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Revista Internacional em Língua Portuguesa

versão impressa ISSN 2182-4452versão On-line ISSN 2184-2043

RILP vol.42  Lisboa dez. 2022  Epub 30-Ago-2022

https://doi.org/10.31492/2184-2043.rilp2022.42/pp.61-75 

Artigo Original

Factores associados às queimaduras pediátricas no Hospital Central de Maputo: revisão de 2 anos (2015-2017)

Luisa Ana Munguambe Huo1 

Natércia Emília Pedro Fernandes2 

Baltazar Gonçalo Mazungane Chilundo3 

1 Docente de Graduação na Faculdade de Medicina da Universidade Eduardo Mondlane e no Instituto Superior de Ciências e Tecnologia de Moçambique, investigadora.

2 Professora Associada da Faculdade de Medicina da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), investigadora.

3 Professor Associado da Faculdade de Medicina da Universidade Eduardo Mondlane, Médico especialista em Saúde Pública e Informação Estratégica, investigador.


Resumo

Foi realizado um estudo observacional analítico e transversal retrospectivo, com uma abordagem quantitativa, para identificar os factores associados às complicações de queimaduras em crianças de um mês aos 14 anos de vida, no período de 2015-2017. O estudo foi realizado no Departamento de Pediatria do Hospital Central de Maputo (HCM) - Moçambique, nos serviços de Urgência de Pediatria, Cirurgia Pediátrica e Cirurgia Plástica. Constituiu como população deste estudo 206 crianças com queimaduras, sendo esta a principal causa de internamento hospitalar. Os resultados mostraram que grupo mais afectado por queimaduras foram crianças entre 1 - 4 anos 54,4% (112/206), as principais causas de queimadura foram líquidos quentes 41,7% (86/206) p=0,016 e a maioria das lesões tinha profundidade de 2º grau superficial e profundo (44,2%) p=0,000. As crianças com queimadura por chamas/fogo apresentaram lesões com profundidade de 2º e 3º grau e um período médio de internamento mais longo (33,72; IC: 27,52; 39,92) p=0,000. Os líquidos quentes constituem a principal causa de queimaduras em crianças internadas no HCM e afectam principalmente as crianças menores de 5 anos.

Palavras-chave: queimaduras pediátricas; crianças hospitalizadas; causas de queimaduras; profundidade de queimaduras; resultados de queimaduras

Abstract

An analytical, cross-sectional, retrospective observational study was carried out, with a quantitative approach, to identify factors associated with burn complications among children aged one month to fourteen years old, in the period 2015-2017. The study was carried out in three units (Emergency, Pediatric Surgery and Plastic Surgery) of the Department of Pediatrics of Maputo Central Hospital - Mozambique. The population of this study consisted of 206 children with burns, which is the main cause of hospital admission. The results showed that the group most affected by burns were children between 1 - 4 years old 54.4% (112/206), the main causes of burns were hot liquids 41.7% (86/206) p=0.016 and most of the lesions were of 2nd degree depth (44.2%) p=0.000. Children with flame/fire burns had 2nd and 3rd degree injuries and a longer mean hospitalization (33.72; CI: 27.52; 39.92) p=0.000. Hot liquids are the main cause of burns in children hospitalized in the HCM and mainly affect children under 5 years of age.

Keywords: pediatric burns; hospitalized children; causes of burns; depth of burns; burn outcomes

Introdução

As queimaduras são uma das principais causas de hospitalização, e estão associadas a uma morbilidade e mortalidade significativas, particularmente em crianças com idade inferior a quatro anos (1)(2). Em todo mundo, entre todas as causas de morte devido a lesões, em crianças menores de 5 anos, as queimaduras são a principal causa sendo que 95% destas ocorrem em países de baixa renda (3). As queimaduras na infância constituem uma enorme carga socioeconómica sobre os indivíduos, suas famílias e serviços de saúde (4) e constituem o quarto tipo de trauma mais comum em todo o mundo, após acidentes de trânsito, quedas e violência interpessoal (5). Estudos realizados demonstraram que em populações pediátricas, queimaduras por escaldões representam o mecanismo mais frequente, correspondendo a cerca de 60% a 75% de todos os pacientes queimados hospitalizados, seguido por chama e queimaduras de contacto (6).

