1. Introdução
1.1 Contexto do estudo
O presente trabalho tem como motivação principal estudar as ligações existentes entre o espaço geográfico e a sua representação na azulejaria. Esta motivação também provém da importância das redes de comunicação e transportes na estruturação do território já que são as principais geradoras de grandes fluxos capazes de captar a atenção dos transeuntes dos elementos mais relevantes das suas paisagens e infraestruturas. Um claro exemplo deste é a Estação de Comboios de São Bento, na cidade do Porto, principal apresentação da cidade e, inclusive, do país para os viajantes de comboio. Não devemos esquecer que o comboio conheceu uma época áurea que está prestes a retomar no contexto global atual de sustentabilidade. Este ressurgimento está a ser apoiado pelas atuais circunstâncias da crise e transição energética a ser objetivo tratado no contexto da Nova Agenda Urbana das Nações Unidas (2016) ou no movimento New European Bauhaus associado ao Pacto Ecológico Europeu e à Vaga de Renovação da Comissão Europeia.
As relações territoriais e urbanas dos comboios já começaram a ser estudadas por outros autores. No trabalho de Dragan et al. (2020) desenvolvem-se as problemáticas das maneiras de revitalizar as estações de comboios fronteiriças na Polónia como elemento da cultura do território. Nesta linha de trabalho da aposta cultural territorial pelos edifícios da estação de comboios de Chengdu (China), Tang e Lui (2017) propõem explorar os atributos regionais destes elementos arquitetónicos. Os anúncios e a publicidade foram tratados por Kido (2017) como valores culturais das estações de comboios já que com o passar do tempo tornam-se elementos identitários do espaço ferroviário. E é que estes templos da viagem são autênticos atrativos nas visitas às cidades devido às suas funções diferentes da de um simples terminal ou paragem de comboios (Tarczewski et al. 2016). Recentemente, Berrocal Menárguez et al. (2023) incidiram na ligação das paisagens com os elementos culturais que compões a paisagem da linha internacional entre Vigo (Espanha) e o Porto (Portugal) a dar importância a aqueles aspetos ligados com a evocação dessas paisagens dos caminhos de ferro. Podemos dizer que as relações entre comboios, património, história e território são constantes e geradoras de economias urbanas e territoriais de muito interesse, um exemplo claro está na criação de viagens turísticas de comboio em composições ferroviárias antigas como é o caso da existente entre Lisboa e Castelo Branco a passar por pontos como o famoso Castelo do Almourol (Santarém, Portugal).
Este estudo que apresentamos tem uma especial importância já que está enquadrado pela Convenção Europeia da Paisagem (CEP), proclamado pelo Conselho da Europa no ano 2000 e ratificado por Portugal no ano 2005. Entre as suas aspirações, em concordância com o este estudo dos painéis de azulejos e as suas representações paisagísticas, indica que é necessário identificar e caraterizar as paisagens e as suas principais transformações, proteger a paisagem com vista a preservar o seu caráter, qualidades e valores; e integrar a paisagem em todas as políticas relevantes, entre elas as de ordenamento do território e as turísticas. A ratificação da CEP contribuiu para a criação de uma Política Nacional de Arquitetura e Paisagem em Portugal com a intenção de valorizar a arquitetura, a paisagem e o património cultural e de promover a qualidade e o conhecimento do ambiente natural e construído como um fator estratégico no bem-estar e a qualidade de vida da cidadania portuguesa. Por tudo o que anteriormente foi indicado, esta proposta oferece a possibilidade de obter uma nova perspetiva de conhecimento sobre o património cultural azulejar, a paisagem e os novos desenvolvimentos socioeconómicos territoriais.
A Convenção Europeia da Paisagem, transmite duas mensagens muito claras. A primeira mensagem, ao dissociar paisagem de valores paisagísticos, é a de que todo o território é paisagem. A segunda mensagem desta convenção, é que a identificação da paisagem resulta de processos de participação pública e de empatia entre comunidades e território. O objeto de estudo aqui apresentado parece estar nos antípodas e em contra corrente com estes conceitos mais recentes de paisagem. Não só as representações em azulejo nas estações ferroviárias traduzem uma leitura oficial da paisagem, como selecionam espaços ou momentos únicos com critério. Por esse motivo, a investigação aqui apresentada é também um ponto de partida para discutir a o sentido destas representações nos dias de hoje.
