Introdução
Os oceanos absorvem quase um terço de todo o dióxido de carbono emitido globalmente, acelerando no processo de acidificação e reduzindo a sua capacidade para armazenar novas emissões de carbono (IUCN, 2015). Portanto, a nível global e local, são cada vez mais necessárias ações de mitigação para reduzir os impactos das alterações climáticas, pois estas têm influência direta na vida das espécies, dos ecossistemas e do planeta em si.
Os oceanos constituem assim um elemento essencial para o equilíbrio dos sistemas naturais que tornam a Terra habitável, sendo um vetor central no processo de globalização, materializado pelo seu papel crescente na economia global, enquanto via de comunicação e transporte, na produção de energia, como fonte de alimentação e no combate às alterações climáticas (FAO, 2017). Com efeito, a Economia azul surge, hoje, como um elemento essencial para implementação de qualquer pacto global, em torno das questões de preservação do ambiente e das Agendas 2030 da ONU e 2063 da União Africana.
A Economia azul é desde logo a economia do mar sustentável, que emerge do equilíbrio entre a atividade económica e a capacidade de longo prazo dos ecossistemas oceânicos suportarem a exploração económica dos oceanos, permanecendo resilientes e saudáveis (Ginga, 2020, p. 23). O presente artigo visa fazer uma abordagem transversal ao atual contexto de exploração da Economia azul em Angola, apontando os principais entraves e indicando alguns instrumentos e perspetivas de futuro para o fomento do crescimento azul. Para o efeito, seguiu-se uma abordagem interdisciplinar, com recurso a revisão bibliográfica e análise documental, mediante um raciocínio dedutivo.
Enquadramento teórico
As mudanças climáticas, a acidificação dos oceanos, a degradação acelerada dos ecossistemas marinhos, que colocam em risco a segurança alimentar, a preservação da costa, a exploração económica e sustentável da indústria marítima; na década passada, fizeram emergir no seio da agenda política internacional o conceito de Economia azul, enquanto instrumento essencial de governação dos recursos marinhos para o alcance do desenvolvimento sustentável (Wuwung et al., 2022).
O conceito de Economia azul foi oficializado durante a Cimeira do Rio de 2012, derivado do conceito de economia verde. O principal foco das discussões da Conferência foi a economia verde, no contexto do desenvolvimento sustentável e com vista a erradicar a pobreza. Por sua vez o conceito de Economia azul foi reforçado nesse encontro, pelo que compartilha o mesmo objetivo do conceito de economia verde, isto é, a melhoria do bem-estar humano e da igualdade social, reduzindo significativamente os riscos ambientais e a escassez ecológica (Ginga, 2020).
Na verdade, este conceito surge da crescente urgência em abordar o declínio da saúde dos oceanos e o crescimento contínuo das indústrias oceânicas, encerrando em si três pilares, a saber: desenvolvimento económico, equidade social e conservação do meio ambiente. Todavia, a diversidade de visões relativamente ao conceito de Economia azul faz com que muitas das vezes o conceito seja usado pelos diferentes atores de forma diferenciada, em ordem a promover os seus interesses (Fusco e outros, 2022). De acordo com o Banco Mundial, a Economia azul é o uso sustentável dos recursos oceânicos para o crescimento econômico, melhores meios de subsistência e empregos, preservando a saúde do ecossistema oceânico (Banco Mundial, 2017).
Por sua vez e de acordo com a definição da Unidade de Inteligência Económica, a Economia azul constitui uma economia oceânica sustentável, onde a atividade econômica está em equilíbrio com a capacidade de longo prazo dos ecossistemas oceânicos para suportar essa atividade e permanecer resilientes e saudáveis1. É um conceito dinâmico que reconhece a necessidade de maximizar o enorme potencial económico dos oceanos preservando-o (Commonwealth Secretariat, 2016). A Economia azul é assim composta por diferentes setores interdependentes, que se baseiam em competências comuns e infraestruturas partilhadas e dependem de uma utilização sustentável do mar por parte de todos (Comissão Europeia, 2012).
Esta abrange todas as atividades que se desenvolvem ou derivam de ecossistemas marinhos e aquáticos, incluindo oceanos, costas, mares, rios, lagos e águas subterrâneas, e recursos associados; dentre os quais extração de recursos vivos (pescas, aquicultura e indústria transformadora; biotecnologia marinha); extração de recursos não-vivos e geração de novos recursos (mineração do fundo do mar; petróleo e gás; energias renováveis; produção de água doce e dessalinização); comércio e turismo (infraestruturas portuárias e serviços; transporte marítimo; turismo de cruzeiro, turismo náutico, ecoturismo marinho e lazer; desenvolvimento costeiro); contribuição indireta para atividades económicas e para o ambiente (sequestro de carbono azul; preservação das espécies marinhas; proteção e restauração dos ecossistemas; assimilação de nutrientes e depósito de resíduos sólidos; ciências e tecnologias oceânicas; construção naval e obras marítimas; vigilância e segurança marítima) (Patil e outros, 2016). A Economia azul é assim composta por um conjunto de indústrias pré-estabelecidas e emergentes baseadas no oceano.
A exploração da Economia azul em Angola
Angola tem uma das maiores extensões de litoral do Continente africano, o que faz com que a sua economia esteja fortemente dependente dos recursos do mar, sendo a indústria petrolífera a sua principal fonte de receitas. Com cerca de 1.650 km de costa, o Estado Angolano possui uma grande riqueza em termos de recursos marinhos e costeiros, o que torna a exploração dos oceanos um pilar importante para o desenvolvimento do país (Ginga, 2021).
