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CIDADES, Comunidades e Territórios

versão On-line ISSN 2182-3030

CIDADES vol.45  Lisboa dez. 2022  Epub 29-Dez-2022

https://doi.org/10.15847/cct.26604 

ARTIGO ORIGINAL

Habitação em pandemia: os desafios da COVID-19 a partir da experiência de mulheres em situação de precariedade habitacional

Housing amid a pandemic: The challenges of COVID-19 from the experience of women in precarious housing

1Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), DINÂMIA’CET-Iscte, Portugal, joana.lages@iscte-iul.pt


Resumo

A partir da precariedade habitacional vivida por mulheres na Área Metropolitana de Lisboa, o artigo tem como objetivo central compreender, por um lado, as medidas criadas para reagir ao impacto da pandemia no sector da habitação e por outro, perceber o seu impacto, exequibilidade e efeito no contexto de lugares marcados pela exclusão socio-espacial. Metodologicamente parte-se de um inquérito realizado a mulheres que vivem em situação de habitação vulnerável, complementado com doze entrevistas em profundidade, bem como uma análise sistematizada da legislação proposta relativa à habitação para fazer face à pandemia em 2020. O artigo explorará os resultados do inquérito, refletindo também sobre as ações políticas e práticas dirigidas ao sector da habitação durante o primeiro ano da pandemia: as respostas, as perceções e os enviesamentos. Através da experiência de mulheres, os resultados apontam que a reação à pandemia no que se refere à habitação precária não foi nem suficiente nem adequada, aumentando a desigualdade para aquelas para quem ‘ficar em casa’ foi, ou ainda é, problemático.

Palavras-chave: habitação precária; COVID-19; género e habitação; políticas de habitação

Abstract

Starting from the housing precariousness experienced by women in the Lisbon Metropolitan Area, the paper aims to understand, on the one hand, the measures created to react to the impact of the pandemic in the housing sector and on the other hand, to comprehend their impact, feasibility, and effect in the context of places marked by precariousness. Methodologically, it is based on a survey of women living in precarious housing, complemented by twelve in-depth interviews and systematized analysis of the proposed housing legislation to tackle the pandemic in 2020. Through the experience of women, the findings point out that the reaction to the pandemic with regard to poor housing was neither sufficient nor adequate, increasing inequality for those for whom ‘staying at home’ was, or still is, problematic.

Keywords: housing precarity; Covid-19; gender and housing; housing policies

1. Introdução

A pandemia de COVID-19 trouxe-nos a nível global distanciamento da vida pública, sustentado pela máxima ‘fique em casa’, mudando a forma como nos relacionamos e vivemos em sociedade. Isolamentos e quarentenas formaram um novo léxico associado ao confinamento espacial. As epidemias expuseram historicamente o papel crítico do espaço na proteção da saúde e na contenção de doenças e infeções. Relativamente à COVID-19, as questões levantadas para aqueles que não conseguem cumprir o isolamento estipulado começaram, de imediato, a ser colocadas (Benfer et al., 2021; Mendes, 2020). Como ficar em casa em isolamento sem acesso a infraestruturas básicas, tais como água e saneamento? Como ficar em casa em isolamento, numa condição de sobrelotação? Como ficar em casa à beira de um despejo? Como ficar em casa em situação de sem-abrigo?

Para além das condições precárias, a pandemia de COVID-19 encontrou também a mercantilização e a financeirização do mercado da habitação em Portugal (Santos, 2019), que negam o direito à habitação a cada vez mais pessoas e acompanham uma tendência global (Aalbers, 2015; Brenner et al., 2011). A crise habitacional tornou-se inseparável da crise pandémica (Lages & Jorge, 2020) e como com qualquer fenómeno interdependente, já não é possível enfrentar a crise habitacional, não considerando o efeito que a pandemia teve, e terá, na esfera habitacional e vice-versa. Mais do que um problema de saúde pública, com um impacto substancial no sistema económico, a pandemia reproduziu uma crise social urbana estrutural.

Os primeiros resultados do relatório preliminar do ICS/ISCTE sobre o impacto social da pandemia, realizado no início de Abril de 2020 confirmaram que os efeitos socioeconómicos da pandemia se mostravam assimétricos, invertendo a narrativa de que ‘estávamos todos no mesmo barco’. O estudo apontou ainda a saúde da família como a principal prioridade das mulheres (Magalhães et al., 2020, p. 48). Um outro estudo, respondido maioritariamente por mulheres, indica que a pandemia exacerbou as condições prévias de desigualdades existentes (Guadalupe et al., 2021).

No cruzamento com a habitação, a literatura aponta há muito para as mulheres como um dos grupos mais vulneráveis no que respeita ao acesso a uma habitação digna (Falú & Curutchet, 1991; United Nations, 2012). Investigação complementar sobre precariedade habitacional e movimentos sociais urbanos confirma ainda que, no caso português e em particular na Área Metropolitana de Lisboa (AML), as mulheres são as protagonistas das lutas pelo Direito à Habitação, organizadas em estruturas representativas tais como associações de moradores, ou como sujeitos políticos (Falanga et al., 2019; Jorge & Carolino, 2019; Lages, 2017a). Esta situação foi atestada no terreno pela Habita - Associação pelo direito à habitação e à cidade. Ao partilhar os dados das suas assembleias semanais em Lisboa, onde juntam uma audiência de pessoas com problemas na esfera da habitação, ficou claro que as mulheres eram a grande maioria dos participantes. Durante 2018 e 2019, 79% das pessoas que procuraram apoio eram mulheres. Problemas com as condições habitacionais em bairros precários, despejos no mercado livre (formal ou informal) de arrendamento e ocupação de fogos municipais vazios foram algumas das dificuldades que estas mulheres trouxeram à Habita. Importa, pois, compreender a precariedade habitacional das mulheres, em contexto pandémico.

