Introdução
A Associação de Arquitetos Portugueses (AAP), criada em 1978, procurava, nas palavras de Nuno Teotónio Pereira (1922-2016) enquanto presidente do Conselho Diretivo Nacional (CDN) da AAP, “afirmar, no seio da sociedade portuguesa, a importância da Arquitetura como arte cívica de elevado alcance económico, social e cultural” (Anexo 1, Ref.ª 51, p. 5). Na procura da legítima proteção legal do arquiteto, e na sequência do 1º Congresso da AAP1 (1979), foi promovido um encontro - intitulado “Arquitetos - População - Território - Administração” (1980) -, para discutir questões relacionadas com a formação do arquiteto, a prática profissional e a relação interprofissional com a administração pública2 (AA.VV., 1980). Para esse efeito juntaram-se, no Laboratório Nacional de Engenharia Civil3 (LNEC), arquitetos, estudantes de Arquitetura, funcionários dos Gabinetes de Apoio Técnico, das Câmaras Municipais, e dos serviços centrais e regionais. Mas, como destacou o arquiteto Francisco Silva Dias (n. 1930) aos autores deste artigo, nessa altura, “o confronto e a conquista de territórios profissionais, entre engenheiros e arquitetos, era latente, mas não tinha ainda as fronteiras que mais tarde o decreto 73/73 viria a traçar” (Dias, 2018) - “Arquitetura: Um direito dos cidadãos, um ato próprio dos Arquitetos”, revogação parcial do Decreto n.º 73/73, de 28 de fevereiro de 20094. Num país onde, em meados da década de 1980, cerca de 99% dos projetos de Arquitetura eram desenvolvidos por não-arquitetos (Anexo 1, Ref.ª 6), necessariamente, a luta pelo direito exclusivo do projeto de Arquitetura para os arquitetos absorveu muito das suas energias, debatendo-se igualmente o lugar do arquiteto e o seu papel na sociedade portuguesa. Imprensa e publicações periódicas deram voz a esta contenda.
Em Portugal, a afirmação e a defesa da profissão dos arquitetos iniciou-se no princípio do século XX5. A Sociedade dos Arquitetos Portugueses (SAP) foi fundada somente em 1902 e substituída, em 1933, pelo Sindicato Nacional dos Arquitetos por imposição do Estado Novo, para se integrar na respetiva organização corporativa6. A publicação dos periódicos A Construção Moderna (1900-1919) e Arquitectura Portuguesa7 (1908-1958) demonstra essa afirmação profissional dos arquitetos no princípio do século XX, mas é sobretudo o Anuário da Sociedade dos Arquitetos Portugueses (1905-1991) que nos mostra, durante muitos decénios do século XX, as preocupações enquanto classe profissional no país. Naturalmente, tais afirmações eram realizadas ainda enquanto artistas, criadores de formas arquitetónicas, no entanto, com a consciência de os arquitetos necessitarem de uma formação técnica na área da construção a que, por vezes, chamavam de científica. Conforme referiu o arquiteto José Alexandre Soares (1873-1930), Presidente da SAP entre 1906-1911 e 1917-1918:
Arte e Ciência são irmãs gémeas nos países civilizados, colaborando sempre que lhes é possível na obra do progresso, que é a da paz. Portugal afasta-se, porém, d'esta regra geral, o que aqui consignamos com pesar. Efetivamente entre nós o artista não mantém, em geral, intimidade de relações com o profissional da Ciência nem reciprocamente este com aquele (Soares, 1907, p. 39).
A Revista Oficial do Sindicato Nacional dos Arquitetos (1938-1942), muito irregular nos conteúdos dos seus números, além de apresentar obras maiores do Estado Novo8 e alguns exemplos de uma ação projetual sistematizada9, dá conta, no seu primeiro número, do 4º Congresso da Reunião Internacional dos Arquitetos (RIA), ocorrido em Paris (julho 1937), mas depois vai-se espraiando num nacionalismo e superficialismo bem ao gosto do regime político ditatorial português.
Foi após uma certa abertura no pós-II Guerra Mundial e através de uma nova geração de arquitetos que ocorreram mudanças profundas no modo de pensar a Arquitetura em Portugal. O Inquérito sobre a Arquitetura Regional Portuguesa10 (IARP) veio demonstrar a importância da investigação sistemática para a prática da arquitetura nacional. Procurava-se agora uma aproximação racional, a informação adequada, a valorização da construção (técnica) e do urbanismo na melhoria da ação do arquiteto11. Se a “geração de compromisso”12 (Mendes, 1997, p. 14) conhecia a sistematização dos conhecimentos vinda do estrangeiro, a “novíssima geração do movimento moderno em Portugal”13 (Portas, 1959), numa altura de reconstrução da Europa e de expansão económica sem precedentes dos Estados Unidos, tem um acesso muito mais abundante a essa informação14. Contudo, foi preciso mais algum tempo para que se assistisse à primeira institucionalização da investigação em Arquitetura em Portugal - com Nuno Portas (n. 1934) no LNEC a partir de 1962. As revistas Arquitectura (1946-1984), Binário (1958-1977) e Técnica (1946-1983) contribuíram para divulgar parte da investigação científica que se produzia no LNEC, porém, foi significativamente maior o número de artigos publicados por engenheiros-investigadores daquele Laboratório do que por arquitetos-investigadores a pesquisar nessa mesma instituição (D’Almeida et al, 2019). A acompanhar esta entrada do estudo da arquitetura no LNEC, os periódicos Boletim (1964-1981) do Gabinete Técnico da Habitação (GTH), e Urbanização (1966-1974/1975) do Centro de Estudos de Urbanismo e Habitação Engenheiro Duarte Pacheco, procuraram também contribuir para divulgar a investigação em arquitetura, nomeadamente disseminando os trabalhos desenvolvidos pelas suas equipas (Pedrosa, 2010; D’Almeida e Marat-Mendes, 2021a). Não esqueçamos igualmente a revista Análise Social do Gabinete de Investigações Sociais do Instituto de Ciências Sociais que, desde o seu primeiro número (em 1962), recebeu artigos das diversas ciências - entre as quais as sociais e humanas -, e cujo enfoque recaiu múltiplas vezes na análise de temáticas da arquitetura e do território (Barreto, 1999; Pedrosa, 2010). Assim, importa hoje verificar se, com o surgimento do Jornal Arquitectos (J-A, 1981-2000) e uma mudança no tipo de conteúdos de um periódico de Arquitetura, uma outra atenção passou a ser dada à investigação.
