham uma constituição e um modelo de funcionamento muito diferentes das actuais. Um aspecto particularmente importante está relacionado com a protecção contra a humidade. Com efeito, as paredes dos edifícios actuais são construídas de forma a impedir, tanto quanto possível, a penetração da humidade. Pelo contrário, o modelo de funcionamento das paredes antigas, mais espessas e porosas, sem cortes de capilaridade, admitia a entrada de água para o interior da alvenaria mas evitava uma permanência prolongada, procurando promover a sua fácil e rápida saída para o exterior. As intervenções de conservação e reabilitação a realizar sobre edifícios antigos devem respeitar os modelos de funcionamento originais, sob pena de provocar patologia mais grave que a que se pretende reparar.” (Veiga e Tavares, 2002, p. 1)
Observa-se ainda que, após longos períodos de permanência de revestimentos inadequados, os danos se expandem além do revestimento superficial (pintura), atingindo rebocos e paredes, ondem surgem danos como perda da aderência da tinta, da coesão do reboco, causando destacamento e uma maior degradação da edificação.
Assim, pelo que foi exposto, constata-se que as tintas para as paredes de alvenaria antiga da cidade de Olinda não devem criar uma película plástica impermeável e de difícil transpiração, recomendando-se a utilização de materiais e técnicas tradicionais, especificamente a utilização das tintas com base de cal, por sua compatibilidade com a parede.
2. Projeto Pinte Seu Patrimônio
2.1. Objetivos
O Projeto Pinte Seu Patrimônio - PSP, promovido pela Prefeitura Municipal de Olinda, tem como principal objetivo promover a pintura de fachadas com a aplicação de materiais e técnicas tradicionais, com foco na reversão da utilização de tintas plásticas e a substituição por pintura à base de cal, fomentando as boas práticas de preservação com a participação ativa do morador e buscando ressocializar apenados através da reinserção dos mesmos no mercado de trabalho.
São objetivos específicos do Projeto Pinte Seu Patrimônio:
Promover a pintura e conservação de fachadas dos imóveis inseridos no Polígono Tombado do Sítio Histórico de Olinda;
Valorizar a paisagem histórica através de casario com fachadas conservadas;
Demonstrar, na prática, que o uso de materiais inadequados promove o comprometimento da integridade física da construção histórica devido à umidade retida, causando manchas de mofo e bolhas na pintura e até mesmo perda de reboco;
Difundir o uso de materiais e técnicas tradicionais para o casario antigo da cidade, como ação de salvaguarda;
Utilizar a pintura à base de cal pura ou pigmentada, material adequado para construções seculares devido à sua compatibilidade com as construções antigas;
Utilizar a execução do serviço como educação patrimonial para conscientização do morador e vizinhança, de forma que os mesmos compreendam as especificidades da intervenção em imóvel secular;
Contribuir com o sentimento de pertencimento do patrimônio construído, fazendo com que o habitante beneficiado se sinta parte do processo de conservação;
Incentivar o uso de cores tradicionais nas fachadas dos imóveis;
Reinserir, enquanto profissional, o apenado na sociedade, visando desconstrução negativa do egresso à liberdade; e
Qualificar o apenado como mão de obra com experiência para atuar em construção histórica.
2.2. Atores
No Projeto Pinte Seu Patrimônio, o acompanhamento e assistência técnica especializada são atribuições de servidores da Secretaria Executiva de Patrimônio de Olinda. O quadro de mão de obra é formado por apenados do sistema penitenciário do Estado de Pernambuco, que são disponibilizados pelo governo estadual, através de convênio junto ao órgão municipal. Já o morador beneficiado é responsável por fornecer o material para a execução do serviço.
