Introdução
O X Recenseamento Geral da População, de 1960, indica que apenas 1,1% da população ativa portuguesa inquirida pertence à “Camada I: Superior”, isto é, “profissionais liberais tradicionais de elevada Competência”, a que pertenciam os arquitetos1 (Nunes e Miranda, 1969), maioritariamente do sexo masculino (Pereira, 2017). Em pleno regime ditatorial, aquando do início dos confrontos entre as Forças Armadas Portuguesas e os movimentos de libertação das antigas colónias (Angola, Guiné-Bissau e Moçambique, 1961-1974), vários homens e rapazes foram chamados para combater nesse conflito2, entre eles jovens aspirantes a arquitetos e recém-formados arquitetos. Assim, em inúmeros casos, dar continuidade aos estudos não era uma possibilidade colocada à disposição de todos aqueles que a desejavam. No conjunto dos países da Organização Europeia de Cooperação Económica3, no início da década de 60, apesar de Portugal testemunhar um crescimento de estudantes universitários4 (Caraça et al, 1996), o valor das propinas levou a que muitos destes jovens solicitassem auxílio financeiro às suas famílias, ou recorressem a bolsas de estudo, a pedidos de empréstimo bancário ou de isenção de propinas (Machete, 1968). Em 1964, com base num inquérito efetuado à Universidade de Lisboa, acerca da origem dos recursos financeiros dos estudantes universitários, verificou-se que 4,9% era proveniente de bolsas de estudo e 75,3% de apoio familiar (Machete, 1968, pp. 245). Dos apoios concedidos pelo Estado e por outras instituições, a Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) procurou colmatar o insuficiente investimento, revelando-se, pelo número de bolsas concedidas, da maior importância para o fortalecimento do nosso sistema educativo (Nóvoa e do Ó, 2007).
No âmbito da Educação, a visão estratégica da FCG (e do seu Presidente, José de Azeredo Perdigão) revelou-se igualmente crucial no campo das Artes, particularmente nas artes plásticas, teatro, música, bailado e cinema, e também na organização e apetrechamento das bibliotecas, para promoção da “educação e cultura das massas populares”5 (Nóvoa e do Ó, 2007; Oliveira, 2013).
O Serviço de Belas Artes da Fundação Calouste Gulbenkian (SBA-FCG) foi criado em 19606 (e extinto em 2010), com o objetivo de contribuir para a produção, reflexão e investigação nas áreas das artes visuais, da arqueologia, da história da arte, do património, do teatro e do cinema (AAVV, 2021). Entre 1960 e 1992 o SBA-FCG foi dirigido pelo historiador e crítico de arte Artur Nobre de Gusmão (1920-2001). Este foi sucedido pelos pintores Fernando de Azevedo (entre 1992-1994) e Manuel Costa Cabral (entre 1994-2010). A sua verba orçamental apoiava aqueles que, comprovadamente, carecessem de recursos para realizar, no país ou no estrangeiro, o programa de estudos a que se propunham (FCG, 1975b) - fosse este inerente à prática, à investigação ou ao aperfeiçoamento artístico (Oliveira, 2013). Assim, uma vez por ano, durante um mês, o SBA-FCG abria concurso para a atribuição de “Bolsas de Estudo de Especialização e Valorização Profissional em Artes”, amplamente divulgados “mediante anúncios oportunamente publicados na Imprensa”7 (FCG, 1962 Inf. Nº 15/62, pp. 1) (ver Figura 1). A avaliação das candidaturas era realizada por uma Comissão Consultiva, formada por especialistas nas áreas a concurso8, que definia os critérios para atribuição das bolsas, sujeitos, todavia, a aceitação ou sancionamento por parte do Conselho de Administração (FCG, 1975a). O “domínio das artes” abrangia candidaturas centradas, sobretudo, nas artes aplicadas, na crítica da arte e na estética, mas também nas áreas do design, da fotografia, da gestão das artes, da museologia, da conservação, da arquitetura e do urbanismo.
Em 1960 foram submetidos 155 pedidos de bolsas de estudo, mas apenas 37 bolsas foram concedidas (FCG, 1962 Inf. Nº 152/62, pp. 2), seis anos mais tarde, foram solicitados 96 apoios e concedidos somente 30 (FCG, 1975a). Conforme referido pelo Professor António Ferrer Correia (1912-2003), administrador da Fundação (1958-1993), esta instituição não se propunha a “resolver problemas de escala nacional, mas tão obstante acudir ao mais urgente”9 (FCG, 1975a).