O presente artigo estrutura-se em cinco partes. Segue-se a esta introdução um panorama breve acerca do aparecimento do J-A e apresentação das diferentes chefias. A análise de artigos publicados no J-A sobre o exercício da profissão de arquiteto é apresentada na terceira e quarta parte deste artigo. A dualidade arquiteto-técnico/arquiteto-artista em contraste com o arquiteto-investigador é abordada na terceira parte, enquanto os regulamentos da profissão do arquiteto são tratados na parte seguinte. Na quinta e última parte deste artigo expõe-se uma breve discussão sobre quem foram os autores que procuraram o reconhecimento da profissão de arquiteto na sociedade portuguesa e valorizaram a inclusão da investigação na vida profissional, bem como as principais conclusões retiradas da análise efetuada.
O Jornal Arquitectos
O 2º Congresso da AAP (1981), que também ocorreu no LNEC15, teve repercussões imediatas na publicação de revistas da especialidade. A maioria das revistas de Arquitetura existentes na época destinava-se à comunicação entre a classe. O Jornal Arquitectos (J-A), criado em 1981, destacou-se entre as demais por se dirigir também aos promotores (Gomes, 1981), alargando a sua audiência e sensibilizando a sociedade civil para as questões da Arquitetura, promovendo a afirmação do papel do arquiteto na comunidade. Enquanto publicação oficial da Secção Regional do Sul (SRS) da AAP, o J-A destinava-se a todos os associados16 - refletindo-se numa tiragem inicial de 3.000 exemplares (Nunes, 2019) - excluindo, afinal, a maioria dos promotores.
Entre 1981 e 2000 o J-A contou com seis direções: 1ª) António Mattos Gomes17 (1930-2019); 2ª e 5ª) Francisco Silva Dias18; 3ª) Gonçalo Byrne19 (n. 1941); 4ª) Fernando Gonçalves20; e 6ª) Michel Toussaint21 (n. 1946). Preocupações relacionadas com a prática profissional fizeram-se refletir logo nos primeiros números, mas terá esta inquietação contemplado a prática da investigação em Arquitetura e Urbanismo refletindo-se no exercício da profissão?
A primeira direção do J-A, levada a cabo pelo primeiro Presidente da SRS-AAP (1974-1977), António Mattos Gomes, ficou marcada por uma certa irregularidade na periodicidade da publicação desta revista, que originalmente se pretendia mensal (Gomes, 1982). Com Francisco Silva Dias na 2ª e 5ª direções22, não só houve uma preocupação para que esta lacuna na periodicidade fosse ultrapassada23, garantindo uma carteira de publicidade (Anexo 1, Ref.ª 67), como ganharam também relevo as temáticas relacionadas com o Património e o Urbanismo (Figueira, 2005). Poder-se-á dizer que o interesse pela inclusão destas duas temáticas terá emergido do contacto de Silva Dias com a investigação: primeiro com a investigação analítica, aquando da sua participação no IARP24; depois com a investigação prática, aquando da sua integração na equipa do GTH (1960-1967); e, anos mais tarde, com a investigação científica, quando teve a oportunidade de realizar um estágio sobre técnicas de Urbanismo e do Ordenamento do Território no Centre Scientifique et Technique du Bâtiment em Paris (1966) e integrou a equipa da Divisão de Construção e Habitação (DCH) do LNEC (1970), para ali desenvolver um trabalho de investigação sobre habitação evolutiva (Dias e Portas, 1971; Dias, 2018; d’Almeida et al, 2020).