As crianças, devido à curiosidade e imaturidade física e cognitiva, possuem alta susceptibilidade à ocorrência de acidentes. A maior incidência de queimaduras nos membros e em regiões superiores do corpo pode estar relacionada com a posição da criança em relação ao agente causador. Crianças pequenas puxam para perto dos seus corpos recipientes com conteúdo quente, como panelas no fogão, travessas na mesa e bacias com roupa de molho em água quente. (7). Dessa forma, em razão das particularidades que as tornam mais vulneráveis, demandam uma vigilância intensa e actuação eficaz dos adultos, com o intuito de promover sua protecção e o bem-estar (8).

Em Moçambique não se conhece a prevalência e a taxa de mortalidade por queimadura em crianças. Um estudo realizado em 2015, no Hospital Central de Maputo (HCM), em Moçambique, com uma amostra de 39 crianças com queimadura mostrou que a maioria das queimaduras tinha ocorrido devido a escaldões (26/39), principalmente através da água do banho, seguido por queimaduras de fogo (11/39) e que mais de um quarto das queimaduras ocorreu na ausência de um cuidador (9). O presente estudo foi realizado com o objectivo de caracterizar os factores associados aos diferentes tipos de queimaduras em crianças internadas no Hospital Central de Maputo - Moçambique, no período de 2015-2017.

Métodos

O HCM localiza-se na cidade de Maputo e foi fundado em 1906, é de nível quaternário de referência nacional. Possui uma rede integrada de serviços, dos quais, sete Departamentos de referência onde estão inclusos serviços de apoio clínico, a destacar: Bloco Operatório, Urgências de Adultos, Unidade de Cuidados Intensivos, Serviço de Anestesia e Dor, Unidade de Hemodiálise, Banco de Sangue, Laboratório de Análises Clínicas, Imagiologia, Medicina Física e de Reabilitação, Medicina Legal, Anatomia Patológica, Central de Esterilização, Farmácia, Arquivo Clínico e Administração. O Departamento de Pediatria é de referência nacional e serve à população da cidade e província de Maputo. Tem uma capacidade de trezentas e vinte e cinco (325) camas que correspondem a 21,7% do total das camas existentes no HCM e estão distribuídas em nove Serviços: Urgência 39 camas, Neonatologia 80 camas, Lactentes 35 camas; Doenças Gerais 49 camas, Malnutrição 27 camas, Infecto-contagiosas 30 camas, Pneumologia Pediátrica 36 camas e Cirurgia Pediátrica 30 camas. No Departamento existem três sectores, nomeadamente, (i) internamento, (ii) atendimento externo e (iii) sector administrativo.

Foi realizado um estudo observacional analítico e transversal retrospectivo. O Departamento de estatística do Hospital Central de Maputo registou entre os anos 2015 a 2017 um total de 442 casos de queimaduras em crianças, dos 93 (45%) do sexo feminino e 113 (55%) do sexo masculino.

Em 2015 foram internadas 160 (36%) crianças das quais 73 crianças são do sexo feminino e 87 do sexo masculino, em 2016 foram internadas 163 (37%) crianças e destas 64 são do sexo feminino e 99 são do sexo masculino e em 2017 foram internadas 119 (27%) crianças das quais 52 do sexo feminino e 57 do sexo masculino. Foi calculada uma amostra com a base na fórmula:

n=N.Z2.p.(1-p)(N-1).e2+Z2.p.(1-p)

