1. Introdução
No campo da geografia econômica, entende-se por resiliência a capacidade permanente de um território de conceber e implantar novos recursos e capacidades, que lhe permitam adaptar-se favoravelmente à dinâmica de transformação, impulsionada pelas mudanças do ambiente. Martin (2012), Boschma (2015), Boschma e Pinto (2015) ampliam o conceito, apresentando a resiliência regional evolucionária, afirmando que se pode pensar nela como evolução, como um ciclo, onde pode-se abordar a capacidade de longo prazo das regiões ao desenvolverem novas trajetórias de crescimento, numa perspectiva de evolução do sistema, não somente focando em absorção pontual de choques específicos, mas também valendo-se das estruturas e dos potenciais já existentes. Isso fica evidente quando os autores reforçam a ideia de que, tornando-se resilientes, as regiões também teriam maiores possibilidades de desenvolverem-se econômica e socialmente. Boschma e Pinto (2015) reforçam isso ao citar que, na geografia econômica evolucionária, foca-se na capacidade de longo prazo dos territórios de reconfigurarem suas estruturas socioeconômicas e desenvolverem novos caminhos de crescimento. Ou seja, estudar o processo de resiliência regional é fazer uma análise dinâmica de uma região, sendo esta definição de resiliência adotada nesta pesquisa.
Assim, esse artigo apresenta como objetivo analisar o Vale do Paranhana/RS, região localizada no Rio Grande Sul (RS), sul do Brasil, nos últimos vinte anos a respeito da sua dinâmica socioeconômica e como se caracteriza a resiliência da região (bem como se pode observar resiliência ao longo do tempo). O problema de pesquisa a ser respondido é: “Como se caracteriza a resiliência regional no Vale do Paranhana?” e, para tanto, busca-se caracterizar o Vale do Paranhana/RS em relação à dinâmica do volume populacional, Produto Interno Bruto (PIB), emprego, principais atividades econômicas, educação e desenvolvimento humano, comparar dados estatísticos secundários provenientes de bases oficiais entre os municípios que a compõem em relação ao Rio Grande do Sul e analisar se a região tem demonstrado resiliência no período selecionado.
A relevância para analisar resiliência nesta região encontra-se no fato de que ela possui especialidade na produção de calçados (Morais, 2012; Galvão, 1999) e vem ocorrendo uma modificação no mercado mundial deste segmento com mais intensidade nos últimos anos com a concorrência do produto chinês. Tal situação caracteriza-se, não somente por uma concorrência ao calçado brasileiro no mercado externo, mas também, no mercado interno. As análises indicam que a forte concorrência neste setor produtivo é advinda da China e de outros países asiáticos (Abicalçados, 2021). Adiciona-se a este choque externo a intensa crise econômica que o Brasil tem passado desde 2005 (Carvalho, 2018; 2020) e o processo de desindustrialização nacional, considerado precoce e prejudicial à atividade econômica e à estrutura industrial e tecnológica do país (Hiratuka & Sarti, 2017). Esse choque de diferentes dimensões afetou muitas regiões especializadas na produção de calçados, dentre elas a do Vale do Paranhana no RS. É neste contexto que será feita uma análise da resiliência regional desta região, acometida pelo que está sendo entendido como uma crise estrutural. A contribuição teórica e empírica do trabalho consiste em analisar uma região com especialização produtiva de um país periférico, uma vez que a ampla maioria dos estudos existentes é conduzida em contextos distintos do que se encontra num território com essas características. Estudos previamente consultados focam em regiões europeias ou norte-americanas tratando de temas como resiliência na União Europeia no pós-crise 2008, emergência de novas indústrias, especialização inteligente na União Europeia e interesse acadêmico nos EUA. Tal perspectiva pode contribuir no entendimento e compreensão dos processos de construção de resiliência em diferentes territórios, de diferentes maneiras, onde não há um padrão específico definido e as características de cada região importam e diferenciam os resultados obtidos (Hassink, 2010).
O restante deste artigo apresenta, na seção I, a revisão de literatura, focando nos conceitos de resiliência regional. De seguida, a seção II apresenta informações e evidências que ajudam a contextualizar o Vale do Paranhana e, continuando, a seção III apresenta os procedimentos metodológicos. Os resultados da pesquisa foram organizados nos dois capítulos posteriores, onde trata-se do caso da região do Vale do Paranhana/RS e sua trajetória, contando com a análise de dados secundários da região. Na sequência, na seção VI, discute-se os dados levantados e, por fim, a seção de considerações finais encerra o estudo.
2. Resiliência regional
Resiliência pode ser definida como a capacidade de um território de conceber e implantar novos recursos e capacidades que lhe permitam adaptar-se favoravelmente à dinâmica de transformação impulsionada pelas mudanças do ambiente. Pode-se afirmar que o território desenvolve uma resiliência dinâmica caracterizada pela capacidade de adaptação e aprendizado de longo prazo diante de mudanças externas e/ou internas. A resiliência pode se desenvolver em três tipos: a) 'resiliência de engenharia', que significa o 'retorno' de um sistema após um choque na sua estado ou caminho pré-existente; b) 'resiliência ecológica', significando a capacidade do sistema de absorver o choque sem alterar sua estrutura, identidade e função, mas em um estado ou caminho alternativo e; c) 'resiliência adaptativa’, envolvendo alguma transformação estrutural e operacional em várias escalas e prazos, para que o sistema 'avance' para um caminho renovado e reajustado, e que deriva da teoria de sistemas adaptativos complexos (Simmie & Martin, 2010; Pendall et al., 2010; Pike et al., 2010; Hassink, 2010; Evenhuis, 2017; González-Muzzio, 2013). Outro viés proposto consiste na resiliência regional evolucionária (Boschma, 2015).
