1. Introdução
Apesar da grande oferta de recursos que o desenvolvimento tecnológico trou xe para a sala de aula, o manual didático ainda é um instrumento de trabalho privilegiado para alunos e professores.
Cunningsworth (1995, p. 7) considera algumas da funções do manual didático: 1) é fonte de material escrito e oral; 2) é um importante recurso de atividades para a prática e interação do aprendente; 3) é fonte de referências gramaticais, vocabulário, pronúncia, etc.; 4) fornece estímulos e ideias para ativi dades de aula; 5) funciona como programa, uma vez que reflete objetivos previa mente determinados; 6) proporciona meios de autoaprendizagem; 7) é um suporte para professores menos experientes.
McDonough, Shaw & Masuhara (2013, p. 67) consideram que “materials are often seen as being the core of a particular program and are often the most visible representation of what happens in the classroom”. O manual didático (MD) é uma importante referência sobre o que é necessário aprender na nova língua, fornece quantidade de material que permite o exercício de revisão de conteúdos, ajuda a controlar os progressos da aprendizagem, ao mesmo tempo que permite aos mais interessados e mais curiosos familiarizarem-se com os novos conteúdos. O uso de um manual tem também a vantagem de poder uniformizar o que é ensinado e avaliado num grupo mais vasto de alunos, uma vez que todos seguem o mesmo material.
Tomlinson (2012) destaca a importância dos materiais no ensino-aprendiza gem de línguas estrangeiras e surpreende-se com a pouca atenção que, de um modo geral, lhes é dada na área dos estudos linguísticos, uma vez que só a partir de meados dos anos 90 do século XX é que esta questão começou a ser tratada com rigor e seriedade pelos académicos. Até aí, os materiais não passavam de uma subsecção da metodologia de ensino.
No Decreto-Lei n.º 369/90, de 26 de Novembro (Ministério da Educação, Por tugal, 1990), pode ler-se a seguinte definição de manual escolar: “entende-se por manual escolar o instrumento de trabalho, impresso, estruturado e dirigido ao aluno, que visa contribuir para o desenvolvimento de capacidades, para a mu dança de atitudes e para a aquisição dos conhecimento propostos nos programas em vigor, apresentando a informação básica correspondente às rubricas progra máticas, podendo ainda conter elementos para o desenvolvimento de actividades de aplicação e avaliação da aprendizagem efectuada”. Esta perspetiva, ainda que aplicável a manuais escolares em geral, dá conta da importância do livro didático enquanto facilitador das aprendizagens, responsável pelos conteúdos de um pro grama, e também enquanto instrumento capaz de desenvolver capacidades e de mudar atitudes.
2. Objeto e objetivos do estudo
O manual, por si só, como refere Castro (1999), suscita múltiplos olhares em relação às ideologias que pode veicular e às funções culturais e pedagógicas que pode desempenhar.
Neste estudo, o olhar que nos interessa é o do manual no seu todo, enquanto instrumento pedagógico que se apresenta ao professor ou à instituição na sua multiplicidade de textos e atividades, para ser usado como base de trabalho e cumprir a missão de ensinar um grupo de aprendentes. Foram analisados 4 ma nuais de PLE para os níveis A1/A2, dois deles publicados em Portugal, para o mercado global, e dois desenhados para um público específico de aprendentes chineses - um editado em Macau e outro em Pequim.
Os objetivos do estudo são:
1. verificar em que medida os manuais didáticos de PLE atualmente disponí veis no mercado se modernizaram e procuram estar à altura dos desafios dos novos tempos;
2. contribuir para uma reflexão sobre a importância destes materiais no ensi no-aprendizagem de línguas estrangeiras.
3. A necessidade de avaliar manuais didáticos
A escolha de um manual com base na sua popularidade e não na eficácia pe dagógica deve ser evitada (Sheldon, 1988). Num tempo em que cresce o número de interessados na aprendizagem da língua portuguesa, impõe-se a necessidade de refletir sobre o valor pedagógico do manual didático e de ponderar sobre o que melhor responde ao desafio de ensinar a língua e corresponder às exigências locais e às especificidades dos aprendentes.
Os manuais, enquanto produtos comerciais, nem sempre correspondem às exi gências e necessidades dos estudantes. O aumento de publicações nem sempre é sinónimo de qualidade. Por vezes, o manual é uma amálgama de mau material habilmente comercializado (Brumfit, 1980). Na atualidade, frequentemente, os interesses comerciais das editoras se sobrepõem aos interesses pedagógicos e às reais necessidades dos aprendentes (Tomlinson, 2013). As editoras não têm em consideração as limitações de alguns contextos de ensino (Sheldon, 1988). Para responderem a critérios de mercado e darem lucros aos editores, os manuais apre sentam-se com diálogos muito artificiais (Sheldon, 1988), vazios de amostras de língua autêntica. Um MD editado para um mercado global, por princípios de conveniência editorial, procura distanciar-se de contextos culturais e de situações demasiado comprometidas com uma conjuntura político-social específica. Na sua génese estão, preferencialmente, materiais neutros. Deste modo, as editoras asse guram que o manual não perde atualidade e poderá ser um investimento válido para alguns anos. Na prática, os manuais apresentam-se vazios de atualidade e de língua viva, de temas que possam gerar interesse e discussão. Para que um manual seja credível e consistente no objetivo de ensinar e proporcionar o desenvolvimento de uma competência comunicativa na língua-alvo, não pode ignorar as propostas mais recentes da didática das línguas estrangeiras e da aquisição de segundas línguas. O manual didático deve ser elaborado com base na evidência empírica sobre a natureza do ensino e do uso da língua (Nunan, 1991).
Dada a importância do livro didático, impõe-se a necessidade de se fazer es colhas criteriosas e tomar as melhores decisões: “it has to be recognized that teaching materials can exert considerable influence over what teachers teach and how they do it. Consequently, it is of crucial importance that careful selection is made and that the materials selected closely reflect the aims, methods and val ues of the teaching programme (Cunningsworth, 1995, p.7). Além da influência significativa do manual sobre o que se ensina e aprende, McDonough, Shaw &
Masuhara (2013, pp. 67-68) destacam o facto de uma má escolha poder traduz ir-se em desmotivação para os alunos e desperdício de recursos: “The evaluation of current materials therefore merits serious consideration as an inappropriate choice may waste funds and time, not to mention the demotivating effect that it would have on students and possibly other colleagues”.
A escolha de um manual é um ato de responsabilidade. Tem custos financeiros elevados, encerra um determinado contrato de ensino que se estende por um ou mais períodos letivos, molda-se em função de uma determinada metodologia com a qual docentes e alunos têm que se identificar para desempenharem com sucesso os seus papéis no processo de ensino-aprendizagem.