Tendo um nível de confiança de 95% e assumindo uma margem de erro de 5%, obteve-se uma amostra total de 206 sendo 93 (45%) do sexo feminino e 113 (55%) do sexo masculino. Para calcular a mostra correspondente a cada ano primeiro calculou-se a proporção: Número de casos registados em cada ano por total de casos registados em 3 anos e multiplicou-se por número total de amostra (206). Tendo em conta que a população foi dividida em 2 estratos bem definidos: Sexo feminino e masculino. Para calcular o número de crianças por sexo em cada ano dividiu-se o total de crianças por sexo pelo total de ambos sexos nesse ano e multiplicou-se pelo tamanho de amostra correspondente ao referente ano.

Para amostra anual foi assumido 75 casos em 2015 dos quais 34 eram de sexo feminino e 41 do sexo masculino, 76 casos em 2016 dos quais 30 crianças eram de sexo feminino e 40 de sexo masculino e 55 casos em 2017 dos quais 29 são do sexo feminino e 26 de sexo masculino. Em relação à proveniência das crianças vítimas de queimaduras a província e cidade de Maputo possuem maiores percentagens das crianças internadas 82 (39,8%) e 81 (39,3%) respectivamente.

A colheita de dados foi feita nos processos clínicos e livros de registo dos serviços de Urgência de Pediatria, Cirurgia Pediátrica e Cirurgia Plástica e através de uma ficha contendo variáveis qualitativas e quantitativas. Foi feita análise exploratória de dados para a descrição do perfil sociodemográfico das crianças vítimas de queimaduras. Para verificar a existência de associação entre os factores associados, foi aplicado o teste do Qui-quadrado (χ2). Foi feita Análise de Variância ou ANOVA para as comparações médias múltiplas em cada categoria do factor, com auxílio do programa estatístico SPSS versão 22 e o nível de significância estabelecido foi de 5%. Os resultados obtidos foram apresentados em tabelas comparativas.

Aspectos Éticos

O estudo teve início após autorização da Direcção do HCM (carta com referência 997/024/DCIEFHCM/18) e aprovação pelo Comité Institucional de Bioética em Saúde da Faculdade de Medicina e HCM (CIBS FM & HCM) com referência CIBS FM & HCM/056/2018 e solicitou-se a aprovação do Comité Científico da Faculdade de Medicina & HCM com o número de referência |0|0|5|6|-|1|8| CIBS FM&HCM/56/2018.

Resultados

Das 206 crianças envolvidas no estudo, 113 (54,9%) são do sexo masculino e com uma variação da idade (2 meses e 14 anos) e 93 (45,1%) do sexo feminino e a variação da idade foi de 6 meses e 14 anos, (razão M: F 1,2: 1). Em ambos os sexos, a idade mediana foi de 4 anos e a idade média das crianças foi de 5,3 ± 4,27. As crianças com 2 anos de idade apresentaram maior proporção de pacientes internados 39 (18,9%).

Queimaduras de acordo com os grupos etários e sexo

Em relação a idade, o grupo etário de 1-4 anos apresentou maior proporção 112 (54,4%) das crianças com queimaduras em ambos os sexos comparando com outros grupos etários. Não houve diferença significativa entre o sexo e o número de crianças internadas em cada grupo etário (p = 0,279).

Tabela 1 Distribuição de queimaduras por sexo e grupo etário 

Grupo etário Masculino N (%) Feminino N (%) Total p
<1 Ano 8 (3,9%) 5 (2,4%) 13 (6,3%)
1 - 4 Anos 55 (26,7%) 57 (27,7%) 112 (54,4%)
5 - 9 Anos 27 (13,1%) 14 (6,8%) 41 (19,9%)
10 - 14 Anos 23 (11,2%) 17 (8,3%) 40 (19,4%)
Total 113 (54,9%) 93 (45,1%) 206 (100%) P=0,279

Grupos etários versus agentes das queimaduras

As lesões mais frequentes em todos os grupos etários foram queimaduras por líquidos quentes, representando 136 (66%), seguida por chamas/fogo 57 (27,7%) e por corrente eléctrica 13 (6,3%). Em relação aos grupos etários, as crianças no intervalo de 1 a 4 anos registaram maior ocorrência de queimaduras 86 (41,7%) e a causa foram os líquidos quentes, 20 (9,7%) por chamas/fogo e em menor proporção por queimaduras por corrente eléctrica 6 (2,9%). Houve uma relação significativa entre os grupos etários e as causas de queimaduras (P=0,020).