A introdução do pensamento evolucionário no que tange à resiliência regional se fundamenta na história e geografia dos lugares, reconhecendo a importância das especificidades locais para explicar como a organização espacial da produção, distribuição e consumo são transformados ao longo do tempo e permitindo compreender como as regiões desenvolvem novas trajetórias de crescimento, já que estruturas industriais, de rede e institucionais existentes nas regiões oferecem oportunidades, mas também estabelecem limites ao processo de diversificação e desenvolvimento de novas perspectivas (Simmie & Martin, 2010; Martin, 2012; Boschma, 2015; Martin & Sunley, 2015; Bristow & Healy, 2018). Assim, algumas características são latentes e influenciam a capacidade de resiliência das regiões, como as capacidades dos atores e das redes, especialização produtiva e da variedade relacionada, das dependências de trajetória e de lock-in, das arquiteturas institucionais específicas e de capital social, serviços sistêmicos ou a capacidade de inovação de um território (Christopherson, Michie e Tyler, 2010; Pinto, 2016). A Figura 1 auxilia na compreensão dos fatores que contribuem para a resiliência regional.
Partindo das Figura 1, na resiliência regional evolucionária, deve-se pensar em empresas e indústrias, nas políticas de desenvolvimento local e regional e, num sentido mais amplo, o modo como as mudanças ambientais, as condições hierárquicas, as redes de relacionamento e a inovação, afetam o dinamismo e a adaptabilidade das economias regionais. Relevante também é compreender que medidas devem ser tomadas para auxiliar na adaptação econômica regional. Esses conceitos podem, potencialmente, explicar porque algumas economias regionais perdem dinamismo e outras não (Martin & Sunley, 2015; Plechero, Kulkarni, Chaminade & Parthasarathy, 2020, Pinto, 2016; 2020).
Diante da existência de diferentes fatores que contribuem para a resiliência regional, além da própria fluidez do termo, faz-se necessária a discussão sobre como pode ser operacionalizada a avaliação da resiliência de um território, uma vez que autores diferentes empregam definições distintas para resiliência regional, sendo que ainda não existe uma metodologia plenamente aceita sobre como o conceito deve ser operacionalizado e medido empiricamente (Martin & Sunley, 2015; Courvisanos, Ameeta & Mardaneh, 2015). Trabalhos que abordam a temática preconizam que o estudo da resiliência requer a especificação de um estado ou caminho significativo de «referência» em relação ao qual o impacto de um choque pode ser medido e a recuperação desse choque podem ser analisadas (Sensier, Bristow & Healy, 2016). Pendall et al. (2010) também reforçam que, num contexto de análise de resiliência de um território, não se pode levar em conta períodos isolados ou comparações focadas em poucos períodos, sendo que a região pode ser considerada resiliente se, caracterizando-se o desafio que ela enfrentou e sua reação, apresentou manutenção ou melhoria de seus indicadores.
Martin e Sunley (2015) ressaltam que existem diferentes maneiras possíveis de medir o grau e a 'forma' da resiliência de uma região a um choque econômico e, para tanto, podem ser encontradas na literatura diferentes abordagens metodológicas para essa questão. Por exemplo, Duschl (2016) cita que as tentativas empíricas de medir a resiliência regional geralmente analisam mudanças em algum indicador regional, como taxa de desemprego, nível de emprego ou renda, para avaliar o impacto de um choque externo, no caminho de crescimento de uma economia regional. Os estudos conduzidos por Hu e Yang (2019), Grunsven e Hutchinson (2017), e Plechero et al. (2020) corroboram a análise de Duschl (2016), uma vez que seus autores, além se valerem de dados secundários relacionados a fatores como emprego/desemprego, PIB, renda, entre outros, conduzem, como forma de dar maior robustez às pesquisas, entrevistas com diferentes atores regionais, análises de dados documentais, como planos e políticas regionais/municipais de desenvolvimento, para conseguir trazer à luz trabalhos que consigam captar a realidade através do uso de diferentes fatores.
Matte Jr., Ruffoni e Spricigo (2021), analisando trabalhos que estudam a resiliência regional, evidenciam que a combinação de fontes de informações e de indicadores captados contribuem para auxiliar no estudo da resiliência das regiões. Por exemplo, com frequência se encontram combinações de procedimentos metodológicos mistos, como estudo de caso, realização de entrevistas com atores regionais e utilização de dados secundários, como nível de emprego/desemprego, renda, PIB, entre outros, além de análises documentais e avaliação de estratégias regionais formuladas pelos gestores. Em suma, conforme relatado por diferentes autores, Boschma (2015), Martin e Sunley (2015) e Pinto (2020) não há uma maneira ou metodologia exata ou única para se auferir resiliência regional, onde o pesquisador deve especificar adequadamente o caminho e métodos escolhidos no estudo que conduzir.