1.2 Objetivos de estudo
Para a realização desta investigação estabeleceram-se uma série de objetivos para a sua concretização. Estes estão organizados em principais, aqueles que são a meta final do estudo, e secundários, são os derivados deste artigo. Entre os objetivos principais destaca-se a definição das representações culturais da paisagem em painéis de azulejos. Para obter isso, trabalhou-se com as estações de comboios da rede urbana do Porto que apresentam este tipo de representações culturais da paisagem para desenvolver uma metodologia para a sua análise. Desta maneira, é possível detetar tipologias de representações culturais nos próprios azulejos, por exemplo, as clássicas azuis e brancas ou os desenhos sobre azulejos pré-cozidos.
Dos objetivos secundários, consta a avaliação do reconhecimento patrimonial das estações de comboios, é o caso dos prémios que obtiveram no passado. Aliás, é interessante estudar o potencial das estações de comboios como percurso turístico através dos painéis de azulejos. As paisagens mostradas nestes painéis permitem caraterizar urbanística e territorialmente a cidade e os entornos passados e presentes do espaço de estudo. Assim, estas representações culturais da paisagem convocam relações territoriais esquecidas por causa do desenvolvimento das regiões.
1.3 Bases metodológicas
O artigo é estruturado numa série de blocos que partem da introdução e da análise dos antecedentes e trabalhos prévios sobre os painéis de azulejos. Posteriormente, especificam-se os detalhes da metodologia desenvolvida para atingir cada uma das análises aplicadas tanto às estações e apeadeiros de comboios como às imagens representadas nos painéis. No seguinte lugar, são expostos o caso de estudo e os resultados obtidos do processo de investigação e, a seguir, a discussão gerada da fase prévia da análise e as conclusões finais da pesquisa, relativa à hipótese de partida. Como se pode perceber, esta investigação segue uma ordem clássica.
1.4 Área de estudo
A área de estudo está composta pelas estações de comboios e apeadeiros das linhas de comboios urbanos do Porto (Figura 1). Esta rede tem um total de oitenta e duas paragens, das quais só treze têm representações culturais da paisagem, o qual representa dezasseis por cento do total. As linhas estudadas fazem um percurso habitual entre as cidades do Porto e de Braga, de Guimarães, de Marco de Canaveses e de Aveiro.
Durante a investigação, apreciou-se a relevância e a influência histórica nas estações de comboios na localização dos espaços representados nos painéis de azulejos e a sua caraterização. Podem-se estabelecer quatro etapas históricas fulcrais: o Regime Monárquico (1820 - 1910), a Primeira República (1910 - 1926), a Ditadura do Estado Novo (1926 - 1974) e a Democracia (desde 1974 à atualidade).
2. Antecedentes
As investigações sobre as representações culturais da paisagem abrangem aquelas que ficam gravadas nos elementos cerâmicos, de facto, na atualidade não existem trabalhos concretos e metodológicos prévios sobre esta temática. Portanto, é preciso rever a bibliografia de outros autores que trabalharam com outros elementos artísticos como o cinema ou a pintura. Contudo, existe um compêndio de investigações que, de uma maneira geral, trabalham os azulejos com certos aspetos das paisagens territoriais e urbanas.
No caso dos estudos gerais sobre representações culturais da paisagem, é interessante começar por falar das filmográficas e/ou cinematográficas. Neste âmbito, é destacado o trabalho de Gámir Orueta (2012, 2013, 2016) e Manuel Valdés (Gámir e Valdés, 2007). Na sua produção científica, podemos encontrar o desenvolvimento das relações entre este tipo de representações e a Geografia, a paisagem e o território, constituindo bases de múltiplos trabalhos posteriores devido ao seu nível de especialização na matéria. Nesta linha de pesquisa, se acham os trabalhos de González Monclús (1995, 2008) e Lefebvre (2006), a aprofundar nas paisagens do cinema e da cidade. Entre os exemplos de espaços geográficos abordados pelos estudos do território e as suas representações cinematográficas estão as obras de Azevedo e Silva (2006) sobre a cinematografia portuguesa e de Brotons Capó et al. (2016) e a visão iconográfica turística na ilha de Maiorca.