Assim, embora o conceito de Economia azul seja relativamente recente, no âmbito da governança global do ambiente, a preservação do potencial oceânico pelos Estados costeiros constitui um debate não tão recente, fundamentalmente para aqueles cuja economia e sobrevivência encontram-se dependentes dos oceanos. Desde logo, Angola perfila-se num grupo de Estados que têm o seu passado, presente e futuro, associados aos oceanos, no sentido em que o desenvolvimento de uma economia robusta associada aos oceanos exigirá um papel mais ativo do setor público, em ordem a promover a criação de sinergias setoriais e intersectoriais, e fomentar o investimento nesta indústria, tendo como fim último a preservação do oceano (Ginga, 2021).
Assim, embora a exploração dos oceanos possa oferecer muitas oportunidades para o desenvolvimento económico de Angola, existem por outro lado desafios que precisam de ser, urgentemente, superados. Assim, de forma geral, à excepção da indústria petrolífera, que nos últimos anos também vem declinando, o contexto local de exploração da Economia do mar em Angola tem sido marcado pela baixa performance da indústria marítima portuária, afetado essencialmente pela deficiente exploração dos acessos e das infraestruturas portuárias e de comunicação; pela continua pesca ilegal e excessiva; pelo fraco aproveitamento do turismo náutico; por uma marinha mercante de bandeira e uma indústria de construção naval, quase inexistentes; pela incipiente investigação científica e desenvolvimento tecnológico, nos assuntos oceânicos; e, sobretudo, pelo fraco exercício da autoridade do Estado nos espaços marítimos, sob jurisdição e soberania de Angola (Ginga, 2014).
Contrariamente, se sustentavelmente explorados e de forma integrada governados, as diferentes indústrias que comportam a Economia do mar, constituem-se em catalisadores inequívocos para o alcance da diversificação económica e do desenvolvimento sustentável, em ordem ao cumprimento das Agendas 2030 da ONU e 2063 da União Africana (IBAR-UA, 2019, p.1; ANCR, 2022).
Sendo a Economia azul a economia do mar sustentável, percebe-se que o atual contexto de subaproveitamento das potencialidades oceânicas de Angola tem levado a uma exploração pouco sustentável dos recursos marinhos, onde se observa a prática continua da pesca ilegal não declarada e não regulamentada e a destruição massiva dos estoques de espécies e ecossistemas, em detrimento da massificação do cultivo de espécies (aquacultura); a não validação de áreas marinhas protegidas (AMP); os depósitos descontrolados de substâncias nas águas nacionais e a poluição generalizada nas camadas e leitos dos espaços marítimos; a destruição contínua dos mangais2 e demais ecossistemas marinhos, que têm acelerado a erosão costeira; a perda de habitat de muitas espécies marinhas; o vazio na legislação no que toca às áreas de emissões reduzidas ao longo do mar territorial angolano; as brandas coimas e penalizações aos crimes marinhos e ambientais; a falta de políticas publicas que estimulem o surgimento de startups do sector; a inexistência de projetos que incentivem o estudo e aprofundamento dos conhecimentos nas ciências do mar, como a Oceanografia Operacional, Biotecnologia Marinha, Biologia Marinha, Ictiologia, Geologia Costeira, Hidrografia, entre outras; a exiguidade dos instrumentos que se dedicam ao fomento e à capacitação de projetos de pequena, média e grande dimensão no quadro da Economia azul; a falta de incubadoras que se dedicam ao apoio das atividades de Economia azul, entre outras fragilidades (Ginga, 2020).
A transversalidade dos benefícios dos oceanos para o desenvolvimento sustentável de Angola, nas suas diferentes escalas, implica por isso uma abordagem mais abrangente de gestão sistémica, onde será necessário um esforço coordenado entre o governo, as instituições privadas, a academia, a indústria, a banca, a sociedade civil, os parceiros internacionais, entre outros agentes, para promover a conservação e a sustentabilidade dos recursos marinhos (Golden et al., 2017). Torna-se por isso importante abordar a “governança oceânica”, sendo necessária uma nova atuação relativamente às questões ligadas ao financiamento sustentável, ou por outras palavras ao financiamento azul, que por si só pode servir de catalisador a exploração da Economia azul a nível local (Benzaken e De Vos, 2021).
Se observamos o conjunto dos instrumentos de financiamento à economia, percebemos que o investimento directo em Economia azul em Angola é quase inexistente, justificando o estágio de atraso da exploração sustentável dos oceanos no país. De facto, e no caso angolano não será possível garantir a sustentabilidade e a preservação dos oceanos sem mudar um dos principais fatores que contribuem para a sua degradação, o modelo económico. Paralelamente, ao nível das políticas públicas, entende-se que a falta de sinergias entre os vários subsetores da economia do mar, associados à falta de um quadro regulatório favorável, tem contribuido de igual modo para o estágio de atraso em que o setor marítimo-portuário se encontra, sobretudo porque existem muitos aspectos ou dimensões que são transversais aos vários subsetores e que se devidamente aproveitados favoreceriam o crescimento do conjunto (OCDE, 2019).
No entanto, ainda que de forma tímida, o Governo angolano começa a olhar de maneira diferente para estas matérias, sendo que durante a participação de Angola na Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, que decorreu em Lisboa entre os dias 27 de junho e 1 de julho de 2022, o Presidente da República de Angola assumiu a importância da Economia azul no quadro do Plano de Desenvolvimento Nacional, tendo referido que é em função desta perspetiva, que o Estado Angolano tem “vindo a desenvolver ações no sentido de alargar os limites da Zona Económica Exclusiva”, de forma a permitir uma melhor utilização e proteção dos recursos que se encontram em zonas próximas da costa angolana e que têm vindo a ser objeto de delapidação por parte de terceiros (PDN, 2018, 2023).