A partir de 1975, tendo em conta “a situação muito difícil que os artistas atravessam e a necessidade de fomentar a criação e a procura de novas formas de expressão artística” (FCG, 1975a), passaram a poder concorrer a estas bolsas de estudo de especialização ou a subsídios de investigação “os diplomados e também, pessoas que, não sendo diplomadas, exerçam atividade profissional em qualquer dos setores ou domínios para que o concurso é aberto” (FCG, 1975a). O poeta Pedro Tamen (1934-2021), administrador da instituição entre 1975-2000, relatou a situação verdadeiramente difícil vivida por muitos dos proponentes:
“Se, por um lado é extremamente vultuosa a verba a despender, por outro são extraordinariamente prementes as necessidades que estas bolsas e subsídios visam satisfazer. A informação acentua justamente o caracter de ‘tábua de salvação’ que a intervenção da Fundação constitui, este momento, para a vida das Artes Plásticas em Portugal, e a falta total de outros apoios com que as Artes - como, de resto, a História da Arte e a Arqueologia por exemplo - se debatem. Acresce que se reveste de muito interesse e novidade grande parte dos projetos apresentados pelos candidatos, o que afasta desde logo a genérica caracterização deste problema como de pura beneficência: mais ainda do que a sobrevivência dos artistas, está em causa a persistência vida das Artes. Trata-se de uma situação de emergência que exige soluções de emergência.” (Tamen, 25/11/1975, In FCG, 1975a)
Várias outras instituições, como o Instituto para a Alta Cultura10 (1936-1977) e o Instituto Nacional de Investigação Científica11 (1976-199212), respetivamente tutelados pelos Ministérios da Educação Nacional e da Educação e Investigação Científica, também apoiaram a formação avançada na área das ‘Artes’. O investimento do Estado na investigação aplicada, designadamente em arquitetura e urbanismo, teve somente início com a criação dos laboratórios públicos, pois estes poderiam atribuir diretamente as bolsas de formação de recursos humanos (Araújo, 2019).
O Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), tutelado pelo Ministério das Obras Públicas e instituído pelo Decreto de Lei Nº 35.957 de 19/11/1946, desde a sua fundação promoveu e desenvolveu atividades de investigação e desenvolvimento. Criado para “empreender, promover e coordenar as investigações e os estudos experimentais necessários para as realizações e para o progresso da engenharia civil” (Decreto de Lei Nº 43.825 de 27/07/1961), aquando da implementação da primeira Lei Orgânica do LNEC (1961), verificamos a introdução de outros domínios de investigação científica, nomeadamente da Arquitetura e do Urbanismo, desenvolvidos na Divisão de Construção e Habitação (DCH) do Serviço de Edifícios e Pontes (d’Almeida et al, 2019, 2022a e 2022c; d’Almeida e Marat-Mendes, 2021). Para além do Gabinete Técnico da Câmara Municipal de Lisboa (GTH, 1959-1969) e do Centro de Estudos de Urbanismo e Habitação Engenheiro Duarte Pacheco (1963-1977), o LNEC, terá sido dos primeiros laboratórios públicos a dar uma maior atenção ao desenvolvimento de estudos referentes a este domínio de investigação (d’Almeida e Marat-Mendes, 2021). Manuel Rocha (1913-1981), engenheiro-diretor do LNEC (1954-1974), promoveu a criação das condições necessárias para aliciar os estudantes a dar continuidade aos seus estudos naquele centro de pesquisa, reconhecendo a possibilidade de uma progressão na carreira semelhante à académica (Paiva, 2013). Assim, entre 1961 e 2000, na DCH e nas unidades orgânicas que lhe sucederam13, os principais trabalhos de investigação ali desenvolvidos responderam fundamentalmente a oito grandes domínios: 1) Construção e sistemas construtivos; 2) Habitação; 3) Racionalização do projeto arquitetónico; 4) Urbanismo e gestão urbanística; 5) Computação; 6) Reabilitação; 7) Segurança contra incêndio; e 8) Direito do Urbanismo e da Construção (d’Almeida e Marat-Mendes, 2021). Cada um destes temas foi desenvolvido por arquitetos, individualmente e/ou em parceria com outros profissionais do LNEC, nomeadamente com engenheiros, sociólogos e matemáticos (d’Almeida et al, 2022a). Na sua maioria, eram jovens arquitetos que, incentivados por Nuno Portas (n. 1934), foram estimulados ao desenvolvimento da investigação em arquitetura e urbanismo (d’Almeida e Marat-Mendes, 2022b). O arquiteto Nuno Portas teve no LNEC oportunidade para reunir um grupo de investigadores dando início à investigação científica em Arquitetura e Urbanismo e, desde modo, sustentar a prática de projeto (d’Almeida et al, 2022a). É oportuno questionar contudo: 1) qual a relação entre as temáticas de investigação desenvolvidas no LNEC e as financiadas pela FCG? 2) Até que ponto a experiência de investigação conduzida no LNEC contribuiu para a proposta de novas linhas de investigação submetidas ao SBA-FCG?
Para responder a estas questões este artigo estrutura-se em quatro partes. Segue-se à presente introdução, uma secção dedicada ao levantamento dos arquitetos que beneficiaram de apoio financeiro do SBA-FCG e, nas três secções seguintes analisam-se em particular os processos dos arquitetos-bolseiros Francisco Silva Dias, Mário Krüger e José Manuel Pinto Duarte. Na terceira parte deste artigo faculta-se uma breve discussão sobre a relação entre as temáticas de investigação conduzidas no LNEC e aquelas financiadas pelo SBA-FCG, mas também a importância da experiência conduzida no estrangeiro na condução das metodologias de investigação desenvolvidas em Portugal. Na quarta e última parte, expõem-se as principais conclusões desta investigação.
Arquitetos bolseiros do SBA-FCG
Com base na consulta de material depositado no Arquivo da FCG, e confrontando-o com o Diretório dos Arquitetos disponível no site da Ordem dos Arquitetos14, para o período compreendido entre 1960-2000, identificaram-se 671 apoios concedidos (e/ou prorrogações) pelo SBA-FCG a arquitetos, referentes a candidaturas nas áreas de Arquitetura e Urbanismo (ver Anexo 1; d’Almeida e Marat-Mendes, 2022a). Conforme indicado na tabela 1, estes apoios distribuíram-se por 136 bolsas de estudo de especialização e valorização profissional (tipo A), 12 subsídios de investigação (tipo B), 71 subsídios (tipo C), 1 apoio para exposição (tipo D) e 457 bolsas de estudo para o ensino artístico superior (tipo E).
