Introdução
O turismo urbano integra as atividades passíveis de serem realizadas, e de sítios potencialmente visitáveis, que tornam os destinos urbanos atraentes convertendo-os, assim, em destinos multidimensionais e polivalentes (Pearce, 2001). Na atualidade, esta forma de turismo é extremamente importante para a economia mundial (Ashworth & Page, 2011).
O turismo urbano emergiu como um campo de estudo significativo e distinto durante os anos 90 (Pearce, 2001). Desde essa década, tem merecido a atenção de investigadores da área do turismo e de urbanistas por causa do aumento do turismo nas cidades e por causa das questões políticas que lhes estão associadas. De acordo com Pearce (2001), tais políticas tendem a ser de dois tipos principais: políticas reativas, decorrentes da necessidade de dar resposta aos problemas originados pelo aumento de visitantes nas cidades históricas, sobretudo, europeias; e políticas proativas que objetivam o uso do turismo como um recurso estratégico para revitalização das cidades pós-industriais.
No tocante ao estudo do turismo urbano na África Subsaariana (designa- da, doravante por ASS), Rogerson (2012) revela que, muito recentemente, os investigadores têm demonstrado interesse pela temática, e que a África do Sul é o país da região que mais tem aprofundado as pesquisas sobre este assunto.
As cidades da ASS possuem belas paisagens, animação e uma vasta riqueza cultural (Musavengane et al., 2020). No entanto, este potencial para o desenvolvimento do turismo urbano permanece inexplorado. Sendo assim, o objetivo deste estudo é analisar os principais desafios para o desenvolvimento do turismo urbano nas cidades da África Subsaariana. Para tal, foi realizado um estudo exploratório, com base na revisão bibliográfica de livros, artigos científicos e relatórios relevantes. Com este artigo pretende-se contribuir para uma reflexão teórica sobre os principais desafios do turismo urbano na ASS e medidas para o incremento da atividade turística nos espaços urbanos da região.
1. Características físico-geográficas da ASS
As características físicas e geográficas da ASS sempre tiveram, e continuam tendo, impactos nas atividades económicas (incluindo o turismo). Por este motivo, é útil fazer-se uma breve caracterização geográfica da África ao Sul do Saara.
Em termos geográficos, a ASS estende-se entre aproximadamente o paralelo 20N e paralelo 35S. A sua costa é pouco recortada e não apresenta grandes avanços em direção ao mar. A região encontra-se situada entre as duas linhas tropicais e estende-se para sul do Trópico de Capricórnio por 12º de latitude. Em consequência disto a sub-região austral possui um clima mais ameno e de cariz quase mediterrânico (Saraiva, 2019). No que se refere à hidrografia, existem grandes rios, como o Níger, que nasce nos planaltos da Guiné passa pelo Mali e Níger, e chega ao Oceano Atlântico nas costas da Nigéria; o rio Congo (ou Zaire) que nasce nas regiões dos grandes lagos africanos e chega ao mar marcando a fronteira norte de Angola com a República Democrática do Congo (RDC), constituindo um dos mais intrincados e extensos sistemas fluviais de África; o rio Nilo, o mais extenso do mundo, tem as suas origens nos Grandes Lagos, especificamente no lago Vitória, a sul do Equador, e desagua no Mediterrâneo Oriental. Relativamente ao clima, ao norte e sul da região equatorial o clima é tropical (Saraiva, 2019). O clima tropical origina verões chuvosos e invernos secos, favorecendo deste modo o aparecimento de vegetação do tipo savana, com profusão de gramíneas, favoráveis à criação de grandes áreas de pasto, e com algumas árvores dispersas (Saraiva, 2019).
2. A relevância do Turismo na ASS
Após o fim da Guerra Fria, o turismo foi o setor da economia que mais cresceu a nível mundial. Entre 1995 e 2010, registou-se uma taxa média de crescimento anual de 4,1 %. Foi durante este período que África viveu o seu boom inicial no turismo. As receitas do turismo em África aumentaram em mais de 50% nos anos 90 - de 2,3 mil milhões de dólares para 3,7 mil milhões em 2000 (Signé, 2018). Quanto às chegadas internacionais, o número de turistas passou de 14,8 milhões em 1990 para 26,5 milhões em 2000 (UNWTO, 2011).