Essa manifestação expressa do interesse do governo angolano, em promover um quadro interno que potencia a exploração da Economia azul, tem-se traduzido através de algumas iniciativas constantes no plano de desenvolvimento nacional, onde se destacam as medidas no âmbito da transição energética e da digitalização, em que se registam melhorias nos níveis de produção de energias limpas, mormente com a aposta nas grandes hidricas, além das pequenas e médias centrais hidricas, sendo que nos últimos anos com a construção de dois grandes projetos de aproveitamento hidroelétrico, as barragens hidroelétricas de Laúca e de Caculo Cabaça, permitiu uma grande redução ao nível do consumo de combustíveis fósseis, na ordem de mais de 2.733 milhões de toneladas, e ao nível de emissão de gases com efeito de estufa, na ordem dos mais de 7.2 milhões de toneladas3. Os fortes investimentos em curso ao nível da geração hidroelétrica e das redes de transporte, a longo prazo, permitirão reduzir significativamente o nível de utilização das fontes térmicas de maior custo, fundamentalmente pelo setor industrial (Ministério de Energia e Águas, 2016).
Ainda no âmbito da descarbonização e da produção de energias limpas, importa realçar o grande potencial identificado para a exploração de energia renováveis em território angolano, sendo que através da aprovação da “Estratégia Nacional para as Novas Energias Renováveis”, o Governo angolano estabeleceu metas concretas para as várias fontes de energia renováveis no horizonte de 2025. Neste particular, foi apontado o elevado potencial na produção de energia solar com um potencial de 100 MW até 2025, de energia eólica com um potencial de 100 MW até 2025, e de energia de Biomassa com um potencial de 500 MW até 2025 (Ministério de Energia e Águas, 2016).
No que toca à produção de energia a partir de biomassa, o Memorando de Entendimento assinado entre a ENI, a ANPG e a Sonangol, em 2021, sobre iniciativas de agro-biocombustíveis em Angola, vem confirmar o potencial nestas matérias, pelo que têm sido avaliadas as oportunidades de negócio nas diferentes áreas de recolha de resíduos, com o objetivo de valorizar a fração orgânica, e de bio-refinação, com recurso também de uma abordagem de economia circular4. Este acordo visa o desenvolvimento de uma cadeia de valor que permita que a médio e longo prazo o país possa explorar este conjunto de energias limpas e que paralelamente impulsione as empresas nacionais a participarem neste mercado. Uma vez replicadas, estas iniciativas ao nível da produção de energia limpa terão um grande impacto para a exploração da Economia azul, particularmente porque a indústria marítima-portuária constitui-se num grande complexo de indústrias que, naturalmente, fazem recurso à energia para a sua devida operação.
Ao nível dos processos de digitalização, onde se inserem os elementos de investigação científica e inovação tecnológica, continuam a ser reduzidas as iniciativas ao nível do sector marítimo-portuário angolano, no sentido em que, num contexto global onde é cada vez mais comum ouvirmos falar sobre automação de processos, tecnologias disruptivas e inteligência artificial, internamente, pouco se aborda sobre essas questões e sobre a necessidade de o sector marítimo portuário nacional, trilhar este caminho. Os atrasos são ainda mais evidentes, a exceção do segmento portuário que nos últimos anos tem tentado acompanhar a dinâmica global de integração digital das cadeias logísticas. Importa realçar a gravidade do contexto, num quadro global em que cada vez mais a indústria marítima tem deixado de ser uma indústria tradicional, adotando modelos de gestão e de operação de processos, cada vez mais modernos (Kullenberg, 2021).
Por sua vez, e no que toca à avaliação do crescimento azul por funções de atividades, ainda que muitas áreas de atividade se encontrem num estágio embrionário ou mesmo por explorar, existem outras, em exploração, cujas potencialidades permitem vislumbrar um crescimento considerável, onde se inserem os segmentos das infraestruturas portuárias e serviços; pescas, aquicultura e indústria transformadora; mineração do fundo do mar, petróleo e gás; proteção e restauração dos ecossistemas; turismo de cruzeiro, turismo náutico, ecoturismo marinho e lazer; monitorização e segurança marítima. Com efeito, ao nível do segmento das infraestruturas portuárias e serviços, observa-se um fraco desempenho na componente dos portos, no que se refere à implementação de modelos que possam potencializar a redução da pegada ambiental nos seus processos de trabalho, nomeadamente no que toca às iniciativas de descarbonização dos terminais e preservação dos ecossistemas circundantes. O fundamento desta visão centra-se no facto de os principais terminais portuários ainda fazerem recurso a grupos geradores a diesel, como alternativa e em alguns casos como principal fonte de produção de energia.
Contrariamente, e no âmbito dos processos de gestão, observa-se um movimento positivo, no que se refere à adoção de iniciativas de inovação e digitalização dos principais terminais portuários. Com efeito, durante o XII Congresso da Associação de Portos de Língua Oficial Portuguesa, ocorrido em Novembro de 2021, em Luanda - sob o lema “Portos da Lusofonia: inovação, resiliência e sustentabilidade ao serviço da economia dos países da CPLP -, o Ministro dos Transportes, Ricardo D’Abreu, enfatizou que o Governo angolano está apostado no fortalecimento e modernização dos portos nacionais, tornando-os inovadores, resilientes, sustentáveis e ao serviço da economia nacional. Segundo o mesmo, o “Plano Director Nacional do Sector dos Transportes”, em vigor, visa assegurar que as empresas portuárias nacionais respondam efetivamente à dinâmica económica global, com os mais altos padrões e facilitação da atividade marítima e portuária, na medida em que os mesmos precisam de estar alinhados “com as melhores práticas e recomendações internacionais, nos domínios da governação corporativa, na eficiência operacional, na inovação tecnológica e da sustentabilidade ambiental”5.