A tiragem do J-A aumentou significativamente com Byrne na direção, chegando aos 8.000 exemplares impressos25, sendo um determinado número colocado à venda em livrarias e quiosques para, como ansiado, chegar aos leitores não arquitetos. Esta nova fase seria marcada pela edição de números temáticos dedicados ao ensino e à crítica da Arquitetura, com particular destaque para a criação do “Concurso de Texto Crítico de Arquitetura” (Byrne, 1986). Por esta altura, como referiu Gonçalo Canto Moniz, Byrne havia já dado provas da sua “vinculação científica” (Moniz, 2011, p. 446), nomeadamente através da submissão do seu relatório de estágio - “Método de Arquitetura”, apresentado à Escola de Belas Artes de Lisboa (EBAL) em 1968 (Moniz, 2010) e publicado na revista Arquitectura (Byrne, 1969) -, e da sua passagem pelo LNEC (1969) (D’Almeida et al, 2020), onde desenvolveu a investigação intitulada Racionalização do Processo de Projeto - Coordenação Dimensional Modular (Byrne e Portas, 1970). No J-A, Byrne defendeu ser necessário “refletir sobre a obra produzida, o modo da sua elaboração, os pressupostos teóricos que o sustentam, o ajuste aos meios disponíveis e aos objetivos pretendidos significa romper esse ciclo fechado” (Anexo 1, Ref.ª 35, p. 3). Enquanto editor do J-A Byrne criou também um “Dossier Ensino”, que integrou a temática da “investigação”26 como questão-chave, tendo para isso recorrido a depoimentos de profissionais para oferecer aos leitores “o estado das coisas”27 (Anexo 1, Ref.ª 43, p. 3).
Fernando Gonçalves acumulou durante dois anos o lugar de arquiteto-investigador do LNEC (1970-2008) com a direção do J-A28 (1987-1989). Procurando dar continuidade ao trabalho editorial anteriormente levado a cabo por Byrne, retomou o concurso de textos críticos de arquitetura (Anexo 1, Ref.ª 52), e justificou a incessante necessidade de “fomentar a consciência coletiva dos arquitetos, nomeadamente através de um diálogo crítico e debate de ideias” (Gonçalves, 1987, p. 2). Nos números que dirigiu publicou entrevistas a alguns arquitetos portugueses, tais como Álvaro Siza (n. 1933), Alcino Soutinho (1930-2013), Silva Dias, José Charters Monteiro (n. 1944) e Pedro Botelho (n. 1948).
A direção do J-A levada a cabo por Michel Toussaint foi a mais extensa (1993-2000), englobando o importante momento de passagem da AAP para Ordem dos Arquitectos (OA), com a aprovação do decreto-lei Nº 176/98 de 3 de julho de 1998, que incumbe a OA de, entre outras funções, “pronunciar-se sobre legislação relativa ao domínio da Arquitetura e aos atos próprios da profissão de arquiteto” (DL, 1998).
Quando estávamos a aprovar a Ordem dos Arquitectos - eu, o Fernando (Gonçalves) e toda a equipa do Jornal Arquitectos - fizemos umas diretas para que no dia em que os parlamentares foram votar o nascimento da Ordem, em cada cacifo de cada deputado estivesse lá um Jornal Arquitectos a defender o nascimento da Ordem dos Arquitectos (Aguiar, 13/11/2019).
Este período abrangeu a chefia da AAP (depois OA29) conduzida pela arquiteta Olga Quintanilha (1942-2015), cujo rumo esteve centrado na discussão da definição da profissão, no relacionamento da OA com a sociedade civil e nas questões da acreditação do ensino da Arquitetura (Correio da Manhã, 2001/02/04). Ao longo dos últimos (sete) anos do século XX, verifica-se que o J-A centrou-se sobretudo no debate da prática arquitetónica, na “reflexão crítica em torno da Arquitetura e do que os arquitetos fazem” (Toussaint, 1993, p. 9) e “o que o arquiteto pode fazer?” (Anexo 1, Ref.ª 76, p. 14), temática que chamou a atenção de um leque mais variado de interessados, justificando um aumento progressivo da tiragem, que chegou aos 10.000 exemplares impressos. Levantam-se então as questões: Quem foram os arquitetos que mais se debruçaram sobre o exercício da profissão e a prática da investigação? E por que motivo o fizeram?
O exercício da profissão de arquiteto continua a despertar o interesse de vários autores, também eles arquitetos (Coelho, 2008; Santana, 2010; Croft, 2001, Fagulha, 2016). Mais recentemente, o tema da investigação científica em Arquitetura tem surgido igualmente como alvo de reflexão (Gil, 2016; Carvalho, 2012; D’Almeida et al., 2019, 2020; Krüger, 2013; Marat-Mendes et al. 2021). Apesar de novas pistas terem sido introduzidas para a análise destes dois assuntos face à publicação periódica J-A (Alves, 2021; Filipe, 2016; Nunes, 2019; Reis, 2007), no que concerne ao exercício da profissão de arquiteto e à consideração da investigação no desenvolvimento deste exercício, esta temática ainda não foi alvo de um tratamento rigoroso. Apesar de Ana Isabel Ribeiro, para marcar a centena de números editados do J-A, ter agrupado os assuntos publicados em 15 temáticas dominantes30, a temática da investigação não foi identificada como tema por si mesmo. Contudo, podemos identificar a temática da investigação como coberta pelos temas: “Ensino da Arquitetura e Formação do Arquiteto”, “Acontecimentos Associativos”, “Sobre a AAP” e “Teoria” (Anexo 1, Ref.ª 68).