Frequentemente, os docentes são chamados a decidir, por vezes num curto es paço de tempo, sobre qual o melhor manual a adotar. O que se faz com os poucos meios disponíveis é folheá-lo e decidir normalmente segundo uma apreciação muito genérica, impressionista e superficial. Só posteriormente, com o seu uso, o professor é confrontado com situações imprevistas, com atividades que resul taram menos bem, às quais os alunos não aderiram e que, ao invés de facilitar, se tornaram obstáculos à aprendizagem.
O livro didático é o principal instrumento e suporte pedagógico; no entanto, nem sempre inspira completa confiança e credibilidade junto dos seus utiliza dores. Como refere Sheldon (1988), os manuais didáticos são frequentemente vistos como males necessários. Os sentimentos de quem os utiliza oscilam entre a perceção de que são ferramentas válidas, que economizam tempo ao docente, e a convicção de que também são uma amálgama de material menos adequado ou mesmo “masses of rubbish skillfully marketed” (Brumfit, 1980, p.30). Numa visão ainda mais extrema, poderá responsabilizar-se o livro didático pelo fracasso das aprendizagens: “many would agree with Swales (1980) that textbooks, espe cially coursebooks, represent a ‘problem’, and in extreme cases are examples of educational failure (Sheldon, 1988, p. 237).
Hutchinson e Waters (1987, p. 97) consideram a avaliação do manual didáti co como sendo, basicamente, um processo de análise da correspondência direta entre as necessidades dos alunos e as soluções disponíveis: “textbook evaluation is basically astraight forward, analytical ‘matching process: matching needs to available solutions’.
Cunningsworth (1995) refere que, provavelmente, nada influencia tanto a na tureza do ensino e da aprendizagem como os manuais ou outros materiais utili zados. Nesse sentido, é da maior importância que sejam adotados os mais apro priados. Ainda para o mesmo autor, a avaliação e escolha de um MD de entre os vários que se encontram disponíveis no mercado, pode constituir um desafio.
Com o crescente desenvolvimento tecnológico, os aprendentes de uma língua estrangeira são atualmente muito mais informados e exigentes do que no passado.
4. Critérios para avaliar manuais didáticos
Cunningsworth (1995) considera que as variáveis que se conjugam para um manual ser (ou não) bem-sucedido são inúmeras, pelo que, quando se trata de fazer uma avaliação, os critérios devem ser limitados ao essencial. Ao longo das últimas décadas, com a publicação crescente de manuais didáticos para o ensino de línguas estrangeiras, foram também surgindo inúmeras propostas de análise de manuais que procuravam facilitar o processo da escolha pelo mais adequado (Cunningsworth, 1979; Williams, 1983; Cunningsworth, 1987; Sheldon, 1988; Cunningsworth, 1995; Tomlinson, 1998; McGrath, 2002; Tomlinson, 2010; Tomlinson, 2012; Tomlinson, 2013). Todos estes autores propuseram ferramentas de análise destes recursos pedagógicos que auxiliassem professores e/ou as en tidades responsáveis por essa escolha a tomar decisões informadas, conscientes, mais adequadas aos objetivos pretendidos, ao perfil e ao contexto cultural dos aprendentes. As publicações, no entanto, não propõem soluções perfeitas porque não há critérios de seleção perfeitos e, como refere Sheldon (1988), é talvez por esse motivo que muitas vezes, de forma apressada, os docentes ou outros respon sáveis seguem critérios de escolha de um MD baseado na popularidade que este possui num determinado momento e na convicção de que, se ele se vende bem, é porque alguma qualidade deve ter.
Da mesma maneira que não existem manuais perfeitos nem adaptados a todos os contextos, também não há critérios de análise completos, adequados a todos os perfis de estudantes. Estas listas de critérios para avaliação e seleção de materiais estão sempre incompletas e serão sempre passíveis de alterações. Algumas são demasiado simplistas, outras demasiado complexas ou até vagas e subjetivas, permitindo interpretações distintas e circunstanciais por parte dos avaliadores.
Cunningsworth (1995) salienta que diferentes critérios se aplicam a diferentes circunstâncias, pelo que é no terreno que se devem identificar as prioridades.
Sheldon (1988) considera que nenhuma fórmula ou sistema poderá fornecer um padrão definitivo, até porque a avaliação do livro não é uma etapa única - o sucesso ou insucesso de um determinado manual só pode ser verdadeiramente determinado após o seu uso na sala de aula. Ao mesmo tempo, é importante adap tar os critérios aos contextos a que se destinam porque nenhum critério global se pode ajustar a contextos particulares sem as devidas alterações: “The point is, of course, that any culturally restricted, global list of criteria can never really apply in most local environments, without considerable modification. We can be committed only to checklists or scoring systems that we have had a hand in developing, and which have evolved from specific selection priorities” (Sheldon, 1988, p. 242).
McDonough e Shaw (2003) propõem 24 critérios para proceder a uma ava liação interna e externa de um manual. A avaliação externa analisa a organização do manual e as intenções dos seus autores. A avaliação interna é uma etapa mais complexa que envolve olhar aprofundadamente para o MD (num mínimo de duas unidades) e refletir sobre aspetos como as competências linguísticas às quais dá mais ênfase, o modo como os conteúdos estão organizados e sequenciados, a natureza e adequação dos textos. McDonough e Shaw (2003) consideram que a avaliação de manuais didáticos pode ser preditiva, isto é feita antes do uso do livro, e retrospetiva, realizada depois de ter sido usado e “testado” com o envol vimento dos aprendentes.
Ellis (1997, p. 36) considera duas etapas importantes na seleção de um manual didático: o professor deve fazer uma avaliação geral, prevendo o que melhor se adapta ao contexto dos aprendentes, mas também uma avaliação retrospetiva, isto é uma avaliação adicional após o uso dos materiais e que avalia o que efetivamen te funcionou com o grupo de aprendentes: “Teachers […] are required to carry out a predictive overview evaluation of the materials available to them in order to determine which are best suited to their purposes. Then, once they have used the materials, they may feel the need to undertake a further evaluation to determine whether the materials have ‘worked’ for them. This constitutes a retrospective evaluation”. Nunan (1998) considera também que o processo de seleção de ma teriais didáticos deve ser efetuado através de procedimentos de avaliação siste máticos que tenham em conta as necessidades e os interesses dos aprendentes aos quais se destinam, e que estejam em harmonia com as ideologias institucionais.