Período | Tipo de financiamento | Total | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
A | B | C | D | E | ||
1960-1969 | 44 | - | 9 | 1 | 5 | 59 |
1970-1979 | 19 | 12 | 15 | - | 18 | 64 |
1980-1989 | 37 | - | 11 | - | 231 | 279 |
1989-2000 | 36 | - | 36 | - | 197 | 269 |
TOTAL | 136 | 12 | 71 | 1 | 457 | 671 |
Fonte: Autoras.
Entre os arquitetos que beneficiaram destes apoios identificamos 5 com ligação ao LNEC, particularmente à DCH e/ou às unidades orgânicas subsequentes, designadamente: Alexandre Alves Costa (n. 1939), Francisco Silva Dias (n. 1930), José Manuel Pinto Duarte (n. 1964), Mário Krüger (n. 1945) e Nuno Portas (ver Tabela 2).
Bolseiro | Período | |||
---|---|---|---|---|
1960-1969 | 1970-1979 | 1980-1989 | 1990-2000 | |
Alexandre Alves Costa | - | Tipo B (ref. 40) | - | - |
Francisco Silva Dias | Tipo A (ref. 39 e 49) | - | . | - |
José Manuel Pinto Duarte | - | - | - | Tipo A (ref. 232 e 261) |
Mário Krüger | Tipo E (ref. 43) | Tipo A (ref. 16 e 18) | - | - |
Nuno Portas | Tipo A (ref. 13 e 15) | - | Tipo C (ref. 165) | - |
Fonte: Autoras.
Dos 5 arquitetos identificados na tabela 2, importa salientar que a exclusão dos arquitetos Nuno Portas e Alexandre Alves Costa como caso de estudo neste artigo deveu-se, em parte, à política de consulta do Arquivo da Fundação Calouste Gulbenkian15, mas também ao percurso muito particular de cada um destes profissionais que, por diferentes razões, justificariam um artigo científico a cada um inteiramente dedicado. Como referido, no início dos anos 1960 (e até ao 25 de Abril de 1974) Nuno Portas teve um papel preponderante na formação da equipa de investigadores da Arquitetura e do Urbanismo no LNEC, bem como na identificação dos temas e metodologias de investigação a seguir. A 28 de fevereiro de 1962, Nuno Portas propõe-se efetuar uma “pesquisa e organização de documentos sobre obras significativas para uma história do movimento moderno em Portugal (arquitetura e urbanismo)” (Dias, 2017, pp. 397), financiamento que lhe foi concedido pelo SBA-FCG e que, anos mais tarde, veio a contribuir para a escrita do prefácio da edição portuguesa da História da Arquitectura Moderna, do arquiteto e ensaísta Bruno Zevi (1918-2000) (Portas, 1970). Já Alexandre Alves Costa, como o mesmo teve oportunidade de referir numa palestra recentemente realizada (no Iscte), o trabalho que desenvolveu no LNEC permitiu-lhe ser aceite num curso de estudos avançados em Manchester, mas o processo não teve continuidade (Costa, 31/10/2018). Assim sendo, servem de casos de estudo para o presente artigo os arquitetos Silva Dias, Krüger e Pinto Duarte, que representam gerações distintas, com percursos académicos e profissionais muito diferenciados (ver Figura 2). Segundo Manuel Mendes, Silva Dias pertenceu à quarta geração de arquitetos portugueses, os “nascidos cerca de 1931, mais exatamente entre 1917 e 1927, com frequência escolar entre 1947-49 e 1953-55 e que começam a ter obra significativa a partir de 1956” (Mendes, 1997, pp. 20). Krüger e Pinto Duarte pertencem a duas gerações de arquitetos que ficaram marcadas pela abertura dos estudos a um contexto internacional.
2.1. Francisco Silva Dias
Francisco Silva Dias candidatou-se a uma bolsa de estudo do SBA-FCG em 1966, na especialidade de investigação em urbanismo, propondo-se realizar um estudo sobre “a arte urbana do sul do país” (ver Anexo 1, Tabela 1a ref. 39). Por esta altura, no tocante ao seu percurso académico, Silva Dias possuía uma classificação final de 17 valores do curso de Arquitetura (Dias, 1966); Quanto ao seu percurso profissional, para além da sua passagem pelo GTH16 (1960-1969) - que possibilitou um estágio em Paris17 (1966), no Ministério do Equipamento Francês e no Centre Scientifique et Technique du Bâtiment (d’Almeida et al, 2022a) - e eleição para a direção do Sindicato Nacional dos Arquitetos18 (1963), destaca-se a sua integração enquanto membro de equipa que estudou a Zona 419 (Estremadura) do Inquérito à Arquitetura Regional Portuguesa (1955-1960) - publicado em formato de livro em 1961 com o título Arquitectura Popular em Portugal (AAVV, 1961) -, e membro da missão de estudo para a recuperação do Santuário do Nossa Senhora do Cabo Espichel (1964) - que a FCG também tinha apoiado20 (Dias, 1966; Amaral et al., 1963). O pedido de bolsa de estudo de especialização e valorização profissional solicitado por Silva Dias destinava-se à verificação da estrutura e paisagem dos aglomerados urbanos portugueses de influência mediterrânica, a partir de visitas de estudo a conduzir em Portugal e, como complemento, a países estrangeiros de influência mediterrânica - incluindo Espanha, Itália e Grécia. O pedido de apoio financeiro para o desenvolvimento deste trabalho, incluía a colaboração da sua mulher, arquiteta Antonieta Cândida Pires Jacinto, motivo este que levou o SBA-FCG a chamar a atenção para o facto desta situação não se encontrar dentro das normas regulamentares e de o candidato poder renunciar da bolsa a favor da sua mulher (Dias, 1966). Importa salientar que, como verificado, foi muito superior o número de financiados pelo SBA-FCG do sexo masculino quando comparado com os financiados do sexo feminino (ver Tabela 3). Embora o curso de arquitetura tenha assistido a uma a feminização progressiva, à data da candidatura de Silva Dias, o número de matriculados no curso de arquitetura era maioritariamente do sexo masculino (Cabral e Borges, 2006).