O convênio com o Governo do Estado de Pernambuco, através do Programa de Patronato (órgão de execuções penais vinculado à Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos) encaminha os apenados ao mercado de trabalho e, como um gesto de confiança e credibilidade, contribui com o não retorno à vida pregressa. O índice de reincidência criminal entre os participantes do Programa de Patronato em Pernambuco é de apenas 1% (Diário de Pernambuco, 2020). Durante seleção do pessoal que fará parte da mão de obra, é dada preferência ao condenado que já tenha experiência anterior na área de construção civil, preferencialmente como pintor, mesmo não sendo experiência vinculada a construções históricas. Considerando que durante a execução do Projeto pode haver progressão de regime penal ou necessidade de mudança da equipe por motivos diversos, ocorre a necessidade de substituição de profissionais. Por este motivo, esporadicamente, a Prefeitura realiza oficinas de capacitação (Figura 1) e educação patrimonial, além de haver momentos de orientação técnica ministradas pelos técnicos especializados do quadro profissional do Município e/ou instituições parceiras. As capacitações são abertas à população e participam os demais técnicos da Prefeitura de Olinda, visando ampliar o público envolvido e difundir o conhecimento.
Para se candidatar ao Projeto Pinte Seu Patrimônio, os moradores têm que estar com seu Imposto Predial e Territorial Urbano - IPTU em dia e não possuir histórico por danos ao patrimônio por obras irregulares, ainda sem a devida ação reparadora.
2.3. Etapas
Os imóveis contemplados pelo PSP são atendidos de acordo com a ordem de inscrição na Prefeitura. Vale salientar que o projeto não tem previsão de conclusão, podendo receber inscrições diariamente.
As etapas do projeto são as seguintes:
Identificação de fachada da residência; apresentação das paletas ao morador, que escolherá a(s) cor(es) a ser(em) utilizada(s) e elaboração de simulação de cores (Figura 2). Vale salientar que para cada imóvel contemplado pelo Projeto são feitas simulações de possíveis cores a serem escolhidas pelo morador;
Numa cidade cujas cores vivas do casario são mencionadas no processo de tombamento da UNESCO (1982), é importante ressaltar que, na altura desta classificação da cidade, não havia mais a prevalência do padrão de cores “coloniais”, sendo compreendido que a variedade cromática da cidade naquela altura já estava incorporada em sua identidade, protegendo as diversas fases da cidade monumento, que marcam sua paisagem tanto na diversidade de construções de diversos séculos quanto cultura já enraizada das ruas coloridas.
Todavia, apesar de não haver uma paleta de cores oficial para o Sítio Histórico de Olinda, nem restrições legais neste sentido, no âmbito do Projeto Pinte Seu Patrimônio, são utilizadas as diversas possibilidades obtidas através da utilização de pigmentos a base de óxido de ferro, produzidos industrialmente com matérias primas minerais. As opções cromáticas estão em constante evolução ao longo da execução do PSP, podendo ser testadas novas alternativas de acordo com a vontade do morador. Toda esta variedade remete ao colorido consolidado do Sítio Histórico de Olinda e são perfeitamente aplicáveis aos dias atuais, sem comprometer a paisagem e corroborando para salvaguarda da fachada do imóvel.
Elaboração de mapa de danos da fachada do imóvel (Figura 3) que embasará a execução do serviço e consequentemente os materiais necessários;
Cálculo da área da fachada para levantamento do material necessário e elaboração da lista de material a ser adquirido pelo morador;
Hidratação da cal (15 dias com agito diário);
Serviço de decapagem e retirada dos revestimentos inadequados (Figura 4);
Serviço de retoque de argamassa a base de areia e cal em locais que forem necessários (Figura 5), cuja composição e aplicação segue o Manual de Conservação e Intervenção em Argamassas e Revestimentos à Base de Cal, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN);
Pintura da fachada com cal virgem pura ou pigmentada (Figura 6). No caso das paredes brancas, utiliza-se o leite da cal (suspensão de cal em água) para caiação e nas paredes com cores, são adicionados pigmentos (a base de óxido de ferro). A composição varia de acordo com a cor que se pretende obter.
Vale salientar que cada imóvel tem características próprias, podendo gerar ajustes nas etapas apresentadas e mudanças no tempo do serviço requerido para a conclusão do serviço, como por exemplo: área da fachada, nível de degradação, quantidade de material a ser decapado, necessidade de restauro de elementos decorativos, limpeza de cantaria, entre outros.