5. O que dizem os professores sobre manuais de PLE
Um inquérito sobre manuais de PLE (Baptista et al., 2007) a docentes que lecionam nos leitorados de português espalhados pelo mundo permitiu concluir que quase todos assumem adotar um MD na sala de aula e, como, a maior parte dos professores de línguas estrangeiras, ainda recorrem ao manual como suporte básico da prática letiva quotidiana. No entanto, revelam estar descontentes com o material didático de que dispõem: cerca de 72% têm uma opinião negativa so bre os manuais usados. A razão do descontentamento deve-se à inadequação dos manuais ao contexto de ensino e à pouca qualidade do material. A maior parte assume a necessidade de complementar os livros didáticos com outros materiais, adaptados ou criados para o efeito.
Os professores participantes no inquérito (Baptista et al., 2007) afirmam que a qualidade dos textos não é satisfatória e estão desatualizados, tendo os docentes que recorrer a material da Internet, de jornais ou de outras fontes, mais atual, mais apelativo e mais motivador para os alunos. Os textos, geralmente dema siado simples e até mesmo infantis, não estão ajustados ao público adulto, na maior parte dos casos. Também as atividades propostas parecem ser inadequadas:
“Esta inadequação deriva, essencialmente, de três fatores: (i) alguns exercícios são demasiado simplistas e não permitem uma sistematização clara de regras gra maticais; (ii) alguns exercícios não permitem resolver dificuldades específicas de aprendentes de uma determinada língua materna, dando a ideia de que os exercí cios foram concebidos partindo-se do princípio que as dificuldades do português são comuns a todos, independentemente da língua materna do aprendente; (iii) a qualidade de alguns exercícios é questionável, não reflectindo usos correntes do português” (Baptista et al., p. 2007, 170).
Dos comentários dos docentes aos diferentes manuais usados, pode ler-se que o caderno suplementar tem exercícios demasiado fáceis; o método apresenta tex tos muito curtos; as situações comunicativas nem sempre são adequadas; o ma nual reflete apenas a realidade portuguesa da camada média alta; os materiais são desequilibrados em relação à gramática e aos textos; há muito pouca variedade de exercícios, de textos e de atividades; o manual é obsoleto e completamente desatualizado (Baptista et al., 2007).
Os resultados do estudo destes autores permitem concluir que, de um modo geral, os professores/leitores consideram a área da produção de materiais didá ticos de língua portuguesa muito deficitária, o que leva a que muitos docentes sintam a necessidade de preparar, adaptar e recorrer à Internet para procurar ma teriais mais recentes, mais atuais, e que contribuam para o enriquecimento da componente cultural, que consideram muitas vezes negligenciada nos manuais.
Deste estudo sobressai a importância de investir na produção de materiais di dáticos adequados e eficientes para o ensino-aprendizagem de português língua estrangeira.
6. Metodologia do estudo
6.1. A seleção docorpus
Os manuais de PLE que constituem ocorpusdo presente estudo são dois dos atualmente editados em Portugal para os níveis A1/A2:Passaporte para Portu- guês(doravante, manual 1) ePortuguês XXI(doravante, manual 2), ambos pu blicados pela LIDEL. São manuais elaborados à luz do Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas (Conselho da Europa, 2001) e destinados a todo o tipo de público, europeu e não europeu, que aprende a língua portuguesa pela primeira vez. São também objeto deste estudo os manuaisPortuguês para Ensino Universitário 1(doravante, manual 3), publicado na China (Pequim) pela editora
Foreign Language Teaching and Research Press, ePortuguês Global(doravante, manual 4), editado pelo Instituto Politécnico de Macau. Estes dois últimos foram elaborados especificamente para aprendentes chineses. No Anexo 1 é fornecida uma tabela informativa sobre os livros didáticos analisados.
Os três primeiros manuais são alguns dos mais frequentemente usados no 1.º ano da licenciatura em Estudos Portugueses da Universidade de Macau (UM) Português Global, não sendo, normalmente, adotado neste estabelecimento de ensino, foi selecionado por ser editado localmente para um público específico de aprendentes chineses.
6.2. Critérios que orientaram a análise dos manuais do corpus
No presente estudo, os manuais selecionados foram analisados em função de alguns dos critérios adaptados de Cunningsworth (1995), pelo facto de manterem toda a atualidade. Este investigador propõe uma lista de verificação constituída por 8 tópicos e 45 perguntas orientadoras que abrangem diferentes aspetos a con siderar no MD: os objetivos, odesigne a organização, os conteúdos linguísticos, o desenvolvimento das 4 competências, os temas, a metodologia implícita, o li vro do professor e considerações práticas, como a disponibilidade do manual no mercado. A estes critérios acrescentou-se o itemA Internet como recurso para aprender,uma vez que, com o grande desenvolvimento tecnológico em curso, impõe-se olhar para o modo como os livros didáticos, atualmente, se articulam com novos recursos de aprendizagem e com fontes de valioso material autêntico, como a Internet.
Além disso, como forma de melhor visualizar o modo como cada manual se organiza ou privilegia as diferentes componentes da língua, foi analisada uma unidade de cada livro didático, em função dos exercícios propostos para cada um dos seguintes tópicos:
1. Texto/leitura; 2. Compreensão escrita; 3. Produção escrita; 4. Com preensão oral; 5. Produção oral; 6. Vocabulário; 7. Gramática; 8. Fonética/pronúncia.
7. Apresentação e análise dos resultados
7.1. A definição de objetivos
Os manuais 1, 2 e 4 foram elaborados à luz das diretivas do QECR (Conselho da Europa, 2001) e revelam preocupação com a definição de objetivos que per mitem a alunos e professor ter presentes as metas a atingir e avaliar regularmente os progressos da aprendizagem.
7.2. Odesigne a organização
Os manuais 1, 2 e 4 procuram apresentar-se aos seus utilizadores como ma terial atraente, convidativo e moderno, à altura de um público atualmente mais exigente. Os livros didáticos devem ser atraentes - no uso da cor e das fotogra fias (Tomlinson, 2011); devem ser claros nolayout(organização, configuração) e visualmente apelativos (McGrath, 2002); devem ir ao encontro dos novos pa drões e estilos de vida dos jovens nascidos na era da imagem e da tecnologia. Os aprendentes de uma língua estrangeira são, atualmente, muito mais informados e exigentes. O aspeto visual ganhou importância (Cunningsworth, 1995). Espera -se que um MD seja eficiente a ensinar mas que, ao mesmo tempo, seja também sedutor. Material pouco atraente pode gerar desinteresse.