Período | Masculino | Feminino |
---|---|---|
1960-1969 | 56 | 3 |
1970-1979 | 57 | 7 |
1980-1989 | 212 | 67 |
1990-2000 | 161 | 108 |
TOTAL | 486 | 185 |
Fonte: Autoras.
Contudo, conforme referiu um dos membros da Comissão Consultiva - arquiteto Carlos Ramos (1897-1969) -, pelo facto de este trabalho ser impossível de se realizar por apenas um só investigador, o financiamento para a 1ª fase (“Introdução ao problema”) foi concedido (Dias, 1966), sendo indicado que as fases seguintes deveriam ser sujeitas a nova avaliação. As viagens ao estrangeiro acabaram por ser desconsideradas, não só pelo facto de o orçamento apresentado ter sido visto como demasiado oneroso para o SBA-FCG, mas também por estas não terem sido consideradas pelo candidato como fundamentais para avaliar as particularidades do caso português. O trabalho final deveria ser apresentado à FCG sob a forma de maquete para uma publicação, contudo, uma vez que Silva Dias passou a exercer o cargo de assistente da cadeira de “Composição” na Escola de Belas Artes de Lisboa (1967-1970) (Moniz, 2011) e de, por uns meses do ano de 1971, ter desenvolvido investigação na DCH sobre o tema da habitação evolutiva (d’Almeida et al, 2022a; Dias e Portas, 1971), o término desta maquete não ocorreu no tempo previsto (Dias, 1966), tendo sido solicitada (e deferida) a prorrogação da bolsa para a conclusão do trabalho21 (ver Anexo 1, Tabela 1A, ref. 49).
2.2. Mário Krüger
O primeiro pedido de apoio financeiro que Mário Krüger fez ao SBA-FCG diz respeito a uma candidatura a bolsa de estudo para o ensino artístico superior (ver Anexo 1, Tabela 1A, ref. 43). À data da candidatura, em 1966, Krüger encontrava-se a frequentar o curso de Arquitetura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa (ESBAL) e a verba solicitada, conforme apresentado, destinava-se sobretudo a custear as despesas inerentes a propinas, à aquisição de material didático indispensável ao curso e à compra de livros de referência (Krüger, 1966), designadamente, como enumerado pelo candidato: L’Art et l’Homme (R. Huyghe); Geometría Constructiva Aplicada a la Técnica (F. Hohenberg); Arte de Projetar em Arquitetura (E. Neufert); Pratique de la Construction des Bâtiments e Details d'Architecture (M. Mittag); Construcción Racional de la Casa (E. Griffini); Trazado y Composición de Edificios (H. Langer); Espacio, Tiempo y Arquitectura (S. Giedion); e Oito Séculos de Arte Portuguesa (Reynaldo dos Santos) (ver Figura 3). A comissão consultiva22 entendeu conceder o financiamento para o ano letivo de 1966/67 e prorrogá-lo até 1971, o último ano do curso e o momento em que Krüger informou o SBA-FCG que passou a colaborar, em ‘part-time’, num atelier de arquitetura - o atelier do arquiteto Inácio Perez Fernandez (1910-1989).