A pintura também foi abrangida pelos estudos geográficos, bem seja de um modo geral, ou dedicando atenção a alguma tipologia paisagística. São Zárate (1992) e Christlieb et al. (2006) os primeiros a aportar uma visão geral daqueles aspetos territoriais da pintura, atrevendo-se a realizar propostas cartográficas e de ligações entre o pensamento do artista e do geógrafo de um modo inovador.
De outro lado, a trabalhar com determinados tipos de paisagens, encontramos a produção de Martínez de Pisón (2017) e as relações entre a montanha e a arte desde uma perspetiva plenamente geográfica tanto nas paisagens reais como nas fictícias, também liga estas imagens do território com a música e a literatura nesta obra. As margens fluviais citadinas são acolhidas pela obra de Costa Mas (2003) com o estudo da pintura do século XIX em Paris e Londres. As paisagens agrárias também são bastante estudadas por Delgado e Ojeda (Delgado e Ojeda 2009; Ojeda e Delgado, 2010) tanto à escala nacional espanhola como andaluza, a fazer um estudo detalhado da sua produção artística. Aliás, Fernández Portela (2015) faz igual com as paisagens dos cereais de sequeiro em Castela e Leão (Espanha).
Alguns exemplos noutras artes são a fotografia e o design. Uma obra interessante, no primeiro dos casos, é o estudo das imagens de Espanha na revista National Geographic no período compreendido entre o final do século XIX e o início da Guerra Civil realizado por García Álvarez et al. (2013). Supõe um trabalho de análise baseado em dados que guardam relação com a linha que persegue esta investigação. Também é preciso ressaltar a obra de Schwartz e Ryan (2003) sobre as relações das representações fotográficas e o imaginário geográfico. Como complemento às artes digitais, no campo do design Fernández Portela (2019) analisa as etiquetas das garrafas de vinho pelo seu valor comercial e como expressão da paisagem vitivinícola, uma aproximação também válida no caso dos painéis de azulejos dada a promoção territorial que implica.
Em ligação com este último, as investigações prévias sobre a história dos painéis de azulejos nas estações de comboios de Portugal são relativamente recentes com a exceção das publicações do Boletim dos Comboios, durante o período da Ditadura, destacando os prémios de embelezamento. De um modo indireto, encontramos os trabalhos sobre o azulejo em Portugal e no Brasil de Canhoto Verão (2019), as representações da viticultura nos painéis de Mingote Calderón (2015), os trabalhos sobre o azulejo do Museo Nacional de Antropología de Espanha (2016) e as ligações entre o turismo e os museus de Oliveira Magalhães (2018). De um modo mais concreto, com a temática desta investigação, aparece a obra de Salinas Calado e Vieira de Almeida (2001) e de Vaz Alves (2015) sobre a arquitetura ferroviária portuguesa, a de Borges Lourenço (2014) da decoração Figurativa nos azulejos das estações ferroviárias, e um trabalho de Pina Fernandes (2010) dos painéis de azulejos da Estação de Comboios de São Bento (Porto).
Este estado da arte, tem-nos levado a avançar e aprofundar sobre o conhecimento territorial, urbano e, em geral, geográfico das implicações dos painéis de azulejos e as relações com o território português, a poder oferecer uma visão diferente e uma metodologia que possam ter utilidade para o desenvolvimento destas peças de arte que são observadas diariamente por milhares de pessoas.
3. Metodologia
A proposta metodológica é um dos pilares em que se baseia este trabalho de investigação. Baseia-se na revisão e análise bibliográfica, que serviram de motivação para desenvolver um procedimento aplicado à análise das paisagens representadas em painéis de azulejos nas estações e apeadeiros de comboios. Estes trabalhos prévios permitiram uma abordagem interessante e inspiradora que ajudou a definir os pontos fortes e fracos do estudo dos painéis de azulejos até esta altura, especialmente aqueles que estão ligados aos edifícios dos caminhos de ferro portugueses.
Recorreu-se, para além das fontes bibliográficas, aos organismos estatais de cultura e aos próprios caminhos de ferro portugueses. Complementarmente, foi necessário fazer um trabalho de campo, em profundidade, da rede ferroviária analisada. Esta tarefa compreendeu as estações e apeadeiros de comboio das linhas urbanas do Porto (linhas de Aveiro, de Braga, de Guimarães e de Marco de Canaveses). Paradoxalmente, esta tarefa acabou sendo realizada de automóvel, permitindo uma maior agilização das tarefas de maneira independente dos horários das linhas e de forma a aproveitar as horas de mais luz solar. É recomendável desenvolver estas tarefas mediante uma consulta prévia ao serviço meteorológico do Instituto Português do Mar e da Atmosfera e em estações de verão, ou próximas a este período para dispor de melhores imagens para a fase de análise. O processo de registo fotográfico consistiu em percorrer as fachadas e paredes interiores e exteriores dos edifícios que compõem cada paragem. Durante este percurso, realizaram-se fotografias frontais, tanto quanto possível, evitando obstáculos como barreiras, bancos, visitantes ou os próprios passageiros em trânsito (Figura 2).