A idade média em relação às queimaduras por líquidos quentes, chamas/fogo e corrente eléctrica foram 4.56±4.0, 6.61±4.44 e 7.38±4.5 anos e mediana 3, 5 e 8 anos respectivamente. A média da idade foi significativamente diferente entre as causas de queimaduras (p=0,002).

Apesar das crianças do sexo masculino constituírem o maior número de pacientes internados, a relação sexo da criança e as causas da queimadura não foi significativa (p=0,516).

Tabela 2 Distribuição dos grupos etários e características clínicas, em relação às causas das queimaduras 

Total (N) Causas de queimaduras N (%) P
Líquidos quentes Fogo/ chamas Corrente eléctrica
<1 Ano 13(6,3%) 8 (3,9%) 5 (3,9%) 0 (0%)
1-4 Anos 112 (54,4%) 86 (41,7%) 20 (9,7%) 6 (2,9%)
5 -9 Anos 41 (19,9%) 22 (10,7%) 16 (7,8%) 3 (1,5%)
10-14 Anos 40 (19,4%) 20(9,7) 16 (7,8%) 4 (1,9%)
Total 206 (100%) 136 (66%) 57 (27,7%) 13 (6,3%) P=0,020
Idade média + Desvio Padrão 5±4.27 4,56±4 6,61±4,44 7,38±4,5
Idade mediana (Min-Máx) 4 (0,2-14) 3 (0,2-14) 5 (0,3-14) 8 (2-14) P= 0,002
Masculino 113 72 (35%) 32 (15,5%) 9 (4,4%)
Feminino 93 64 (31,1%) 25 (12,1%) 4 (1,9%) P= 0,516
Características clínicas
Queimaduras não infectadas 187 (90,8%) 122(59,2%) 52 (25,2%) 13 (6,3%)
Queimaduras infectadas 9 (9,2%) 14 (6,8%) 5 (2,4%) 0 (0%)
Grau não especificado 42 (20,4%) 26 (12,6%) 8 (3,9%) 8 (3,9%)
II grau superficial e profundo 118 (57,3%) 91 (44,2%) 25 (12,1%) 2 (1,0%)
II e III grau 28 (13,6%) 14 (6,8%) 0 (0%) 14 (6,8%)
III grau 18 (8,7%) 5 (2,4%) 10 (4,9%) 3 (1,4%) p=0,000
Média da superfície queimada N=147 (15±9,7) N=99 (13,34±8,02) N=43 (18,8±11,12) N=5 (19,2±17,9)
Mediana (mín-máx) 14 (1-50%) 11 (1- 40%) 16 (3-50%) 13(5-50%) p=0,005

Características clínicas versus causas das queimaduras

Em 42 (20,4%) das crianças, o grau das lesões não foi especificado sendo os líquidos quentes foram as causas de queimaduras em 26 (12,6%) crianças neste grupo. As queimaduras do 2º grau superficial e profundo foram as mais frequentes em comparação com as outras profundidades 118 (57,3%), destas a maior proporção 91 (44,2%) foi por líquidos quentes. Nas lesões do 2º e 3º grau associado foi registado 28 (13,6%) e o maior registo 14 (6,8%) foi para líquidos quentes e igual proporção para queimaduras eléctricas e não houve registo de crianças com queimaduras por chamas/fogo. Foram registadas 18 (8,7%) crianças com lesões do 3º grau, a maior proporção 10 (4,9%) foi registada em queimaduras por chamas/fogo. A relação entre a profundidade da lesão e a causa da queimadura foi significativa (p=0,000).