Isto representou um aumento de 79,5 % de turistas no continente.
De acordo com Signé (2018), esta tendência manteve-se no século XXI, motivada por um período de impressionante crescimento económico e melhorias na estabilidade política em todo o continente. Conforme os dados da Tabela 1, durante a crise financeira global de 2007-2008, África foi a única região do mundo que continuou a registar um crescimento na indústria do turismo: as chegadas à região aumentaram 3,7% entre 2008 e 2009, em comparação com o declínio líquido de 3,8% no resto do mundo.
Entre 2010 e 2019 o turismo em África continuou a crescer. Por causa da pandemia da COVID-19, houve uma queda acentuada no número de turistas internacionais e de receitas provenientes do turismo. A Tabela 2 indica que as receitas do turismo internacional passaram de 38,8 mil milhões em 2019 para 14,8 mil milhões em 2020. Essa diminuição de receitas agravou as dificuldades socioeconómicas no continente, resultando no aumento da pobreza, do desemprego, da violência, do stresse psicológico, das desigualdades de género, entre outros (Wei et al., 2024; Anyanwu & Salami, 2021). Atualmente, o setor encontra-se em recuperação, mas os dados disponíveis demonstram que ainda não foram atingidos os níveis pré-pandémicos.
Tabela 1 Chegadas Internacionais de Turistas por Região (em milhões)
| Região | 2008 | 2009 | 2010 | 2019 | 2020 | 2021 | 2022 |
|---|---|---|---|---|---|---|---|
| África | 44.4 | 46.0 | 49.4 | 69.1 | 18.7 | 19.6 | 46.6 |
| Américas | 147.8 | 140.6 | 149.8 | 219.3 | 69.6 | 81.7 | 156.2 |
| Ásia e Pacífico | 184.1 | 180.9 | 203.8 | 360.1 | 59.1 | 24.8 | 102.3 |
| Europa | 485.2 | 461.5 | 476.6 | 742.1 | 239.6 | 301.3 | 594.9 |
| Médio Oriente | 55.2 | 52.9 | 60.3 | 72.9 | 19.8 | 30.8 | 69.3 |
| Mundo | 917 | 882 | 940 | 1,464 | 407 | 458 | 969 |
Fonte: Adaptado a partir de UNWTO Tourism Highlights (2011; 2023)
Tabela 2 Receitas do Turismo Internacional (US$ mil milhões)
| Região | 2008 | 2009 | 2010 | 2019 | 2020 | 2021 | 2022 |
|---|---|---|---|---|---|---|---|
| África | 30,316 | 28,780 | 31,677 | 38,8 | 14,8 | 17,7 | 32,9 |
| Américas | 189,097 | 166,186 | 182,168 | 330,6 | 125,2 | 140,4 | 255,0 |
| Ásia e Pacífico | 208,597 | 203,101 | 248,659 | 441,2 | 126,3 | 90,6 | 157,3 |
| Europa | 471,797 | 410,932 | 406,251 | 584,1 | 249,5 | 327,5 | 553,2 |
| Médio Oriente | 39,980 | 42,022 | 50,293 | 91,5 | 38,6 | 55,6 | 111,1 |
| Mundo | 939 | 851 | 919 | 1,486 | 554 | 632 | 1,109 |
Fonte: Adaptado a partir de UNWTO Tourism Highlights (2011; 2023)
Particularizando o caso do turismo na ASS, Rogerson (2012) afirma que este é um dos setores económicos que mais cresce na região. Por exemplo, dos 68,6 milhões de turistas que visitaram o continente africano em 2018, 44,5 mi- lhões visitaram a ASS e os restantes 24,1 milhões de turistas visitaram a região Norte de África (UNWTO, 2021). Em 2019, a ASS recebeu aproximadamente 44,3 milhões de turistas, representando uma diminuição nas chegadas de 0,4% em relação ao ano anterior (UNWTO, 2021). A pandemia de COVID-19 traduziu-se, em 2020, numa redução de aproximadamente 64,6% nas chegadas de turistas internacionais (ver Tabela 3). As receitas do turismo internacional passaram de 27,6 mil milhões em 2019, para 9,3 mil milhões em 2020 (ver Tabela 4) (UNWTO, 2023).