Durante a análise das imagens tomadas nas estações de comboio, foram consultadas e revistas as fontes institucionais (Património, Infraestruturas de Portugal, Comboios de Portugal) e outras não oficiais, ligadas ao culto do transporte ferroviário e à sua história. Foram ainda consultadas fontes alternativas como a Wikipédia, já que dispõem de links das fontes primárias, a partir das quais é possível confrontar os dados.
A recolha de informação sobre as estações de comboios foi organizada em dois grandes conjuntos. O primeiro conjunto de informações diz respeito à análise das características das estações e apeadeiros de comboios com painéis de azulejos. No segundo conjunto de informações, faz-se a análise dos elementos representativos da paisagem dos painéis de azulejos.
Com relação ao estudo das estações e os apeadeiros, organizou-se a análise segundo esta primeira distinção (se é estação ou apeadeiro). Esta distinção define o grau de importância do edifício, com implicações na colocação dos azulejos e na respetiva visibilidade. Por outro lado, também se diferenciou segundo se trata de terminal de passageiros ou de estação ou apeadeiro de passagem. Esta característica determina o patamar de visibilidade dos painéis, sendo que uma estação terminal concentra um maior número de potenciais passageiros e/ou visitantes do que um apeadeiro de passagem. Por outro lado, é importante distinguir a data de construção e de melhoria dos edifícios das paragens para contextualizá-las nas etapas históricas de referência em Portugal. Desta maneira, permite-se identificar os períodos em que ocorrem impulsos e investimentos nos aspetos culturais das paragens de comboios como é o caso da instituição dos prémios de embelezamento.
Outro dos aspetos analisados diz respeito à localização das paragens no contexto regional e urbano. Por isso, estudaram-se as localizações destas instalações ferroviárias, consoante são centros urbanos, periferias ou ficam afastadas dos conjuntos urbanos. Registaram-se ainda as comunidades intermunicipais e os municípios a que pertencem. Também se identificaram as linhas que transitam por cada estação ou apeadeiro de comboios. Todos estes aspetos ajudam a considerar o impacto territorial dos painéis de azulejos nestas três escalas de trabalho.
Por último, foram estudadas as características dos edifícios, ligadas às diferentes etapas históricas e artísticas. Entre estas características arquitetónicas, distinguem-se as inspiradas por um estilo eclético, que vai predominar nas estações construídas no século XIX e início do século XX; as intervenções inspiradas pelo Movimento Moderno (que decorrem durante o Estado Novo), e as intervenções já influenciadas pela entrada do Pós-Modernismo na Arquitetura (ocorridas durante o período democrático, pós 25 de Abril). Esta classificação foi utilizada tanto para analisar os edifícios originais de cada paragem, como as alterações e/ou ampliações realizadas posteriormente.
Numa escala de mais detalhe, a análise dos elementos representativos da paisagem mostrados nos painéis de azulejos ajudou a definir as características mais marcantes dos territórios, algo que nos pareceu inovador e importante para dar uma visão estrutural completa desta arte tão característica dos comboios e das suas infraestruturas em Portugal e, possivelmente, nalguns territórios de anterior presença lusa.
Numa primeira fase, identificaram-se os lugares representados (Quadros 1A e 1B, em anexo) individualmente, portanto, desenvolveu-se uma listagem de cada espaço representado e do número de vezes que essa representação ocorreu. Foram categorizados cada um dos tipos de paisagens que aparecem em cada cena, podendo-se distinguir entre rurais (agrícolas e/ou florestais), ferroviários, fluviais, lacustres, marítimos, monumentais, rurais ou urbanos.