A Figura 2 busca traduzir as escolhas que podem ser realizadas pelo pesquisador e que se evidenciam após análise da literatura, bem como dos métodos empregados, utilizando-se abordagens mistas, com possibilidade de uso de dados secundários, comparações com outros estudos realizados, análises de planos e estratégias regionais, entre outros. A variação nas possibilidades de métodos que podem ser empregados se dá uma vez que o conceito de resiliência é fluído.
3. Procedimentos metodológicos
Optou-se pelo método misto com a finalidade de realizar uma análise abrangente do problema da pesquisa, como defendido por autores como Nefke, Henning e Boschma (2011) em estudos sobre resiliência regional. Também, a pesquisa baseou-se em um estudo de caso, uma vez que incide sobre os diferentes municípios que compõem o Vale do Paranhana/RS. Ainda, caracteriza-se como um estudo descritivo. Hu e Yang (2019) citam que o estudo de caso é o método mais apropriado para estudar o desenvolvimento de trajetórias regionais de resiliência evolucionária.
Duas etapas contemplaram a pesquisa, sendo a) descrição da crise estrutural pela qual passa a região e b) análise de dados secundários do Vale do Paranhana. Buscou-se a utilização de dados dos últimos 20 anos, quando possível, dependendo da disponibilidade destes. Destaca-se que foram quatro os elementos para análise da resiliência regional: a) manutenção ou crescimento do PIB, PIB per capita regional, b) manutenção ou crescimento de empregos formais e estabelecimentos c) análise da manutenção ou evolução da escolaridade da mão de obra empregada e d) análise da manutenção ou evolução do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM). Em suma, quanto mais constante, num sentido de continuidade, uma progressão, se mostrarem os crescimentos em termos de PIB, PIB per capita e emprego, mais resiliente, do ponto de vista evolucionário, a região mostra ser.
Para análise de dados secundários, foram utilizadas informações de bases como a da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) e outras bases disponíveis no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), visando a construção de uma base comum de informações com múltiplas variáveis, a partir de estatísticas oficiais. A investigação se deu através da organização, apresentação e posterior descrição destes, buscando identificar como a trajetória da região têm variado no período selecionado e se ela tem demonstrado ser resiliente (quanto mais constante se mostrarem os crescimentos em termos de PIB/PIB per capita, qualificação profissional e emprego/estabelecimentos, qualidade de vida, mais resiliente, do ponto de vista evolucionário, a região se demonstra). Depois de realizada a etapa de coleta de dados, fez-se necessário o uso da estatística descritiva, objetivando organizar os dados coletados e facilitar a compreensão destes.
4. O Vale do Paranhana/RS
O Vale do Paranhana, no Rio Grande do Sul, é formado pelos municípios de Três Coroas, Igrejinha, Parobé, Taquara, Rolante e Riozinho, tendo seu nome proveniente do rio Paranhana, que banha os municípios da região (FAMURS, 2021). A Figura 3 retrata a disposição geográfica dos municípios que compõem a região.
A Tabela 1 apresenta a estatística da população de cada município em 2020, a densidade demográfica e a área dos municípios, facilitando a compreensão sobre a geografia. Para fins de referência, são trazidos dados de Porto Alegre, a capital do Rio Grande do Sul, Canoas, Caxias do Sul e Novo Hamburgo, municípios do estado com expressiva atividade industrial (no caso de Caxias do Sul e Novo Hamburgo) e expressão geográfica (caso de Porto Alegre, capital do Estado e Canoas, cidade vizinha).
Sua economia é, de acordo com a Secretaria Estadual do Planejamento, Mobilidade e Desenvolvimento Regional (2015), baseada essencialmente na indústria da transformação, especialmente a calçadista. Embora disponha de atividades diversificadas, proporcionadas por empresas de pequeno e médio porte e pelo comércio varejista, a maior parcela de renda e dos empregos é gerada pelo setor coureiro-calçadista, contando com empresas como Calçados Beira-Rio, Piccadilly, Usaflex e Bibi, fundadas em 1975, 1955, 1998 e 1949, respectivamente. A importância da cadeia coureiro-calçadista também é perceptível, conforme dados também da Secretaria Estadual citada anteriormente, no que se refere ao pessoal ocupado no Vale do Paranhana, onde mais de 60% atuam junto à indústria. Esses dados indicam uma participação consideravelmente superior da Indústria em relação à média estadual, o que reflete a base industrial do Paranhana intensiva em empregos, devido à participação dos segmentos calçadista, bebidas e de produtos alimentícios. Ainda, a especialização da região pode ser atestada pelas características do Vale do Paranhana, bem como pelo seu histórico, colonização e desenvolvimento das atividades produtivas a partir dos primeiros moradores (Morais, 2012).