Neste particular, o Presidente do Conselho de Administração do Porto de Luanda, Alberto Bengue, informou que, no âmbito do programa de digitalização, “está prevista a migração da Janela Única Portuária para a Janela Única Logística (JUL), sendo que esta mudança deve-se ao facto de a JUL ser um sistema portuário robusto e mais completo, para alinhar estas infraestruturas às necessidades locais"6 . Adiantou ainda, que “a digitalização dos portos e a criação de uma janela única de portas visam reduzir o tempo de desembaraço de mercadorias, diminuindo o congestionamento nos portos, fazendo com que a comunicação entre esses dois processos leve apenas horas e o usuário tenha o seu produto com celeridade”.7
Outrossim, no quadro de apoio técnico da Organização Marítima Internacional (OMI) ao Estado Angolano, encontra-se em curso no Porto do Lobito Projeto OMI-Singapura “Single Window for Facilitation of Trade (SWiFT)”, que visa a implementação de um sistema similar ao existente no Porto de Luanda (Sistema de Janela Única Marítima), de forma a facilitar os processos de gestão e partilha de informação e documentação, facilitando deste modo o tráfego, os processos de submissão e tramitação de documentação, e acompanhamento das cargas8. Importa sublinhar, que essas transformações tecnológicas ao nível dos portos angolanos, a médio e longo prazo não tem impacto apenas ao nível da celeridade dos processos, uma vez que tem repercussões económicas, sociais e ambientais, reduzindo a pegada ambiental destes organismos e demais intervenientes. Esta iniciativa poderá ser replicada pelos outros portos e demais indústrias associadas do setor marítimo-portuário.
Ao nível do setor das pescas, embora se reconheça o enorme potencial em termos de recursos marinhos para a atividade da pesca e aquacultura, esse subsetor permanece subdesenvolvido e dominado pela pesca artesanal e/ou tradicional. Ademais, o subdesenvolvimento deste subsetor e o seu fraco papel na industrialização e na transformação estrutural não devem-se apenas às restrições estruturais enfrentadas pela economia, mas sobretudo a: fraca capacidade produtiva, que tem colocado em risco a sobrevivência das comunidades; políticas e instituições descoordenadas; a incapacidade de atender a segurança alimentar e garantir padrões de qualidade e ambientais adequados (UNCTAD, 2022).
Apesar dessas restrições, bem como da falta de políticas sólidas e estruturais institucionais, na gestão eficiente e governança dos recursos pesqueiros, há espaço para Angola se juntar a outros países, cujo setores das pescas são sustentavelmente explorados (UNCTAD, 2022). Considerando este potencial natural, nos últimos anos, o setor das pescas tem apostado no segmento da aquacultura, como forma de retardar a exaustão do potencial dos oceanos, quer reconstruindo os estoques das espécies delapidadas, como prevenindo o declínio daquelas espécies que são exploradas no ou próximo do seu potencial máximo, em ordem a efetuar uma exploração sustentável de todas as espécies (Ginga, 2014).
A partir de 2003, o Governo de Angola lançou um programa de avaliação do potencial e identificação de espécies, por uma comissão mista formada por técnicos angolanos, vietnamitas, israelitas, sérvios e montenegrinos, tendo no ano a seguir aprovado a Lei nº 6-A/04 de 8 de outubro, Lei dos Recursos Biológicos Aquáticos (Silva, 2005; Onde e Kisumu, 2018). Desta avaliação foram obtidos resultados positivos, tendo sido identificadas várias áreas com potencial devidamente identificadas para o desenvolvimento da aquacultura, especialmente para a cultura de camarão, mexilhão e tilápia, que originou a aprovação em Conselho de Ministros o Regulamento do segmento da Aquacultura, por meio do Decreto n.º 39-2005. Assim, embora as primeiras explorações com pequenas produções tenham começado ainda no período entre 2002-2005, apenas em 2015 foi inaugurado o primeiro centro de cultivo de tilápia de grandes dimensões em Massangano, no âmbito do Plano de Ação para o Desenvolvimento da Aquicultura em Angola (Onde e Kisumu, 2018).
Até o ano de 2017, a Direção Nacional de Aquacultura controlava 135 projetos, sendo que 64 destes projetos forneciam os dados mensalmente para o devido acompanhamento, com uma produção anual de cerca de 1339, tendo em 2019 atingido a cifra de 1925 toneladas9(Onde e Kisumu, 2018). A maior parte dos projetos usa a abordagem de produção de sistemas semi-intensivo e de sistemas extensivos em terra e junto à costa (Silva, 2005). Além destes projetos, existem vários outros com previsão de produção para os próximos anos, aumentando assim no volume de espécies produzidas por aquacultura. Ademais e ao nível das indústrias extrativas, têm sido implementadas algumas medidas de gestão para garantir a sustentabilidade dos estoques de pescado, evitando também a sobre-exploração das espécies, dentre elas a implementação de um período de defeso durante o ano civil, a aprovação dos limites mínimos admissíveis nas malhagens e nas artes de captura (redes, armadilhas, etc.), a proibição da pesca de determinadas espécies, a aplicação de coimas para os infratores, entre outras.