Os manuais 1, 2 e 4 são globalmente atraentes, modernos, atuais pela qua lidade gráfica, pela diversidade e atualidade das imagens que, mais ou menos abundantes, complementam informação e são veículo de aspetos particulares da cultura portuguesa - retratam pessoas, vivências e situações atuais.
O manual 3 é sóbrio e simples no grafismo, indiciando a pouca importância que esse aspeto possa ter, na perspetiva de um aprendente chinês, quando se tra ta de aprender uma língua. O foco da atenção dos alunos deve recair nos con teúdos a aprender. Os aspetos gráficos que possam distrair ou desviar a atenção do aprendente devem ser eliminados. A sobriedade deste MD, como já referido, coaduna-se com a ideia de rigor e concentração que se pretende que o aluno chi nês ponha nos estudos. A organização do manual favorece essa concentração e a possibilidade de ser seguido página a página, unidade a unidade, sem dispersão.
7.3. Os conteúdos linguísticos
Os manuais analisados dedicam muitas páginas ao ensino da língua nos seus aspetos morfossintáticos, lexicais e fonéticos. O ensino da gramática ocupa um lugar de destaque nos diferentes livros didáticos. O manual 3 coloca o conheci mento gramatical como objeto central do estudo da língua. Ensinar a gramática da língua-alvo é fundamental, mais ainda quando a estrutura desta é completa mente distinta da do idioma materno dos alunos chineses. Como salienta Swan (1985), as línguas são sistemas complexos, e chega a ser perverso não ensinar a gramática quando ela é desejável. O conhecimento da gramática de uma língua é absolutamente necessário. Sem gramática muito pouco pode ser transmitido (Wilkins, 1972). No momento de implementar um programa de línguas as cate gorias semânticas são tão importantes como as categorias formais (Swan, 1985).
O conhecimento da gramática é necessário para que uma comunicação eficaz aconteça. Um curso de línguas deve prever aulas que trabalhem explicitamente a gramática e as suas regras sem que, no entanto, isso signifique voltar a métodos tradicionais (Thompson, 1996).
Nos manuais analisados, geralmente, a partir de um texto, o aluno é levado a refletir sobre traços específicos da língua. A gramática surge destacada em notas informativas, na explicitação de regras de funcionamento, em quadros de conteú dos gramaticais mais relevantes (pronomes, verbos) e numa grande variedade e quantidade de exercícios estruturais, no livro do aluno e no caderno de exercícios.
O ensino de um idioma pode ser explícito ou implícito, declarativo ou pro cessual (Tomlinson, 2011). Em todos os livros didáticos analisados predomina o modelo da apresentação explícita e da “prática mecânica” (Ellis, 2002). Em nenhum deles foi encontrada uma abordagem da gramática que preconize o ca minho da descoberta de traços formais específicos e de regras de uso. Nos ma nuais, geralmente por questões de economia de tempo, as regras são explicitadas e sistematizadas.
E se sem gramática muito pouco pode ser transmitido, sem vocabulário nada pode ser transmitido (Wilkins, 1972). Existe em todos os MD analisados a preo cupação com o ensino do vocabulário e com os aspetos fonológicos da língua.
Em relação ao léxico, este surge contextualizado e relacionado com os temas do programa, destacado em listas ou através de exercícios diversificados: definir re lações semânticas ou gramaticais entre grupos de palavras; associar vocabulário a contextos ou temas específicos. No caso do manual 1, o vocabulário é também introduzido frequentemente através de fotografias. No MD 3, o léxico é apresen tado, desde a primeira unidade, em longas listas, com a respetiva tradução para chinês. Neste livro didático o conhecimento da gramática e do léxico que é exigi do ao aprendente é intenso, exaustivo e minucioso.
Nos diferentes manuais objeto deste estudo são também abundantes os exercícios que pretendem familiarizar os alunos com os sons da língua e promover o aperfeiçoamento da pronúncia, oscilando entre a repetição de palavras ou de frases isoladas e a leitura e audição simultânea dos textos escritos, breves ou mais extensos.
O MD 3 centra-se sobretudo nos conteúdos linguísticos. Desde a primeira unidade são apresentadas extensas páginas que explicitam as regras de funcio namento da língua e listas de vocabulário que o aluno deve decorar. Desde as primeiras unidades são propostas ao aluno atividades para ler, decorar e traduzir.
Parece não haver lacunas em nenhum destes livros didáticos relativamente à promoção do conhecimento linguístico. Porém, nem todos investem no uso da língua e no desenvolvimento das quatro competências linguísticas.
7.4. O desenvolvimento das quatro competências
O que distingue o ensino numa perspetiva comunicativa de metodologias pedagógicas mais tradicionais é o entendimento da competência comunicativa como o principal objetivo do ensino-aprendizagem de línguas (Brown, 2001).
Um dos princípios básicos para a aprendizagem é uma experiência rica no uso da língua (Tomlinson, 2010). É fundamental ensinar o idioma, gramática, vocabu lário, etc. em contextos reais, de modo a que os aprendentes tenham a perceção de como os diferentes itens se encaixam, do modo como a língua funciona com todos os seus elementos (Waring, 2006).
Nos manuais 1, 2 e 4 as tarefas surgem como uma atividade que se articula com outras, num modelo que alguns investigadores designam detask-suppor- ted(Ellis, 2014) e que combina diferentes tipos de atividades e tarefas, geral mente sem grande complexidade, que procuram envolver os alunos no uso da língua. Estes três manuais visam, desde as primeiras unidades, promover o de senvolvimento de uma competência comunicativa em língua portuguesa. Existe a preocupação de fornecer aos aprendentes uma ferramenta para se exprimirem numa variedade de situações que se pretende próximas do quotidiano, e de os tornar comunicadores hábeis no idioma-alvo. Para que a aprendizagem aconteça é importante estimular a participação dos estudantes em comunicação genuína (Tomlinson, 2013). Os materiais didáticos devem ter potencial para fomentar o gosto pela comunicação.
Nos três manuais referidos (1, 2 e 4), as atividades que procuram simular situações de comunicação da vida real são abundantes. O grau de interesse e de criatividade das atividades e tarefas propostas varia de manual para manual mas, no essencial, elas têm a capacidade para estimular o uso da língua na sua riqueza, variedade e em contextos de uso específicos. Nenhum dos três livros didáticos (1, 2 e 4) aborda a língua como um organismo frio, distante do aluno, ou como um aglomerado de regras gramaticais que não tem uso prático. Partilham a mesma ideia de língua viva, dinâmica e exigente, que se aprende pela apropriação, pelo efetivo envolvimento do aprendente ao usá-la para comunicar.