Outras das características mais relevantes consideradas nos azulejos foram as formas de expressão artística. Entre elas foram identificadas formas inspiradas na Arte Nova (sobretudo naqueles painéis do início do século XX) e, mais tarde, na Arte Contemporânea. Enquanto nos primeiros predominam as representações com expressões bucólicas, na escala regional assim como na nacional, ou alusivas a temas históricos, nas formas mais recentes predominam temas mais abstratos. Nestes, por vezes a técnica também muda, sendo por vezes resultado do uso dos azulejos pré-cozidos como base para pintar (Figura 3). Estas características estão ligadas diretamente à data da representação, dado também recolhido neste estudo segundo consultas nas fontes já citadas.
Como já foi referido, existem vários tipos de azulejos que se podem distinguir segundo o cromatismo, entre os quais as pinturas policromáticas sobre azulejo pré-cozido. Existem outros mais tradicionais como os policromáticos, com ou sem relevo, e a tipologia mais conhecida, no âmbito das estações ferroviárias portuguesas, os azulejos monocromáticos azuis e brancos. Cada tipologia tem um tipo de representação mais realista e fiel às paisagens, ou mais abstrata. Esta diferenciação entre realismo e abstração é identificada na fase de análise, aliás de outros elementos como os logotipos e o branding da CP (Comboios de Portugal).
A situação dos painéis nos edifícios da rede de comboios é essencial para conhecer o impacto das representações azulejares. Deste modo, os espaços de espera e contemplação onde é possível observar os painéis com mais detalhe e riqueza formal, e nos de circulação, onde os elementos que os compõem são mais abstratos. Por esta questão, foram diferenciados os painéis que ficam dentro do edifício, os que estão só na fachada posterior (cais), aqueles que estão situados na fachada anterior (entrada) ou os que podem ficar nestas duas últimas numa mesma paragem. Além disso, foram identificadas aquelas estações que têm algum tipo de reconhecimento ou prémio, mais próprias de alturas prévias à atualidade.
Por último, foi feita uma análise cartográfica representando as relações entre a paragem de comboios e o lugar representado. Como se vê na epígrafe de resultados, fica desenhado um gráfico em teia de aranha com estas ligações, mediante um sistema de informação geográfica que, aliás, permite calcular as distâncias médias, mínima e máxima entre cada representação e o local que é representado. Esta análise ajuda a identificar quão amplo é o espaço geográfico que atinge as representações.
4. Resultados
4.1 Análise de dados das estações e apeadeiros de comboios
No total das 82 paragens de comboios, das linhas estudadas, com representações culturais da paisagem, treze têm representações paisagísticas, das quais onze são estações de comboios (85%). As restantes (15 %), são apeadeiros da rede (Figura 4). Tal faz com que as estações tenham maior predominância e tenham uma predominância urbana, correspondendo aos pontos mais importantes da rede.
Desde a perspetiva funcional, pode-se observar que só umas minorias das paragens (15 %) são de tipo terminal, quer dizer, correspondem a começo ou final de percurso da rede (Figura 5). Na mesma linha do anteriormente comentado, este tipo de estações podem concentrar uma alta percentagem de passageiros aos quais temos de somar os visitantes e curiosos que andam a conhecer estes espaços das cidades, temos um grande exemplo na entrada principal da Estação de Comboios de São Bento no Porto, um espaço de exibição que permite contemplar obras, como num museu, enquanto esperam a chegada do seu comboio.
Na análise das datas de construção das estações e dos apeadeiros com representações azulejares, pode-se dizer que todas as estações e apeadeiros com representações azulejares foram construídas no século XIX, mais de 80% das quais entre as décadas de 1860 e 1880 (Figura 6). Além disso, várias estações de comboios sofreram alterações (Tabela 1) devido à maior procura de passageiros (Comboios de Portugal e Wikipédia), ao crescimento dos núcleos urbanos, ao incremento das deslocações e à modernização da rede de transportes ferroviários (Comboios de Portugal e Wikipédia).
Os entornos das paragens são espaços que condicionam o patamar de protagonismo dos edifícios relativos aos caminhos de ferro. A maioria dos edifícios encontra-se em contexto urbano, ou suburbano, sendo que só 15% destes ficam em lugares isolados (Figura 7). Pode-se dizer que nos centros urbanos o impacto dos painéis é mais forte por causa das ligações com a atividade turística de cidades como Aveiro ou o Porto. Este protagonismo pode decair nas periferias e ser quase inexistente nos espaços mais isolados. Porém, devido a não ter uma competição visual de outros edifícios, estes podem ter um impacto maior já que a sua verticalidade e volume podem constituir um marco paisagístico relevante.