As Tabelas 3 e 4 mostram que, apesar de a África do Norte ainda não ter atingido o número de chegadas anterior a pandemia, as receitas do turismo já superaram os valores registados antes da COVID-19, ao passo que o turismo na ASS ainda não conseguiu recuperar em termos financeiros. Na verdade, mesmo antes da pandemia havia uma tendência para diminuição de receitas. Em 2018, a ASS arrecadou 28,1 mil milhões de dólares e em 2019 foram arrecadados 27,6 mil milhões de dólares.
Tabela 3 Chegadas Internacionais de Turistas por Regiões de África (em milhões)
| Região | 2018 | 2019 | 2020 | 2021 | 2022 |
|---|---|---|---|---|---|
| África | 68.6 | 69.1 | 18.7 | 19.6 | 46.6 |
| África do Norte | 24.1 | 25.6 | 5.6 | 6.6 | 19.1 |
| ASS | 44.5 | 43.4 | 13.1 | 13.1 | 27.5 |
Fonte: Adaptado a partir de UNWTO Tourism Highlights (2021; 2023)
Tabela 4 Receitas do Turismo Internacional por Regiões de África (US$ mil milhões)
| Região | 2018 | 2019 | 2020 | 2021 | 2022 |
|---|---|---|---|---|---|
| África | 38.9 | 38.8 | 14.8 | 17.7 | 32.9 |
| África do Norte | 10.7 | 11.2 | 5.4 | 6.0 | 11.9 |
| ASS | 28.1 | 27.6 | 9.3 | 11.7 | 21.0 |
Fonte: Adaptado a partir de UNWTO Tourism Highlights (2021; 2023)
Antes da pandemia, os dados de 2019 revelaram que os destinos insulares de Madagáscar e Comores registaram um crescimento de dois dígitos, enquanto Cabo Verde e as Ilhas Seicheles beneficiaram de um aumento na conectividade aérea. A África do Sul foi o destino mais visitado da sub-região, resultado de medidas de facilitação de vistos e campanhas de marketing para estimular o crescimento do turismo (UNWTO, 2021).
O crescimento no número de visitantes em Madagáscar, Cabo Verde e Ilhas Seicheles justifica-se pelo facto de que nestes países os governos consideram o turismo como prioridade, pela existência de estabilidade política e de um ambiente empresarial favorável (Novelli, 2015).
O turismo na ASS enfrenta muitos desafios como os efeitos das mudanças climáticas, a falta de infraestruturas adequadas e uma liderança económica e política destrutiva (Novelli, 2015).
Signé (2018) menciona outros desafios dos destinos turísticos na ASS co- mo por exemplo: estradas inseguras, abastecimento de água e saneamento inadequado, precariedade dos hospitais e outros serviços públicos, fornecimen- to de energia elétrica inconsistente e dispendioso, burocracia na concessão de vistos e a ausência de coordenação e políticas eficazes de conservação ambiental que visem a resolução do desmatamento e a potencial extinção de espécies de vida selvagem. O autor refere ainda outro grave problema que se observa em toda a região, que é a corrupção. Por exemplo, o estudo de Osinubi et al. (2021) demonstra que o alto nível de corrupção na Nigéria leva a uma diminuição nas chegadas de turistas e a redução de receitas provenientes do turismo.
A COVID-19 veio somar-se aos desafios preexistentes no turismo. Os desafios que já existiam antes da pandemia, como o défice de infraestruturas, também impedem a rápida recuperação do setor pós-pandemia (Matiza, 2023). Para quebrar este ciclo é necessário que se adote um conjunto de medidas articuladas que incluem: a implementação de políticas bem concebidas e com objetivos realistas; a criação de parcerias entre o setor público e privado para o desenvolvimento turístico; a promoção da cooperação e integração turística regional; a promoção de campanhas de sensibilização para o turismo comunitário; a adoção de um quadro jurídico apropriado para o turismo e a construção de uma imagem positiva dos destinos turísticos através de campanhas de marketing e promoção ( Dieke, 2000 citado por Novelli, 2015).