Uma vez diplomado (1972), terminado o estágio na Direção Geral de Construções Escolares (set.1971-abr.1972) e iniciado (em agosto de 1971) o trabalho no Gabinete da Área de Sines23 (Krüger, 1972a), em 1972, Krüger procurou dar continuidade ao seu percurso académico, candidatando-se novamente a financiamento do SBA-FCG. Como o próprio defendeu anos mais tarde:
“Os estudos de pós-graduação não deveriam conduzir ao aparecimento de ‘super-arquitetos’, por via das titulações académicas, sob pena de redundância pedagógica, aparecimento de conflitos profissionais insanáveis bem como desorientação disciplinar, mas promover o seu desenvolvimento baseado em investigação sistematizada que conduzisse ao aprofundamento do conhecimento disciplinar, com o objetivo de transformar o, aparentemente, inexplicável em resultado previsível” (Mário Krüger, 2001, pp. 25)
Krüger candidatou-se então a uma bolsa de estudo de especialização e valorização profissional do SBA-FCG24. Agora o objetivo era sair do país para estudar, por um período de 24 meses, planeamento urbano na University College London - School of Environmental Studies (Londres25, UK) (ver Anexo 1, Tabela 2A, ref. 16), “com a finalidade de se preparar para desempenhar as tarefas relacionadas com o planeamento urbano e regional” (Krüger, 1972a). Contava o candidato, “quando regressar ao país, continuar o trabalho no Departamento de Planeamento Urbano do Gabinete da Área de Sines, como especialista, na sequência dos estudos realizados no estrangeiro” (Krüger, 1972a). O SBA-FCG, vendo nesta candidatura a importância do ramo de especialização - “em que necessitamos de técnicos devidamente apetrechados” (Krüger, 1972a) -, e tendo em consideração o facto de Krüger ser antigo bolseiro da FCG e ter terminado o curso com 18 valores (muito bom, com distinção), aprova a concessão da bolsa. O mestrado em Ciência Urbana vai concluí-lo na University of Birmingham26 (outubro 1973), colocando-se então a possibilidade de avançar para doutoramento, agora na University of Cambridge (UK). Assim, foi solicitado ao seu supervisor de mestrado, P. D. Kirkland (do Department of Transportation and Environmental Planning da University of Birmingham), e a Formosinho Sanches, seu professor na ESBAL, que emitissem um parecer a justificar a importância deste trabalho:
“I would suggest that Cambridge would provide a good venue to further his research interests. The Centre of Land Use and Built Forms is well known to me for its work on urban models” (P. D. Kirkland, 16/05/1973, In Krüger, 1972a)
“Para os devidos efeitos se informa que é do maior interesse para a qualificação de um técnico português o Doutoramento na Universidade de Cambridge. (…) só assim se pode ir preenchendo a falta de investigadores existente no nosso país e contribuir para o desejado desenvolvimento e qualificação dos seus quadros técnicos” (Formosinho Sanches, 16/05/1973, In Krüger, 1972a)
Se, em Birmingham, Krüger se apercebera da “inexistência de uma orientação em modelos urbanos suficientemente desenvolvida e compatível com o prosseguimento dos estudos” (Krüger, 1972a), em Cambridge encontravam-se dois “investigadores-modelo” - o arquiteto Leslie Martin (1908-1999) e o matemático Lionel March (1934-2018) - que motivaram a transferência. O trabalho desta dupla era do conhecimento de Nuno Portas e servia já de referência para muitos arquitetos que desenvolviam investigação no LNEC (d’Almeida et al, 2022a; Krüger, 2005), nomeadamente para Alexandre Alves Costa e Bartolomeu Costa Cabral, que analisaram a programação e a racionalização dos projetos de habitação de finalidade social (Costa e Portas, 1966; Cabral, 1968; Couto, 2019).
Assim, Krüger apresentou ao SBA-FCG um pedido de transferência para Cambridge e de prorrogação da sua bolsa em curso para, no ano letivo de 1973/74, dar início à investigação para doutoramento. Com uma resposta favorável por parte do SBA-FCG27 - “poderá constituir apreciável contribuição para tão preocupante problema como é o da Urbanização desta nossa cidade de Lisboa” (Krüger, 1972a) -, Krüger deu início ao desenvolvimento da sua investigação, no campo dos “Modelos Urbanos”, sob a orientação do professor Marcial Echenique, diretor do Martin Centre for Architectural and Urban Studies (Krüger, 1972a). Krüger pretendia testar o “Modelo Urbano de Cambridge” - relações entre formas construídas e estrutura urbana - com dados sobre Lisboa. O trabalho tinha como finalidade “fornecer a tecnologia de programação de computadores” (Krüger, 10/06/1974; Krüger, 1972a) e “relacionar as medidas de conetividade e adjacência (relação entre elementos de diferentes grafos) das formas construídas, bem como da rede viária com outras variáveis explicativas da estrutura urbana, aproveitando o ferramental já existente em teoria dos grafos” (Krüger e Echenique, 07/04/1975;). Conforme referido no relatório de atividades do 1º trimestre (1974):
“O bolseiro preocupou-se em adaptar-se à vida académica em Cambridge bem como às facilidades oferecidas pela Universidade aos estudantes investigadores. Assim, além de realizar leituras sobre bibliografia da especialidade, orientadas pelo Dr. Marcial Echenique, o bolseiro assistiu a diversos cursos de programação - FORTRAN IV, uso do IBM 370/165 e sistema PHOENIX - bem como diversos cursos do Departamento de Arquitetura, nomeadamente em Modelos Urbanos (lecionados por Dr. Echenique), ‘Theory of Design’ (lecionados pelo arq. Lionel March) e diversos seminários sobre comunicação e transporte. O bolseiro contactou ainda o Dr. Brian Robson, do Departamento de Geografia da Universidade, tendo em vista a obtenção de pistas de investigação e bibliografia sobre morfologia urbana” (Krüger e Echenique, 07/04/1975; Krüger, 1972b).
Na qualidade de membro do Centre of Land Use and Built Forms, em 1974, Krüger participou na International Conference on Urban Development Models, tendo aí “contactado com o Sr. Arq. Nuno Portas [28] do LNEC sobre a possibilidade de desenvolver o trabalho já iniciado para a Área Metropolitana de Lisboa” (Krüger e Echenique, 07/04/1975; Krüger, 1972b). Assim, da equipa do LNEC - “que se deslocou a Cambridge para apresentar uma comunicação, tendo em vista a aplicação do Modelo Simples Estático à Área Metropolitana de Lisboa” (Krüger e Echenique, 07/04/1975; Krüger, 1972b) - Krüger obteve os dados sobre as atividades e espaços construídos29, tendo-se dedicado à formulação dos fundamentos teóricos da “Relação entre a Forma Construída e a Estrutura Urbana” - “tema aprovado pelo board of Graduate Studies da University of Cambridge para efeitos de candidatura a PhD” (Krüger e Echenique, 07/04/1975; Krüger, 1972b).