O Plano de Ordenamento das Pescas e Aquicultura (POPA) 2018-2022, aprovado por Decreto Presidencial n.º 29/19, de 16 de Janeiro, em conjunto com a Estratégia Nacional e o Plano de Ação da Biodiversidade 2019-2025, aprovada pelo Decreto Presidencial n.º 26 de 2020, visam promover o desenvolvimento equilibrado e sustentável do sector a nível nacional, de forma a minimizar a perda de biodiversidade e garantir a resiliência dos ecossistemas, bem como, entre outros aspetos, contribuir na criação de emprego, na melhoria da qualidade de vida e na erradicação da pobreza e segurança alimentar e nutricional (Nakamura e Amador, 2022). Além deste instrumento, existem outros recentemente aprovados, entre regulamentos e estatutos, que têm o objetivo de conferir maior sustentabilidade às atividades da pesca. Em síntese, embora o Relatório jurídico sobre a abordagem ecossistémica às pescas em Angola indica que os instrumentos políticos e jurídicos angolanos analisados no âmbito da avaliação local encontram-se num nível médio-elevado de alinhamento com a Abordagem Ecossistémica às Pescas da FAO, os instrumentos e iniciativas têm-se mostrado insuficientes para fazer face aos desafios impostos, na medida em que, de acordo com os dados FAO, no volume total de pescado produzido no ano 2020, a aquacultura representou apenas 1% do total10 (Nakamura e Amador, 2022).
No que se refere à indústria de petróleo e gás, da qual economicamente Angola é dependente, percebe-se que a médio e longo prazo o país não poderá descurar da sua importância, não apenas por constituir a principal fonte de receitas para o Estado, mas fundamentalmente por o processo de transformação industrial deste setor precisar carecer de profundas mudanças e tempo. De facto, Angola faz parte do grupo de países, cuja estratégia de exploração azul deve incluir “oil extraction as a key component, which is not only contrary to meeting climate commitments but also tends to negatively affect environmental conditions and further marginalize coastal communities” (Fusco, Schutter e Cisneros-Montemayor, 2022), na medida em que a visão de medio prazo deverá ser a de clarificar como a continua exploração da indústria petrolífera poderá participar no planeamento da economia azul local, mormente com a produção de energias limpas11 (Voyer et al., 2018).
Assim, a entrada em funcionamento do terminal de gás natural do Soyo constituiu um sinal positivo dos esforços de descarbonização da indústria marítima, sendo que vem permitir ao sistema energético aceder a um combustível de menor custo e com menores emissões, bem como ao nível da produção de energias permitir a exploração de uma alternativa mais limpa em relação aos combustíveis fósseis tradicionais (Ministério de Energia e Águas, 2016). De igual modo, recentemente, a petrolífera estatal Sonangol E.P. assinou um memorando de entendimento com as empresas multinacionais alemãs Gauff e Conjucta para a produção de hidrogénio verde, a partir de 2024, num acordo que surge na sequência de estudos de viabilidade técnica e económica para o financiamento, construção e operação de uma fábrica de produção de hidrogénio verde e produtos derivados, em Angola12 (Tetteh e Salehi, 2022; Ginga e Monié, 2022).
No que toca à proteção e restauração dos ecossistemas, e preservação do potencial das zonas húmidas, foi lançado o “Programa de Restauração e Proteção das Zonas Húmidas dos Mangais”, encabeçado pela Associação Otchiva, que visa devolver a vida na orla marítima angolana e na restauração do ecossistema marínho, sendo que já foram plantados mais de 1. 000.000 de árvores, resultando em mais de 1000 hectares de zonas húmidas restauradas e protegidas13. Associado a este projecto surge o Projecto Sonangol Carbono Azul14, que visa apoiar a Associação Otchiva, garantindo o suporte logístico necessário para os trabalhos de proteção e restauração dos mangais, uma vez que os mangais são considerados ecossistemas de carbono azul, bem como de ervas marinhas e pântanos de sal. O carbono azul refere-se à alta capacidade de armazenamento de carbono dos oceanos, especialmente dos ecossistemas costeiros dominados por plantas, o que contribui significativamente para mitigar o aumento do dióxido de carbono atmosférico e o consequente efeito estufa.
Por outro lado, existem segmentos da Economia azul que continuam adormecidos ou por explorar, como a biotecnologia marinha, a produção de água doce e dessalinização, a preservação das espécies marinhas, o sequestro de carbono azul, a assimilação de nutrientes e depósito de resíduos sólidos, e sobretudo as ciências e tecnologias oceânicas. Portanto, existe um conjunto de atividades que podem ser potencializadas ou melhoradas, sendo importante ampliar o leque de atividades dentro de cada subsetor de atuação da economia marítima, onde torna-se essencial identificar os principais entraves à exploração da Economia azul em Angola, desde às questões relativas ao software do sistema (ordenamento jurídico legal) até às ligadas ao hardware do sistema (diferentes subsetores da economia do mar) (Ginga, 2014, 2021).
Assim, e porque a Economia azul é composta por diferentes setores interdependentes, que se baseiam em competências comuns e infraestruturas partilhadas e dependem de uma utilização sustentável do mar por parte de todos, exige-se a complementaridade de esforços entre todos os subsetores de atividades associada aos oceanos (Ginga, 2020). Em síntese, caberá ao Estado Angolano promover instrumentos que facilitem este processo de fomento da Economia azul, onde se inclui uma abordagem diferenciada às questões relacionada à redução da pegada ambiental nos processos de exploração oceânica.
