1. Introdução
A destruição da biodiversidade é uma realidade que preocupa o mundo científico. Desde a conferência do Rio de Janeiro em 1992, a Conservação da Biodiversidade mereceu o estabelecimento de estratégias e planos de ação global.
Angola, situada na costa ocidental de África, possui a maior superfície da África Austral, sendo detentora de uma grande área de floresta tropical, a floresta do Maiombe em Cabinda, estimando-se que a sua flora em cerca de 8500 espécies (Neinhuis & Lautenschlager, 2018). Destas, estima-se que 27% sejam espécies endémicas, ocorrendo na sua maioria na região de Cabinda, Zaire e Uíge, e particularmente, na região do Planalto Central, um importante centro de endemismo do país (Linder, 2001).
A inventariação de vários ecossistemas demostraram a existência de uma notória pressão sobre os mesmos, dai a necessidade de avaliação de plantas ameaçadas. As primeiras tentativas de elaborar uma lista de plantas ameaçadas de Angola foram realizadas porOldfield, Lusty e MacKinven (1998) e Walter e Gillett (1998), sendo a primeira dedicada apenas a espécies arbóreas e a segunda focada no género Euphorbia. O trabalho de Walter e Gillett (1998) centrou-se fundamentalmente em espécies da família Euphorbiaceae, Aloaceae e muito poucas Leguminosae, com muitas das espécies estudadas incluídas na classificação de indeterminadas.
Golding (2002) realizou um trabalho em colaboração com o NBI (National Biodiversity Institute, Pretória), no âmbito do programa do estudo da biodiversidade da África Austral SABONET (Southern African Biodiversity Network) e identificou plantas ameaçadas na África Austral, sendo para Angola anunciado um total de 32 espécies ameaçadas. Em 2004, estavam avaliadas na IUCN (União Internacional da Conservação da Natureza) 34 espécies que ocorrem em Angola. O primeiro esforço nacional para a elaboração de uma lista nacional de espécies ameaçadas foi realizado com estudos de 2000 a 2008 e resultou na publicação do livro de Plantas Ameaçadas em Angola (Costa, Dombo & Paula, 2009). Esta obra constitui numa lista de plantas ameaçadas no qual constam 97 espécies.
2. Objetivos
Na sequência dos trabalhos de Costa et al. (2009), foi realizado trabalho de campo de 2012 a 2016 com o objetivo de determinar o grau atual de conservação das espécies nativas em Angola e inventariar as espécies ameaçadas existentes.
3. Material e métodos
3.1. Levantamento fitoecológicos
Novos estudos foram desenvolvidos, com a realização de inventários fitoecológicos nas províncias de Cabinda, Luanda, Cuanza Norte, Cuanza Sul, Huíla e Namibe (Figura 1). As espécies colhidas foram identificadas com o auxílio da bibliografia disponível, chaves dicotómicas existentes no Centro de Botânica e comparado o material existente nos Herbários do país, nomeadamente LUAI, LUBA e LUA.
3.2. Aplicação das categorias de classificação sugeridas pela IUCN
Foram aplicadas as categorias da IUCN (2014), de acordo com a Figura 2, com base no número de espécimes, área de ocupação e distribuição dos taxa estudados (Akçakaya, 2000; Mace et al. 2008). Foram levados em consideração fatores como pressão humana sobre as populações vegetais, a proximidade de áreas de ocupação humana e desenvolvimento agrícola e industrial. Por exemplo, os habitats mais degradados ocorrem perto de instalações humanas ou zonas de desenvolvimento agrícola ou industrial.
4. Resultados
Este estudo demostrou a presença de novas áreas bastantes degradadas, tendo diminuído a representação e área de ocupação de várias espécies. Foi avaliado o estatuto de conservação de 143 taxa, pelo que novas espécies são incluídas na lista de plantas ameaçadas de Angola.
No presente estudo são listadas 5 novas espécies em perigo de extinção. Em relação aos estudos realizados em 2008, as espécies Diospyros mespiliformis e Tylosema fassoglensis alteraram o seu estatuto de conservação de baixo risco (LR) para a categoria em perigo (EN), pois diminuiu para menos de metade a área de distribuição e têm sofrido grandes pressões pela exploração da madeira e produção de carvão.
As espécies Julbernardia gossweileri, Uapaca benguelensis e Uapaca gossweileri são listadas pela primeira vez e classificadas com a categoria em perigo (Tabela 1 e Figura 3).