Tratando sobre sua história e colonização da região, têm-se como principal fato a vinda de imigrantes alemães, que se identificavam principalmente como a produção agropecuária e industrialização derivada do calçado, sendo essa uma marca da região (Morais, 2012). Os primeiros colonizadores eram provenientes da região do Hunsrück, na divisa com a França. Em 1855 o vale já abrigava cerca de 400 famílias que se dedicavam especialmente a agricultura e agropecuária, mas frisa-se que alguns dos imigrantes já possuíam conhecimento sobre o fabrico de sapatos, chinelos e tamancos, dando início a um pequeno nicho de produção de calçados sob encomenda. A partir da década de 1940, com a diminuição das exportações de piretro, a região passou a dedicar-se a fabricação de arreios e calçados (Galvão, 1999).
Os anos posteriores foram marcados pelo surgimento de pequenas fábricas de calçados, como a Piccadilly, que foi fundada em 1955, Azaléia, fundada em 1952, e Bibi, fundada em 1949, além de pequenos atelieres, que permitiram a expansão da atividade nas décadas de 1950 e 1960. A fabricação de calçados proporcionou, a partir de 1970, o deslocamento populacional das zonas rurais para as urbanas, sendo que nessa década aproximadamente 68% da população da região já estava residindo na zona urbana dos municípios do Vale do Paranhana, o que proporcionou uma alavancagem no setor coureiro-calçadista, sendo os moradores atraídos pela oferta de empregos e fatores como educação, saúde e infraestrutura (Morais, 2012). No Vale do Paranhana, a maior diferença entre população urbana e rural concentra-se nos municípios em que a atividade industrial desenvolveu-se intensamente, principalmente no âmbito coureiro-calçadista, citando-se em especial as cidades de Igrejinha, Parobé e Três Coroas, o que pode ser atestado pelo fato de que uma das principais características do setor é a necessidade de um alto grau de processos, o que acaba gerando significativo volume de mão de obra necessária (Galvão, 1999).
A expansão do setor coureiro-calçadista no Vale se deu de maneira concomitante ao crescimento desse setor em regiões próximas, além de aproveitar-se de questões estruturais, como o encarecimento da mão de obra, especialmente na década de 1980, em municípios como Novo Hamburgo e São Leopoldo, o que fez com que diversas empresas expandissem seus negócios e estabelecessem filiais na maioria das cidades que posteriormente (já que algumas delas tiveram emancipação nas décadas de 1960, 1970) viriam a incorporar o Vale do Paranhana, frisando-se também o surgimento de grandes indústrias locais, principalmente nas cidades de Igrejinha, Três Coroas, Taquara e Parobé (Galvão, 1999) e, dessa forma, o setor industrial passou a ser o centro gerador de renda. A disponibilidade de mão de obra foi um fator motivador à instalação de um número significativo de indústrias na região.
Além da indústria, o comércio varejista se desenvolveu durante a década de 1990, derivado principalmente da atividade coureiro-calçadista, destacando-se lojas e comércios localizados às margens da rodovia que liga o Vale do Paranhana às cidades de Gramado, Canela e Nova Petrópolis, caracterizadas pelo intenso turismo (Galvão, 1999). Também cresceram empresas ligadas ao setor de papel e de papelão, produtoras de embalagens para os calçados, além de indústrias ligadas ao setor metalomecânico, de apoio ao setor calçadista. Trata-se de um setor com efeito importante de multiplicação sobre os setores de plásticos, metais, químico, entre outros (Morais, 2012).
Contextualizando o cenário econômico da região, é importante resgatar dados e informações sobre a produção de calçados, atividade preponderante no Vale do Paranhana. A cadeia coureiro-calçadista possui grande importância para o Brasil, e, conforme dados apresentados pela Associação Brasileira das Indústrias de Calçados - Abicalçados (2021), o país é um dos maiores fabricantes globais de calçados. Porém, as dificuldades enfrentadas pelo setor coureiro-calçadista nos últimos 20 anos, decorrentes principalmente da globalização e da concorrência em nível mundial no campo das exportações, em grande parte devido à grande redução dos custos de produção obtida pelos países asiáticos e os períodos de valorização do câmbio (o que diminui a competitividade dos calçados brasileiros), tiveram um forte impacto no setor calçadista da região dos Vales do Rio dos Sinos e do Paranhana, resultando no fechamento de empresas e na extinção de postos de trabalho (Matte Jr., Morais e Sellito, 2016). Segundo Calandro e Campos (2013), as maiores perdas ocorreram nos municípios onde a estrutura industrial era concentrada na atividade coureiro calçadista, enfrentando problemas em relação à crise no setor, resultando em desemprego e em impacto na renda da população. Essas mudanças na configuração dos mercados exigiram que as empresas que decidiram permanecer com suas operações buscassem diferentes estratégias a partir dos anos 2000, destoassem unicamente da disputa em preços, focando especialmente na diferenciação através de características como design, conforto, funcionalidade e manufatura de produtos com alto valor agregado, além de um aumento relativo da importância da qualidade, e dos prazos de entrega como determinante da competitividade do setor. Nota-se, através da trajetória da região, os diferentes estágios e momentos pelas quais passou e tem passado. Assim, a partir de estratégias que focam na diferenciação e agregação de valor, a necessidade constante de inovação e pesquisa e desenvolvimento fica nítida nesse sentido, o que reflete diretamente no desenvolvimento do Vale do Paranhana.