Perspetivas para o futuro de uma Economia azul robusta em Angola
A transição para a Economia azul exige procedimentos inovadores para as atividades já consolidadas, de forma a reduzirem-se os seus efeitos negativos, bem como requer o desenvolvimento e a adoção de novos tipos de atividades econômicas, ambientalmente menos agressivas. Assim sendo, torna-se fundamental que o Estado Angolano implemente um novo padrão de exploração oceânica, que esteja baseado sobre três pilares, a saber: o desenvolvimento científico e tecnológico do sector marítimo-portuário; a melhoria do potencial de atração das empresas nacionais e do ecossistema marítimo-portuário nacional; e o financiamento das iniciativas e projetos de Economia azul (Banco Mundial, 2017).
O conhecimento é o motor da inovação e do desenvolvimento oceânico, porquanto é também o catalisador de toda ação, evolução e progresso sustentável regenerativo que a indústria oceânica carece. Contrariamente, ao nível dos processos de digitalização, onde se inserem os segmentos da investigação científica e inovação tecnológica, continuam a ser reduzidas as iniciativas ao serviço da Economia do mar angolana, no sentido em que, num contexto global onde é cada vez mais comum falar-se sobre automação de processos, tecnologias disruptivas e inteligência artificial, internamente, pouco se aborda sobre essas questões e sobre a necessidade de o setor marítimo portuário nacional, trilhar este caminho.
De facto, as ciências do mar e a inovação tecnológica precisam de ser incentivadas no seio do ecossistema marítimo-portuário angolano, por forma a atender às necessidades crescentes da indústria marítima nacional e dos objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS), nomeadamente porque os atrasos na exploração do crescimento azul são evidentes, num quadro global marcado pela transformação da indústria marítima tradicional, adotando modelos de gestão e de operação de processos, cada vez mais modernos (Kullenberg, 2021).
Assim, ao nível da componente da vigilância e reconhecimento, a utilização de tecnologias oceânicas surge como uma das principais premissas para o Maritime Domain Awareness (MDA - Conhecimento do Domínio Marítimo), que visa a compreensão efetiva de qualquer atividade associadas ao domínio marítimo que possam ter impacto na segurança, na economia ou no meio ambiente. Com efeito, as ações de monitoramento do meio, prospeção, recolha, análise e partilha de dados, predição de fenómenos, entre outros aspetos, são fundamentais para melhor compreender os processos oceânicos e prevenir as falhas de infraestrutura. Paralelamente, nos processos de vigilância marítima e costeira, em apoio das ações de monitoramento das atividades económicas - pescas, aquacultura; energia offshore e mineração marinha; turismo náutico; conservação costeira; preservação dos ecossistemas e espécies marinhas; etc. -, é necessário recorrer às novas tecnologias para reforçar os meios de fiscalização dos espaços marítimos nacionais, melhorando quer o planeamento e mapeamento das atividades, a deteção de fragilidades, bem como para a repressão das principais ameaças.
Por outro lado, ao nível da transformação de processos e produtos, quer ao serviço da indústria transformadora de pescado ou das indústrias de mineração e energéticas, como no quadro do desenvolvimento científico da biotecnologia marinha, ou ainda no tratamento dos resíduos sólidos com destino aos oceanos, urge a necessidade de tecnologias de natureza disruptiva, que permitem alongar o ciclo de vida dos produtos dos oceanos (economia circular/upcycling), reduzir as emissões na atmosfera, produzir energias limpas, minimizar os níveis de desperdícios e ampliar o leque de produtos e serviços oceânicos. Ademais, no que toca à preservação dos ecossistemas e do meio ambiente, as tecnologias favorecem os processos de prevenção e resposta a emergências (derrames de hidrocarbonetos, poluição por depósitos, subidas abruptas dos níveis do mar, entre outros fenómenos), minimizando os custos com a permanência continuada de meios navais e humanos.
A título de exemplo, destaca-se o papel relevante das bases de dados oceânicas partilhadas, das aeronaves não tripuladas (drones), dos sensores acústicos para recolha de dados, dos sistemas de monitorização por satélites (VMS), sistemas de reaproveitamento energético, dos veículos subaquáticos, das boias inteligentes, das bio refinarias, sistemas de transformação de água poluída em potável, as tecnologias modernas de nano matérias usados na indústria da construção naval, tecnologias que ajudam na mitigação dos efeitos negativos ao meio ambiente, sistemas de localização precisa, sistemas robóticos, entre outros. Neste quadro, as tecnologias do espaço, como o ANGOSAT 2, constituem uma ferramenta essencial no poio e desenvolvimento de soluções inovadoras, uma vez que fornecem informações a tempo quase real dos ecossistemas locais e das barreiras ambientais, auxiliando assim no processo de tomada de decisão, na medida em que “science has been, and will continue to be, a powerful driver of economic development in the seas and oceans” (OCDE, 2016). Assim sendo, percebe-se que a automatização dos processos da indústria marítima não acarretará consigo apenas vantagens ambientais, mas sobretudo económicas e sociais. Por sua vez e porque as ciências do mar e as tecnologias não são suficientes para fazer face aos desafios, torna-se necessário um modelo de governação e políticas públicas integradas que se entrosem e que apliquem esse conhecimento e essas soluções.
No tocante à melhoria do potencial de atração do ecossistema marítimo-portuário angolano, torna-se essencial melhorar por um lado as questões relativas ao ordenamento do espaço marinho e costeiro e respetivo quadro legal, e por outro lado fomentar as iniciativas de exploração sustentável dos oceanos nos diferentes subsetores da economia do mar. Desde logo, existe a necessidade de se proceder uma revisão da componente regulatória, por forma a criar um ecossistema apropriado para a exploração e desenvolvimento da Economia azul, que não esteja apenas centrada ao setor público, mas que sobretudo abra espaço para atuação da iniciativa privada nos diferentes subsetores da indústria marítimo-portuário, uma vez que o elemento normativo tem-se c0nstituído numa das principais zonas cinzentas no ordenamento do setor marítimo-portuário angolano. Isso porque, a fragmentação e dispersão entre vários organismos de tutela nos assuntos marítimos têm transformado o setor marítimo portuário num espaço heterogéneo, onde convivem diferentes atores e onde muitas das atribuições e responsabilidades do Estado estão hoje entregues a um conjunto diverso de instituições, com uma sobreposição em vez de uma complementaridade nas missões, o chamado dilema das 300 Marinhas (Ginga, 2014, p. 244).