Como Scott (1986) argumentou, em vez de elemento descritivo, o género deve ser utilizado como um instrumento de análise, questionando a existência de uma diferença natural entre os sexos, que historicamente coloca as mulheres numa posição de desvantagem nas relações de poder. Esta reprodução das desigualdades tem uma dimensão espacial, expressa nos lugares que as mulheres habitam. Tal como Saugeres (2009) colocou, o trabalho de Watson (1986) sobre habitação e género abriu o debate sobre a análise feminista sistemática da habitação, e os processos que produzem e reproduzem relações patriarcais nesta esfera. A inclusão de uma perspetiva de género no domínio da habitação continua relativamente escassa, em comparação com outras dimensões como a educação ou o mercado de trabalho (Kennett & Chan, 2010). Apesar disto, um interesse recente neste tópico marca um aumento das contribuições da investigação atual neste campo, e até no campo da precariedade habitacional (Friesenecker & Kazepov, 2021; Power, 2019; Power & Mee, 2019).

Com o agudizar da crise da habitação, a feminização do défice habitacional a que estamos a assistir - e que este artigo pretende ilustrar - resulta também das condições de vida: as mulheres são mais pobres do que os homens, com um maior risco de pobreza, 19,2% em 2020 segundo o Inquérito às Condições de Vida e Rendimento das Famílias de 2021 realizado pelo INE. A diferença salarial média foi de 11,4% em 2020 (EUROSTAT, 2020), dados suportados pelo estudo coordenado por Leythienne e Pérez-Julián (2022). A recessão económica global após a Grande Recessão, e como resultado, as políticas de austeridade e política estabelecidas para Portugal de 2011 a 2014, afetaram desproporcionadamente homens e mulheres, e exacerbaram a desigualdade existente, agravando a crise habitacional para as mulheres, fenómeno que importa estudar.

Uma observação introdutória final deve ainda ser feita no contexto da investigação sobre a pandemia de Sars-Cov-2: este texto centra-se em 2020 e nas implicações espaciais e regulamentares de ‘ficar em casa’ no contexto de precariedade habitacional vivida por mulheres, com a chegada imprevista de uma pandemia. No momento em que este texto é escrito, vive-se o auge da quinta vaga, com a terceira dose em vigor na Europa, dois anos depois da Organização Mundial de Saúde (OMS) ter decretado a pandemia. O papel preponderante da ciência na produção de conhecimento reconhecido por pares foi assumido, o que ajudou a controlar o vírus. A habitação como determinante social de saúde tornou-se ainda mais explícito neste estudo empiricamente informado, em que o artigo se centra.

Depois de abordada neste ponto introdutório a ligação entre género e precariedade habitacional, a par dos desafios trazidos pela COVID-19, o artigo segue expondo as medidas gerais para reagir ao impacto da pandemia no sector da habitação em 2020, apresentando também o seu nível de concretização.

A secção seguinte, a terceira, centra-se nas respostas pandémicas encontradas no terreno, ou a falta delas, para as mulheres que vivem em condição de precariedade habitacional, articulando também condições materiais, condições de saúde e práticas que a pandemia forçou. Desta forma, extravasa a dimensão normativa/legislativa para questionar modos e modelos de habitar. Os dados foram recolhidos através da aplicação de um inquérito presencial e de entrevistas.

Finalmente a quarta secção avalia as medidas, confrontando o terreno e o quadro legislativo, cruzando a segunda e a terceira secção, encerrando-se com algumas notas conclusivas.

2. Reação ao efeito da pandemia, respostas ao sector da habitação

A 16 de Março de 2020 foi noticiada a primeira morte por COVID-19 em Portugal. O Presidente declarou o estado de emergência três dias depois, o primeiro em 46 anos de democracia. Este foi o início do primeiro confinamento, com a obrigatoriedade quase total da permanência ‘em casa’. As medidas tomadas pelo governo a 19 de Março, Lei 1-A/2020 - ‘Medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19’, determinaram também medidas legais relacionadas com a habitação. O direito à habitação é um dos direitos fundamentais protegidos na Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 65º. Com este entendimento e devido à gravidade da pandemia, foi criada legislação através de um conjunto de regras excecionais e temporárias para a proteção deste direito.

No que respeita à suspensão dos despejos e denúncias de contratos de arrendamento, a medida foi desenhada para inquilinos em situação de fragilidade, associada à perda de rendimento. As ‘medidas excecionais e temporárias’ foram adiadas várias vezes até Junho de 2021. Quanto aos proprietários de habitações, o governo aprovou alterações à legislação sobre moratórias de crédito, permitindo às famílias mais afetadas pela paragem da atividade económica, no contexto da pandemia, a suspensão do pagamento das suas hipotecas até Setembro de 2021 (Lei n.º 10-J/2020). Mas para além das moratórias e da suspensão temporária dos despejos, importa mapear outras respostas pensadas para cumprir o direito à habitação.

O Ministério das Infraestruturas e Habitação identificou o IHRU como entidade gestora das medidas extraordinárias neste sector. Estas medidas foram criadas num contexto de extrema volatilidade: a imprevisibilidade da pandemia e as suas sucessivas vagas forçou a que as instituições operassem sob novas exigências: online e a partir de casa, com obrigações crescentes devido ao facto de mais indivíduos necessitarem de apoio social e financeiro. No entanto, é exatamente o papel do Estado prover mecanismos eficazes para superar as adversidades sobretudo em acontecimentos imprevisíveis.

O Programa de Estabilização Económica e Social (PEES) com um âmbito temporal até ao final de 2020, foi planeado para reagir aos impactos da pandemia. Algumas das propostas do PEES dirigiam-se especificamente ao sector da habitação. As medidas de apoio foram divididas em cinco ações, descritas como: (i) reconversão do alojamento local em habitação acessível; (ii) proteção do arrendamento habitacional; (iii) criação de uma Bolsa Nacional de Alojamento Urgente e Housing First; (iv) conservação e reabilitação do parque habitacional do IHRU; (v) criação de um parque habitacional público de habitação a custos acessíveis, nomeadamente através do parque habitacional do Estado.

Foram essas medidas suficientes? Eficazes? A par de outras investigações (Lages, 2020; Mendes, 2021; Pereira & Matos, 2020) os parágrafos seguintes revêm os esforços e resultados.