Como em toda obra de restauro, cada caso é estudado de acordo com suas particularidades e o registro é detalhadamente realizado pelos coordenadores técnicos do Projeto através do diário de obra.
2.4. Desenvolvimento
No início do projeto foram realizadas oficinas com objetivo de fortalecer a proposta de reversão da pintura industrializada e posterior pintura à base de cal, além de difundir a técnica tradicional. Participaram técnicos da Prefeitura, pintores, moradores, especialistas do Estúdio Sarasá e da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco - FUNDARPE. Estas oficinas foram realizadas em agosto, setembro, novembro e dezembro de 2017, sendo na última elaborada a “Paleta de Cores de Olinda” (Figura 7). As cores foram elaboradas com misturas de cal e pigmento, a proporção dos materiais foi registrada e as cores produzidas identificadas com nomes de frutas tropicais.
Agregou-se à difusão da pintura à cal e da Paleta de Cores de Olinda, a elaboração de painel no Teatro Bonsucesso (Figura 8), de autoria do grafiteiro olindense Raoni Assis, em 29/01/2018. A exibição pública do painel foi parte integrante da reinauguração do prédio em 30/01/2018.
Em dezembro de 2017 foi realizado o serviço de pintura a cal no primeiro imóvel e em cerca de dois anos de desenvolvimento do Projeto Pinte Seu Patrimônio foram concluídos 9 imóveis e 2 estavam em execução até final de 2020, conforme Quadro 1 a seguir.
Endereço | Área | Cores | Conclusão |
---|---|---|---|
Praça João Pessoa, 45 - Carmo | 65m² | Cal Branca + Verde Manga Espada | Dez/2017 |
Rua Eustáquio de Carvalho, 101 - Carmo | 90m² | Cal Branca | Fev/2018 |
Rua do Amparo, 165 - Amparo | 27m² | Cal Branca + Amarelo Cajá | Mai/2018 |
Rua 13 de Maio, 15 - Varadouro | 41m² | Cal Branca | Jun/2018 |
Rua de São Bento, 246 - Varadouro | 285m² | Amarelo cajá + Oiti. | Fev/2019 |
Rua da Boa Hora, 242 - Varadouro | 36m² | Azul Tarde + Azul Aurora | Abr/2019 |
Rua do Amparo, 319 - Amparo | 268m² | Amarelo Cajá + Cal Branca | Jun/2019 |
Rua Bernardo Vieira de Melo, 79 - B e C - Carmo | 50m² | Vermelho Jambo + Amarelo Cajá + Cal Branca | Set/2019 |
Rua do Amparo, 37, Amparo | 21m² | Vermelho Jambo + Cinza Arenito _ Ciza Granito | Out/2019 |
Rua Bernardo Vieira de Melo, 3 - Carmo | 307m² | A definir | Em execução |
Rua Treze de Maio, 271, Carmo | 29m² | A definir | Em execução |
Fonte: Elaboração própria.
Vale ressaltar que o Projeto Pinte Seu Patrimônio sofreu algumas interrupções: esteve paralisado entre fevereiro e maio de 2018, devido ao processo de substituição dos apenados, bem como a partir de março de 2020 devido à pandemia do COVID-19 e à necessidade de isolamento social.
A capacitação e desenvolvimento da equipe de trabalho é uma preocupação constante do Projeto. Ao longo do seu desenvolvimento, no ano de 2018 foi realizada uma oficina de educação patrimonial; em janeiro de 2019, técnicos da Prefeitura participaram de oficina de argamassas tradicionais, tendo em setembro deste mesmo ano, participado de oficina de capacitação para elaboração de orçamentos, e de uma outra oficina para elaboração de nova paleta de cores, contando a mesma com a participação dos apenados; e em novembro foi ministrada uma aula na obra para reconstituição de cornija decorativa de uma das fachadas em execução.
2.5. Resultados
Além dos evidentes resultados dos 11 imóveis já contemplados é importante destacar que por se tratar de projeto pioneiro, a quantidade de inscritos no Pinte seu Patrimônio tem surpreendido e desafiado a equipe envolvida, contabilizando hoje a inscrição de 32 imóveis, sendo 19 no Carmo, 6 no Amparo e 7 no Varadouro, respetivamente bairros do Sitio Histórico de Olinda. Tal fato demonstrou a necessidade de ampliação da equipe de mão de obra, inicialmente de 3 homens, atualmente contando com 7 apenados, o que permite a execução de dois imóveis simultaneamente.