A localização das estações e apeadeiros nas associações de municípios ajudam a compreender as realidades urbanas do fenómeno dos painéis de azulejos, quer dizer, o nível de desenvolvimento urbano dos locais onde se inserem. Na Figura 8 pode-se ver como a maioria das estações de comboios se localizam na Área Metropolitana do Porto, e na Comunidade Intermunicipal de Aveiro. Assim, o Eixo Atlântico vai ser o espaço principal destas representações. Há uma distribuição, por concelhos, bastante equilibrada de paragens com painéis azulejares (uma paragem por concelho), só a destacar Vila Nova de Gaia com 3 paragens - 23% destes (Tabela 2).
No caso das linhas de comboios com representações paisagísticas em azulejo, há certa correspondência com o já comentado acerca da distribuição administrativa. Na Figura 9 percebe-se o destaque da linha de Aveiro. No entanto, as linhas do interior (Braga, Guimarães e Marco de Canaveses) têm um protagonismo relevante devido a que muitas paragens coincidem com outras linhas dos municípios metropolitanos do Porto. É importante especificar que uma mesma estação de comboios ou apeadeiro podem ser paragens de diferentes linhas da rede de transportes urbanos.
As características patrimoniais e sociais dos edifícios das paragens de comboios mostram estilos que podem estar associados aos dos próprios painéis de azulejos. Por isso, podemos dizer que a maioria representa cenas bucólicas ou históricas marcadamente associadas a um estilo eclético combinado por vezes com estilo Arte Nova, com características tradicionais (Figura 10), muitas delas são modernas (46,2 %) e burguesas (38 %). Isto mostra a importância dos estilos arquitetónicos na criação dos painéis de azulejos como elemento integrado na própria criação das estações ou resultante de processos de modernização posteriores. É importante esclarecer que uma estação de comboios pode ainda ter várias características patrimoniais e sociais.
4.2 Análise de dados das representações culturais da paisagem nos painéis de azulejos
A análise das representações paisagísticas em azulejo mostra as relações territoriais destas para além das próprias estações e apeadeiros e as suas ligações físicas com os núcleos de população. Portanto, apresentam uma visão geográfica e cultural que atinge outros espaços que não têm de coincidir com os visualizados a partir das paragens ou dos trajetos de comboio.
Depois de analisar as paisagens e os seus elementos marcantes, aprecia-se a importância dos elementos relativos à hidrografia, a presença de cenas nos núcleos de populações, os elementos patrimoniais e monumentais e as cenas das práticas agrícolas, tal como estas ocorriam à época em que a representação foi realizada (Tabela 3).
Os tipos de paisagens são uma caraterística de destaque nos painéis de azulejos representando vistas dos principais elementos do território português. Na tabela 4, pode-se observar como as paisagens rurais e fluviais são as mais destacadas nas tipologias achadas nas estações de comboios, isto é resultado da estrutura territorial e das caraterísticas geográficas das regiões representadas do Norte de Portugal. Neste contexto, não se vão quantificar os painéis e sim as tipologias de paisagens que têm cada estação de comboios.
As formas de expressão artística dos painéis de azulejos permitem caracterizar as influências que tiveram as estações e apeadeiros na sua etapa de desenvolvimento. Achamos que é uma ligação com a importância e especialização socioeconómica de cada território no contexto temporal da sua criação. A principal expressão artística observada nas treze paragens são as de tipo bucólico de âmbito regional, isto é, as paisagens do campo que ligam com o ager e/ou o saltus. Estas paisagens aparecem sobretudo representadas segundo o estilo eclético, por vezes com características Arte Nova. Com menor grau de importância aparecem outras formas relacionadas com temas mais urbanos, sob formas de expressão Modernas ou Pós-Modernas, onde por vezes o abstracionismo predomina (Tabela 5).
A datação dos painéis de azulejos nas estações e apeadeiros permitem identificar etapas de maior e de menor produção artística. Mesmo que correspondam a uma forma ou estilo artístico mais antiga de expressão artística, podemos observar que o maior número de paragens tem azulejos relativamente recentes (Figura 11). Isto é devido à renovação das estações e às novas formas de expressão artística que há dentro delas, como as associadas aos azulejos pré-cozidos com desenhos sobre eles.