A primeira medida centrou-se na reconversão do alojamento local em arrendamento acessível, que funcionaria de forma complementar à mobilização do património público, justificada pela urgência em dar resposta à crise habitacional. Esta medida foi igualmente pensada para beneficiar adicionalmente os proprietários de alojamento local que se encontrassem em dificuldade, dadas as restrições nas viagens e no turismo, que reduziram drasticamente as taxas de ocupação.

Apesar de orçamentada em 4,5 milhões de euros, nada foi gasto em 2020, sobretudo devido à publicação tardia do regulamento para esta despesa (decreto 770-A/2020, 30 de Dezembro).

Dois municípios promoveram esta ação (Lisboa com o programa ‘Renda Segura’ e o Porto com o ‘Porto com Sentido’), mostrando no entanto fracos resultados. Quando a ‘Renda Segura’ foi lançada em Lisboa, o objetivo inicial era obter cerca de 1000 habitações durante o ano de 2020. No entanto, durante esse ano, o município angariou apenas 284 e destas, apenas 85 eram reconversões de alojamento local. Destaca-se a falta de interesse no programa demonstrado pelos senhorios de arrendamentos de curta duração, possivelmente considerando um futuro pós-pandémico radioso, com o mesmo nível de procura turística de 2019.

A segunda medida centrou-se na ‘proteção do arrendamento habitacional’, dedicada a apoiar arrendatários e senhorios com quedas significativas nos rendimentos (no caso, superiores a 20%) devido à pandemia. Em 2020, foram apresentados 3069 pedidos. Em 12 meses, pouco mais de 700 famílias acederam a esta linha de financiamento, o que expõe o alcance limitado desta medida. Como apontou Mendes (2021, p. 15), um inquérito da Associação Lisbonense de Proprietários quantificou que mais de metade dos inquilinos não tinha pago renda após Abril de 2020. De um universo de 700.000 contratos de arrendamento em Portugal, pouco mais de 3000 pedidos foram feitos ao IHRU, apresentando uma taxa de rejeição de quase 40%. Estes dados exprimem a impopularidade desta medida, indicando problemas com os procedimentos burocráticos/normativos e falta de confiança quando se trata de adiar os pagamentos. Assim, apesar do orçamento atribuído, a execução financeira desta medida correspondeu apenas a 29%. Não há dados segregados por sexo disponíveis para que se possa fazer uma avaliação desta medida tendo em conta uma perspetiva de género.

A criação de uma ‘Bolsa Nacional de Alojamento Urgente e Housing First’ forma a terceira medida do PEES para abordar a habitação e a pandemia de COVID-19. Com um investimento previsto de 7,5 milhões de euros, o objetivo centrava-se na criação de alojamentos de emergência/transição. Os principais beneficiários seriam pessoas que necessitam de soluções habitacionais de emergência (devido a eventos excecionais ou imprevisíveis ou situações de risco iminente) ou soluções habitacionais de transição, com especial atenção para as pessoas em situação de sem-abrigo. A medida é complementar à oferta de habitação pública e ao stock do terceiro sector, respondendo a um dos maiores problemas enfrentados em termos de habitação. No entanto, esta não é uma resposta pandémica. É um processo contínuo e uma responsabilidade política assumida com o lançamento da Nova Geração de Políticas de Habitação (NGPH) em 2018. Além disso, a legislação para o funcionamento da ‘Bolsa Nacional de Alojamento Urgente e Temporário’ foi lançada em Março de 2021 (Decreto-Lei n.º 26/2021), quase um ano após a descolagem do PEES, pelo que não foi gasto dinheiro para o tornar operacional durante 2020. É ainda de notar a resposta da sociedade civil, organizada ou não, à prestação de cuidados e serviços a grupos vulneráveis, como a população sem-abrigo. A falta de respostas do Estado foi ainda agravada pela eliminação de iniciativas comunitárias, quando estas entraram em conflito com as questões da financeirização da habitação. Veja-se, por exemplo, a expulsão da iniciativa de apoio Seara de um edifício que se encontrava vago, propriedade de um fundo imobiliário (Ascensão & Rodrigues, 2020).

Relativamente à medida ‘conservação e reabilitação do parque habitacional do IHRU’, o PEES estimou um investimento de 43 milhões de euros (embora apenas 7 milhões de euros em 2020) para financiar a reabilitação de 4000 habitações até 2024. Em primeiro lugar, mais uma vez temos de argumentar que esta medida dificilmente constitui uma resposta pandémica, uma vez que é um processo contínuo ancorado nas políticas existentes e responsabilidade do IHRU. Com um arranque lento, no final de 2020, o número de habitações renovadas (295) foi inferior ao de 2019 (421), afirma o relatório do Tribunal de Contas (2021, p. 27). Embora nunca tenha parado, o sector da construção não esteve imune ao impacto da pandemia com surtos de COVID-19 entre trabalhadores, falta de resposta aos concursos públicos de empreitada, entre outros contratempos, contribuindo para o não cumprimento da meta de 2020. No entanto, quando chegou a necessidade de fazer mais e mais depressa, o objetivo não foi alcançado.

A quinta e última medida, a ‘criação de um parque habitacional público de habitação a custos acessíveis’ é, de longe, a mais ambiciosa. A urgência em expandir o parque habitacional público é evidente, e a necessidade inicial de fazer um inventário claro do património imobiliário do Estado com aptidão para uso habitacional foi definida como uma primeira ação. A promoção de rendas acessíveis através de programas municipais começou, mas o Programa de Arrendamento Acessível (PAA) baseado na oferta de arrendamento de habitação a preços abaixo do mercado, provou não ser tão acessível à maioria dos pedidos (Travasso et al., 2020). Drago aponta ainda não ser possível a criação de oferta acessível e a manutenção do modelo de rentabilização da cidade que se fortaleceu nos últimos anos (2021, p. 61). Tal como a medida anterior, esta não é uma resposta pandémica, decorre sim da NGPH.