Embora o manual 3 proponha no final de cada unidade, quase sempre uma breve conversa de pares, esta atividade visa, principalmente, exercitar aspetos formais acabados de aprender. Neste MD são amplamente valorizados os aspetos formais, mas não é dado espaço ao desenvolvimento de uma competência comu nicativa em língua portuguesa. Esta opção pressupõe uma ideia de língua para conhecer em profundidade, num acumular sucessivo de conhecimentos que só a longo prazo permitem dotar o aprendente de uma competência para comunicar. Refletir sobre o desenvolvimento de competências numa língua estrangeira requer um olhar sobre a natureza do material didático.
Para os aprendentes de uma língua estrangeira adquirirem autonomia numa conversação eficaz na língua-alvo, é importante o contacto com modelos reais de falantes proficientes (Brown & Yule, 1983). A autenticidade de um texto decorre da sua capacidade de gerar situações comunicativas reais (Widdowson, 1978).
Estão identificadas algumas dificuldades no uso de material autêntico - a den sidade e os efeitos irónicos de algum vocabulário, os idiomatismos (Widdowson, 1998), ou o desconhecimento dos códigos culturais que os textos veiculam. No entanto, são também amplos e comprovados os benefícios. Os materiais autên ticos oferecem uma fonte rica de informações e têm o potencial de serem explo rados de diferentes maneiras e em diferentes níveis, de modo a desenvolver a competência comunicativa dos aprendentes (Gilmore, 2007).
Em relação à natureza dos textos, nos quatro manuais analisados, embora haja um esforço dos autores para recriar, através de diálogos orais ou escritos, situa ções do mundo real, o recurso a material autêntico é quase inexistente.
Apesar dos inegáveis benefícios dos textos autênticos como forma de promo ver um conhecimento real da língua, dos seus modelos naturais e contextos de uso específicos, nenhum destes livros didáticos se aventura na introdução deste tipo de textos para alunos de um nível inicial de aprendizagem.
O que define competência comunicativa é também o conhecimento sociolin guístico e da pragmática da língua (Canale & Swaine, 1980; Bachman, 1990;
Conselho da Europa, 2001). No entanto, a maior parte dos manuais de PLE, no meadamente os contemplados neste estudo, ignoram ou dão uma importância mínima a esses aspetos. Existe a ideia de que a pragmática só deve ser introduzida nos níveis mais avançados. Porém, esta componente da língua pode ser trabalha da a partir dos níveis iniciais. Gerir um programa de ensino de línguas é também gerir o tempo disponível. Tratando-se de uma língua estrangeira com uma gramá tica complexa como é a da língua portuguesa, o tempo parece ser escasso. Com pouco tempo, a opção é ensinar modelos de língua mais ou menos padronizados e preparar os alunos para situações básicas de comunicação que se ajustem, ainda que precariamente, a múltiplos contextos. Contudo, a completa ausência de co nhecimento sociolinguístico pode gerar um grande desfasamento entre a língua (mais artificial) que o aluno aprende dentro da sala de aula e a que ouve fora da sala, em contexto natural, por falantes nativos.
Nos manuais 1, 2 e 4, de um modo geral, os textos orais ou escritos têm po tencial paracontagiaremo aluno que, pelo uso, vai consolidando conhecimentos linguísticos. Os temas são tratados em contextos atuais, de jovens modernos e pessoas comuns que vivenciam problemas e situações quotidianas. No entanto, sendo exclusivamente forjados, falta-lhes a natural espontaneidade e autentici dade das situações reais. Se o manual proporciona estabilidade e segurança em relação ao que é necessário aprender, a inclusão de material autêntico pode gerar instabilidade, introduzir algumaperturbaçãona transmissão de conhecimentos controlados e previsíveis. Mas é essaperturbaçãoque introduz uma nova di nâmica no ensino, que cria desafios novos ao aprendente, que é potencialmente geradora de interesse e de curiosidade, e portanto capaz de induzir novas aprendi zagens. Material que não traz nada de novo, que não vem do mundo real e apenas serve como pretexto para introduzir vocabulário e ensinar a gramática de forma artificial, corre o risco de se tornar monótono e desinteressante. Estes MD, ao não optarem por material autêntico, tornam-se mais pobres nas amostras naturais de língua, da sua pragmática e dos seus contextos de uso. Pela escolha de textos que oferecem, procuram ajustar-se, de forma tranquila e sem grandes sobressaltos, a uma grande diversidade de públicos, pensados para não perderem atualidade durante alguns anos.
A natureza dos materiais desempenha um papel importante no desenvolvi mento das competências para ouvir, falar, ler e escrever. O material autêntico fornece modelos naturais de língua,inputrico, diversificado e contextualizado e, além disso, constitui uma amostra de particularidades da cultura da língua-alvo gastronomia, música, hábitos quotidianos, gostos e tempos livres, estilos de vida.
Aquilo que se nota, na maior parte dos manuais, e também nos que aqui foram analisados, é a introdução de textos próximos do autêntico, que tentam cumprir a função de familiarizar o aluno com a riqueza e com a diversidade linguística nos seus múltiplos contextos comunicativos. No entanto, é sempre possível incluir material autêntico nos manuais - poesia e música, por exemplo, para trabalhar a pronúncia, com a vantagem de ir sensibilizando os aprendentes para poetas e artistas de referência da cultura da língua-alvo.
Numa perspetiva de harmonização de diferentes metodologias de ensino, quando se trata de ensinar uma língua, o melhor caminho será o de familiarizar os alunos com todo o tipo de materiais (autênticos e não autênticos) porque todos podem servir determinados propósitos e oferecer vantagens para aprender aspe tos específicos do idioma ou do contexto de uso (Swan, 1985). No momento de se elaborar um MD é importante gerir o equilíbrio entre proporcionar ao aluno amostras naturais de língua falada ou escrita através de textos autênticos e ou tros mais simples, de carácter semi-autêntico, mas que têm o poder de envolver o aprendente na aventura da comunicação. No essencial, o importante é evitar textos que não despertem o interesse, que não suscitem a curiosidade, que infan tilizem o público aprendente, empobrecendo o processo educativo.
A leitura extensiva ou a “Free Voluntary Reading” (Krashen, 2004, p. 1) é crucial no desenvolvimento de competências. Ao longo das últimas décadas há cada vez mais evidência dos benefícios da leitura extensiva no desenvolvimento da proficiência na escrita, na gramática e no léxico. A leitura favorece a literacia (Krashen, 2004).