5. Os indicadores do Vale do Paranhana/RS
Para a condução do estudo foi realizada a construção de base de dados com múltiplas variáveis a partir de informações estatísticas oficiais disponíveis (alguns períodos não se encontravam à disposição), uso de informações da RAIS e IBGE. O esforço investigativo se deu através da organização, apresentação e posterior descrição destes, buscando identificar como a trajetória da região têm variado no período selecionado e se ela tem demonstrado ser resiliente. Realizando-se a análise de dados provenientes de bases oficiais, valendo-se de dados de 2000 a 2019, destacam-se que foram quatro os elementos para análise: a) manutenção ou crescimento do PIB, PIB per capita regional, b) manutenção ou crescimento de empregos formais e estabelecimentos c) análise da manutenção ou evolução da escolaridade da mão de obra empregada e d) análise da manutenção ou evolução do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM).
Em relação ao PIB do Vale do Paranhana, utilizando dados disponíveis no IBGE Cidades (compreendendo a série de 2000 a 2018) e normalizados em relação a Janeiro de 2020, pôde-se notar que este cresceu significativamente no período pesquisado. Especialmente a partir de 2010, pôde-se notar um incremento significativo, onde avalia-se que, por exemplo, o PIB cresce cerca de 51% de 2009 para 2010, mantendo-se em crescimento constante até o final da série, no ano de 2018, com especial destaque para Três Coroas (crescimento de 63,62%), Igrejinha (56,58%) e Parobé (49,13%). Através do Gráfico 1 é possível verificar a evolução do PIB regional. Os maiores PIBs da região correspondem aos municípios de Igrejinha, Taquara e Parobé, respectivamente que, juntos, representam mais de 72% no PIB naquela região.
Por outro lado, a partir dos dados disponíveis na base IBGE Cidades, o comportamento do PIB per capita demonstra as diferentes realidades em que os municípios do Vale do Paranhana/RS se encontram. Por exemplo, como pode ser verificado no Gráfico 2, Três Coroas sofreu com um impacto negativo, onde o PIB per capita teve redução de 30%, de 2010 a 2018. O maior PIB per capita da região se concentra em Igrejinha que, no período verificado, se manteve estável até 2015, contando com redução significativa a partir de 2016. Este comportamento também é verificado nos demais municípios. Nos outros municípios, as reduções, bem como os incrementos, foram mais tímidas, exceto o caso de Rolante, onde o PIB per capita cresceu 19% no mesmo período. Municípios como Riozinho e Taquara, praticamente não apresentaram variação, ficando abaixo de 1%. Igrejinha e Parobé, por sua vez, tiveram redução no PIB per capita de 3,67% e 6,5%, o que denota um quadro de dificuldades em termos de resiliência para a população do Vale do Paranhana. Apesar do PIB regional ter uma trajetória ascendente, quando avaliado o PIB per capita, a realidade demonstra-se outra, onde, avaliando-se o total da região, este retraiu 6,55% considerando dados de 2010 e 2018.
As características verificadas no PIB per capita, que denotam evolução até 2014 e após isso involução, são reforçadas pelos dados que versam sobre número de estabelecimentos produtivos e comerciais do Vale do Paranhana, bem como empregos formais. A partir de agora, a base de dados será a RAIS, considerando empregos formais e estabelecimentos no mercado de trabalho.
Considerando estabelecimentos e empregos formais, foram analisados dados de 2000 a 2019 e se verificou, por exemplo, redução significativa no número de estabelecimentos, conforme o Gráfico 3. O crescimento do número de estabelecimentos foi constante até 2014. Após esse ano (2014), que foi o pico do número de estabelecimentos na série analisada, verifica-se o início de uma redução constante, tanto é que os números de 2019 se aproximam aos anos de 2008 e 2009, revelando-se uma retração bastante proeminente. A redução no número de estabelecimentos entre o pico, em 2014, e o ano de 2019, foi de quase 20%.
Comportamento similar pode ser verificado no que tange o volume de postos de trabalho do Vale do Paranhana entre 2000 e 2019, dados também obtidos na base da RAIS, valendo-se de vínculos ativos. Demonstra-se crescimento constante até 2014, salientando-se por exemplo a variação positiva entre 2009 e 2010, onde houve um salto significativo. A constância se mantém até 2013, chegando aos 60.563 postos de trabalho formais. A partir de 2014, as reduções mostraram-se constantes, onde igualmente os números de 2019 são similares aos verificados nos anos de 2008 e 2009. A redução, entre 2013 e 2019, foi de 11,37%. O Gráfico 3 auxilia na compreensão da variação dos empregos formais no período analisado, trazendo o volume de empregos formais em 2000 a 2019, facilitando o entendimento da trajetória de empregos do Vale do Paranhana.
Ao se analisar a série que trata de dados de estabelecimentos e a série de dados de número de trabalhadores empregados do Vale do Paranhana/RS, demonstram convergência. Em outras palavras, têm-se o mesmo cenário de crescimento até 2013-2014, e estagnação ou queda a partir de então.