Dos 194 números publicados durante 19 anos do J-A (1981-2000), identificaram-se 82 artigos particularmente dedicados à temática do exercício da profissão. Estes 82 artigos integram uma base de dados apresentada em anexo a este estudo (Anexo 1). A análise efetuada a cada um destes artigos permite verificar qual o papel do arquiteto na sociedade portuguesa dos anos 1980 e 1990, e se este contemplava a investigação como suporte teórico para a sua prática profissional.
A prática da investigação: Arquiteto-Técnico/Arquiteto-Artista vs. Arquiteto-Investigador
Do “super artista” autor, orquestrador de obras excecionais e personalizadas nos grandes clientes, ao projetista de hoje que planeia a construção de massa por forma a assegurar, antes do mais, que responda a funções humanas, económicas e técnicas estandardizadas, propondo para habitat uma nova ordem no ambiente físico, uma nova organização e distribuição das atividades no espaço da vida quotidiana (Portas, 1965, p. 517).
No início da década de 60 do século XX, Nuno Portas “deu bastante importância às Ciências Humanas como modelo disciplinar e base de conhecimento para a atuação dos arquitetos” (Toussaint, 2009, p. 165), tendo iniciado a orientação de uma equipa de arquitetos na DCH do LNEC para desenvolvimento de estudos e metodologias de investigação relacionadas com as temáticas da Arquitetura e do Urbanismo31 (D’Almeida et al., 2019; D’Almeida e Marat-Mendes, 2021b). Desperto para a importância da investigação, publica a obra A Arquitetura para Hoje (1964), onde clarifica as “implicações do fazer arquitetura” e defende a “coincidência de investigação e didática” (Portas, 2008, p. 23). Na publicação A Cidade como Arquitetura (1969) destaca que “o arquiteto pode, legitimamente, reivindicar uma posição insubstituível, baseada na contribuição histórica e teórica de uma disciplina formada e dinâmica, à qual deverá, naturalmente, corresponder, pelo ensino escolar-permanente e gradual investigação-experimentação, uma capacidade geral de classe profissional” (Portas, 2007, p. 123). Fruto do seu percurso profissional, dedicado simultaneamente à prática, à investigação e ao ensino da Arquitetura, Nuno Portas valorizou a experimentação, o trabalho de campo e a “experiência pessoal” para a boa prática da Arquitetura (Portas, 2005, p. 71; Portas, 2008, p. 44).
Alguns dos arquitetos que integraram a equipa de investigadores da DCH do LNEC ocuparam também lugares de chefia na edição do J-A32, ou participaram com a publicação de artigos sobre o exercício da profissão de arquiteto (Anexo 1), incluindo: Francisco Silva Dias, António Reis Cabrita, Gonçalo Byrne, Nuno Portas, Fernando Gonçalves, Alexandre Alves Costa e José Aguiar. Curiosamente, entre estes arquitetos-investigadores não se identifica no J-A - nem tão pouco nas revistas Arquitectura (1946-1984), Binário (1958-1977) ou Técnica (1946-1983) (D’Almeida et al, 2019) - qualquer artigo de Maria da Luz Valente Pereira (n. 1934), arquiteta que, por trinta anos, desenvolveu investigação em Arquitetura e Urbanismo no LNEC (D’Almeida & Marat-Mendes, 2020; Pedrosa & Antunes, 2020). Dedicada primeiramente aos inquéritos à habitação, depressa se começou a interessar pelas temáticas do Urbanismo e do Planeamento Municipal, tendo sido por diversas vezes convidada a proferir palestras no estrangeiro33 (Pereira, 24/15/2017). Em Portugal, fora do LNEC, publicou nas revistas Análise Social (Pereira, 1973) e Sociedade e Território (Pereira, 1990), dois periódicos fortemente ligados a temas da sociologia. Fica a dúvida: Terá o “mundo das publicações periódicas de Arquitetura” descurado a divulgação do trabalho desta arquiteta-investigadora ou não era do seu interesse ali divulgar o trabalho que desenvolvia num Laboratório de engenheiros?
O 2º Congresso da AAP deixou claro que, para se debater a prática profissional da Arquitetura, não é possível separar a “Prática” da “Formação”. Todavia, por esta altura o LNEC parece ter sido excluído das instituições que promoviam este diálogo. Conforme evidenciado no J-A, recomendava-se que a AAP diligenciasse encontros com os docentes das duas Escolas de Arquitetura do país (Lisboa e Porto) e aproveitasse a vinda de personalidades do mundo da Arquitetura a estas instituições de ensino (Anexo 1, Ref.ª 2). Negligenciava-se assim a experiência dos arquitetos-investigadores do LNEC que, mesmo durante o regime ditatorial, tanto participavam em conferências e em missões ao estrangeiro, como assistiam regularmente a palestras proferidas por profissionais nacionais e estrangeiros que se deslocavam a este Laboratório (d’Almeida et al., 2000).