3. As cidades da ASS
As relações entre turismo e espaço urbano são inegáveis. Conforme refere Brito-Henriques (2003), o turismo é na sua génese um fenómeno eminentemen- te urbano, produto de urbanitas que circulam entre espaços, independentemente do seu grau de urbanização. Afirma ainda que todas as análises sociográficas demonstram que a urbanização é uma variável determinante na geração da procura turística. Sendo assim, para identificar os principais desafios para o desenvolvimento do turismo urbano no contexto da ASS é imprescindível analisar as principais características socioeconómicas e demográficas dos seus espaços urbanos.
As cidades da ASS são caracterizadas pelo rápido crescimento da sua população. De acordo com Satterthwaite (2017), a região possui a maior taxa de crescimento populacional urbano do mundo. A população urbana da ASS passou de 19 milhões, em 1950, para 294 milhões de habitantes em 2010 (Satterthwaite, 2017); e em 2019 registou um total de 450 milhões de habitantes (World Bank, 2020). Prevê-se que a população urbana aumente para 621 milhões até 2030 (Satterthwaite, 2017). Em alguns países africanos, como por exemplo no Gabão, o crescimento populacional nas cidades é tão elevado que os moradores urbanos já representam 87% da população total (Saghir & Santoro, 2018).
Jedwab et al. (2017) afirmam que o rápido aumento da população urbana na ASS é resultado de elevadas taxas de natalidade e não do processo de migração rural-urbana. De acordo com os autores, a migração rural é responsável por 40% do aumento populacional urbano. É importante considerar que o aumento populacional na região ao Sul do Saara não seria tão problemático se fosse acompanhado de um aumento de infraestruturas (como por exemplo casas, escolas, hospitais e estradas).
Em África, o investimento de capital nas cidades não acompanhou o elevado aumento populacional. De acordo com Lall et al. (2017), nas últimas quatro décadas os países africanos investiram 20% do seu Produto Interno Bruto (PIB) no processo de urbanização. Este valor está muito abaixo do investimento de capital feito por países que também têm um elevado aumento da sua população urbana.
Por exemplo entre 1980 e 2011, o investimento de capital da China em infraestruturas (habitação, edifícios comerciais entre outros) passou de 35% para 48% do PIB; ao passo que entre 1978 e 2012, a parcela da população urbana cresceu de 18% para 52% (Lall et al., 2017).
O fraco investimento de capital nas cidades africanas gera déficits muito grandes em termos de infraestruturas e prestação de serviços, expondo grande parte da população urbana a elevados problemas de saúde. Durante o período da pandemia da COVID-19, habitar em moradias superlotadas aumentou o risco de contágio e a vulnerabilidade destas populações (Banco Mundial, 2020). Tal facto, teve certamente impactos na economia e nos sistemas de saúde que já eram precários antes do período pandémico.
No tocante à prestação de serviços, Satterthwaite (2017) diz que o fornecimento de água, o saneamento e recolha de lixo doméstico, os cuidados de saúde e serviços de emergência são deficientes. Por exemplo, em termos numéricos, estima-se que as taxas de acesso a água potável em grande parte dos países da África Subsaariana sejam, inferiores a 70% e no saneamento a 40% (Fotio et al., 2023).
Para além de serem superlotadas, as cidades da ASS são dispendiosas. No continente africano, o elevado custo de vida é claramente percebido no preço das rendas, dos alimentos e de outros bens e serviços. Neste sentido, Nakamura et al. (2019) afirmam que os habitantes das cidades pagam cerca de 25% a 28% a mais por bens e serviços em comparação com outros países de rendimento médio e baixo. Além disso, os autores indicam que o preço dos bens alimentares é 35% mais caro nestas cidades. Estes custos elevados restringem o desenvolvimento económico e reduzem a produtividade.
Outra característica das cidades africanas é que são desconectadas, pelo facto de não possuírem um sistema de transporte e estradas adequadas (Lall et al., 2017). A infraestrutura rodoviária urbana está extremamente concentrada junto ao centro das cidades, deixando as áreas externas desconectadas; por exemplo, em Adis Abeba, Dar es Salaam, Quigali e Nairobi, a quantidade de estradas pavimentadas diminui drasticamente fora da área central da cidade. Esta falta de conexão entre a cidade e as zonas ao redor faz com que as deslocações diárias para o trabalho sejam lentas e dispendiosas, dificultando o acesso dos trabalhadores aos empregos localizados em toda a área urbana (Lall et al., 2017).