A redução de postos de trabalho apresentada pela região a partir de 2014, onde foram utilizados vínculos ativos como base, merece maior aprofundamento. Por exemplo, nota-se redução no número de postos de trabalho ligados à indústria (ou seja, essencialmente a indústria calçadista, que se apresenta no Vale), chegando à redução de aproximadamente 26% no período entre 2010 e 2019. Outras atividades, como fabricação de produtos de metal exceto máquinas e equipamentos, fabricação de outros equipamentos de transporte, fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos, metalurgia básica, entre outros, também tiveram redução, aproximando-se de 15% no mesmo período. Esta leitura reforça que a indústria do Vale do Paranhana tem enfrentado dificuldades nos últimos anos, exatamente porque as maiores baixas se deram a partir de 2013 e 2014. Considerando que 54% do total de postos de trabalho do Vale do Paranhana se concentrava na indústria, em 2019, o cenário demonstra-se complexo.
Por outro lado, atividades ligadas a comércio e a serviços e construção civil, têm crescido aproximadamente 19% e 32%, respectivamente, entre 2010 e 2019. O volume dessas atividades é menor se comparado com os números da indústria, sem possibilidades de suprir (e minimamente manter os postos de trabalho anteriormente existentes), as baixas geradas pelo segmento industrial. O dado que demonstra isso é a proporção significativamente menor em relação ao total de empregos da região, por exemplo, comércio e serviços representam cerca de 26% do volume de empregos, enquanto a construção civil não chega a 3%. O Gráfico 4 demonstra com clareza a variação entre os diferentes segmentos analisados em períodos distintos.
Após esse olhar geral sobre o emprego e atividades econômicas do Vale, cabe uma análise da principal indústria da região. Analisou-se então unicamente, dentro da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), o código de Preparação de Couros e Fabricação de Artefatos de Couro, Artigos para Viagem e Calçados, na estrutura de divisão, a partir da plataforma da RAIS. Este código foi escolhido de forma individual pois representa a atividade predominante e historicamente reconhecida do Vale do Paranhana, em relação ao Rio Grande do Sul.
Pode-se averiguar que, tanto na região como no Estado, os vínculos desse código de atividade têm diminuído. Também se nota a redução na proporção da participação do Vale do Paranhana na indústria calçadista gaúcha, passando de 24% em 2010 para pouco mais de 22% em 2019, reduzindo, em termos de vínculos, 11.287. Em todo o RS foram extintos 38.921 vínculos neste código, e, deste total, 29% dos postos de trabalho corresponderam ao Vale do Paranhana, conforme Quadro 1.
A fim de entender a representatividade do Vale no Estado do Rio Grande do Sul, propõe-se o Gráfico 5. Em termos de estabelecimentos a proporção que passou de 1,85% para 1,61% de 2010 em relação a 2019. Em termos de vínculos a alteração foi de 2,13% para 1,86%. O Gráfico 5 demonstra as trajetórias do Vale do Paranhana e do Rio Grande do Sul. O eixo vertical da esquerda se relacionada ao Vale e o da direita aos números do RS. Percebe-se que na região elencada, tanto em vínculos empregatícios como em estabelecimentos, houve redução mais significativa do que no RS.
Os dados a respeito da população do Vale do Paranhana, quando comparados à trajetória de empregos formais da região, também auxiliam na compreensão de que a criação de postos de trabalho decresceu em relação ao aumento populacional. Em suma, a população cresceu e a criação/manutenção de empregos não acompanhou essa tendência, como pode ser observado no Gráfico 6, tratando sobre os anos de 2000, 2010 e 2019.
Após analisados os dados econômicos, relacionados a emprego, características da população, estabelecimentos e afins, cabe ainda uma análise de um índice mais específico do campo social, sendo um destes, e utilizando nessa seção, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), uma medida composta de indicadores de três dimensões do desenvolvimento humano: longevidade, educação e renda. O IDHM pode variar numericamente entre 0,000 e 1,000, categorizando-se como alto, médio, baixo desenvolvimento, sendo que, quanto mais próximo de 1,000, maior o desenvolvimento humano de uma localidade. Este índice foi criado em 1990 e vem sendo publicado anualmente desde 1993 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD da Organização das Nações Unidades (ONU) (Atlas Socioeconômico do Rio Grande do Sul, 2020). No caso do Brasil, a elaboração do índice se baseia nos Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 que contemplam os estados e municípios. Na Tabela 2 constam os dados de IDHM para todos os municípios do Vale do Paranhana. Todos possuem valores de IDHM, em 2010, na faixa de Médio ou Alto desenvolvimento: Taquara, com 0,727, tem o maior valor de IDHM da Região, seguida de perto por Igrejinha, com 0,721. No outro extremo, Rolante e Riozinho, com índices de, respectivamente, 0,688 e 0,661, possuem os menores índices da região, estando na faixa de médio desenvolvimento.
Entre os censos de 2000 e 2010, nota-se variação positiva no IDHM, superando a casa dos 10% (chegando a praticamente 20% em Igrejinha, por exemplo) em todos os municípios do Vale do Paranhana. Para fins de referência, são trazidos dados de Porto Alegre, a capital do Rio Grande do Sul, Canoas, Caxias do Sul e Novo Hamburgo, municípios do estado com expressiva atividade industrial, onde o IDHM, excluindo-se Porto Alegre, cresceram, mas não tanto quanto os municípios do Vale do Paranhana, citando como exemplo o fato de nenhuma delas ter chego à variação de 13%, enquanto no Vale do Paranhana todas as variações verificadas no período foram superiores a 15%. Comparativamente, o Rio Grande do Sul contava com IDHM, em 2010 de 0,746 e constata-se que a média dos municípios do Vale do Paranhana (0,702) de maneira geral, em termos de IDHM é menor do que a média do Estado, apesar de todos os municípios da região estarem na faixa de alto ou médio desenvolvimento.