Neste novo padrão de exploração, primeiramente, deve ser privilegiado o mapeamento dos principais desafios à implementação da Economia azul em Angola e ao seu respetivo crescimento e que acções devem ser realizadas em busca da exploração sustentável dos recursos marinhos. De igual modo, existe a necessidade de construir-se um pensamento estratégico em torno da importância e potencial da Economia azul em Angola, no sentido de se ultrapassar as principais barreiras ao crescimento azul ou ao surgimento de alguns setores de atividade no quadro da Economia azul (Cisneros-Montemayor et al., 2021).
Desde logo, ao nível do subsetor de energia e de mineração oceânica, exige-se uma maior transparência nos modelos de controlo e gestão da indústria petrolífera, por forma a permitir a inclusão de tecnologias e processos que visam reduzir o impacto ambiental da extração, produção e uso de petróleo, ou seja, a produção de petróleo limpo. Assim, embora o petróleo seja um recurso não renovável e cause poluição quando queimado, é possível garantir um nível de sustentabilidade nos processo usados por esta indústria, isto é, quer ao nível da produção de energia, do reaproveitamento máximo dos componentes do petróleo fóssil, como da emissão de gases para a atmosfera.
No quadro da pesca extrativa devemos perceber que para restaurar os ecossistemas devemos deixar de subsidiar o mau comportamento, nomeadamente ao nível dos combustíveis fósseis. Deve-se, antes, aplicar coimas mais elevadas e sanções acessórias, como a perda de licença, temporária ou definitiva, para os pescadores e armadores que sejam apanhados a infringir a lei. Paralelamente, no que se refere à aquicultura, considera-se que a medio prazo, a abordagem por sistemas de recirculação de última geração surgem como a melhor aposta, respondendo por um lado às necessidades de demanda de pescado, e por outro lado reduzindo as taxas de sobrepesca nas águas nacionais, sendo um modelo que favorece a preservação dos ecossistemas, reduz os níveis de poluição da água, protege o habitat costeiro de alterações e destruição, minimiza as possibilidades de pragas, elimina o risco de populações cultivadas se misturarem com populações selvagens, facilita a produção de hortaliças aquapónicas de alta qualidade, apresentando uma taxa de rentabilidade superior aos sistemas abertos e podendo ser implantados em qualquer geografia15.
Ao nível do segmento de instalações portuárias e serviços, considera-se que o caminho será o de, a médio e longo prazo, tornar os portos nacionais em portos verdes (green ports) e portos inteligentes (smart ports), respeitando assim as iniciativas globais de descarbonização e digitalização no seio das suas infraestruturas, quer através da limitação das emissões locais, como por meio da aceleração tecnológica nos seus processos, fomentando o uso de plataformas conectadas, de tecnologia blockchain e big data, permitirão a transformação dos mesmos em hubs e laboratórios tecnológicos, com soluções logísticas sustentáveis.
Quanto à preservação dos ecossistemas e da vida marinha, deve promover, a curto e médio prazo, a implementação de estratégias para a gestão eficiente do carbono costeiro, bem como instrumentos de conservação e restauração das áreas costeiras, sobretudo através de ações apropriadas de mitigação local (NAMAs - Nationally Appropriate Mitigation Actions) no âmbito das Conferências das Partes16 (COP-Conference of Parties), quer pela viabilização de um programa de Redução de Emissões provenientes de Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+) como pela viabilização das AMP, de forma a aumentar a capacidade de absorção do carbono costeiro natural nos mangais, salinas e ervas marinhas, apoiando assim outras funções e serviços ecossistêmicos (IUCN, 2015; FAO, 2016).
Finalmente exige-se uma abordagem economicista sobre a Economia azul e sobre os fundos de apoio disponíveis para a exploração azul, sobretudo porque o mar tem necessidades específicas em termos de dimensão de investimento, em termos de acessos, em termos de autonomia e de permanência, entre outros aspetos que exigem com que os programas para o fomento da exploração sustentável dos ecossistemas marinhos sejam desenhados especificamente para o mar (Benzaken e De Vos, 2021; Ginga, 2020). Estas iniciativas de financiamento azul devem incluir o apoio a projetos que visam reduzir as emissões de carbono e a poluição, aumentar a eficiência energética, estabelecer políticas para o uso sustentável dos recursos marinhos e proteção dos ecossistemas costeiros e marinhos (UNEP-FI, 2020a).
Com efeito e no que concerne ao financiamento, atualmente existe um quadro internacional favorável à exploração do potencial oceânico, na medida em que a Agenda 2063 da União Africana declara de forma unânime que a Economia azul é o “futuro da África” e reconhece o seu papel fundamental como catalisador da transformação socioeconómica dos Estados africanos17, sendo portanto necessário, ao nível do financiamento, estabelecer e articular pontes de concertação com as iniciativas internacionais e regionais, de forma a contribuir para a afirmação do Estado no mar (CUA, 2015; Benzaken e De Vos, 2021; ANCR, 2022).