Dos 206 processos clínicos analisados, a superfície corporal queimada estava registada em apenas 147 sendo que destes a percentagem média da superfície corporal queimada foi de 15±9,7 e 50% das crianças internadas tinham no máximo 14% da área corporal queimada. Em todos os casos a média da superfície corporal queimada não foi significativamente diferente entre crianças do sexo masculino (14,45% ± 9,6; n = 86) e crianças do sexo feminino (16,08 ± 9,8; n = 61), (p = 0,322). As crianças com queimaduras por líquidos quentes apresentaram uma média inferior da superfície corporal queimada (13,34±8,02 n=99), e as médias elevadas da superfície corporal queimada foram verificadas em queimaduras por chamas/fogo e eléctricas (18,8±11,12; n=43) e (19,2±17,9; n=5), respectivamente. Metade das crianças com queimaduras por chamas/fogo tinham no máximo uma superfície corporal queimada de 16%, e esta superfície foi considerada elevada em comparação a mediana da superfície corporal queimada por líquidos quentes e corrente eléctrica. A percentagem média da superfície de queimadura foi significativamente diferente entre as causas de queimaduras (p= 0,005).

Superfície corporal versus tipo de agente

Metade das crianças com queimaduras por líquidos tinha área da superfície queimada de 11% no máximo, considerada inferior em relação a 50% das áreas afectadas por queimaduras por corrente e chamas/fogo. Metade das crianças com queimaduras por chamas/fogo tinham no máximo uma superfície queimada de 16%, considerada uma área afectada superior em relação as outras superfícies corporais queimadas por líquidos quentes e corrente eléctricas. Nas queimaduras por líquidos quentes e chamas/fogo observou-se que algumas crianças tinham valores das superfícies corporais queimadas que diferenciam drasticamente (outliers) de outras superfícies e tais valores considerados outliers moderados enquanto nas queimaduras por corrente eléctrica o único valor é considerado um outlier mais afastado.

Figura 1 Relação entre a superfície corporal afectada e o tipo de agente 

Superfície corporal afectada e graus de queimadura

Como ilustra a tabela 4, 50% das queimaduras com lesões do 2º e 3º grau associado tinham uma área da superfície corporal queimada de 16% no máximo e as do 3º grau 50% das crianças tinham até 9,5% da superfície corporal queimada. Em relação a todos os graus de queimaduras observou-se que algumas crianças registaram valores discrepantes da superfície corporal queimada em comparação com outras crianças. Com uma confiança de 95%, verificou-se que as crianças com a profundidade das lesões correspondente ao 2º e 3º grau associado registaram um valor médio da superfície corporal queimada superior e correspondente a 20,06±12,31 e os valores médios inferiores da superfície corporal queimada foram observados nas crianças com lesões do 2º grau superficial e profundo e 3º grau 14,20±8,46 e 14,39±12,03 respectivamente. O limite inferior da superfície corporal nas queimaduras do 2º e 3º grau associado assemelha-se aos valores médios da superfície corporal queimada em crianças com queimaduras do 2º grau superficial profundo e 3º grau.

Tabela 3 Superfície corporal afectada pelas queimaduras entre graus de queimaduras 

N (%) Min Max Mediana Média IC95% Intervalo interquartil
2º Grau superficial e profundo 108 (74%) 1 50 13 14,20 12,59;15,81 8,0: 19,75
2º e 3º grau 24 (16,4%) 5,0 50 16 20,06 14,86;25,26 10,26: 25,75
3º Grau 14 (9,6 %) 4 50 9,5 14,39 7,44; 21,33 8,0: 19.0

Gravidade das queimaduras

No Hospital central Central do Maputo, a abordagem do grande queimado tem como critérios: Crianças com queimaduras do 2º grau> 10%, queimaduras do 3º grau> 5%, queimaduras na cabeça, face, pescoço com ou sem lesão nas vias aéreas, queimaduras do períneo, genitálias, articulações ou superfícies circulares com compromisso ventilatório/ circulário, queimaduras e traumatismo associado e queimaduras eléctrica de alta voltagem> 100 Volts. Olhando para a tabela 5, foram identificadas no estudo 89 (61,4%) crianças cuja superfície corporal afectada estava acima de 10% em relação a todos graus de queimaduras.