Espécie ameaçadas | Categorias |
---|---|
Diospyros mespiliformis Hochst. ex A.DC. | Em perigo (EN) |
Julbernardia gossweileri (Baker f.) Torre & Hillc. | Em perigo (EN) |
Tylosema fassoglensis (Schweinf.) Torre & Hillc. | Em Perigo (EN) |
Uapaca benguelensis Müll.Arg. | Em Perigo (EN) |
Uapaca gossweileri Hutch. | Em Perigo (EN) |
Das 143 espécies avaliadas, 76 espécies foram classificadas em categorias de ameaça: 16 espécies em perigo (EN) e 60 espécies vulneráveis (VU) (Tabela 2). Além destas, 11 espécies são consideradas quase ameaçadas (NT) e apenas 34 se encontram numa situação pouco preocupante (LC). Na categoria informação insuficiente (DD) encontram-se 22 espécies pouco conhecidas, em que a informação disponível não permite fazer a avaliação do seu estado de conservação. A família Leguminosae é a mais representada neste estudo, com 42 taxa, seguida da família Euphorbiaceae com 27 taxa e as famílias Combretaceae e Meliaceae com 10 taxa cada (Figura 4).
Família | Nº de taxa por família | Nome | Estatuto de Conservação em Angola |
---|---|---|---|
Acanthaceae | 1 | Avicennia germinans (L.) L. | EN |
Apocynaceae | 2 | Ceropegia umbraticola K.Schum. | NT |
Diplorhynchus condylocarpon (Müll.Arg.) Pichon | VU | ||
Arecaceae | 1 | Hyphaene guineensis Schumach. & Thonn. | VU |
Asparagaceae | Sansevieria cylindrica Bojer ex Hook. | LC | |
Bixaceae | Cochlospermum angolense Welw. ex Oliv. | EN | |
Cactaceae | Rhipsalis baccifera (J.S.Muell.) Stearn | EN | |
Capparaceae | Boscia polyantha Gilg | LC | |
Chrysobalanaceae | Parinari curatellifolia Planch. ex Benth. | VU | |
Combretaceae | 10 | Combretum hereroense Schinz | LC |
Combretum imberbe Wawra | VU | ||
Combretaceae | 10 | Combretum molle R.Br. ex G.Don | LC |
Combretum psidioides Welw. | LC | ||
Combretum zeyheri Sond. | LC | ||
Laguncularia racemosa (L.) C.F.Gaertn. | EN | ||
Pteleopsis anisoptera (Welw. ex M.A.Lawson) Engl. & Diels | VU | ||
Pteleopsis diptera (Welw. ex M.A.Lawson) Engl. & Diels | VU | ||
Terminalia sericea Burch. ex DC. | VU | ||
Terminalia superba Engl. & Diels | LC | ||
Dipterocarpaceae | 1 | Trillesanthus macrourus (Gilg) Sosef | LC |
Ebenaceae | 3 | Diospyros kirkii Hiern | LC |
Ebenaceae | Diospyros mespiliformis Hochst. ex A.DC. | EN | |
Ebenaceae | Euclea natalensis A.DC. | LC | |
Euphorbiaceae | 27 | Euphorbia ambacensis N.E.Br. | NT |
Euphorbia atrocarmesina L.C.Leach subsp. atrocarmesina | DD | ||
Euphorbia atrocarmesina subsp. arborea L.C.Leach | DD | ||
Euphorbia berotica N.E.Br. | NT | ||
Euphorbia cannellii L.C.Leach | DD | ||
Euphorbia coerulans Pax | DD | ||
Euphorbia congestiflora L.C.Leach | DD | ||
Euphorbia cuneneana L.C.Leach subsp. cuneneana | DD | ||
Euphorbia cuneneana subsp. rhizomatosa L.C.Leach | DD | ||
Euphorbia dekindtii Pax | DD | ||
Euphorbia demissa L.C.Leach | D | ||
Euphorbia dispersa L.C.Leach | DD | ||
Euphorbia faucicola L.C.Leach | NT | ||
Euphorbiaceae | 27 | Euphorbia imitata N.E.Br. | NT |
Euphorbia indurescens L.C.Leach | NT | ||
Euphorbia ingenticapsa L.C.Leach | DD | ||
Euphorbia mwinilungensis L.C.Leach | DD | ||
Euphorbia nubigena L.C.Leach | DD | ||
Euphorbia oligoclada L.C.Leach | NT | ||