António Reis Cabrita, arquiteto-investigador daquela instituição34, sensível à importância de um contacto interdisciplinar e transfronteiriço, defendeu no J-A, num artigo sobre a responsabilidade e o exercício da profissão, que os arquitetos portugueses deviam “lutar contra o isolacionismo que as dificuldades e natureza económica criaram coartando progressivamente a sua mobilidade” (Anexo 1, Ref.ª 22, p. 8). Mas Frederico George, ao ser entrevistado pelo J-A, lembra-nos que o “tradicional arquiteto tipo Beaux Arts”, que estava na génese da formação do arquiteto da Escola de Belas Artes nacionais, era “avesso aos aspetos científicos” (Anexo 1, Ref.ª 4, p. 17). Era, pois, a cientifização da Arquitetura, do ato de projetar/planear, que se procurava desenvolver no LNEC35. Por esta altura, do arquiteto esperava-se um artista - não um investigador - e se o arquiteto difere dos outros técnicos é porque “o seu fazer é um fazer artístico”, como referiu Manuel Tainha (1922-2012) no J-A (Anexo 1, Ref.ª 55, p. 12). Por sua vez, Byrne apontou que o arquiteto se diferencia “dos outros artistas, porque se pretende construir algo, depende do apoio do mundo que o rodeia e do acordo dos que detêm o poder político e financeiro” (Anexo 1, Ref.ª 28, p. 3). Tainha lembra-nos que se vivia um tempo em que “a estranha opinião de que um artista não pensa e de que um investigador científico não faz outra coisa senão pensar” (Anexo 1, Ref.ª 9, p. 8) parecia continuar a assustar a classe, que admitia interrogar-se somente enquanto desenvolve (isoladamente) o projeto36.
Em meados da década de 1980, a prática académica andava em torno da simulação da prática profissional (Anexo 1, Ref.ª 41), da “intervenção imaginária sobre um problema imaginário, e [da] intervenção imaginária sobre um problema real”37 (Anexo 1, Ref.ª 7, p. 6). Mas esta simulação podia levar “o aluno a convencer-se de que o papel do arquiteto é (só) produzir desenhos” (Anexo 1, Ref.ª 7, p. 6). Dada a sua participação enquanto copromotor e coorganizador do IARP, Tainha admitiu, contudo, que a investigação podia ser um “caminho alternativo aberto quer à escolaridade, quer à profissão, nisso se confirmando a complementaridade”, defendendo que a escola devia “inculcar ao aluno um método de pesquisa do conhecimento do mundo e de si próprio” e que os arquitetos deviam procurar “preencher as zonas de fronteira com os nossos companheiros do lado (engenharia, ciências sociais e ciências do homem)” (Anexo 1, Ref.ª 7, p. 6). Byrne também apontou no J-A que as Escolas de Arquitetura são “lugares de investigação e debate privilegiados” (Anexo 1, Ref.ª 43, p. 6).
Debruçando-se “em torno da condição disciplinar da Arquitetura” e das duas Escolas de Arquitetura, Manuel Mendes (n. 1949) esclareceu no J-A que o saber do arquiteto, num tempo de pós-modernidade, devia ser alargado à investigação teórica e histórica, e os centros de ensino deviam ser reconhecidos como centros de investigação aplicada (Anexo 1, Ref.ª 54). Se em Lisboa, por esta altura, a aprendizagem era colocada “num autodidatismo experimental (…) recetivo às experiências externas”, no Porto, reconhecia-se ainda “a prática artística do projeto” (Anexo 1, Ref.ª 54, p. 5). Também Fernando Távora defendeu a “especialização generalista”, aquela que “conduz à criação de propostas formais com capacidade de síntese e valor cultural que não conheça limites na sua dimensão física ou na sua especificidade funcional” (Anexo 1, Ref.ª 20, p. 5). Na sua opinião o arquiteto “deverá ser o coordenador responsável de todas as disciplinas que condicionam e determinam a sua conceção” (Anexo 1, Ref.ª 20, p. 5).
Ora, desde a década de 1960 que, no LNEC, era promovido o estudo da Arquitetura e do Urbanismo por via de metodologias de investigação interdisciplinares, colocando em diálogo - para lá do projeto38 - profissionais diversificados, sediados num só local39. Esta era uma vantagem percecionada por Nuno Portas que ali identificou o benefício de “constituir equipas de pesquisa com gente das ciências humanas e das engenharias e dar prioridade a trabalhos de campo sobre as perceções e uso dos espaços” (Portas, 2005, p. 71).
Manuel Graça Dias (1953-2019), no J-A, chamou a atenção para o facto de ter pertencido a uma geração de arquitetos que frequentou escolas “onde os inquéritos vários se sobrepunham com mediocridade a qualquer arremedo poético, a qualquer tímida especulação estética” (Anexo 1, Ref.ª 38, p. 82)40. Mas, segundo Alexandre Alves Costa41, estes inquéritos constituíram o “corte mais radical com o ensino tradicional” (Costa, 1982, p. 50). Como se verifica, a reforma do ensino da Arquitetura de 195742 culmina numa valorização do arquiteto-técnico43, procurando a conciliação entre o ensino artístico, ministrado nas Belas Artes, e o ensino técnico-científico, ministrado na Faculdade de Ciências. Consequentemente, foram introduzidas “matérias disciplinares de caracter científico” (Anexo 1, Ref.ª 48, p. 12) - Arquitetura Analítica, Curso Geral de Química, Curso Geral de Física, Sociologia Geral, Geografia Humana, Economia, Conjugação das Três Artes, e Higiene e Equipamento44 (Anexo 1, Ref.ª 48) -, o que conduziu os professores de Arquitetura de Lisboa “a solicitar a colaboração do LNEC no acompanhamento dos seus programas, facilitando assim a ponte com as disciplinas técnico-científicas (Matemática, Física, Química, Geometria, Estruturas, etc.) e com as disciplinas de Construção” (Moniz, 2011, p. 514). Na Escola passou a haver em simultâneo o “professor-investigador” e o “professor-projetista” (Moniz, 2010), no LNEC o investigador era preferencialmente arquiteto-investigador-professor-projetista, como veremos. Mas esta tentativa de “ensino globalizante” (Anexo 1, Ref.ª 47, p. 8) teve a sua implementação dificultada em Lisboa, particularmente quando no concurso para um lugar de professor (1968-1969), saiu vencedor Frederico George em detrimento de Nuno Portas que, como vimos, defendia também o lado didático da investigação.