Em resumo, as medidas, leis e regulamentos criados para responder rapidamente ao impacto da pandemia levaram mais tempo do que o esperado, revelando algumas delas uma baixa taxa de execução. A medida mais diretamente dirigida a pessoas que habitam em precariedade habitacional, a ‘Bolsa Nacional de Alojamento Urgente e Housing First’ não foi operacionalizada de imediato, nem o parque habitacional público cresceu de forma significativa de modo a realojar condignamente as famílias que aguardam resposta. Uma avaliação crítica da resposta relativa ao setor da habitação revela desarticulação, concluindo que houve um ‘grau incipiente de implementação de medidas excecionais de política habitacional’ (Tribunal de Contas, 2021, p. 49).

3. As respostas pandémicas para a habitação precária

O quadro legal para combater o impacto da pandemia no sector da habitação foi sustentado principalmente por moratórias e empréstimos, adiando pagamentos ou outras medidas apresentadas na secção anterior, com lenta implementação em 2020, ou mesmo sem qualquer execução.

Esta secção clarifica que medidas, políticas e respostas de crise foram dadas, nomeadamente às mulheres que vivem em condição de precariedade habitacional em periferias urbanas. Por periferias urbanas, referimo-nos a lugares caracterizados pela precariedade, tanto em condições materiais da habitação como pelas circunstâncias socioeconómicas das pessoas que a habitam, num estado de insegurança persistente. Portanto, estas margens não são simplesmente um local periférico, mas principalmente uma relação subjetiva entre lugares.

Metodologicamente, esta secção será baseada nos resultados de um inquérito, cruzando os seus resultados com a análise das medidas disponíveis (ou não) para fazer face à pandemia, no que concerne a habitação, articulando o ponto anterior com a observação no terreno.

O inquérito, centrado nas condições da habitação, na pandemia e implicações nos hábitos quotidianos e nas tarefas do trabalho reprodutivo, teve como universo mulheres com mais de 18 anos de idade a viver em situação de precariedade habitacional. Foi privilegiada a interação física, sobretudo porque à maioria destas mulheres seria difícil chegar por vias digitais. Não é de menor importância que o projeto tenha aproveitado um período de desconfinamento e alívio significativo às limitações, possibilitando novamente a circulação livre e a participação em ajuntamentos (até então limitados a 10 pessoas), pelo que a aplicação do inquérito foi possível entre Agosto e Novembro de 2020.

Entrevistas aprofundadas complementaram o retrato da precariedade da habitação durante a pandemia, abarcando situações que o inquérito não conseguiu cobrir em profundidade, mapeadas em visitas exploratórias dentro e fora dos três bairros onde este foi aplicado. Nomeadamente: mulheres em situação de sem-abrigo, ou em situação de refúgio, mulheres mais velhas que vivem sozinhas, ou mulheres ciganas, mas também a duas técnicas de associações locais que trabalham com mulheres em condição de vulnerabilidade. As entrevistas traduziram-se num aprofundamento da avaliação das suas condições de vida, dos efeitos da pandemia, e das respostas que obtiveram, ou não, para ultrapassar as dificuldades.

Com o apoio de uma equipa multidisciplinar e apoio de organizações locais, a pesquisa centrou-se em três bairros localizados na Amadora, em Almada e em Lisboa. A escolha recaiu sobre três lugares que apresentassem: (i) diferentes níveis de precariedade habitacional; (ii) diferentes relações com a envolvente construída ao nível da inserção urbana; (iii) e diferentes níveis de organização comunitária. Deste modo, foram escolhidos dois bairros autoproduzidos, um com grande organização comunitária e consolidado na malha urbana (Cova da Moura) e outro, mais precário, de menor dimensão e com pouca mobilização entre os seus habitantes (Terras da Costa), contrapondo com um bairro municipal, habitado por muitas famílias em situação de vulnerabilidade social, difícil inserção urbana e mobilização social organizada em torno de associações que atuam no bairro em proximidade, mas são externas ao mesmo.

No Bairro da Cova da Moura (Amadora), o projeto abordou a densidade e as condições de habitação num bairro periférico autoconstruído há cinco décadas. Alojando cerca de 6000 pessoas, o bairro ergue-se maioritariamente em terreno privado o que tornou o seu processo de regularização e reconversão complexo e lento (Jorge & Carolino, 2019). Entre a narrativa mediática do bairro problemático e o reconhecimento de uma identidade própria (Horta, 2006), o bairro não deixa de representar o falhanço de políticas de habitação para comunidades pobres e racializadas com carências a nível da infraestrutura urbana e sem investimento na criação de espaço público qualificado.

No bairro das Terras da Costa (Almada), também autoconstruído, mas muito precário, sem água corrente ou saneamento adequado, a principal questão abordada foi a falta de meios para lidar com a pandemia. O bairro ocupa terrenos municipais classificados como Reserva Agrícola Nacional, e aguarda realojamento. Aloja sobretudo população de origem cabo-verdiana (cerca de 50 famílias), encontra-se isolado da malha urbana da Costa da Caparica e está votado à invisibilidade (Lages, 2017b).

Por fim, foram também inquiridas mulheres no bairro municipal Alfredo Bensaúde (Lisboa). Com cerca de mil habitantes, em 357 fogos municipais, distribuídos por 35 edifícios, o bairro situa-se na fronteira com o já demolido Bairro da Quinta da Vitória, onde parte dos habitantes viviam, alguns deles desde a década de 1960, num longo processo de realojamento (Cachado, 2008; 2011). A poucos dias de ser ordenado o primeiro confinamento total em Março de 2020, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) procedeu a desocupações no Alfredo Bensaúde, sem aviso prévio, a 11 famílias que ocupavam fogos no bairro, deixando cerca de 70 pessoas a dormir em carrinhas ou nos patamares dos prédios. O episódio não passou despercebido, trazendo para a esfera mediática a necessidade da suspensão imediata dos despejos, especificamente os despejos sem alternativa habitacional. Questões como os despejos e a sobrelotação foram levantadas a partir deste lugar, uma vez que este bairro aloja comunidades desfavorecidas, como destaque para um elevado número de famílias e pessoas ciganas.