Tabela 4 Superfície corporal queimada (SCQ) e gravidade das queimaduras 

II grau superficial e profundo II e III grau III grau Total
SCQ <5% 15 (10,3%) 2 (1,4%) 3 (2,1%) 20 (13,8%)
SCQ de 5% a 10% 27 (18,6%) 4 (2,8%) 5 (3,4%) 36 (24,8%)
SCQ> 10% 65 (44,8%) 18 (12, 4%) 6 (4,1%) 89 (61,4%)
Total 107 (73,8%) 24 (16,6%) 14 (9,7%) 145 (100%)

Também são consideradas graves as queimaduras significativas na cara, olhos, orelhas e na região genitália e articulações. Nas 206 crianças do estudo 24,3% tiveram os membros superiores acometidos, 22,8% o tórax/membros superiores e inferiores/abdómen/região genital/glúteos /coxas, 18,4% a cabeça/ tronco/membros superiores/membros inferiores e 17,5% a face/ pescoço/tórax/ membros superiores.

Tabela 5 Distribuição das regiões anatómicas afectadas pelas queimaduras 

Regiões do corpo atingidas pelas queimaduras N %
Cabeça/Tronco/Membro (s) superior (s) / Membro (s) Inferior (s) 38 18,4%
Face/ Pescoço/ Tórax/ Membro (s) superior (s) 36 17,5%
Membro (s) superior (s) 50 24,3%
Membro (s) inferior (s) 17 8,3%
Tórax/ Membro (s) superior (s) e inferior (s)/ Abdómen/ Região genital/ Glúteos/ Coxa 47 22,8%
Abdómen/ Nádegas 6 2,9%
Cavidade Oral 1 0,5%
Região genital/ Períneo 11 5,3%
Total 206 100,0%

Tempo de internamento versus causas, profundidade e superfície corporal afectada

Analisando os resultados da tabela 7, as queimaduras por chamas/fogo foram responsáveis por período longo do tempo médio de internamento de 33,72±23,35, a variação de internamento foi de 1 a 137 dias, seguindo as crianças com queimaduras por líquidos quentes com o tempo médio de internamento de 18,89±17,65 dias com a variação do tempo foi de 1 a 101 dias e as crianças com queimaduras eléctricas permaneceram em média menos tempo de internamento 13,85±14,22 e variação foi de 1 a 45 dias. Em relação a profundidade as crianças com lesões do 3º grau e 2º e 3º grau associado em média ficaram internadas 36,17±24 e 33,39± 24,89 respectivamente. As crianças com lesões do 2º grau superficial e profundo, em média ficaram internadas 21,64± 19,37. Embora as crianças com lesões de 3º grau tenham ficado internadas em média mais dias a variação do tempo de internamento foi considerado reduzido (1-90 dias) em comparação com a variação do tempo de internamento das crianças com lesões de 2º e 3º grau associado (6-137 dias) e as crianças com lesões do 2º grau superficial e profundo (1-101 dias). Crianças com a superfície corporal queimada acima de 10% são as que mais tempo ficaram internadas e o tempo médio foi de 30±22,78, 50% das crianças tinham no máximo 25% a superfície corporal queimada e tempo reduzido de internamento registou-se em crianças com a superfície corporal queimada inferior a 5% em média foram 12,91±11,32 dias de internamento.