Apesar do material fornecido pelo LNEC, Krüger testemunhou dificuldades na obtenção dos dados completos para a região de Lisboa30. Assim, para pôr fim ao trabalho iniciado, Krüger optou por estudar a cidade de Reading (UK) de modo a relacionar as formas construídas e a estrutura urbana, esperando, mais tarde, poder aplicar e testar o modelo final com dados sobre Lisboa (Krüger e Echenique, 07/04/1975; Krüger, 1972b). Em agosto de 1977, Krüger obteve o diploma de Doutoramento e, a convite de Lionel March, publicou a investigação em cinco artigos - “An approach to built-form connectivity at an urban scale” - na revista científica Environment & Planning B (Krüger, 1979a e 1979b, 1980, 1981a e 1981b).
2.3. José Manuel Pinto Duarte
José Manuel Pinto Duarte, licenciado pela Faculdade de Arquitetura de Lisboa em 1987, interessou-se pelas questões da investigação em arquitetura logo na universidade onde, como o próprio referiu, iniciou um trabalho de investigação que incidia “na análise e no estudo das questões relacionadas com a habitação, tendo como objetivo a elaboração de métodos racionais de conceção da construção de edifícios”31 (Duarte, 1995b). No LNEC, onde foi integrado como estagiário em março de 199032, também veio a trabalhar as questões relacionadas com o domínio da habitação33 - nomeadamente recomendações técnicas para habitação social e normas técnicas para projeto de edifícios de habitação (Duarte e Paiva, 1994 e 1995) - mas depressa se apercebeu que, para dar continuidade ao trabalho de investigação, era “necessário adquirir conhecimento inexistentes em Portugal, quer sob a forma de curso, quer na posse de alguma entidade”34 (Duarte, 1995b). Depois de alguns contactos com universidades Europeias e Americanas35, encontrou “franca recetividade por parte de alguns professores com larga experiência no assunto” (Duarte, 1995b). Consequentemente, em fevereiro de 1991, Pinto Duarte candidatou-se a apoio financeiro da FCG (em acumulação com a bolsa Fulbright da Fundação Luso Americana para o Desenvolvimento, FLAD, 1991-1992) para seguir um curso de mestrado, com duração de 2 anos, numa universidade americana (a escolher), e que poderia ser continuado para doutoramento sem que isso implicasse número adicional de anos, já que os anos do mestrado contavam integralmente para o doutoramento (Duarte, 1995b). Na continuidade dos interesses de investigação que vinha desenvolvendo, propôs-se “alcançar um processo que permitisse fornecer arquitetura de baixo custo, com custos sociais mínimos e de fácil construção, sem, contudo, abdicar da qualidade arquitetónica. (…) o desenvolvimento do trabalho apontou para a conceção de sistemas modulares que podendo funcionar por componentes pudessem também permitir a pré-fabricação” (Duarte, 1995b) - matéria que já se encontrava em análise no LNEC, nomeadamente a partir de casos de estudo da empresa de construção civil ICESA36 - Indústrias de Construção e Empreendimentos S.A.R.L., que havia solicitado àquele Laboratório “um parecer técnico sobre uma série de projetos de habitação tendo em vista a análise do grau de satisfação das exigências funcionais e das superfícies mínimas adotadas” (Portas e Gomes, 1965, pp. 1). A intenção de Pinto Duarte era introduzir o uso do computador para, através da criação de programas específicos, se poderem elaborar e selecionar projetos - “o computador possibilitaria assim incrementar a capacidade do projetista de lidar com uma ampla base de dados permitindo alcançar uma maior diversidade na elaboração de projetos” (Duarte, 1995b). Na linha do defendido pelo arquiteto Gonçalo Byrne (n. 1941), que no LNEC havia trabalhado as questões da coordenação dimensional (Byrne e Portas, 1970), o candidato salientou ainda:
“Em Portugal a incompatibilidade dos métodos e dos materiais de construção, principalmente a falta de uma coordenação dimensional, causam o dispêndio duma soma considerável de dinheiro, diminuindo as potencialidades do país de dar uma resposta satisfatória aos problemas da habitação” (Duarte, 1995b)
Integrou a candidatura, entre outras cartas, uma do Diretor do LNEC, engenheiro Artur Ravara (1984-1991), e dos arquitetos António Reis Cabrita (n.1942), Nuno Teotónio Pereira (1922-2016), Manuel Tainha (1922-2012) e Manuel C. Teixeira (n. 1951), reforçando a importância do tema, não só para o LNEC, mas também para o país:
“A importância deste tema para o país e a singularidade e a importância de neles se interessar um licenciado em arquitetura são motivos para o LNEC manifestar o interesse em que o arq. Pinto Duarte possa beneficiar da frequência de um mestrado no tema, a fim de melhorar a sua formação e utilidade futura para o desejável prosseguimento deste tema de estúdio no LNEC” (Artur Ravara, 11/10/1990)
“A área temática em que o arq. Pinto Duarte vem desenvolvendo a sua preocupação e estudo - a da relação entre arquitetura e a construção, particularmente no domínio das habitações - é extremamente rara entre arquitetos, nomeadamente em Portugal, mas é muito necessária a abordagem por esta disciplina” (António Reis Cabrita, 13/09/1990)
