Nos anos 90, a equipa de docentes de Sociologia Urbana do ISCTE tinha-se vindo a constituir aos poucos como uma equipa multigeracional, eclética, inserida de diferentes formas na academia e no “mundo lá de fora”. Por essa altura era constituída pelo Vítor Matias Ferreira, António Fonseca Ferreira, João Quintela, Isabel Guerra, Walter Rodrigues, Isabel Duarte, com a colaboração de outros docentes do ISCTE, interessados nas temáticas urbanas. Citando apenas alguns, Maria José Maranhão, Teresa Costa Pinto, Ana Cristina Ferreira, Margarida Perestrelo, Madalena Matos, entre outros.
A constituição do Centro de Estudos Territoriais (CET) pretendeu, num primeiro momento, organizar a diversidade das experiências de investigação, incluídas na docência, desde os Seminários de Investigação em Sociologia Urbana até às teses de Mestrado, que produziam todos os anos uma grande diversidade de investigações dos alunos. Mas o CET pretendia ainda responder a uma crescente procura externa de “investigação aplicada” e de “prestação de serviços” com origem na sociedade civil, nomeadamente, Câmaras Municipais, organismos vários da administração publica e, por vezes, de empresas ligadas à área do urbanismo e da habitação. Esta procura permitia ainda a presença no Centro de Estudos de inúmeros investigadores, como Eduardo Vilaça, Dulce Moura, Teresa Amor, Ana Cotrim, Alexandra Castro, Flávio Paiva e tantos outros que asseguravam uma produção empírica na área urbana de grande significado e impacto, dada a escassez de trabalhos e investigações em Portugal1.
Os trabalhos produzidos pelo CET, durante mais de 10 anos, traduziam uma grande diversidade de conteúdos e inovação teórica e metodológica com impacto no meio académico - e não só -, introduzindo metodologias pouco ensaiadas no país, como as abordagens do planeamento estratégico, as metodologias mais qualitativas, histórias de vida e abordagens participativas, etc.
Neste contexto, era muito significativa a produção científica anual, o que dava origem a colóquios nacionais, frequentemente com a presença de convidados internacionais. Destes colóquios emergiam publicações que gravitavam em torno do coletivo da equipa de Sociologia Urbana do ISCTE.
O Vítor Matias Ferreira era o decano desta equipa, o que detinha maior conhecimento do funcionamento da academia, uma rede de relações nacionais significativa e as ligações internacionais mais profícuas às várias universidades europeias, nomeadamente de Espanha, Itália e França.
Quando o Vítor Matias Ferreira apresentou, nos finais dos anos noventa, a ideia de criar uma Revista, todos aderiram, sabendo de antemão, que o grande esforço de lançamento e manutenção desse projeto seria da responsabilidade do entusiasmado proponente. Mas ainda, a imagem pública de Vítor Matias Ferreira, quer para o ISCTE, quer para o público em geral, era a garantia de um trabalho editorial de qualidade e idoneidade.
A discussão do momento era o fechamento do campo temático da futura Revista, que não pretendia concorrer com Revistas de colegas (nomeadamente, a revista onde todos colaborávamos, Sociedade e Território, dirigida por António Fonseca Ferreira) nem se distinguir pela falta de identidade, aceitando tudo o que se produzia sobre o “espaço urbano”. A ideia original era centrar-se naquilo que era a especificidade da abordagem dominantemente sociológica sem excluir outras abordagens analíticas próximas. Esta postura não significava um fechamento, como escreveria o Diretor da Revista Vítor Matias Ferreira no editorial do número 2 da CIDADES, Comunidades e Territórios, onde defende que esta, se “não tem a pretensão de construir um pensamento sobre as temáticas em causa, nem por isso considera dispensável o seu contributo, sem falsas modéstias, na construção de quadros de análise, de formulações problemáticas, enfim de teorias sobre as cidades”.
As razões que sustentavam este projeto estão desde logo enunciadas no editorial do número 1 da revista, profundamente pensado pelo Vítor Matias Ferreira e discutido por todos, onde se apresentam os principais objetivos da CIDADES, Comunidades e Territórios:
- Divulgação: procurando materializar e divulgar o património intelectual e profissional realizado no CET;
- Intercâmbio: fomento da colaboração com pensadores e investigadores desta área em Portugal e muito particularmente no estrangeiro;
- Propedêutica: um objetivo didático, quer através da divulgação dos avanços teóricos e metodológicos da produção científica, mas também através da própria estrutura da edição com “ensaios”, recensões de livros e edição de bibliografia especifica sobre temas de atualidade, bem como notícias de acontecimentos.
O Vítor Matias Ferreira, pelo seu esforço, imagem pública de idoneidade e rigor científico, pelo seu “fascínio da cidade” (Matias Ferreira, 2004), sempre foi a imagem da Revista, na sua primeira década, mesmo quando não a dirigia.
Ao passar os olhos pela Revista nos primeiros 10 anos de edição, o que mais sobressai é a presença alargada de todos os que em Portugal produziam conhecimento nesta área, independentemente das suas pertenças institucionais ou filiações ideológicas, do campo empírico, da diversidade de perspetivas, da maior ou menor proximidade ao ISCTE, mostrando quer a rede alargada de relações do seu diretor, quer a sua abertura intelectual e independência sociopolítica. Mas ressalta também a indelével presença dos grandes nomes da sociologia urbana internacional da época, como Manuel Castells, Jesus Leal, Oriol Nel.lo, Francesco Indovina, Roselyne Villanova, Michel Bonnetti, Jean Pierre Garnier, muitos autores brasileiros e tantos outros.
Da intenção à concretização vão anos-luz de preocupações, horas de trabalho na procura de apoios financeiros, de assinantes, centenas de telefonemas para os autores atrasados nas entregas, para os distribuidores menos ativos. Vivendo com alguns sobressaltos, a revista tomou corpo com apoios - a maioria desinteressados - da rede de relações do seu principal diretor e seria injusto não citar o precioso apoio de João Carlos Alvim, cuja experiência editorial foi indispensável nos primeiros anos, a colaboração desinteressada e paciente do fotógrafo da capa, Pedro Corte Real, e os patrocínios financeiros de várias câmaras municipais, da FCT, Instituto do Livro e das Bibliotecas, DGOTDU, REFER, entre muitos outros.
Para finalizar, lembro que a Revista CIDADES, Comunidades e Territórios deve uma profunda gratidão ao Vítor Matias Ferreira, cuja liderança visionária e compromisso inabalável com a excelência não apenas a moldaram, mas também a inspiraram, ajudando a formar inúmeros alunos, investigadores e leitores. A sua visão do que deveria ser uma Revista académica, com um olhar para o “mundo lá de fora”, foi um contributo incontornável, tendo deixado, desde o seu primeiro número, indelével marca na sua evolução até aos nossos dias.