Tabela 6 Tempo de internamento em relação às causas, superfície e graus de queimaduras 

tempo de internamento P
Causa das queimaduras
Média ± S.D. Mediana (Min-Max) Líquidos Quentes (N=136) 18,89±17,65 13,5 (1-101) Fogo/ Chamas (N=57) 33,72±23,35 29 (1-137) Corrente eléctrica (N=13) 13,85±14,22 8 (1-45) P=0,000
Graus de queimaduras
Média ± S.D. Mediana (Min-Max) Grau não especificado (N=42) 12,64±9,4 12 (2-42) II grau Superficial e Profundo (N=118) 21,64±19,37 16 (1-101) II e III grau (N=28) 33,39±24,89 31 (6-137) III grau (N=18) 36,17±24 34 (1-90) P=0,002
Superfície corporal afectada
Média ± S.D. Mediana (Min-Max) <5% (N=22) 12,91±11,32 10,5 (1-39) 5%-10% (N=37) 19,92±18,66 14 (1-90) >10% (N=90) 30±22,78 25 (1-137) P=0,000

Período do ano que ocorrem mais queimaduras

A figura 2 ilustra que dentre as principais causas de queimaduras, os líquidos quentes 136 (66%), estas apresentaram mais casos de registados nos meses de Abril à Setembro 95 (46%) que corresponde a estação fria do ano.

Figura 2 Distribuição das causas de queimaduras em relação ao período do ano 

Discussão

Compreender a problemática por trás das queimaduras nas crianças é fundamental para o desenvolvimento de políticas de saúde pública mais fortes em Moçambique. O nosso estudo identificou vários factores associados a queimaduras na infância que ocorreram principalmente na cidade de capital Maputo e distritos vizinhos.

De acordo com o presente estudo a maior ocorrência de queimaduras foi em crianças de 2 anos com 39 (18,9%), o que está de acordo com estudos publicados (4) que demonstraram que nesta fase elas as crianças são curiosas e querem tocar as coisas ao seu redor, sem estarem cientes dos perigos potenciais. A proporção elevada de queimaduras em crianças pequenas pode também estar relacionada ao desenvolvimento da criança, aos factores socioeconómicos e à vigilância inadequada dos pais ou responsáveis (10).

A maioria das vítimas 113 (54,9%) deste estudo era do sexo masculino e este resultado é similar a alguns estudos realizados (11) (12). De acordo com Pedro et al. (13) as crianças do sexo masculino gostam de participar em brincadeiras de maior risco e possuem maior impulso em actividades relacionadas à curiosidade, quando distantes da supervisão de adultos. Apesar das crianças do sexo masculino terem registado maior número de pacientes internados, a relação sexo da criança e as causas da queimadura não foi significativa.

No presente estudo, as lesões mais frequentes em todos os grupos etários foram queimaduras por líquidos quentes, representando 136 (66%) de todas as lesões em segundo lugar chamas/fogo 57 (26,7%). Como ressaltam Pedro et. al (13) a causa mais comum de queimaduras pediátricas, independentemente do país e situação socioeconómica, é o contacto com líquidos quentes e, em segundo lugar, a chama directa. As queimaduras do 2º grau superficial e profundo foram as mais frequentes 118 (57,3%), a maior proporção 91 (44,2%) foi por líquidos quentes, este resultado assemelha-se a outros estudos (10) (14). As regiões corporais mais atingidas nesta pesquisa foram os membros superiores 50 (24,3%).

O estudo de Katharine et al. (2014) sugere que os membros superiores estão mais expostos com actividades manuais e reacções de defesa, colocando-os como linha de frente na ocorrência do evento (15). A maior prevalência da superfície corporal queimada neste estudo foi acima 10,0%, sendo que a maioria das lesões foram do 2º grau superficial e profundo. A extensão de superfície corporal queimada e graus das queimaduras são directamente proporcionais à gravidade clínica do paciente e ao risco de complicações e/ou morte (16).