É importante também caracterizar a mão de obra em relação à qualificação educacional no mesmo período. Utilizando dados da RAIS, nota-se um incremento bastante significativo no número de pessoas que possuem ensino superior completo/incompleto (que pode estar em andamento). Comparando os números de 2005 (primeiro ano com dados disponíveis sobre ensino superior na RAIS) com 2019, a variação no número de trabalhadores com ensino superior ou em andamento foi de 135%. No mesmo período, trabalhadores com ensino médio completo ou em andamento variou 85% positivamente, enquanto o de trabalhadores com ensino fundamental completo reduziu cerca de 29%. Ou seja, os dados apresentados indicam que a mão de obra empregada formalmente na região tem buscado se qualificar cada vez mais. Um dos indícios talvez seja a facilidade de ingressar no ensino superior, com opções como o ensino à distância, maior acessibilidade através de programas governamentais. Em consonância, também o mercado acaba exigindo a qualificação como diferencial para possíveis contratações em diferentes atividades. O Gráfico 7 demonstra a evolução do grau de instrução dos colaboradores do Vale do Paranhana de 2005 a 2019.
Aprofundando a questão de trabalhadores com ensino superior, é interessante ressaltar que, a partir dos dados de Censo e estimativa populacional disponíveis em relação aos números da educação constantes no IBGE, nota-se que a mão de obra da região, provavelmente pelos motivos previamente citados, tem buscado a qualificação em ofertas de curso superior numa proporção similar.
Por outro lado, também é oportuno frisar que o número de colaboradores com ensino superior completo ou incompleto traz um cenário contrário ao número de postos de trabalhos formais se avaliarmos 2010 e 2019, conforme é demonstrado na Tabela 3.
6. Discussão sobre a resiliência do Vale do Paranhana/RS
Para sintetizar a análise, o Quadro 2 apresenta os resultados dos indicadores analisados e a Figura 4 traz a linha do tempo dos principais eventos identificados e que impactaram o Vale do Paranhana durante o período analisado. Apesar do PIB ter demonstrado crescimento durante o período auferido, o número de estabelecimentos e de empregos formais, que vinham evoluindo durante parte da série pesquisada, contou com reduções significativas a partir de 2013 e 2014. Outras análises também são sintetizadas no Quadro 2.
Após verificar e analisar os dados sobre o Vale do Paranhana, entende-se que a região demonstra enfraquecimento na sua capacidade de resiliência sob a perspectiva evolucionária. Nota-se que houve evolução do Vale até 2014-2015 (o que ficou perceptível através da análise das bases de dados) e posterior declínio, bastante significativo se analisadas as variáveis relacionadas a vínculos empregatícios, estabelecimentos e PIB per capita. Em suma, a região demonstrou capacidade de resiliência até 2014 e depois esta tornou-se enfraquecida.
Por outro lado, outras variáveis demonstram crescimento e estabilidade, como os dados analisados em relação ao PIB, educação e IDHM. Os dados relacionados especialmente à educação dos trabalhadores locais levam ao entendimento de que existem possibilidades de aproveitar a qualificação atual da mão de obra e promover atividades que diversifiquem a região, uma vez que houve incrementos significativos no que tange o volume de trabalhadores com ensino médio completo ou ensino superior. Assim, o estímulo à base de conhecimento, ciência e educação é essencial para aumentar a complexidade dos itens produzidos na região e, dessa maneira, permitir maior competitividade, por exemplo, à indústria regional. Também, o IDHM dos municípios demonstrou evolução ao longo do período pesquisado.
A partir dos dados secundários coletados consegue-se concluir em relação à resiliência regional do Vale do Paranhana que, em resumo, nos últimos 20 anos, esta têm enfrentado problemas relacionados à indústria regional causados pela concorrência em nível mundial no campo das exportações, em grande parte devido à grande redução dos custos de produção conseguida pelos países asiáticos e os períodos de valorização do câmbio, notando-se impacto negativo e redução de variáveis como PIB per capita, número de estabelecimentos produtivos e vínculos empregatícios, especialmente no segmento calçadista e; por outro lado, nota-se aumento do PIB da região e no número de empregados com ensino superior concluído ou em andamento, crescimento de postos de trabalho em atividades ligadas a serviços e construção civil (mesmo que em percentual inferior à redução do setor calçadista), além de evoluções no IDHM.