Foram obtidos 232 inquéritos válidos, 15% do Bairro das Terras da Costa (Almada), 42% do Bairro Municipal Alfredo Bensaúde (Lisboa) e 43% do Bairro da Cova da Moura (Amadora). Estas 232 respostas equivalem a um universo familiar de 860 pessoas (quadro 1).

Quadro 1 Perfil das mulheres inquiridas 

3.1. Habitação precária: duas ausências, informação e resposta

O inquérito apontou dois tipos de ausências em relação à habitação precária: a falta de informação e a falta de resposta.

Para começar, os resultados indicaram que 41% das mulheres não tinham conhecimento de qualquer medida governamental relativa a questões de habitação em resposta à pandemia. Além disso, 51% especificaram que não precisariam, e a principal razão apontada foi a ausência de um contrato legal para provar o contrato de arrendamento, ou qualquer outro documento. Todas as respostas oficiais à pandemia foram concebidas para um quadro centrado no mercado de arrendamento formal.

A falta de resposta correlacionada com a falta de informação, como salientado acima, evidenciou também outro número significativo: 64% das mulheres inquiridas no Bairro das Terras da Costa e 75% das mulheres inquiridas na Cova da Moura nunca fizeram um pedido de habitação social, quer a nível municipal ou ao IHRU, durante ou antes da pandemia. Apesar de viverem num bairro sem água corrente ou saneamento como as Terras da Costa, ou na Cova da Moura onde os preços do arrendamento dispararam e os equipamentos urbanos são escassos, essas mulheres não exerceram o seu direito a uma habitação decente, a uma casa que possam pagar. Isto não significa que não façam parte das listas de pessoas a realojar, por vezes a avaliação das necessidades habitacionais é feita sem o conhecimento esclarecido dos habitantes, um processo longe de ser entendido como um direito humano, sem uma abordagem participativa e abrangente.

Destaca-se também a elevada incidência de arrendamento (69%), mostrando que áreas autoconstruídas como o Bairro das Terras da Costa, com cerca de 100 pessoas, ou o Bairro da Cova da Moura, com cerca de 6000, alojam uma grande percentagem de inquilinos, muitas vezes desprotegidos e mais vulneráveis a despejos e abusos em tempos pandémicos. É fundamental realçar o crescente domínio do arrendamento, situação que difere da génese de muitos bairros autoproduzidos, quando a maioria foi construída para habitação própria.

Para além do arrendamento, o inquérito mostrou que 30% se descrevem como proprietárias da sua casa, apesar de falarmos de situações onde a propriedade legal pode não existir formalmente: uma casa precária construída no Bairro das Terras da Costa, em terrenos municipais classificados como Reserva Agrícola Nacional, sem título de propriedade, remete para uma situação onde a perceção sobre a propriedade da casa é mais subjetiva do que jurídica. Relativamente às restantes mulheres inquiridas, 70% arrendam: 56% das quais em regime de renda apoiada em habitação social (Bairro Municipal de Alfredo Bensaúde) e as restantes 44% no mercado livre, sobretudo informal. Como vimos nas Terras da Costa e na Cova da Moura, a dinâmica social está particularmente relacionada com fenómenos migratórios, apresentando fluxos intercontinentais principalmente entre África e Portugal, mas também fluxos entre Portugal e a Europa, levando a uma circulação de inquilinos, onde o subarrendamento de partes da casa a ‘rendeiros’ ou a membros da família de acolhimento é uma prática comum.

Os resultados evidenciam questões sistematicamente ignoradas pelas políticas de habitação, como os padrões de mobilidade, uma constituição diversificada das famílias e de redes de solidariedade, entre outras formas de cohabitação, mostrando que a família heteronormativa vista como ‘típica’ não deve ser o modelo único e hegemónico.

Esta situação está expressa nos resultados do inquérito, que mostram que 56% dos agregados familiares têm uma composição distinta das formulações normativas (famílias monoparentais, mulheres que vivem com parceiros/as e filhos/as, ou mulheres que vivem em casal sem filhos/as ou sozinhas). Alugar a sala como um quarto extra é frequente, levando a espaços sobrelotados e à falta de privacidade. Tanto a necessidade de ter um rendimento extra para quem subaluga, como a possibilidade de conseguir pagar uma renda quando os preços estão demasiados elevados, foram razões descritas para subarrendar.

3.2. Habitar em precariedade: saúde e cuidados

Uma segunda parte do inquérito centrou-se especificamente na dimensão relacionada com a saúde, condições materiais da casa e COVID-19. 16% das mulheres inquiridas já tinham sido infetadas (até dezembro de 2020), e desse número, 92% passaram o período de isolamento em casa enquanto 8% foram hospitalizadas. A nossa amostra revelou que ninguém foi temporariamente transferido/a para outra casa, mesmo quando as condições para efetuar um isolamento seguindo as normas da DGS eram inexistentes ou muito deficientes. Esta situação está em linha com muitas outras, fora do contexto dos bairros precários, mostrando até que ponto as necessidades de isolamento foram difíceis ou mesmo impossíveis de cumprir, numa altura inicial ainda com pouca informação sobre os efeitos do vírus. Quanto à ajuda, 64% das pessoas infetadas destacaram o apoio prestado pelas associações locais, 51% apontaram a assistência da família e dos vizinhos, e a paróquia ajudou em 38% dos casos. O apoio de primeira linha dado a essas mulheres e suas famílias esteve relacionado com a entrega de alimentos, fornecimento de medicamentos, e apoio às necessidades da vida quotidiana como o pagamento de contas ou a gestão do trabalho escolar das crianças. Entrevistas com trabalhadoras das associações locais revelaram que o encerramento temporário ou permanente deixou serviços de apoio longe dos bairros e beneficiários. O modelo online não serviu estes casos. O vazio deixado foi ocupado por associações locais - formais ou informais, as quais apontaram ter tido dificuldade em responder.