O número de pessoas abrangidas pelo PSP também merece ser citado, uma vez que vai além dos moradores contemplados e da mão de obra diretamente envolvida. Participaram das atividades técnicos, moradores não contemplados, estudantes, servidores da prefeitura e demais pessoas interessadas na temática. Como por exemplo:
Nas 4 (quatro) oficinas de pintura a cal, o público atingido diretamente de aproximadamente 120 (cento e vinte) pessoas; e
Na pintura de Painel, o público atingido diretamente de aproximadamente 500 (quinhentas) pessoas.
É difícil mensurar com exatidão o público que foi abrangido pelo PSP, mas ressalta-se que o Projeto chamou atenção de jornais impressos, Mídias digitais e telejornais (Leia Já, 2020; Recife Olinda, 2018; Jornal do Commércio, 2018), que destacaram a iniciativa de salvaguarda patrimonial, participação popular e reinserção social, ampliando ainda mais a população que tomou conhecimento das boas práticas de preservação e cidadania.
Notório é o retorno direto que oferece a pesquisa de opinião realizada com o morador, onde o morador preenche um formulário após a conclusão de sua obra, onde são avaliados aspectos que antecedem os serviços, durante o serviço e o resultado final, incluindo a relação com os profissionais envolvidos e, em especial, o trabalho e a sociabilidade e interação dos apenados junto aos moradores. Vale mencionar que o projeto recebeu predominantemente avaliação de ótimo e de bom para todos os itens consultados.
Os dados obtidos até o momento foram extremamente favoráveis à iniciativa. Para exemplificar a avaliação positiva do PSP, transcreve-se a seguir algumas das declarações registradas pelos moradores nos formulários da pesquisa:
Quanto à iniciativa do Projeto:
“Excelente iniciativa do serviço público em prol da preservação das características dos imóveis. Baixos custos e ampla repercussão, facilidade de execução e mudança de hábitos de conservação, melhorias nos imóveis.” “Sugestão: ampliar divulgação na Mídea das ações do Projeto, crendo-as de grande valia quanto à conscientização dos moradores do Sítio Histórico no que concerne à preservação de seu patrimônio histórico.”
Quanto ao desempenho da equipe:
“Competência e dedicação da equipe PMO e entusiasmo dos apenados no aprendizado.”
Quanto à qualidade do serviço:
“Quase um ano de pintura e serviços de recuperação de fachada; um inverno rigoroso e um carnaval e a fachada continua impecável. Perfeita. O branco da cal continua inalterado.”
Quanto à mão de obra dos apenados (se é uma boa iniciativa e por que?):
“SIM: Incentivo e respeito.” “SIM: Concede maior oportunidade aos apenados, bem como permiti-lhes aprimorar seus conhecimentos e habilidades.” “SIM: Oportunidade de emprego.” “SIM: Linda iniciativa.” “SIM: Uma boa oportunidade para eles.”
Sugestões gerais:
“A utilização de mão de obra dos apenados resulta numa importante ação de capacitação e elevação de auto estima dos mesmos. Benefícios à preservação do Sítio Histórico, educação patrimonial e capacitação e inclusão no mercado de trabalho dos apenados. Demonstração do baixo custo da pintura à cal e ampliação das possibilidades de conservação dos imóveis.” “Que esse projeto continue para que a cidade continue assim linda e colorida.”
Ratificando a excelência do Projeto Pinte Seu Patrimônio, a ação foi contemplada pela edição de 2019 do Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade.