Portanto, de acordo com a literatura analisada conclui-se que as cidades africanas na ASS possuem três características principais: são superlotadas, onerosas e desconectadas. Como se verá adiante, estas características influenciam a prática do turismo nas cidades.
3.1. Turismo Urbano na ASS
O estudo do turismo urbano começou na década de 1990 (Pierce, 2001) e concentrou-se nos países desenvolvidos. No entanto, recentemente, os investigadores têm demonstrado interesse em estudar este assunto nos países em desenvolvimento (Rogerson, 2002).
Na ASS existe alguma literatura dispersa sobre o desenvolvimento do turismo urbano em países como o Botswana, Quénia e Tanzânia; no entanto, o turismo urbano na África do Sul é o mais bem estudado em toda a ASS (Rogerson, 2012).
A investigação relativa ao desenvolvimento turístico em África concentrou-se tradicionalmente nos grandes produtos de vida selvagem da região, nas suas atrações icónicas de beleza natural (como por exemplo as cataratas Vitória) e no seu património histórico-cultural; a estes tópicos acrescenta-se, desde 2020, a devastação provocada pela COVID-19 ao desenvolvimento turístico do continente (Rogerson & Rogerson, 2021).
Quanto à investigação sobre o turismo urbano na ASS, Rogerson & Rogerson (2021) declaram que o turismo urbano é o “primo pobre” dos estudos sobre o turismo no continente.
O turismo urbano não tem recebido muita atenção não só da academia, mas também dos políticos. Muitos governos africanos não introduzem na sua agenda política estratégias para alavancar o desenvolvimento do turismo urbano, negligenciando, assim, o seu importante contributo para a economia e regeneração das cidades (Mbaiwa et al., 2007). Por exemplo, no Zimbabué, apesar de existir uma série de atrações e recursos turísticos urbanos, o governo deu demasiada ênfase ao turismo de natureza e descurou outras formas de turismo (assim como acontece em muitos países subsaarianos). Somente em 2014 o Zimbabué aprovou uma Política Nacional de Turismo com o objetivo de desenvolver produtos e serviços turísticos de alta qualidade que contribuam para o desenvolvimento económico do país. Neste documento, o Governo assumiu o compromisso de criar mecanismos para o desenvolvimento de outras formas de turismo, incluindo o turismo urbano (Musavengane et al., 2020).
Outro país da ASS que tem um forte potencial para desenvolver o turismo urbano, mas que é afetado negativamente pela falta de políticas públicas é o Botswana. Gaborone e Maun são dois importantes centros urbanos do país, que têm capacidade para desenvolver o turismo urbano por causa do entretenimento, da cultura local e do ambiente favorável para realização de negócios, todavia? o turismo urbano não está integrado nas políticas nacionais. Uma das razões desta lacuna é o conceito erróneo de que o turismo deve ser realizado nos parques nacionais e reservas de caça e não em áreas urbanas (Musavengane et al., 2020).
Em termos de políticas públicas para promoção do turismo urbano, a África do Sul é uma exceção na região. Neste país, o turismo urbano foi definido como setor estratégico de alta prioridade após a transição democrática de 1994 que colocou fim ao apartheid. Os gestores urbanos e decisores políticos identificaram o turismo como potencial veículo de regeneração urbana e de desenvolvimento económico local dos principais centros do país (Mbaiwa et al., 2007). Como resultado disto, em 2004, uma década após o nascimento da nova democracia, as chegadas de turistas à África do Sul atingiram a cifra de 6,7 milhões, a maior na história do país até àquela data (Rogerson, 2012). E em 2010, ano em que a África do Sul albergou a Copa do Mundo de Futebol, o país recebeu cerca de 8 milhões de turistas internacionais (Rogerson, 2011).
Em 2019, a África do Sul recebeu 10,229 milhões de turistas (UNWTO, 2023). Contudo, como mencionado anteriormente, por causa dos efeitos da COVID-19 houve uma redução no número de turistas. Assim, em 2021 apenas 2,802 milhões de turistas visitaram o país. À semelhança do que tem acontecido no mundo inteiro, o setor turístico sul-africano está a recuperar da crise pandémica. Uma prova disso é o facto de que 5,698 milhões de pessoas visitaram o país em 2022 (UNWTO, 2023).