Tratando-se de refletir sobre MD e outros materiais pedagógicos, idealmente, os cadernos complementares que acompanham o livro do aluno deviam sobre tudo dar espaço à leitura extensiva e ao conhecimento da cultura da língua. Os manuais devem oferecer a possibilidade de mais narrativas de que os aprendentes possam usufruir (Tomlinson, 2013). Nenhum dos MD analisados propõe textos para leitura extensiva. Nos casos em que existem cadernos suplementares (ma nuais 1 e 2), eles servem apenas para complementar o livro do aluno e destinam -se a trabalhar aspetos formais da língua.
A leitura apresenta benefícios em todos os níveis de ensino, satisfaz os mais curiosos, os mais ávidos de saber, e os mais arrojados na aventura de aprender um idioma. O desafio é apenas o de fazer as escolhas adequadas para cada nível de ensino. Os manuais escolares lidam com o vocabulário mais superficial, mais elementar. Como o tempo de uma aula é escasso, uma das formas de poder apro fundar aprendizagens, pode ser, muito bem, através da leitura extensiva (Waring, 2006).
Apesar de todas as evidências que apontam para os benefícios deste tipo de leitura na aprendizagem de uma língua estrangeira, a tendência dos professores é alegar que não há recursos nem orçamento para seguir estes novos caminhos (Waring, 2006). No entanto, é muito importante que os alunos leiam muito, que sejam orientados para outros recursos de aprendizagem fora da sala de aula. Os manuais iniciam a caminhada no estudo da língua. A leitura extensiva permite alargar horizontes e aprofundar conhecimentos de outras dimensões linguísticas, da(s) cultura(s) particular(es) da língua-alvo e do mundo, em geral.
A dependência total de um MD não é benéfica. As necessidades de um grupo de estudantes raramente podem ser cobertas por um único manual, mesmo quan do selecionado tendo em conta as especificidades desse grupo (Cunningsworth, 1995). O livro didático é apenas um meio para aprender e não um fim em si mes mo (McGrath, 2002). Seguir apenas um MD pode potenciar o risco de o professor ensinar o manual em vez de ensinar a língua (McGrath, 2002).
Complementar o livro didático com outro material é sempre desejável. Adicio nar material suplementar equivale a acrescentar qualquer coisa de novo (McGra th, 2002). Os manuais 1 e 2 fazem-se acompanhar de um caderno complementar que, no entanto, oferece umcabazde exercícios estruturais descontextualizados, no prolongamento dos já propostos no livro do aluno. O caderno não acrescenta nada de novo e encarece o pacote, com lucros para as editoras mas sem benefícios adicionais para os estudantes. A abundância de exercícios não se traduz, forço samente, em aprendizagem efetiva, em ganhos pedagógicos. São, geralmente, exercícios desenhados para serem bem-sucedidos e proporcionar ao aprendente apenas domínio formal da língua.
Os meios para complementar um manual escolar passam, hoje em dia, pelo recurso à Internet.
7.5. A Internet como recurso para aprender
Nos dias de hoje, a Internet pode também ser a fonte desse material suple mentar útil e necessário a qualquer curso. O recurso àWebpode permitir que o material didático cumpra critérios impossíveis de reunir num único manual - material diversificado e permanentemente atualizado; material adequado e ca paz de atender a necessidades específicas dos aprendentes ou de um determinado momento da aprendizagem; material que pode ilustrar a autenticidade da língua e de situações de comunicação; material capaz de fornecer amostras da riqueza e diversidade cultural da língua-alvo.
Nenhum dos manuais aqui apreciados faz uso das potencialidades da Internet. Desde a década de 70 que novas perspetivas pedagógico-didáticas obrigam a re pensar e a adaptar os MD ao que de novo está a acontecer. No entanto, ainda que com significativos avanços e melhorias ao nível dos conteúdos e do grafismo, o formato dos manuais que temos é ainda o tradicional.
Caminha-se num processo de integração “natural” da tecnologia na prática pe dagógica (Mishan, 2013). Na atualidade, já não é possível ignorar os benefícios das novas tecnologias para o ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras. A In ternet não é apenas uma enorme biblioteca de conteúdo autêntico; é também um recurso para complementar o ensino que acontece na sala de aula, para promover aprendizagens mais individualizadas, ao ritmo e em função da disponibilidade de cada um e responder a necessidades específicas dos aprendentes (Slaouti, 2013).
Os tempos são de transição: de um manual impresso para modelos exclusiva mente digitais; de um manual elaborado por um ou dois autores, para manuais pensados por equipas multidisciplinares onde a uns caberá a tecnologia e a diver sificação dos meios e a outros a componente pedagógica. O livro didático apre sentar-se-á em breve com novos formatos. No presente, e porque as mudanças ocorrem lentamente, ainda percecionamos como necessário um conjunto de material que em cada aula possa constituir um apoio para docentes e aprendentes mas, tal como refere Mishan (2013), o futuro do ensino passa por uma relação natural entre professor, aluno e tecnologia.
7.6. Analisando uma unidade selecionada de cada manual
Como forma de ter uma ideia mais clara do modo como cada manual se orga niza em função das diferentes componentes da língua - isto é que lugar é dado à gramática, que relevância é dada ao vocabulário, à fonética, à variedade de atividades para trabalhar as 4 componentes linguísticas -, foi selecionado o tema “vida quotidiana” em cada um dos livros didáticos destecorpuse apresentados os resultados em gráfico. A unidade de cada MD foi analisada em função dos seguintes tópicos:
1. Texto/leitura; 2. Compreensão escrita; 3. Produção escrita; 4. Compreensão oral; 5. Produção oral; 6. Vocabulário; 7. Gramática; 8. Fonética/pronúncia.
A apresentação em gráfico de uma unidade é apenas uma pequena amostra em relação ao modo como cada um dos MD se propõe trabalhar as diferentes compo nentes da língua. No entanto, não é exemplificativa do que acontece em todas as unidades do manual. Em relação à componente da produção escrita, por exemplo, o que acontece é que, por se tratar do nível inicial de aprendizagem, ela pode estar ausente na unidade-amostra e, no entanto, estar presente noutras unidades.
A partir da apresentação do gráfico pode concluir-se que, de um modo geral, existe a preocupação de apresentar exercícios que trabalhem as diferentes com ponentes linguísticas. Neste caso, e eventualmente pelas razões já apontadas, a componente da produção escrita está ausente.
A mancha que se refere ao vocabulário é mais expressiva por se tratar, talvez, de um tema novo que exige o conhecimento de mais vocabulário para que o aprendente possa, por exemplo, falar sobre o seu dia-a-dia. A par disso, destaca -se o lugar dado à gramática e, recorrente neste manual, o espaço dado também à componente da produção oral.