Euphorbia opuntioides Welw. ex Hiern | NT | ||
Euphorbia scitula L.C.Leach | DD | ||
Euphorbia semperflorens L.C.Leach | DD | ||
Euphorbia strangulata N.E.Br. subsp. deminuens L.C.Leach | DD | ||
Euphorbia strangulata N.E.Br. subsp. strangulata | DD | ||
Euphorbia vallaris L.C.Leach | DD | ||
Euphorbia viduiflora L.C.Leach | DD | ||
Spirostachys africana Sond. | VU | ||
Hypericaceae | 1 | Psorospermum febrifugum Spach | LC |
Irvingiaceae | Irvingia gabonensis (Aubry-Lecomte ex O'Rorke) Baill. | LC | |
Kirkiaceae | Kirkia acuminata Oliv. | VU | |
Leguminosae | 42 | Acacia erubescens Oliv. | VU |
Acacia mellifera subsp. detinens (Burch.) Brenan | VU | ||
Acacia sieberiana DC. | LC | ||
Acacia tortilis (Forssk.) Hayne | VU | ||
Acacia welwitschii Oliv. | VU | ||
Afzelia bipindensis Harms | VU | ||
Afzelia pachyloba Harms | VU | ||
Afzelia quanzensis Welw. | VU | ||
Albizia adianthifolia (Schum.) W.Wight | VU | ||
Albizia antunesiana Harms | LC | ||
Leguminosae | 42 | Albizia ferruginea (Guill. & Perr.) Benth. | VU |
Albizia gummifera (J.F.Gmel.) C.A.Sm. | LC | ||
Albizia versicolor Oliv. | VU | ||
Amblygonocarpus andongensis (Welw. ex Oliv.) Exell & Torre | VU | ||
Baikiaea plurijuga Harms | VU | ||
Baphia marceliana De Wild. | VU | ||
Bauhinia petersiana Bolle | LC | ||
Bauhinia thonningii Schum. | VU | ||
Bobgunnia fistuloides (Harms) J.H.Kirkbr. & Wiersema | EN | ||
Bobgunnia madagascariensis (Desv.) J.H.Kirkbr. & Wiersema | VU | ||
Brachystegia bakeriana Burtt Davy & Hutch. | VU | ||
Brachystegia gossweileri Burtt Davy & Hutch. | VU | ||
Brachystegia spiciformis Benth. | VU | ||
Brachystegia tamarindoides Benth. | VU | ||
Burkea africana Hook. | DD | ||
Colophospermum mopane (Benth.) Leonard | VU | ||
Dalbergia melanoxylon Guill. & Perr. | LC | ||
Dalbergia nitidula Welw. ex Baker | LC | ||
Erythrina abyssinica Lam. ex DC. | VU | ||
Erythrophleum africanum (Benth.) Harms | VU | ||
Faidherbia albida (Delile) A.Chev. | VU | ||
Guibourtia coleosperma (Benth.) Leonard | LC | ||
Isoberlinia angolensis (Benth.) Hoyle & Brenan | VU | ||
Julbernardia gossweileri (Baker f.) Torre & Hillc. | EN | ||
Julbernardia paniculata (Benth.) Troupin | VU | ||
Peltophorum africanum Sond. | VU | ||
Leguminosae | 42 | Pericopsis angolensis (Baker) Meeuwen | VU |
Prioria balsamifera (Vermoesen) Breteler | EN | ||
Pterocarpus angolensis DC. | VU | ||
Senna singueana (Delile) Lock | LC | ||
Tylosema fassoglensis (Schweinf.) Torre & Hillc. | EN | ||
Vigna vexillata (L.) A.Rich. | LC | ||
Loganiaceae | 3 | Strychnos cocculoides Baker | LC |
Strychnos pungens Soler. | VU | ||
Strychnos spinosa Lam. | LC | ||
Malvaceae | Adansonia digitata L. | VU | |
Dombeya burgessiae Gerrard ex Harv. & Sond. | LC | ||
Sterculia quinqueloba (Garcke) K.Schum. | VU | ||
Meliaceae | 10 | Ekebergia benguelensis Welw. ex C.DC. | DD |
Entandrophragma angolense (Welw.) C.DC. | EN | ||
Entandrophragma candollei Harms | VU | ||
Entandrophragma cylindricum (Sprague) Sprague | VU | ||
Entandrophragma utile (Dawe & Sprague) Sprague | VU | ||
Khaya anthotheca (Welw.) C.DC. | VU | ||
Khaya ivorensis A.Chev. | VU | ||
Lovoa trichilioides Harms | VU | ||
Trichilia emetica Vahl | VU | ||