“Apresentando um défice habitacional de considerável dimensão e cuja persistência se tem mantido ao longo de diferentes regimes políticos e orientações governativas, Portugal carece de um esforço em vários domínios e níveis para atenuar tão dramática situação que tem feito sentir o seu peso sobre sucessivas gerações. Um destes domínios é sem dúvida o da pesquisa em torno dos sistemas construtivos, com o objetivo de fazer baixar a incidência do custo da construção no conjunto de encargos que pesam sobre a promoção habitacional, dentro de padrões de qualidade aceitáveis” (Nuno Teotónio Pereira, 14/09/1989)
“A intenção de prosseguir em sede académica os seus estudos pós-licenciatura para a aquisição de um Saber qualificado no vasto domínio da Habitação denota, a meu ver, um propósito que só abona a seu favor. E se esse Saber não está aqui, ao pé da porta, então será preciso procurá-lo onde ele se encontra” (Manuel Tainha, 17/09/1990)
“The programme of work about housing and building technology he is proposing to develop at the post-graduate level is in line with his previous concerns, both as a student and as an architect and researcher, and worthy of serious consideration. Furthermore, his programme of research is most relevant for today’s housing situation in Portugal, which calls radical and innovative thinking in this field” (Manuel C. Teixeira, 14/09/1990)
Na recusa de um primeiro pedido de apoio financeiro ao SBA-FCG, o candidato optou por uma modalidade de financiamento mais interessante. Assim, mais tarde, com uma bolsa da JNICT (1991-1992) Pinto Duarte foi admitido no Massachussets Institute of Technology (MIT, EUA) em abril de 1991, tendo frequentado (com isenção de propinas) o curso entre 1991-199337 e obtido o diploma de ‘Master of Science in Architecture Studies’ em setembro de 1993, com a tese intitulada “Ordem e Diversidade num Sistema Modular para habitação: Uma abordagem informática”. Seguiu-se, como previsto, uma nova candidatura a apoio financeiro da FCG38 (1995, em parceria com a FLAD), para desenvolver Doutoramento em Arquitetura/Computadores, na mesma universidade (MIT), cujo financiamento foi deferido39 (ver Anexo 1, Tabela 4A, ref. 232). Com o título “Automação de rotinas de projeto para a exploração de soluções habitacionais”, segundo Reis Cabrita - à data arquiteto-chefe do Núcleo de Arquitetura do LNEC - tratava-se de “um tema de vanguarda na investigação sobre a resolução de problemas de projeto complexos com o apoio de novas ferramentas que as tecnologias de informática propiciam (…) O LNEC tem mantido uma linha de estudos sobre habitação em grande parte com as entidades oficiais promotoras, no qual este estudo terá certamente lugar, nomeadamente em complemento com outros estudos” (Cabrita, 13/09/1990). Conforme explicou o seu orientador40, Professor arquiteto e urbanista William J. Mitchell41 (1944-2010):
“In his dissertation, he intends to produce, use, and evaluate a computer tool for customizing the design of mass housing - taking as a case study, the design rules employed by Álvaro Siza in the internationally famous Malagueira housing project” (Mitchell, 22/07/1998)
Os estudos foram feitos no MIT, em articulação com o LNEC e o IST. Apesar de se tratar da análise de um caso de estudo português, a natureza da investigação não permitiu (como previsto) que esta fosse desenvolvida em Portugal após a conclusão da parte curricular - como acontecia com outros bolseiros (Duarte, 1995b) - pelo que Pinto Duarte pede prorrogação da bolsa até ao ano letivo de 1998/99 (pedido deferido), defendendo a sua tese em 2001 (ver Anexo 1, Tabela 4A, ref. 261).
Discussão
Relativamente às questões colocadas na introdução deste artigo, confirma-se a existência de linhas de continuidade entre as investigações realizadas no âmbito das bolsas concedidas pelo SBA-FCG e nas investigações conduzidas em Portugal - no LNEC e noutros contextos -, nos domínios da investigação e da prática da arquitetura. Efetivamente, qualquer um dos trabalhos desenvolvidos pelos arquitetos aqui analisados (e financiados pelo SBA-FCG), têm relação ao LNEC e às temáticas estudadas na DCH e/ou nas unidades orgânicas que lhe sucederam. Vejamos:
O estudo das habitações foi uma preocupação constante de Francisco Silva Dias. A análise que Silva Dias fez, com o apoio do SBA-FCG, ao estudo das habitações do sul do país (anos 1960), e aquela que veio a desenvolver, no LNEC, às formas evolutivas de habitação (anos 1970) (Dias e Portas, 1971) estão interligadas. Mais tarde, os resultados destas análises apoiariam o desenvolvimento do Plano Integrado do Zambujal (1969-1976), com o seu conjunto de 240 casas evolutivas (ver Figura 4), onde se denota a influência mediterrânica no desenho do aglomerado, com caracter orgânico:
“Os aglomerados portugueses de influência mediterrânica são discursos de frases curtas, lacónicos, mas eloquentes. Perspetivas que esbarram sempre em curvas e esquinas, que se dilatam em largos e praças e só explodem e miradouros ou fugazes vistas” (Dias, 2017, pp. 218).