Certo é que alguns arquitetos-investigadores do LNEC chegaram a ser, durante um determinado período de tempo, docentes do curso de Arquitetura45. Em Lisboa, Nuno Portas não só procurou “desenvolver um projeto pedagógico objetivo e sustentado nos métodos científicos” (Moniz, 2011, p. 548), como levou metodologias e resultados dos trabalhos que desenvolveu naquele Laboratório para as suas aulas (Fazenda, 2017; Gonçalves, 2019). Silva Dias, que também lecionou na EBAL, salientou no J-A que, pelo facto de se verificar que “antigos alunos regressam como docentes à Escola que os formaram”, não só estes “poderiam constituir interlocutores privilegiados no diálogo ‘escola-classe’” (Anexo 1, Ref.ª 41, p. 7), como, no caso de serem arquitetos-investigadores, poderiam igualmente constituir importantes interlocutores entre “investigação-classe”, o que aconteceu ocasionalmente46. Indubitavelmente, também para o J-A, Nuno Portas defendeu que, para a consolidação da Arquitetura e do Urbanismo é fundamental um “apoio de retaguarda que passa pela investigação”, que o “arquiteto tradicional se habituou a não esperar ou de que desconfia” (Anexo 1, Ref.ª 53, p. 7). Mas, para isso, há que ter em consideração uma melhor formação escolar (e pós-escolar), manuais, documentos normativos e a partilha de experiências, “coisas estas em que estamos, ao contrário dos nossos colegas estrangeiros, na cota zero”47 (Anexo 1, Ref.ª 53, p. 7) - como verificado, por exemplo, quando estabeleceu contactos com diversos organismos por ocasião do VIII Congresso da União Internacional dos Arquitetos, ocorrido em 1965, em Paris (Portas, 1965).
Estatuto da profissão de arquiteto: Código Deontológico
No início da década de 1980, dada a ausência de normas que indicassem os deveres e as obrigações do arquiteto, no espírito das conclusões do 2º Congresso, a classe, através da sua Associação, discutiu veementemente a criação de um código deontológico da profissão. A profissão de arquiteto foi sempre entendida como liberal, entre a independência profissional e uma exigência de consciência crítica. A proposta colocada à discussão e publicada no J-A para mais facilmente chegar a toda a classe, definia a atividade do arquiteto “na participação no ato de construir, no ordenamento físico do espaço, na conceção do enquadramento edificado das atividades humanas do território, através da elaboração de projetos, planos ou pareceres” (Anexo 1, Ref.ª 5, p. 20). Um ano mais tarde, no 3º Congresso da AAP48 (1984), aprovou-se a proposta da Direção da SRS para o estatuto da profissão de arquiteto em Portugal (Anexo 1, Ref.ª 50) (Figura 2), mas para isso apelou-se primeiramente à participação. Toussaint, num artigo publicado no J-A, dirigiu-se aos docentes reforçando a importância de ver naquele congresso aqueles que se dedicam ao ensino de jovens candidatos à profissão (Anexo 1, Ref.ª 11, p. 5); e Reis Cabrita49 procurou captar a atenção de potenciais interessados por via da importância da investigação para a Arquitetura, como contributo “para o avanço dos conhecimentos e estabelecimentos de novos equilíbrios Homem/Meio/Sociedade” (Anexo 1, Ref.ª 12, p. 5).
Definia o estatuto que “a ação do arquiteto requer domínio de conhecimento, criatividade, experiência, integridade e a aquisição permanente de preparação técnica, artística e humanística necessária às funções para que é solicitado” (Anexo 1, Ref.ª 17, p. 8). Tal como vinha a suceder em Itália50, tratava-se de defender os arquitetos que “lutaram pelo seu reconhecimento como técnicos” (Anexo 1, Ref.ª 13, p. 9)51. Como nos revelou Silva Dias, o facto de ele próprio e de Nuno Portas terem aceitado o cargo de arquitetos-investigadores num laboratório de engenharia e de, de certo modo, “terem passado para o lado dos engenheiros”, chegou a ser motivo de estranheza e crítica (Dias, 2017; Dias, 2018). Manuela Fazenda (n. 1947), arquiteta que, enquanto estudante, passara pelo LNEC para fazer investigação, confessou a admiração dos seus colegas (Fazenda, 2017) e Maria da Luz Valente Pereira reconheceu com espanto que, durante muito tempo, era praticamente a única mulher arquiteta-investigadora nas reuniões em que participava, fosse em Portugal ou no estrangeiro (Pereira, 2017).
