A língua portuguesa é elemento identitário, é locus constitutivo de muitos saberes e é instrumento de comunicação e construção individual e social de uma multitude de indivíduos, de grupos e de espaços territoriais, sentimentais e virtuais. Por via da sua viagem histórica, por diferentes geografias, e afetiva, por diferentes essências culturais, políticas, económicas e antropológicas, é pluricêntrica e ostenta uma riqueza de variantes e de variações que lhe dão pujança e lhe permitem assegurar o valor memorialístico e patrimonial de todos os que nela/por ela/com ela se expressam ou se querem vir a expressar, e, por isso, a aprendem. Estas especificidades permitem-lhe também ajudar a categorizar a inovação, por exemplo, pelos diferentes recursos de criação neológica e neonímica.
A grande diversidade interna (sobretudo fonética, semântica e lexical, mas também sintática e, em menor grau, morfológica) que se reconhece na língua portuguesa, associada à incontrolável multiplicidade de situações de contacto linguístico enformam diferentes estatutos (língua primeira ou materna, língua segunda e língua estrangeira, língua oficial e falares de fronteira, língua de herança e língua pessoal adotiva e ainda língua franca, entre outros). Todas estas particularidades complexificam o seu ensino e, por conseguinte, a sua aprendizagem. Privada de um organismo que a regularize ou, talvez, por isso mais livre nas suas inovações sintáticas e, sobretudo semânticas e lexicais, o português é a língua mais falada no hemisfério sul, é falada em todos os continentes e tem uma presença em nada despicienda nos meios e recursos digitais. A sua aprendizagem é muito pretendida, com diferentes objetivos, em diversas partes do mundo e em todos os níveis de ensino.
Pelo acima genericamente exposto se vê que o ensino da língua portuguesa é um domínio vasto, muito heterogéneo e deveras carente de investigação. Igual carência se regista a montante em relação às diversidades do português e às suas relações com todas as outras línguas com as quais está em contacto, e, ainda, a jusante, no que diz respeito ao impacto social, cultural, económico e político, mas também individual, dos seus usos.
Decidiu a Associação das Universidades de Língua Portuguesa (AULP) dedicar dois números da Revista Internacional em Língua Portuguesa (RILP) ao ensino da língua portuguesa e confiar-nos a edição; decisão que nos honra. No presente número, reunimos sete dos artigos que mereceram avaliação positiva da comissão científica constituída para o efeito e a cujos membros aqui agradecemos. Agrupámo-los sob o subtítulo: contextos e
perspetivas.
De facto, apresentam-se vozes de investigadores de espaços diferenciados (Angola, Brasil, China, incluindo Macau, Moçambique e Portugal) relativas a estudos em contextos totalmente distintos, a saber: contextos rurais, ensinos primário e superior, formação de professores, contextos diferentes de português língua estrangeira e português língua segunda / estrangeira para surdos. São, pois, contextos de distintos estatutos e especificidades e, embora apenas um dos artigos se refira explicitamente à poscolonialidade, certo é que este conceito está subjacente a quase todos os outros. Em todos os casos se problematiza a questão do ensino da língua portuguesa, sustentada por diferentes perspetivas estratégicas e metodológicas.
Realçam estes textos aspetos de motivação, de tipologia de aprendentes (incluindo as suas origens linguísticas e culturais e a sua formação prévia, se for o caso), de objetivos de ensino e de aprendizagem, de estratégias de ensino como o role play, de recursos digitais, e focam ainda as questões da necessidade da sensibilização e do diagnóstico, assim como a problemática das práticas de análise, mais ou menos, condicionadas por normas gramaticais. A rica panóplia de contextos e de perspetivas, além da sua dimensão informativa para o leitor interessado pelo lugar do português no mundo e pelo seu ensino, assume uma dimensão formativa para investigadores e professores, exemplificando possibilidades de abordagem e de estudo de variadas questões de investigação.
Subentende-se em todas as contribuições a necessidade de adaptação e localização de todo o processo de ensino, valorizando a diversidade.
Sustenta-se o conceito de sensibilidade cultural e linguística para que a aprendizagem tenha sucesso, sendo significativa. O ensino linguística e culturalmente sensível só é possível se se considerarem aspetos não só ecolinguísticos mas também epilinguísticos, juntamente com perspectivas diversificadas, assentes em contextos minuciosamente trabalhados e cujas particularidades são integradas no processo de ensino como facilitadores das aprendizagens.
O ensino da língua portuguesa, qualquer que seja o seu estatuto e qualquer que seja a sua intencionalidade é, pois, condicionado pela representação que professores e aprendentes fazem da própria língua, dos contextos em que operam e em que a pretendem vir a usar e das perspetivas sobre todo o processo, incluindo o valor que lhe reconhecem (ou não). A conceção do que é a língua portuguesa, além de perspetivar as suas dimensões
histórica, literária e cultural ,deve também considerar a sua relação com o conhecimento (tradicional e etnográfico, tecnológico e científico) e a respetiva verbalização, pelo que decorre necessariamente de questões emergentes dos seus muito variados usos e das respetivas situações de interação comunicativa. Testemunhos desta conceção são os estudos apresentados que estimamos serem contributos relevantes para uma maior divulgação sustentável e um melhor conhecimento da língua que nos une e que permite
que sejamos tão diferentes.