Abordando através dos fatores de resiliência regional evolucionária, conforme Figura 1 e adaptados de Pinto (2016, 2020) e encontrando subsídio no trabalho de Martin e Sunley (2015), verifica-se que a história e trajetória regional demonstram situação favorável à região, uma vez que se desenvolveram organizações produtivas sólidas, referências a nível mundial, neste caso, na fabricação de calçados. A expertise regional na atividade industrial, bem como a superação de diferentes ciclos de instabilidade, ressalta capacidade de resiliência. Em relação ao capital social e à qualidade de vida, é possível deduzir situação favorável a resiliência através da análise do IDHM dos municípios da região, que demonstraram evolução. Avalia-se que a região possui capacidade de adaptabilidade através de dados como aumento do PIB e diversificação de atividades em setores como construção civil e comércio e serviços. Os dados relacionados especialmente à educação dos trabalhadores locais levam à hipótese de que existem possibilidades de aproveitar a qualificação atual da mão de obra e promover atividades que diversifiquem a região, uma vez que houve incrementos significativos no que tange o volume de trabalhadores com ensino médio completo ou ensino superior.
Contudo, ressalta-se que se encontram restrições à análise dos fatores de resiliência regional apenas com o uso de dados secundários, como, por exemplo, os fatores relacionados à interação e articulação dos atores regionais, redes de conhecimento, P&D e inovação e estruturas institucionais, papel do estado e mercado de trabalho. Com os indicadores selecionados, não se consegue deduzir a existência de articulações com vista à P&D e interação dos atores regionais. Também, dados relacionados à educação dos trabalhadores levam à hipótese de qualificação da mão de obra e possibilidades de diversificação e inovação, mas não é possível avançar além de uma hipótese que precisa ser auferida. De igual forma, dados relacionados ao mercado de trabalho demonstram redução de postos de trabalho e estabelecimentos ligados à indústria mas, por outro lado, crescimento em construção civil e comércio e serviços. O papel do estado aparece na linha do tempo que trata da trajetória regional. Porém, não é possível ter percepção em relação a estruturas institucionais, características do mercado de trabalho atual (bem como necessidades das empresas instaladas) e papel atual do estado (bem como sobre o que deveria desempenhar).
Assim, usando o estudo do Vale do Paranhana como base, analisando-se apenas os dados secundários, se entende que a região do Vale do Paranhana conta com possibilidades de desenvolver capacidades que a tornem resiliente, apesar dos indicadores negativos apresentados. Contudo, ao se adotar uma visão mais profunda, através dos fatores regionais de resiliência, percebe-se a dificuldade em operacionalizar a análise dos fatores relacionados, o que justifica a utilização de uma abordagem mista por parte de pesquisadores, dado que análise de resiliência trata de dinâmicas que estão em curso numa região.
7. Considerações finais
Esse artigo objetivou analisar o Vale do Paranhana/RS nos últimos vinte anos e verificar se a região tem se demonstrado resiliente, sendo o problema de pesquisa “Como se caracteriza a resiliência regional no Vale do Paranhana?”. Caracterizando-a, nota-se redução de variáveis como PIB per capita, número de estabelecimentos produtivos e vínculos empregatícios, especialmente no segmento calçadista e, por outro lado, verifica-se aumento do PIB da região e no número de empregados com ensino superior concluído ou em andamento, crescimento de postos de trabalho em atividades ligadas a serviços e construção civil (mesmo que em percentual inferior à redução do setor calçadista), além de evoluções no IDHM. Por isso, entende-se que a região do Vale do Paranhana conta com possibilidades de desenvolver capacidades que a tornem resiliente, apesar dos indicadores negativos apresentados.
Comparando ao Rio Grande do Sul, verifica-se que a redução do número de estabelecimentos e vínculos de trabalho foram mais pronunciadas na região do que no RS. Ainda, o IDHM dos municípios da região é menor do que o indicador estadual, apesar destes estarem na faixa de Alto-médio desenvolvimento. Por fim, respondendo ao questionamento central, a região demonstra enfraquecimento na sua capacidade de resiliência, sob a perspectiva evolucionária, havendo evolução até os anos de 2014-2015 e posterior declínio, especialmente em variáveis relacionadas a vínculos empregatícios, estabelecimentos e PIB per capita. Em suma, a região demonstrou capacidade de resiliência até 2014 e depois esta tornou-se enfraquecida. Porém, os indicadores ligados à educação e IDHM indicam que ela pode vir a ter resiliência.
A pesquisa realizada contribui na discussão e no entendimento sobre o desenvolvimento de capacidades de resiliência regional em países periféricos ou em desenvolvimento, levando-se em consideração que a ampla maioria dos estudos existentes são conduzidos em contextos distintos do que se encontra em territórios como este, avaliando-se a aplicação dos conceitos de resiliência em regiões distintas da maioria das publicações. Tal perspectiva pode contribuir no entendimento e compreensão dos processos de construção de resiliência em diferentes territórios, de diferentes maneiras.
O estudo encontrou limitações como a necessidade de dados primários mais específicos dos movimentos ocorridos no Vale do Paranhana, uma vez que uma compreensão mais assertiva sobre a resiliência poderia ser alcançada com o uso destes, e o que se confirmou pelas lacunas que ocorreram ao se tentar analisar os fatores de resiliência com o uso de dados secundários. Nesse contexto, uma etapa complementar de análise qualitativa profunda tende a corroborar com o entendimento de outros fatores regionais de resiliência que não foi possível analisar unicamente através de dados secundários, o que justifica uma análise mista, dado que o estudo da resiliência regional trata de dinâmicas que estão em curso numa região.