Durante um webinar organizado pelo Centro Africano de Gestão e Investimento de Recursos Naturais e pelo Departamento de Alterações Climáticas e Crescimento Verde do Banco Africano de Desenvolvimento, em colaboração com o Fundo Nórdico de Desenvolvimento e a Iniciativa Financeira da Economia Azul Sustentável do Programa das Nações Unidas para o Ambiente, em novembro de 2022, asseverou-se que os princípios emergentes do investimento em Economia azul resistente ao clima exigem instrumentos mistos, envolvendo múltiplos agentes em plataformas regionais e internacionais, pelo que as parcerias desempenham um papel fundamental na criação de capacitação, no estabelecimento de normas e no apoio à harmonização entre os processos nacionais. Ademais, A coordenadora da iniciativa “Oceano Sustentável para Todos”, Piera Tortora, observou que existem atividades que podem desencadear novas oportunidades, o que significa ajudar os países a fazer melhor uso dos seus recursos naturais através das melhores práticas, sendo que os países também podem utilizar títulos de ‘dívida azul’ para atrair financiamento privado. Gareth Philips, Chefe da Divisão de Financiamento Climático e Ambiental do Banco Africano de Desenvolvimento, finalizou dizendo que existem várias iniciativas locais que o Banco pode apoiar, mobilizando financiamentos substanciais para desenvolver a economia azul18.
Paralelamente, a Comissão Europeia, através de um documento elaborado pelo Banco Europeu de Investimento e o Instituto Mundial dos Recursos Naturais, apresenta alguns princípios essenciais para orientar os investidores interessados em alavancar a Economia Azul. Esses princípios estão incorporados também na Iniciativa Financeira do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, que visa construir uma coligação global de investidores para a Economia azul (UNEP-FI, 2020b). Na promoção da Economia Azul, há uma grande necessidade estabelecer mecanismos financeiros adequados que assegurem o fluxo contínuo de recursos financeiros ao mesmo tempo em que atrai novos investimentos. Esses recursos financeiros devem ser aplicados de forma que não haja retrocessos em termos de sustentabilidade ambiental, social e econômica. Há, portanto, a necessidade de mecanismos de finanças azuis19 como elementos essenciais para apoiar e promover essa transformação na busca do crescimento econômico alinhado com a sustentabilidade dos oceanos (Pereira e Nogueira, 2021; UNEP-FI, 2020a).
O financiamento azul abrange portanto diferentes tipos de mecanismos e estratégias de financiamento, com vista a incentivar e apoiar a transição para uma Economia azul. Assim, tal como acontece atualmente com outros setores de atividades (pescas, agricultura, apoio às exportações, etc.), em que existem financiamentos diretos à produção, deve ser criado um fundo azul, ao nível do sistema financeiro interno, para o financiamento de projetos de Economia azul, sendo de igual modo necessário capacitar os agentes internos, potenciando as empresas que operam no ecossistema marítimo-portuário angolano para que consigam aceder às principais linhas de financiamento internacional, no âmbito do crescimento azul, onde importa destacar os fundos do BAD (Banco Africano de Desenvolvimento), da União Europeia e do Banco Mundial (Benzaken e De Vos, 2021).
Em suma, as estratégias para implementação da Economia azul devem incluir a constituição de estruturas autónomas de governança dos assuntos oceânicos, que promovam a coordenação institucional e política de todas as estruturas públicas e privadas, com atuação no ecossistema marítimo portuário nacional, se dedicando na elaboração das estratégias operacionais, no monitoramento dos planos de ação executados, na elaboração dos relatórios, no acompanhamento à capacitação dos agentes locais e ao financiamento das iniciativas e projetos de Economia azul (Winther et al., 2020).
Conclusão
Na perspetiva de realçar as principais linhas de pensamento traçadas ao longo deste artigo sobre Angola e o contexto de exploração da Economia azul, considera-se que é necessário elevar-se a consciência sobre os assuntos oceânicos de forma geral e sobre a Economia azul de maneira particular, pois que a falta de conhecimento e de instrumentos de exploração que não respeitam as melhores práticas de sustentabilidade, têm aumentado os riscos na exploração dos oceanos a nível local.
Considere-se, pois, que os problemas de degradação dos ecossistemas marinhos, e a necessidade de se proceder a preservação dos mesmos, não serão alcançados sem recurso à ciência e tecnologia, ou seja, a digitalização da economia azul - que envolve desde os processos de investigação científica nas ciências do mar até aos de desenvolvimento de tecnologia oceânica.
Num momento em que os desafios sociais se vão agudizando, com altos níveis de desemprego e um deficit elevado nas contas correntes do Estado, torna-se fundamental aproveitar o potencial de crescimento azul da indústria marítima nacional, identificando atividades econômicas com alto valor e potencial de crescimento. A Economia do mar deve assim evoluir em direção à sustentabilidade, fazendo emergir novos setores de atividades no quadro da exploração da Economia azul.
As ações de fomento à Economia azul podem ser melhoradas por meio de ações públicas, mudanças de comportamento individual e avanços tecnológicos, em ordem ao desenvolvimento econômico, equidade social e conservação do meio ambiente, que estão no centro da visão da economia azul, onde indivíduos, empresas e Estados, devem trabalhar juntos para promover a sustentabilidade e proteger o planeta.
Portanto, somente com uma visão integrada e complementar será possível continuar a explorar os recursos sem continuar a implicar a destruição das faunas marinhas, e com isso fragilizar a sustentabilidade do ecossistema marinho. Isto significará, uma abordagem aos desafios de descarbonização e transição energética, à necessidade da adoção de medidas que privilegiem à inovação e digitalização da indústria marítima local, em ordem a assegura a exploração sustentável dos oceanos. A exploração da Economia azul não deve negligenciar os aspetos da equidade e justiça.