Seguindo os mesmos critérios apresentados para o gráfico relativo à unidade do manual anterior, também aqui se pode concluir que existe a preocupação de apresentar exercícios que trabalhem as diferentes componentes linguísticas. Nesta unidade, a mancha gráfica mais evidente é a da gramática mas a que se refere à componente da produção oral também é muito expressiva. É ainda dado um lugar de destaque à compreensão escrita e à pronúncia.
Neste livro didático o foco está, visivelmente, na gramática, no léxico e na fonética. As atividades de compreensão oral são inexistentes, e são escassas as de compreensão escrita, de produção oral e de produção escrita. Embora nos restantes manuais a unidade amostra não seja vinculativa sobre o modo como as atividades são repartidas para cada componente da língua, neste MD a amostra é representativa do todo, uma vez que o foco é, efetivamente, a gramática, o léxico e a fonética.
O gráfico dá conta da preocupação com todas as componentes linguísticas. As atividades de compreensão e de produção oral estão presentes nesta unidade e também ao longo de todo o manual. O lugar atribuído à gramática e ao voca bulário é significativo, na tentativa de se adequar às expectativas e ao modelo de ensino tradicional dos aprendentes chineses aos quais este livro se destina expressamente.
8. Conclusões
Aprender uma língua é um processo complexo, pelo que é crucial a clarifica ção das metas e das etapas desse percurso. Conceber um modelo de ensino (dese javelmente centrado no aprendente) equivale a definir objetivos de ensino-apren dizagem que vão ao encontro das expectativas e necessidades do público-alvo.
Os manuais analisados explicitam, em termos gerais, os objetivos a alcançar e apontam as competências a desenvolver, consciencializando o aluno do caminho que tem que percorrer e do compromisso que deve assumir com a sua própria aprendizagem.
Um manual tem que ser eficaz a ensinar e apresentar-se apelativo. Material pouco atraente pode gerar desinteresse. No essencial, estes manuais são atraentes e atuais, em sintonia com os novos e mais exigentes padrões estéticos.
Diferentes conceções de língua e de ensino refletem-se na organização, na seleção dos conteúdos e nas propostas metodológicas de um manual. Na apresen tação dos conteúdos linguísticos, globalmente, por exigências editoriais e neces sidade de se ajustarem a um vasto público de utilizadores, os manuais analisados seguem ainda um modelo próximo do tradicional, privilegiando os aspetos for mais da língua. O ensino da gramática segue, frequentemente, o padrão conven cional da apresentação, prática e produção. São apresentadas regras explícitas de funcionamento de língua e propostas grandes quantidades de exercícios es truturais em que os alunos aplicam os conhecimentos transmitidos, seguindo o mecanismode um modelo dado.
Sendo reconhecido o valor da aprendizagem explícita como forma de salientar traços específicos da língua necessários para participar em atos comunicativos (Tomlinson, 2011), o caminho da descoberta, da consciencialização de como fun ciona a língua, de quando e como se usa - “consciousness-raising” (Ellis, 2002) - parece favorecer a aprendizagem mais do que a memorização, a mecanização de procedimentos. É um processo mais natural e, por isso, mais eficaz. Deve ser dada aos aprendentes a oportunidade de desenvolverem a sua própria compreen são de princípios gramaticais, estruturando e reestruturando progressivamente a língua através de experiências de aprendizagem indutivas que os encorajem a explorar o funcionamento da gramática em contexto (Nunan, 1988). A gramática deve ser adquirida numa apropriação natural e “orgânica” (Nunan, 1998). É a apropriação natural e intrínseca da língua que gera conhecimento eficaz. Mais do que decorar formas linguísticas, é importante percebê-las, percecionar o modo como ganham forma e se diferenciam em função do contexto.
Tomlinson (2010) considera que materiais didáticos demasiado focados em atividades que o aprendente realiza com facilidade e envolvendo pouco mais do que a memorização, criam a ilusão de que está a aprender. Muitos exercícios de senhados para trabalhar aspetos gramaticais específicos, demasiado explícitos na sua mecânica e realizados frequentemente em função de um modelo, transmitem ao aprendente a falsa ideia de que já conhece bem a língua, que é bom aluno porque é bem-sucedido na realização desses exercícios (Nunan, 1998). Frequen temente, o que acontece é que os estudantes realizam com correção uma grande variedade de exercícios gramaticais que lhes são propostos de forma explícita,
mas são incapazes de usar as estruturas gramaticais numa conversa espontânea. Ter um excelente domínio da gramática não equivale a ser bom comunicador; de nada serve, por exemplo, um bom domínio do pretérito perfeito em português se o aluno não consegue dizer ao professor a razão por que chegou atrasado à aula; de nada serve conhecer bem a gramática de uma língua se, numa situação em que é necessário pedir ou dar uma informação, esse conhecimento acumulado não é ativado. O que parece ser evidente é que um curso de línguas baseado apenas no conhecimento da gramática é insuficiente (Nunan, 1991).
As modernas pedagogias propõem um saber articulado entre as diferentes componentes da língua, de modo a que o conhecimento gramatical não surja com partimentado e diferenciado da prática e dos contextos comunicativos que lhe dão vida e lhe conferem sentido(s). O ensino da gramática não é tanto a transmissão do conhecimento, mas antes o desenvolvimento de uma competência (Larsen -Freeman, 1997). Enfatizar o conhecimento da gramática e desvalorizar o uso da língua resulta em insegurança, inibição ou incapacidade do aluno para comunicar.
Ensinar uma língua equivale a desenvolver no aprendente a capacidade para to mar parte numa comunicação espontânea em diferentes contextos, com diferen tes pessoas e com objetivos diferentes (Celce-Murcia & Larsen-Freeman, 1999). Adquirir uma competência comunicativa equivale a saber falar e a escrever numa língua, a compreender o que se ouve e o que se lê. Um dos princípios básicos para a aprendizagem é uma experiência rica e diversificada no uso da língua estrangeira (Savignon, 1974; Celce-Murcia & Larsen-Freeman, 1999; Nunan, 1998; Tomlinson, 2010; Tomlinson, 2013; Larsen-Freeman, 2014). À exceção do manual 3, nos manuais analisados, verifica-se que há uma tentativa de os adaptar às exigências dos novos tempos e à necessidade de preparar os alunos para serem proficientes.