Silva Dias reconhece-se como um homem afortunado:
“Há arquitetos com sorte. Há arquitetos com muita sorte. Eu e o Nuno Portas somos arquitetos com muitíssima sorte. O Estado pagou-nos para, tranquilamente, estudarmos uma matéria que nos interessava muito e sobre a qual qualquer um de nós tinha vertido sentido político. E depois a História mandou-nos ao nosso encontro uma Revolução que nos permitiu, na altura exata, ensaiar, executar e colher resultados desses estudos que, de teóricos passaram a experimentais. Ele, como Secretário de Estado da Habitação e o SAAL. Eu, no Serviço Público, funcionário do Fundo de Fomento da Habitação, responsável pela coordenação do Plano Integrado do Zambujal” (Silva Dias, 17/10/2018)
Mário Krüger e José Manuel Pinto Duarte revelam percursos de investigação académica marcadamente internacionais, tendo regressado a Portugal após conclusão dos seus doutoramentos, e integrado a equipa de investigação em Arquitetura e Urbanismo do LNEC. Krüger integra pela primeira vez o LNEC, na qualidade de Estagiário para Especialista da Divisão de Arquitetura42 (fev.1978-jan.1980). Na verdade, Nuno Portas, que havia sido professor de Krüger na ESBAL, acompanhou o percurso deste arquiteto mesmo após a licenciatura, tendo “mantido em contacto desde o início da investigação para a obtenção de informação e discussão de pistas de investigação” (Krüger, 1972a). Como salientou Nuno Portas “achei que o Krüger podia continuar a linha Martin” (Carvalho, 2012, pp. 307). No LNEC, Krüger organiza um seminário (Nº 254) sobre “Modelos Matemáticos em Arquitetura e Urbanística”, realizado em junho/julho de 1979 (Krüger, 1972a), onde partilha com os seus colegas o que tinha aprendido lá fora. Pinto Duarte foi reintegrado no LNEC, agora como Assistente de Investigação do Núcleo de Arquitetura (1993-2000), desenvolvendo estudos relacionados com projeto de construção de habitação social e a conceção assistida por computador (Duarte e Paiva, 1992 e 1994; Duarte, 1995a). Indubitavelmente, estes dois investigadores foram, à data, veículos de transmissão das vanguardas do pensamento arquitetónico e urbano ao nível internacional - lembre-se a reconhecida importância de Leslie Martin e de Lionel March -, e muito contribuíram para a exploração de áreas pioneiras no LNEC, como a informática associada a estudos ligados aos domínios da Arquitetura e do Urbanismo.
Conclusão
O Serviço de Belas Artes da Fundação Calouste Gulbenkian possibilitou a muitos arquitetos conduzir as investigações que desejavam, ainda que saindo do país e, como tal, acrescendo a necessidade de apoio financeiro. Efetivamente, o apoio à internacionalização era promovido pela FCG (Oliveira, 2013), razão que poderá ter levado as respetivas Comissões Consultivas a atribuir financiamento a estes candidatos, em detrimento de outros. Tal interrogação fica, no entanto, por responder, pois o escopo deste artigo não é apresentar uma análise a todas as candidaturas apresentadas ao SBA-FCG (financiadas e não financiadas), mas sim verificar se, entre aqueles que foram financiados, se se encontram arquitetos que também desenvolveram investigação científica no LNEC.
Conforme exposto na Tabela 1, entre os diversos tipos de financiamento do SBA-FCG, aquele que apresenta um maior número de atribuições é relativo a estudos para o ensino artístico superior (tipo E), com um total de 457 bolsas atribuídas a arquitetos para o período em análise. Os arquitetos Krüger, no Reino Unido, e Pinto Duarte, nos Estados Unidos da América, tiveram, nas décadas de 1970 e 1990 respetivamente, oportunidade de aprender e desenvolver investigação com especialistas internacionalmente reconhecidos e, mais tarde, difundir os seus conhecimentos - também eles como especialistas - em Portugal, dignamente no LNEC. Mas estes não foram os primeiros jovens a sair do país para estudar temas da arquitetura. Entre outros, logo na década de 1960, o historiador José-Augusto França (1922-2021) partiu para Paris para estudar a Lisboa Pombalina (França, 1965), sob a orientação de Pierre Francastel (1900-1970). É só na década de 1980 que, com Augusto Pereira Brandão (1930-2018), são introduzidos os doutoramentos em Arquitetura na Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa. Destacam-se duas das primeiras teses de Doutoramento concluídas nessa década, nomeadamente de: José Ressano Garcia Lamas (1948-2003) (Lamas, 1989), financiada pela Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica e mais tarde publicada pela FCG (Lamas, 1993); e Joaquim José Braizinha (n. 1944) (Braizinha, 1989). Mas, até este momento, foi precisamente no LNEC que se promoveu a internacionalização da investigação em arquitetura, fosse esta feita a partir da realização de missões de estudo, ou da apresentação de comunicações em congressos, conferências e outros tipos de encontros técnicos (d’Almeida et al, 2022a). Assim, enquanto bolseiros da FCG e atendendo à posterior integração no LNEC, poder-se-á dizer que qualquer um dos cinco arquitetos identificados - Alexandre Alves Costa, Francisco Silva Dias, José Manuel Pinto Duarte, Mário Krüger e Nuno Portas - revelam percursos excecionais no panorama da História da Investigação em Arquitetura em Portugal.