Contudo, a maioria destes azulejos continua com um estilo clássico de azulejo monocromático azul e branco (Figura 12). No entanto, também existem outras tipologias: azulejo policromático, azulejo policromático em relevo ou, uma forma recente encontrada na estação de comboio de General Torres (Vila Nova de Gaia), as pinturas policromáticas sobre azulejo pré-cozido, uma maneira de dar novas expressões artísticas a azulejos planos e sem representações da paisagem.
Dentro dessas novas expressões artísticas em azulejos planos, registou-se a associação ao branding da CP, com recurso ao seu logótipo como elemento decorativo, na Estação de Comboios de General Torres, em Vila Nova de Gaia (Figura 13).
Um aspeto notável das representações da paisagem nos painéis tem de ver com o nível de realismo ou a presença de conotações artísticas. Podemos dizer que todas as paragens têm representações com elementos realistas da paisagem, mas 54% delas apresentam conotações e desenhos abstratos. Isto quer dizer e que, podem ser reconhecidos, mas não são tão fiéis à realidade (Figura 14).
A situação dos painéis determina o nível de visibilidade dos mesmos já que não tem igual grau de observação se estão num espaço de trânsito ou num espaço de espera, como são os cais. Na Figura 15, vê-se que, a maioria, ficam situados dentro dos edifícios (46%). No entanto, as fachadas posteriores são as de mais visibilidade, já que são um espaço de espera onde se podem contemplar os painéis nesse tempo de chegada do comboio. Isto quer dizer que, a maior parte dos painéis são muito observáveis devido a ficar numa zona de espera de passageiros e, portanto, poder identificar os elementos da paisagem e as localizações às que prestam atenção no tempo de espera do seu comboio.
Um aspeto destacado da estação de comboios de Rio Tinto (Gondomar) é um reconhecimento que tem pelo seu embelezamento no Concurso das Estações Floridas de 1943. Os painéis de azulejos vão ser um elemento eloquente desse embelezamento. Este reconhecimento, de tempos do Estado Novo, avaliava a conservação, beleza e o valor cultural da estação. Contudo, temos de destacar algumas conotações históricas nos seus painéis, como cenas da conquista cristã da Península Ibérica (Figura 16).
Para oferecer uma visão global das relações territoriais entre a situação da paragem de comboios e o lugar representados, foi criada uma cartografia (Figura 17). Esta permite observar os espaços de ligação direta com o território circundante e aqueles que saem da área de estudo numa espécie de teia de aranha.
A aprofundar nestas relações territoriais, na Figura 18 são mostradas as distâncias médias, em quilómetros, entre os lugares representados e cada paragem onde se localizam os painéis de azulejos. Aprecia-se que, no patamar dos 20 quilómetros, pode-se fixar um limite entre as paragens onde dominam as representações regionais e aquelas que têm mais representações de paisagens de outras regiões e inclusive internacionais, como é o caso de Ceuta, atualmente território espanhol, e que foi representada numa cena histórica.
No caso das distâncias mínimas, o espaço entre a representação e a paisagem mais perto da paragem, parece que, com a exceção da Granja, a estação mais cosmopolita, o resto mostra os elementos patrimoniais presentes nos seus arredores (menos de um quilómetro na maioria das paragens). Isto quer dizer que são mostradas as paisagens próximas e, portanto, fazer uma promoção direta do território, tanto na sua imagem passada como, às vezes presente (Figura 19).
Na análise das distâncias máximas, isto é, a ligação entre os espaços mais afastados representados e a paragem de comboios, observa-se que continua o domínio das representações regionais (Figura 20). Contudo, as estações terminais das capitais regionais (Aveiro e Porto-São Bento) mostram maiores distâncias, junto com a estação da Granja pelo seu caráter cosmopolita num período da sua história, já que era um ponto de acesso às casas de verão dos grupos mais abastados da sociedade portuense.
5. Discussão
Na fase de análise observa-se como, nas paragens de comboios há um claro domínio dos painéis, nas estações. Isto quer dizer que os apeadeiros não tiveram, nem têm, uma clara aposta pública por este embelezamento com esta arte tradicional portuguesa, para além dos azulejos simples e sem representação de paisagens. Esta circunstância fica refletida na antiguidade das estações que têm estas representações, mesmo tendo sofrido uma melhoria ou remodelação. Aliás, este património é próprio dos centros urbanos e dos seus arredores, não a ser contempladas estas técnicas artísticas nos espaços menos urbanos ou rurais, como se aprecia nas estações da Área Metropolitana do Porto. Esta casuística também é observada nas linhas de comboios, precisamente naquelas mais próximas ao litoral (Aveiro) a coincidir com as que mais destas imagens azulejarias têm.