Os manuais 1, 2 e 4 investem no desenvolvimento de competências básicas para comunicar. Procura-se, desde as primeiras unidades, propor aos aprenden tes ferramentas que os preparem para se exprimirem numa variedade de situa ções próximas do quotidiano fora da aula. Segundo Tomlinson (2013), para que a aprendizagem aconteça é importante estimular a participação dos aprendentes em comunicação genuína. Os materiais didáticos devem ter potencial para envolver genuína e afetivamente os alunos. As atividades devem encorajar uma reflexão pessoal e suscitar a manifestação de opiniões (Tomlinson, 2010).
À exceção do manual 3 (que procura corresponder ao perfil de alunos mol dados por um paradigma de ensino-aprendizagem muito tradicional, ávidos de conhecer a gramática e propõe, por isso, um conhecimento exaustivo dos aspetos formais da língua), os restantes MD incluem, desde as primeiras unidades, ativi dades comunicativas que incentivam os aprendentes a serem comunicadores na língua-alvo. As atividades que procuram simular situações de comunicação da vida real, ainda que simples e de realização breve, são abundantes. Especialmente nas unidades iniciais, são propostos frequentemente diálogos com um colega. Es tes diálogos, desde que não sejam puras imitações de modelos dados, bem como todos os momentos em que se pede ao aluno para dar a sua opinião sobre um as sunto ou manifestar preferências, são ocasiões de comunicação genuína. Relem brando o que diz Gilmore (2007), autenticidade pode referir-se a materiais, mas, também, aos participantes no ato comunicativo ou ao contexto social e cultural em que ele acontece. A aprendizagem dos aspetos formais tem que coexistir com a prática de atividades comunicativas. Ensinar, por exemplo, o modo imperativo em português apenas através de uma longa e variada lista de formas decoradas, é condenar essa aprendizagem a um longo processo de muitas falhas e pouco sucesso. Se, pelo contrário, estas formas verbais forem amplamente praticadas, através de situações reais ou próximas da realidade, o modo imperativo é muito mais facilmente assimilado e consolidado de forma duradoura. São as oportu nidades de uso que permitem ativar o “conhecimento inerte” (Larsen-Freeman, 2014) e trazê-lo para as realizações linguísticas do mundo real. A gramática não é uma componente isolada da língua, não é um mundo à parte. Ela é o coração que ganha vida num corpo que é a comunicação.
A natureza dos materiais tem também alguma relevância no sucesso da apren dizagem. O fracasso no uso da língua explica-se, em parte, pela ausência de ma terial autêntico. O ensino da gramática será mais efetivo na sala de aula se os aprendentes forem expostos a modelos reais de língua, de modo a que as espe cificidades formais que estão a ser ensinadas sejam percecionadas em diferentes contextos e experiências linguísticas (Nunan, 1988). São os textos autênticos que melhor servem o objetivo de dar a conhecer a riqueza da língua nos seus múlti plos contextos de uso.
Material elaborado apenas para explicitar aspetos formais, esvazia os manuais de amostras naturais de língua. Os textos não-autênticos podem ser de compreen são mais fácil, mas são os textos autênticos que oferecem a língua do mundo real (Nunan, 1998). A ausência de material autêntico empobrece o processo de ensino-aprendizagem. Faltando nas salas de aula modelos naturais da língua em uso, torna-se difícil fazer corresponder o que é aí ensinado ao que se passa no mundo real (Wray, 2000). Os materiais autênticos oferecem uma fonte rica de in formações e podem ser explorados de diferentes maneiras e em diferentes níveis, de modo a desenvolver a competência comunicativa dos aprendentes (Gilmore, 2007).
Nos quatro livros didáticos analisados, o material autêntico é quase inexis tente, embora haja um esforço para recriar, através de diálogos orais ou escri tos, situações próximas da realidade. Geralmente, os textos são elaborados para introduzir os temas ou os conteúdos linguísticos que se pretende ensinar. Estes manuais também não se complementam com recurso à Internet.
Swan (2005) considera que não há evidência de que os métodos tradicionais tenham falhado. Para este investigador, nenhum método se apresenta infalível diante da complexidade de aprender uma língua dentro da sala de aula e com pouco tempo disponível. Todas as abordagens são vulneráveis diante de circuns tâncias específicas como materiais pobres, a ausência de um plano de ensino ade quado, turmas excessivamente grandes, ou alunos desmotivados. Nessa medida, é necessário fornecer oportunidades para descobrir a língua nas suas múltiplas dimensões, para a experimentar, sentir, vivenciar, estabelecer generalizações e perceber as exceções, num processo gradual de descoberta e de consolidação da língua (que passará a ser também a do aprendente) para exprimir ideias, opiniões, gostos e preferências.
Optar por uma abordagem híbrida de ensino é garantia de melhores resultados nas aprendizagens. É importante que a gramática seja ensinada de forma mais indutiva do que dedutiva, mais contextualizada (e menos através de frases isola das), recorrendo muito mais a material autêntico, onde cada forma se revela no seu contexto natural, do que a material que serve apenas para elucidar os aspetos formais da língua. A competência gramatical faz parte de uma competência co municativa. Nessa medida, é necessária uma abordagem através da qual se ensina e se aprende como formar estruturas corretas mas também como as usar para comunicar (Nunan, 1998).
O que na atualidade se propõe é uma multiplicidade de estratégias, sem esta belecer a rutura com o passado. O conceito e a definição de gramática devem ser vir as diferentes perspetivas de abordagem - uma que enfatiza os aspetos estrutu rais da língua e a outra que enfatiza o seu uso para comunicar (Larsen-Freeman, 2014). E como a proficiência comunicativa se constrói desde as primeiras aulas, em paralelo com a aprendizagem de conteúdos formais, o manual tem de aliciar o aprendente para se aventurar no uso da língua através de tarefas comunicativas (Larsen-Freeman, 2014).
O manual didático deverá ser um instrumento pedagógico a cargo das insti tuições de ensino, liberto das regras de mercado, de compromissos e constran gimentos comerciais. Cada instituição educativa deverá definir os objetivos de cada curso, estabelecer um programa, designar equipas de trabalho preparadas e experientes para elaborar materiais em função desses objetivos e também das es pecificidades socioculturais do público-alvo. Os materiais didáticos são melhores se preparados por profissionais que têm mais conhecimentos e mais experiência nessa área (Sheldon, 1988; McGrath, 2002).
Hoje, mais do que nunca, ensina-se uma língua para preparar cidadãos para a globalidade, para a mobilidade de profissionais e de estudantes. Ser plurilin gue é uma prioridade num tempo de comunicação a nível planetário. As pessoas aprendem línguas para contactar com os outros, para interagir com o mundo que as rodeia, para estarem à altura de novos desafios, para fazerem parte ativa da modernidade em curso. O manual didático assume novas responsabilidades e tem de corresponder às exigências do novo milénio.