Quanto maior a superfície corporal acometida, maiores serão as alterações metabólicas. As reservas energéticas se esgotam rapidamente, tornando imperativo o tratamento nutricional (17). Em média o tempo de internamento foi de 23 dias, representando um marcador importante para ocorrência de complicações, associadas à maior área da superfície queimada e à profundidade da lesão. O tempo médio de internamento foi diferente em relação às causas de queimaduras e as chamas/fogo e lesões com profundidade de 3º grau e 2º e 3º grau foram responsáveis por internamento mais prolongado. As queimaduras por chamas/fogo apresentam características clínicas de uma lesão considerada grave e este facto pode ser explicado por um conjunto de factores tais como, maior perda da barreira de protecção, lesão por inalação e as lesões são profundas. O grau em que uma queimadura causa danos à pele depende de muitos factores, incluindo a duração da intensidade do calor, espessura da pele, a área exposta e idade (18). O presente estudo mostrou que a época com maior registo de queimaduras por escaldão foi a estação fria (Abril à Setembro). No nosso contexto, a ocorrência de queimaduras nesse período é frequente devido principalmente ao manuseio de líquidos quentes (principalmente a água) para banhos e para o consumo.

Conclusões e Recomendações

Os resultados demonstram que as maiores vítimas de queimaduras são as crianças menores de 5 anos, que requerem cuidados especiais devido a sua imaturidade. Houve maior proporção de crianças no intervalo de 1 ano a 4 anos, nessa faixa etária o maior número de vítimas tem 2 anos de idade, e as crianças do sexo masculino foram predominantes. A principal causa de queimadura foram os líquidos quentes, e a profundidade das lesões foi de 2º grau superficial e profundo. As crianças com queimaduras por chamas/fogo em média permaneceram mais dias internadas 33,72±23,35 dias em comparação com as crianças que contraíram queimaduras por líquidos quentes e eléctricas. Em média o tempo longo de internamento também foi registado em crianças com queimaduras de 3º grau com o tempo de 36,17± 24 dias e crianças com queimaduras do 2º e 3º grau associado o tempo foi de 33,39±24,89 dias. Sendo a faixa entre 1-4 anos a mais afectada, recomenda-se uma maior vigilância por parte dos pais e cuidadores das crianças no sentido de mantê-las longe da cozinha e do fogão, deixar longe do alcance das crianças comidas e líquidos quentes, não se utilizar toalhas de mesa compridas sob o risco de criança poder puxar esses tecidos e resultar em queimaduras.

Tratando-se de um estudo em que toda a informação foi baseada em registos disponíveis, a qualidade dos processos clínicos com dados incompletos sobre os participantes ou sem informação necessária para o estudo foi a principal limitação. Por outro lado, o facto de ser um estudo de base hospitalar, os resultados não podem ser generalizados para o nível comunitário. No entanto, espera-se que os resultados do presente estudo contribuam com informações sobre a magnitude e a gravidade de complicações de queimaduras em crianças e, deste modo, servir de instrumento na contribuição para definição de melhores estratégias no tratamento com vista a reduzir desfechos fatais. Por outro lado, os resultados do estudo podem ajudar a direccionar programas preventivos, através de implementação de políticas específicas, promovendo campanhas de prevenção voltadas a população-alvo, acções educativas nos principais meios de comunicação sobre a saúde no ambiente doméstico, e a participação familiar na elaboração de acções preventivas para as queimaduras infantis.

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Conflitos de interesses Sem conflitos de interesse a declarar.

Agradecimentos Os autores agradecem ao Hospital Central de Maputo, respectivamente aos Departamentos de Pediatria (Serviço de Urgência de Pediatria e de Cirurgia Pediátrica) e de Cirurgia (Serviço de Cirurgia Plástica) pela colaboração e disponibilidade dos processos clínicos e livros de registo.

Recebido: 30 de Março de 2021; Aceito: 20 de Julho de 2021

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