“Promovido pelo Iphan, desde 1987, o Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade prestigia, em caráter nacional, as ações de preservação do patrimônio cultural brasileiro que, em razão da originalidade, vulto ou caráter exemplar, mereçam registro, divulgação e reconhecimento público. A premiação é oferecida, anualmente, a empresas, instituições e pessoas de todo o Brasil, e tem destacado, ao longo dos anos, a diversidade e a riqueza do Patrimônio Cultural Brasileiro (Material e Imaterial) em suas manifestações culturais, antigas e modernas curvas da arquitetura nacional ou em grandiosas paisagens arqueológicas e naturais.” (IPHAN, 2019)
Neste sentido, veja-se abaixo a indicação feita ao projeto para o respetivo Prêmio:
“Segundo parecer da Comissão Nacional de Avaliação do Prêmio Rodrigo, o projeto destaca-se por sua abrangência urbana, pela estrutura e sistematização de sua gestão e pelo envolvimento de um grupo social em permanente risco de marginalização, oferecendo-lhe capacitação, recuperação e integração ao mercado de trabalho. A ação também preocupa-se em envolver os moradores da região, contribuindo para o resgate de um saber-fazer tradicional e para a conscientização do cidadão no processo de defesa do Patrimônio Cultural.” (IPHAN, 2019)
A iniciativa foi a vencedora na Categoria 1 - Iniciativas de excelência no campo do Patrimônio Cultural Material - Segmento 1 - Entidades Governamentais da administração direta ou indireta (autarquias; empresas públicas; sociedades de economia mista; e fundações públicas), dos níveis federal, estadual ou municipal.
3. Conclusão
Os números de imóveis contemplados no Projeto Pinte Seu Patrimônio podem, à primeira vista, parecer irrisórios, entretanto, por se tratar de uma mão de obra a princípio inexperiente e de imóveis de características, dimensões, nível de degradação e danos diversos, é compreensível que algumas fachadas levem mais tempo que outras para serem concluídas.
O grande diferencial que é possível constatar no Projeto estudado é que o Pinte Seu Patrimônio vai além de restaurar fachadas do Sítio Histórico de Olinda, já que a intervenção extrapola o serviço de restauro, uma vez que fomenta a preservação do patrimônio material difundindo a técnica tradicional e conta com a ativa participação do morador, além de agregar incentivo à ressocialização do grupo de apenados.
O contato diário entre diversos atores (moradores, técnicos e apenados) tem se mostrado de fato positivo. A participação do corpo técnico da Prefeitura na coordenação das intervenções aproxima a instituição do habitante do Sítio Histórico, desmitificando a imagem de um órgão burocrático e apenas fiscalizador, fortalecendo a parceria entre o público e o privado em prol da salvaguarda do patrimônio. O morador por sua vez, acompanha todo processo de intervenção em seu imóvel e se sensibiliza para com o fazer tradicional, tornando-se um proliferador e defensor da técnica e do material utilizado. Quanto aos apenados, importante ressaltar que não houve sequer um caso de insatisfação dos moradores ou incidentes em relação a postura destes trabalhadores, cuja avaliação da disciplina e desempenho foi bastante satisfatória. Verifica-se, inclusive, casos de moradores que contrataram apenados em horário fora do expediente, para executarem serviços que não estavam contemplados no PSP, como por exemplo, a pintura do interior da residência.
Devido ao sucesso do PSP, a Prefeitura de Olinda está movendo esforços para ampliar a equipe de apenados, de forma a executar mais casas simultaneamente e assim atender com maior brevidade a lista de inscritos, além de adquirir equipamentos que facilitem e agilizem o serviço. Além disso, está em fase de elaboração o Manual de Manutenção Periódica do Projeto Pinte Seu Patrimônio, que será entregue aos moradores no ato da conclusão da obra e que, visando futuros reparos, fornece orientações sobre como manter a pintura e a composição das tintas utilizadas nas residências e, se for o caso, a especificação da argamassa.
Conclui-se que a reversão da pintura industrializada e substituição pela pintura à base de cal é a prática que remete à técnica tradicional da alvenaria histórica do casario olindense, restaurando as fachadas danificadas e mitigando futuros danos decorrentes de uso de materiais inadequados. Neste sentido, o Projeto Pinte Seu Patrimônio permanece incansavelmente no desafio de promover a difusão da boa prática de preservação com a participação do morador e agregando a ressocialização de um grupo de apenados.