Turraeanthus africana (Welw. ex C.DC.) Pellegr. | VU | ||
Moraceae | 3 | Ficus sansibarica Warb. | EN |
Ficus thonningii Blume | LC | ||
Milicia excelsa (Welw.) C.C.Berg | LC | ||
Ochnaceae | 1 | Ochna pygmaea Hiern | VU |
Pandanaceae | 1 | Pandanus welwitschii Rendle | LC |
Phyllanthaceae | 5 | Amanoa strobilacea Müll.Arg. | VU |
Bridelia scleroneura subsp. angolensis (Müll.Arg.) Radcl.-Sm. | LC | ||
Hymenocardia acida Tul. | LC | ||
Uapaca benguelensis Müll.Arg. | EN | ||
Uapaca gossweileri Hutch. | EN | ||
Polygalaceae | 1 | Securidaca longipedunculata Fresen. | VU |
Proteaceae | 1 | Faurea rochetiana (A.Rich.) Chiov. ex Pic.Serm. | VU |
Rhamnaceae | 2 | Berchemia discolor (Klotzsch) Hemsl. | VU |
Ziziphus mucronata Willd. | VU | ||
Rhizophoraceae | 3 | Rhizophora harrisonii Leechm. | EN |
Rhizophora mangle L. | EN | ||
Rhizophora racemosa G.Mey. | EN | ||
Rosaceae | 1 | Prunus africana (Hook. f.) Kalkman | VU |
Rubiaceae | 6 | Afrocanthium lactescens (Hiern) Lantz | LC |
Fleroya ledermannii (K.Krause) Y.F.Deng | VU | ||
Fleroya stipulosa (DC.) Y.F.Deng | VU | ||
Gardenia ternifolia Schumach. & Thonn. | VU | ||
Nauclea diderrichii (De Wild.) Merr. | VU | ||
Pavetta schumanniana F.Hoffm. ex K.Schum. | LC | ||
Rutaceae | 1 | Ptaeroxylon obliquum (Thunb.) Radlk. | VU |
Sapindaceae | Haplocoelopsis africana F.G.Davies | DD | |
Sapotaceae | Englerophytum magalismontanum (Sond.) T.D.Penn. | LC | |
Verbenaceae | Lippia adoensis Hochst. | LC | |
Vitaceae | Cissus quadrangularis L. | LC | |
Xanthorrhoeaceae | 2 | Aloe inamara L.C.Leach | NT |
Aloe mendesii Reynolds | NT | ||
Zamiaceae | 1 | Encephalartos laurentianus De Wild. | NT |
A atividade antropogénica é apontada como uma das principais causas da destruição da biodiversidade a nível mundial (McKeea, Sciullia, Foocea & Waitea, 2003). O mesmo se verificou em Angola, a maior ameaça à diversidade vegetal parece ser a degradação e redução de habitats, associada à sobre-exploração dos recursos biológicos.
Embora este estudo permita aumentar a lista nacional de plantas avaliadas, novos estudos devem ser promovidos para a atualização dos estatutos de conservação de muitas outras espécies, em particular as espécies endémicas.
5. Conclusão
À semelhança do que acontece na maioria dos países tropicais e subtropicais, a pressão humana em Angola é muito forte e os recursos naturais são muito utilizados para satisfazer as necessidades das populações locais.
Em Angola existem vários diplomas legais para assegurar a conservação da biodiversidade (Ministério do Urbanismo e Ambiente [MUA], 2006, 2007). Porém seria necessário exercer uma maior fiscalização com medidas adequadas, com vista à proteção especial das espécies ameaçadas, manutenção e regeneração da vegetação nativa, recuperação de habitats danificados, adotando medidas que permitem uma gestão sustentável dos recursos.
Além destas medidas, existe ainda a necessidade de realizar ações de formação e sensibilização destinadas a consciencializar a população em geral. Conforme argumenta Theodosiou-Drandaki (2000), a educação é fundamental para transmitir às gerações vindouras os valores da conservação e da educação ambiental.