“O impacto da pandemia ali no bairro foi enorme, não só porque desde uma fase muito inicial existiram imensas pessoas e famílias afetadas pela COVID, mas também porque as instituições que estavam presentes no território cumpriram à risca as indicações do Estado, ou seja, o espaço comunitário foi fechado, o café, que era o único espaço que havia no bairro, foi também fechado, e o próprio edifício da Gebalis foi fechado sem ter ali uma resposta. (...) E nós percebemos muito rapidamente que as pessoas iam sempre precisar de apoio. No nosso caso canalizámos os reforços para o apoio à população, que aconteceu basicamente sem um espaço físico, na rua e no contacto direto com as pessoas.” Entrevista, Técnica de associação local no Bairro Alfredo Bensaúde, Set. 2020.

Contrariamente à distribuição de bens, realizada com maior ou menor facilidade, a alteração das condições nas habitações não se mostrou exequível. A falta de condições materiais precede a pandemia, espelhando políticas habitacionais que não conseguiram pôr fim a situações habitacionais indignas. Estas carências e ausências revelam a habitação como determinante social da saúde, tanto para a COVID-19 como para a Síndrome do Edifício Doente (SED): 75% destacaram a deterioração da sua casa e 50% a má qualidade da construção, incluindo as mulheres que vivem em habitação social. Considerando o universo do inquérito, todas as mulheres nas Terras da Costa vivem em casas sem saneamento básico (15%) e 1% na Cova da Moura e Alfredo Bensaúde. No total, 2,5% vivem sem eletricidade, com 6 casos nos 3 bairros. Relativamente à água, todas as habitações das Terras da Costa não têm abastecimento adequado de água (15%) e apenas 1% na Cova da Moura e Alfredo Bensaúde.

Lavar as mãos frequentemente, fundamental para combater a COVID-19, mostrava-se, portanto, uma tarefa dificultada, embora a inexistência de água corrente retrate décadas de privação para algumas destas famílias. Muitas mulheres no Bairro das Terras da Costa (onde a água precisa de ser transportada) não assinalaram a lavagem das mãos como uma dificuldade. De facto, 62% dessas mulheres disseram que era ‘fácil’ ou ‘muito fácil’ lavar ou desinfetar frequentemente as mãos, marcando a experiência subjetiva da habitação, experiência que não deve ser ignorada no que diz respeito a melhorias ou realojamentos. Lidar com a escassez de água, marca o contexto do bairro e também o contexto de origem da maioria dos seus habitantes, cabo-verdianos. Quase todas as casas têm o seu contentor para armazenagem de água, uma gestão feita a partir de mangueiras ligadas às 3 torneiras do bairro em funcionamento na Cozinha Comunitária. A nota técnica sobre água, saneamento e higiene para a resposta à COVID-19 ‘em favelas e assentamentos urbanos informais’ (UN-Habitat & UNICEF, 2020), identifica claramente como áreas de alto risco as zonas urbanas sem água e sem infraestruturas de saneamento, às quais se deveria dar especial atenção, inclusivamente reforçar o acesso e a garantia de fornecimento, situação que não ocorreu nas Terras da Costa.

Verificou-se no terreno a distribuição de kits (sabonete/álcool gel, máscaras, luvas) principalmente por associações locais, com vista a mitigar condições deficitárias e evitar a propagação do vírus. Na amostra do inquérito efetuado nos bairros da Cova da Moura e Terras da Costa, 14% das casas têm quartos sem janelas, não assegurando condições regulamentares de ventilação natural, situação que potencia o aumento da propagação de vírus e outras patologias.

Nesse sentido, o inquérito também pesquisou questões de saúde para além da COVID-19. Uma lista de condições como obesidade, dependência do álcool, dependência de drogas, AVC, cancro, ataque cardíaco, entre outras, foram mapeadas. Metade das mulheres (51%) relataram problemas de saúde nos seus agregados, destacando-se quatro condições de saúde nas respostas dadas: depressão (37%), dificuldades respiratórias (38%), hipertensão (39%) e diabetes (41%). Entre estas, diabetes, dificuldades respiratórias e depressão, mostram valores muito acima das taxas de prevalência em Portugal: (i) a taxa de diabetes nacional é de 10-13% segundo o relatório do Programa Nacional de Diabetes de 2019; (ii) a taxa de depressão é de 12,2%, segundo dados do EUROSTAT para 2019; (iii) sendo que as doenças respiratórias afetam apenas 6,1% (asma) e 5.5% (doenças do trato respiratório inferior), segundo a mesma fonte do (EUROSTAT, 2019). Importaria compreender melhor estes números, sabendo antecipadamente que a indicação de depressão pode ter sido escolhida por representar tristeza, cansaço, stress, sem significar uma doença clínica. Ainda assim, os números são significativamente elevados. Reforça-se que as questões de saúde objetivaram relacionar condições de saúde e condições espaciais, durante a pandemia: confinar pessoas em casa apresenta um risco significativo de piorar condições de saúde prévias, seja porque as casas já estão a deixar as pessoas doentes, seja porque o nível de stress aumenta significativamente quando o espaço é reduzido e a convivência forçada.

Mais ainda: a casa nem sempre é um lugar seguro. O aumento da violência doméstica não conduziu ao aumento de queixas em Portugal durante o confinamento inicial, ao contrário de países como a Bélgica, Bulgária, França, Irlanda, Espanha ou Reino Unido. De facto, em Portugal assistiu-se a uma redução de 39% em relação ao mesmo período de 2019. Este facto salienta mais uma vez a importância da investigação continuada sobre habitação durante esta emergência sanitária nas suas múltiplas dimensões (Rogers & Power, 2020). Embora tenham sido criados mecanismos e linhas de apoio, confinar com a pessoa agressora tornou mais difícil e complexo o processo de rompimento com o ciclo de violência. Apesar do tema da violência doméstica não estar sob o âmbito direto da nossa investigação, tornou-se inevitável questionar se a pandemia tinha alterado este estado. O inquérito indica que os conflitos domésticos nas relações de intimidade ‘aumentaram ligeiramente’ (18%) ou ‘aumentaram muito’ (18%) entre Março e Setembro de 2020, sendo que este período inclui o primeiro confinamento inicial entre Março e Maio. Apenas para 2% das mulheres os conflitos se reduziram, sendo que se mantiveram iguais para 62%.