Apesar do esforço da equipa de arquitetos-investigadores do LNEC, a verdade é que, como referiu Reis Cabrita no J-A, em meados da década de 1980 não existia “uma suficiente e necessária participação dos arquitetos no desenvolvimento e sistematização dos conhecimentos sobre as transformações do meio físico e edificado” (Anexo 1, Ref.ª 22, p. 7). Isto levou ao subaproveitamento do arquiteto pela sociedade portuguesa e pelo Estado (Anexo 1, Ref.ª 26), em parte também por culpa dos media, das escolas e do reduzido investimento na investigação. Dos media porque diminutamente focavam temas da Arquitetura - palavra “desconhecida” (Anexo 1, Ref.ª 39, p. 21) -, do seu papel “e da sua importância na transformação qualitativa do espaço e sua relevância sociocultural” (Anexo 1, Ref.ª 22, p. 7). Falha das Escolas por tardiamente terem criado núcleos de investigação em Arquitetura e Urbanismo52. Finalmente, do parco investimento em investigação que, somente em meados da década de 1990, viria a ser impulsionado por Mariano Gago (1948-2015) enquanto Ministro da Ciência e da Tecnologia (1995-2002) do XIII Governo Constitucional53 (Heitor e Rodrigues, 2015; D’Almeida e Marat-Mendes, 2021a).
Face às transformações ocorridas na sociedade portuguesa (Anexo 1, Ref.ª 40), como defendeu Pedro Brandão num artigo publicado no J-A, cabia à AAP, enquanto instituição independente, promover a Arquitetura e dignificar a profissão, nomeadamente: “reclamar dos poderes públicos, responsáveis, a definição de políticas claras de qualidade: no ordenamento do território (articulado com a regionalização) na produção de habitação de promoção pública (central, regional e local); cooperativa e privada; na renovação urbana; no planeamento e execução de infraestruturas e equipamentos; na politica de solos” (Anexo 1, Ref.ª 40, p. 6) (Figura 3). Afinal, com a entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia (CEE), em 1986, não só não era aceitável que a Arquitetura fosse exercida por outros profissionais que não arquitetos (Anexo 1, Ref.ª 30, p. 15; Anexo 1, Ref.ª 50) como, “o direito de livre circulação de arquitetos estrangeiros no nosso país” (Anexo 1, Ref.ª 41, p. 7), impunha uma rápida afirmação do nosso profissional arquiteto.
Justifica-se ainda lembrar a inexistência de uma regulamentação oficial dos honorários dos arquitetos. Se até ao 25 de Abril de 1974, as remunerações dos arquitetos eram regulamentadas pelo Ministério das Obras Públicas, a partir da segunda metade dos anos 1980, com a entrada na CEE e de acordo com as regras de concorrência, o Governo português teve que restringir a fixação de honorários. Mas é interessante lembrar que um dos argumentos para a sua existência (em termos de honorários mínimos) era a necessidade de acumular informação, de investigar, para assentar solidamente o desenvolvimento dos projetos, o que exigia mais tempo e dinheiro.
Lembremos por último a 1ª Exposição Nacional de Arquitetura, igualmente divulgada no J-A. Promovida pela SRS e patente na Sociedade Nacional de Belas Artes (1986), nesta mostra foram expostos um conjunto de projetos e obras realizadas entre 1975-1985. Segundo Michel Toussaint, estas obras revelam “que os arquitetos fazem de tudo, no campo da Arquitetura/Urbanismo, desde a cadeira ao Plano Diretor Municipal”54 (Anexo 1, Ref.ª 32, p. 9). Porém, como se verifica, ali foram expostos trabalhos resultantes de projetos submetidos a concurso, não tendo sido contemplado qualquer trabalho específico de investigação em Arquitetura e/ou Urbanismo. Contudo, poder-se-á dizer que a investigação não foi esquecida quando, como salientou Byrne num artigo sobre a prática da Arquitetura publicado no J-A, esta prática obriga igualmente “a um trabalho de pesquisa e invenção suplementar” (Anexo 1, Ref.ª 34, p. 3).
No final da década de 1980, para se conhecer com maior profundidade a atividade profissional dos arquitetos, por ocasião do 5º Congresso da AAP55 (1989), foi lançado um “Inquérito à Profissão”56. Das 700 participações, no tocante à relação da prática profissional com a investigação, ressalta: i) a falta de interesse dos arquitetos no alargamento do seu conhecimento por via da investigação, traduzida no facto de 81,6% dos arquitetos inquiridos não possuírem qualquer pós-graduação académica57 e 92,8% não terem frequentado outros cursos universitários58; ii) apenas 1,4% dos inquiridos indicarem que desenvolvem investigação (e/ou normativa); iii) 1,8% apontarem que a AAP progrediu na organização de ações de formação (cursos, colóquios e seminários); e iv) 48,2% que desenvolvem outras atividades fora da profissão, a maioria é Professor do Ensino Secundário (Anexo 1, Ref.ª 57).