No caso das representações em azulejo, existe uma predominância de elementos da hidrografia e de contextos urbanos nos painéis, com referência ainda para as referências rurais. Estes últimos, surgem como um reflexo da imagem do território e dos seus modos de vida, esta situação faz que a representação bucólica regional esteja sempre presente em boa parte das paragens com representações. Mesmo assim, a maior parte das obras de azulejaria são da etapa histórica mais recente de Portugal (a democracia) na qual se começou a usar novas técnicas representativas como o desenho sobre azulejos pré-cozidos. Isto tem influenciado o aumento da presença de expressões artísticas mais contemporâneas (Menezes, 2021). Portanto, espaços de muita observação e que podem despertar o interesse dos passageiros, visitantes e transeuntes, a poder ser uma boa carta de apresentação da cidade, do território, das suas paisagens e da sua história, é o caso da estação de Rio Tinto (Porto) e as cenas da Batalha entre o Califa de Córdova e o Conde de Hermenegildo (824). É não só dos territórios próximos, já que estações como São Bento (Porto) podem mostrar cenas de antigos territórios portugueses como Ceuta.
Por tudo o já estudado, existem possibilidades de transferência a diferentes setores económicos e à própria sociedade, local e visitante. É evidente que no setor turístico já existem efeitos diretos, mas podem surgir novos produtos turísticos da mão de novos percursos históricos em comboio ou outros meios de transportes como as trotinetes elétricas ou as bicicletas para conhecer a relevância destes painéis tão excecionais. Tudo isto faz que a influência política tenha um papel transcendental na tomada de decisões desde os âmbitos locais tanto em valorizar os elementos patrimoniais das estações de comboios em colaboração com o Instituto do Património de Portugal e os Comboios de Portugal. Ficou demonstrado que a perceção social dos painéis de azulejos é bastante alta devido à função cultural que se observa nas cidades do Porto ou Aveiro, onde são um ponto de referência nos roteiros turísticos e nas procuras na internet.
6. Conclusões
Este trabalho mostra como a área de estudo, a rede urbana de comboios do Porto, é afim à proposta inicial devido a apresentar um notável volume de informação relativa aos painéis de azulejos tanto em número de paragens como no número e variedade de imagens que aparecem nestes. Aliás, as representações da paisagem nos painéis de azulejos mostraram uma alta utilidade no processo de análise segundo a metodologia aplicada. Esta circunstância permite que o método desenvolvido possa ter utilidade e uso em futuras investigações para gerar propostas de caracterização de um espaço geográfico através dos painéis com paisagens e uma base para a criação de um sistema de avaliação territorial e/ou cultural dos territórios dos azulejos. Desta maneira, existem claras possibilidades de transferência aos setores econômicos vinculados com a atividade turística e cultural, entre outras.
Com vistas ao futuro, existem potenciais linhas de trabalho derivadas desta proposta metodológica. Uma delas relacionada com a importância para a população destas expressões culturais da paisagem e do seu passado ligado à economia orgânica, isto é, os vínculos percetivos dos aspetos socioeconómicos passados que ficam no imaginário dos habitantes da área de estudo. Uma possibilidade desta proposta seria estudar o impacto nas redes sociais destas representações em painéis de azulejos, deste modo, pode-se quantificar a importância destas imagens. Dada a acessibilidade destas plataformas de interligação entre utentes, este tipo de estudos poderia ser expandido a outros contextos internacionais, a poder abranger espaços mais amplos de estudo. Portanto, esta complementação com outros média pode expandir a visibilidade e utilidade deste estudo.
Além disso, é importante refletir acerca do relevante contributo destes painéis mediante estes trabalhos já que são fundamentais para revitalizar as relações territoriais perdidas com a mudança dos usos do solo provenientes das alterações nos setores económicos. Neste contexto de alterações a nível mundial pode-se aportar uma visão esquecida da sustentabilidade em etapas anteriores que ajude a criar propostas baseadas nas relações estáveis entre meio físico e população residente.