“Faço parte do grupo de cidadania [do bairro, no tema da violência doméstica] e vejo que a COVID trouxe muita coisa para além da doença. Trouxe esta entreajuda, mas também o conflito em casa. Aumentaram muito os casos de violência doméstica. E não é só na Cova da Moura. É em todo o lado.” Entrevista, habitante do Bairro da Cova da Moura, Out. 2020.

As mulheres foram também ainda mais sobrecarregadas com o aumento do trabalho de cuidados. Às perguntas ‘Quem costumava limpar a casa? Quem lavava a roupa? Quem cozinhava? Quem cuidava das crianças?', respetivamente 71%, 72%, 73%, 82% das mulheres referiram que eram as únicas responsáveis por essas tarefas. Em nenhuma situação as tarefas foram assumidas totalmente pelo/a parceiro/a. As tarefas foram partilhadas em 25%, 24%, 24%, e 16% dos casos, quer com o/a parceiro/a, quer com outros habitantes da casa. Esta assimetria em relação ao trabalho não remunerado agravou-se durante a pandemia, dificultada pelo bloqueio e encerramento de infantários e escolas. Acentuou-se a situação desigual vivida entre mulheres e homens, expressa na dificuldade de conciliar vida pessoal, familiar e profissional, atestada pela 1:45h diária que as mulheres portuguesas trabalham a mais, em média, de trabalho não remunerado (Perista et al., 2016). Por fim, a acumulação do trabalho reprodutivo e da preocupação com a situação de contágio foi também relatada como fonte de preocupação maioritariamente das mulheres: 44% respondeu que nem todos em casa tinham os mesmos cuidados:

“A mulher é que se preocupa se o marido leva a máscara, se o marido leva o desinfetante. A mulher é que continua preocupada se o filho leva a máscara, o desinfetante, se na escola está a um metro de distância do outro, como é que se está a portar… a mulher é que continua preocupada com isso. (...) E continua a acordar cedo com recomendações: Olha, não esquece da máscara. Olha que tens de usar a máscara. Continua sendo a mulher. Se está doente, a preocupação de levar ao médico é da mulher. A preocupação de cuidar dele é da mulher. Ele continua na descontra.” Entrevista a mulher que habita no Bairro da Cova da Moura.

3.3. Para além do inquérito: habitar em situação de refúgio e situação de sem-abrigo

Duas situações particulares que o inquérito não cobriu foram abordadas em entrevistas em profundidade: a situação de sem-abrigo e a situação de refúgio. Interessou compreender o recorte de género da vivência de mulheres à chegada da pandemia.

Uma mulher entrevistada em situação de sem-abrigo há oito anos, relatou o desconforto e a inadequação das instalações de emergência criadas no início da pandemia. Segundo ela não ofereciam segurança ou condições de higiene adequadas. Decidiu permanecer numa casa devoluta, que ocupou, sem eletricidade, sem água corrente ou esgotos.

“Nem para animais aquilo serve para viver lá dentro [os abrigos]. As pessoas vivem em condições desumanas: com percevejos, com piolhos, com tudo… Eu costumo dizer que para ali é onde mandam o resto do mundo. Há lá de tudo: tem pessoas boas, tem pessoas más, tem ladrões, tem bêbados, tem drogados, tem tudo. Há muita gente que prefere ficar na rua que ir. Eu também. (...) E o sistema fica: espera aí, uma mulher? Como não têm muitos sítios para enviar as mulheres, fica complicado. Se nós formos aqui de Lisboa, eles tentam-nos ajudar. Mas se não formos, eles tentam enviar-nos para o sítio de onde a gente era. Mas o sistema quando se depara com uma mulher fica aflito.” Entrevista, mulher em situação de sem-abrigo, Set. 2020

A mulher entrevistada considera que os abrigos não são desenhados para mulheres, que há falta de privacidade, espelhada no reduzido número de camas, por exemplo. Apesar do aumento das soluções propostas por lei, nomeadamente a criação de uma ‘Bolsa Nacional de Alojamento Urgente e Housing First’, a terceira medida do PEES e que não teve execução, as respostas têm sido pouco dignas, nem sempre incorporando as especificidades da vivência de mulheres em situação de sem-abrigo, a sua invisibilidade ou mesmo a relação com a maternidade (Nobre, 2021).

Também as mulheres refugiadas e as suas famílias se esforçam por encontrar ou manter um alojamento adequado. A 13 de Novembro de 2020, durante a ‘Iniciativa de Empoderamento das Mulheres em Situação de Refúgio’, dirigida pelo Fórum Refúgio Portugal, (que se apresenta como uma plataforma de diálogo e colaboração de associações de refugiados, academia, sociedade civil e instituições públicas ou privadas), as condições de alojamento estiveram em discussão. Se as suas vidas não eram fáceis antes da pandemia, tornou-se ainda mais complicado garantir condições de vida decentes com a chegada da COVID. O apoio inicial concedido pelo Estado português, em muitos dos casos com financiamento europeu ao abrigo de acordos e programas específicos, revelou-se incapaz para gerar estabilidade suficiente na maioria dos casos. Segundo o relatório para a integração dos refugiados em 2021 (Oliveira, 2021, p. 149) o alojamento surge como um desafio para 41% dos refugiados em phasing out do programa, com maior relevância em Lisboa, onde 53% afirmam não ter uma resposta habitacional após a conclusão do apoio inicial.

“Nos primeiros dois anos, sim. Eu tinha o apoio dos refugiados. Depois eles disseram para eu sair da casa. (...). Nós disse ‘sim’ porque o meu marido não gosta de problemas. Depois alugámos uma casa em Almeirim. Isso foi tudo o ano passado. Mas cada mês já não dá, já dinheiro não chega para os meus filhos. O ordenado que entra em casa não chega para pagar luz, água, internet, gás, alimentação. Nós não tem a ajuda de ninguém.” -Entrevista, mulher em situação de refúgio (a viver em parte de casa emprestada), Out. 2020.