Já em 1990, quando em toda a Europa Comunitária, a Arquitetura era reconhecida “como um serviço público, com carácter artístico, científico e técnico” (Anexo 1, Ref.ª 58, p. 23) e, passadas três décadas desde o início do desenvolvimento de investigação científica em Arquitetura e Urbanismo no LNEC, José Aguiar chamou a atenção, num artigo publicado no J-A, para o facto de que, em Portugal, “continua-se, ainda muito devagar, a desenvolver alguma investigação científica de âmbito tecnológico (sobretudo no LNEC e no IST)” (Anexo 1, Ref.ª 78, p. 18). Também no J-A, num artigo assinado por Vasco Rute, Reis Cabrita salientou igualmente que a atividade do arquiteto devia ser suportada “por quatro áreas de apoio - História, reflexão, processos e dimensão social -, considerando-se ainda como terceiro anel o ensino e a investigação” (Anexo 1, Ref.ª 76, p. 14). Deve então a Arquitetura reger-se por uma política que incuta a prática da pesquisa na prática laboral? Esta questão colocou-se também no 7º Congresso da AAP59 (1995): “qual é o escopo de uma Política de Arquitetura?” A resposta espelhou-se no J-A através da ideia de que “uma política de Arquitetura diz respeito à ação dos intervenientes na cidade e nas transformações do território, das organizações profissionais e cívicas, do ensino e da investigação, da comunicação social, dos criadores culturais, do Estado e da Sociedade” (Anexo 1, Ref.ª 82, p. 19). Mas a (velha) questão “Arquitetura para os Arquitetos” continuava a preocupar a classe, levando Silva Dias, em 1990 e enquanto diretor do J-A, a pedir a opinião a arquitetos e outras personalidades para se debruçarem publicamente sobre o tema60.
Discussão e conclusão
Apesar da ocorrência de diversos encontros centrados na discussão do exercício da profissão, da análise efetuada aos 82 artigos publicados no J-A, verificamos que, como salientou José Manuel Pedreirinho (n. 1950) relativamente a uma destas reuniões organizadas pela SRS-AAP (1991), parece ter sempre faltado a interrogação quanto ao número de arquitetos formados e com que currículo, mas também o dever de se procurar sedimentar a capacidade de pesquisa - leia-se investigação - e consciencialização dos conhecimentos dos alunos, futuros profissionais arquitetos (Anexo 1, Ref.ª 69).
Conforme verificado pela presente investigação, entre 1981 e 2000, os arquitetos que mais se debruçaram sobre as questões do exercício da profissão no J-A foram: Manuel Tainha, Michel Toussaint, Pedro Brandão, Nuno Teotónio Pereira e Gonçalo Byrne. Dos artigos identificados (Anexo 1), apenas nove são da autoria de arquitetos que passaram pelo LNEC para desenvolver investigação61, mas, em contraste, das seis direções do J-A (1981-2000), três destas foram levadas a cabo por arquitetos, outrora também investigadores do LNEC. Seguindo as pisadas de Nuno Portas, que foi membro da comissão diretiva e redação da revista Arquitectura (1958-c.1970) (d’Almeida et al., 2019), estes arquitetos-investigadores, ao assumirem a edição do J-A, tiveram a oportunidade de ali incluir um maior número de artigos provenientes de investigadores do LNEC e/ou de outros arquitetos ou autores igualmente centrados em diferentes temáticas da investigação - que, como vimos, era defendida tanto por Silva Dias, como por Gonçalo Byrne ou por Fernando Gonçalves.
Contudo, grande parte dos arquitetos que publicaram no J-A identificou-se mais com o arquiteto-técnico/arquiteto-artista do que com o arquiteto-investigador, que também pode ser projetista. As exceções provêm, naturalmente, do facto de alguns terem passado pela experiência pessoal de investigar e aplicar os resultados da investigação nos seus projetos - como é o caso de grande parte dos arquitetos-investigadores do LNEC, conforme testemunhado pelos próprios aos autores deste artigo (Dias, 2017; Dias, 2018; Cabrita, 2017; Costa, 2018; Pereira, 2017). Em certa medida, o modelo profissional de arquiteto-técnico/arquiteto-artista parece ter sido ultrapassado a favor do arquiteto-investigador, embora tal não tenha sido (e ainda não é) linear - bastando lembrar as reivindicações a artista de alguns arquitetos, publicadas nos anos 1980 e 1990 no J-A (Anexo 1). O arquiteto que se dedica essencialmente à investigação é interrogável, na medida em que se integra na longa discussão das duas faces disciplinares: Teoria e Prática. Se o arquiteto e investigador Philippe Boudon (n. 1941) entendeu ser necessário separar a Teoria do restante universo disciplinar para implementar métodos rigorosamente científicos (Boudon, 1977), Toussaint defendeu que a disciplina implica sempre o fazer, isto é, construir os espaços de vida do ser humano e que nunca se poderá transformar numa ciência exata, mesmo que algumas das suas partes, temas ou objetivos possam ter carácter científico e também beneficiar de (ou articular-se com) diversas ciências e disciplinas (Toussaint, 2009).
A análise efetuada no âmbito deste artigo permite-nos confirmar que entre 1981 e 2000, indubitavelmente, o arquiteto lutou pelo reconhecimento do seu papel na sociedade portuguesa. Contudo, a luta pela investigação (ainda) não era considerada na prática profissional.
Face ao número de arquitetos inscritos na AAP/OA - que, como vimos, rondava os 3.000 no início da década de 1980 - foram sem dúvida diminutos os que publicamente manifestaram e/ou reconheceram a importância da investigação como suporte teórico para a prática profissional, designadamente enquanto apoio fundamental para o desenvolvimento do(s) projeto(s).