Essa estabilidade é ameaçada pela insegurança laboral dado que os seus empregos são maioritariamente mal pagos e precários. Foram também abordadas questões culturais: o papel das mulheres no mercado de trabalho, por exemplo, onde o papel de cuidadora difere de outros contextos, foi expresso pela mulher síria entrevistada. A casa emprestada onde vivia, permitiu que conseguisse assegurar uma habitação digna para os seus três filhos menores. No entanto, a incerteza relativamente ao futuro levou-a a afirmar que ‘a habitação era uma questão ainda por resolver em Portugal’.

4. Avaliação das medidas pandémicas no sector da habitação

O esforço legislativo feito para criar medidas extraordinárias não foi seguido pela implementação de soluções que pudessem mitigar os efeitos da pandemia, quer pela melhoria prioritária das condições habitacionais em bairros precários, quer pela resolução do problema através do realojamento. Ainda relativamente aos programas, a opção foi claramente criar novos enquadramentos, necessariamente mais lentos a implementar ou prosseguir com programas em curso que não são necessariamente de ‘combate à pandemia’, como o Programa de Arrendamento Acessível ou as melhorias do património do IRHU.

Uma possível reação imediata poderia ter sido a inclusão do programa habitacional ‘Porta de Entrada’ - Programa de Apoio ao Alojamento Urgente, (Decreto-Lei n.º 29/2018), já em vigor e planeado para financiar soluções habitacionais para alojamento temporário e/ou residência permanente, a pessoas que foram privadas das suas casas (ou em risco iminente de o serem) devido a circunstâncias imprevisíveis ou excecionais, nomeadamente catástrofes naturais (inundações, terramotos, incêndios). Não é uma pandemia uma circunstância excecional? Aparentemente não.

Outra questão emerge do peso excessivo dos procedimentos burocráticos/normativos, que colidem com a informalidade dos contratos de arrendamento em bairros precários. A falta de recibos de renda ou outros documentos formais, mas também a ausência de outros documentos legais, manteve residentes em dificuldades longe da ajuda do Estado. A par da informalidade, o desconhecimento das medidas afastou, logo numa primeira instância, muitas mulheres e suas famílias. Teria sido importante a tradução destas medidas para uma linguagem clara e que pudesse chegar aos lugares onde estas pessoas vivem, indo ao encontro das suas necessidades.

Este artigo foca-se na experiência de mulheres e verifica-se que as medidas no campo da habitação propostas para fazer face à pandemia, em 2020, não tiveram uma abordagem de género. É certo que atenção foi dada à violência doméstica, com linhas de apoio e reforço das respostas, reconhece que a violência estrutural contra as mulheres deve ter respostas específicas, mas outro tipo de carências habitacionais não obteve solução distinta. Ao contrário de diferentes geografias, do Norte Global à América Latina (Bowlby & Jupp, 2021; Falú, 2020; Parker & Leviten-Reid, 2022), onde estes questionamentos foram feitos à medida que se compreendiam as implicações espaciais de viver em precaridade e ser mulher durante uma pandemia, não se fez no contexto português uma integração sistemática de medidas e prioridades.

Como apontado por Horelli (2017), seguindo os exemplos de planeamento urbano e provisão de habitação de Viena, planeamento urbano em Barcelona com orçamento sensível ao género ou auto-organização em matéria de planeamento urbano e habitação em Helsínquia, existem propostas válidas com mais de 30 anos de experiência no contexto europeu. Por conseguinte, e perspetivando o futuro pós-pandémico, são necessárias abordagens sensíveis ao género, inclusivas e sustentáveis. Diferentes soluções habitacionais exigem respostas diversas, reforçadas por uma participação efetiva de grupos normalmente afastados das questões urbanas, como mulheres, comunidades racializadas, ou minorias estigmatizadas.

5. Notas conclusivas

A COVID-19 expôs as desigualdades pré-existentes em todas as dimensões e a habitação não foi exceção. A pandemia sublinhou o facto da extrema precariedade e falta de infraestruturas básicas continuar a ser um problema em Portugal, a par do fenómeno da sobrelotação. Neste contexto, apresentou-se um conjunto de situações precárias a partir da vivência de mulheres, questionando a oferta de habitação a certos grupos sociais marcados pela exclusão social (migrantes, refugiados, pobres urbanos), ao mesmo tempo que se compararam as soluções desenvolvidas para fazer face à pandemia por parte do poder público. As avaliações feitas às medidas dirigidas ao sector da habitação exprimem desarticulação e um baixo grau de implementação em 2020, ano do choque inicial, mas também o ano em que teria sido importante uma resposta estruturada e eficaz.

Como ficou demonstrado, as populações mais vulneráveis e marginalizadas foram muitas vezes impedidas de receber apoio, moldados pela sua ‘informalidade’, e as suas condições de vida não foram melhoradas, foram inclusive agravadas pelo confinamento e perda de rendimento.

Esta pesquisa sublinhou que as políticas de habitação em Portugal são geralmente pouco atentas do ponto de vista do género, não reconhecendo respostas específicas para as mulheres. As mulheres partem de uma posição de desigualdade, uma vez que trabalham mais, ganham menos e encabeçam a maioria das famílias monoparentais. É relevante articular políticas de habitação com a problematização de papéis de género e hierarquias de violência estrutural para poder quebrar o ciclo de vulnerabilidades que leva as mulheres à pobreza e, inevitavelmente, à precariedade habitacional. É também significativo reconhecer que, no que diz respeito a outros marcadores sociais, as mulheres racializadas, e suas famílias, têm tido um caminho muito mais dificultado para viver numa casa decente.

Financiamento

Este artigo foi realizado no âmbito do projeto 'Como ficar em casa? Intervenções imediatas no combate à transmissão da COVID-19 em bairros precários da AML', financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), em articulação com a Secretaria de Estado para a Cidadania e a Igualdade, na linha GENDER RESEARCH 4 COVID-19.

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Recebido: 28 de Fevereiro de 2022; Aceito: 28 de Outubro de 2022

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