Para além da organização do Mundial de Futebol em 2010, a África do Sul organizou outros grandes eventos como forma de promover o turismo urbano. Em 1995, o país organizou o Campeonato Mundial de Rugby, em 1996 o Campeonato Africano das Nações de Futebol, em 2003 o Campeonato Mundial de Críquete, e em 2009 a Premier League Indiana (Cornelissen, 2009 citado por Rogerson, 2011).
Relativamente às motivações que levam os turistas a escolher o espaço urbano como destino turístico na ASS, Musavengane et al. (2021) dizem que nas cidades sul-africanas como no Soweto, Khayelitsha, ou Kibera na Nigéria, os turistas têm interesse em visitar os mercados locais, as comunidades densamente povoadas e os bairros de lata para observar as condições de vida da população pobre. O autor refere ainda que os turistas internacionais não têm como motivação visitar as áreas de pelúcia??? da cidade que possuem equipamentos e infraestruturas (como por exemplo, alojamentos) de elevada qualidade, idênticos aos países do Norte.
Nas grandes cidades sul africanas, os turistas vindos da Europa Ocidental e da América do Norte estão interessados em experienciar o modus vivendi dos habitantes locais. No entanto, os turistas urbanos provenientes de outros países da África Subsaariana viajam até àquele país com o intuito de fazer compras, negócios e tratamentos médicos (Rogerson, 2012; Musavengane et al., 2021). Na verdade, a estratégia de promoção do turismo urbano na África do Sul inclui a atração de turistas da região subsaariana.
Gouws (1995 citado por Rogerson 2011) relata que, desde 1995, existe um “nicho de mercado” nas cidades sul-africanas que proporciona alojamento de baixo custo a comerciantes transfronteiriços, principalmente do Zimbabué, Moçambique, Lesoto e Suazilândia. Em resultado disto, o ritmo de crescimento do turismo de compras acelerou rapidamente, e entre 1998 e 2001 houve uma duplicação das receitas provenientes do comércio.
Ao analisar a literatura existente sobre o estado da arte do turismo urbano na ASS, percebe-se que os autores cingem a sua abordagem à falta de políticas para o desenvolvimento deste tipo de turismo, pelo que se torna complexo perceber a evolução do turismo urbano na região. O caso mais bem documentado, como já foi atrás referido, é, de facto, o sul-africano.
Portanto, na ASS o turismo urbano tem merecido pouca atenção dos académicos e dos governos. Apesar de já existirem algumas iniciativas que objetivam a mudança deste cenário, é preciso que estes países eliminem o conceito erróneo de que o turismo baseado na natureza é o único que pode ajudar no desenvolvimento do setor. É importante que os governos africanos reconheçam o turismo urbano como uma forma de diversificação da sua oferta turística e um importante veículo para regeneração das cidades.
3.2. Desafios para o Desenvolvimento do Turismo Urbano na ASS
As cidades na ASS enfrentam diversos desafios para o desenvolvimento, incluindo o turismo (Musavengane et al., 2021).
Os espaços urbanos subsaarianos possuem muitas atrações culturais, arqueológicas e históricas, no entanto, não são adequadamente comercializadas como produtos turísticos (Mbaiwa et al., 2007). Este mau aproveitamento dos recursos culturais traduz-se em menos visitantes para os espaços urbanos, pois, a cultura é uma das razões que levam o turista a visitar a cidade (Brito-Henriques, 2003). Costa & Albuquerque (2017), acrescentam ainda que o turismo urbano assenta na procura e no conhecimento de cultura, património e civilizações. Mencionam que estas são as motivações subjacentes ao turismo urbano na Grécia Antiga, na Era Romana, na fase do Barroco, na Inglaterra Aristocrática do Grand Tour e que, em todas as latitudes geográficas e longitudes temporais, a motivação para a atividade turística nos espaços urbanos demanda História, cultura e civilizações.
Outro desafio para o desenvolvimento do turismo urbano nas cidades subsaarianas é o fraco envolvimento das comunidades locais no planeamento do turismo. De acordo com o estudo de Mbaiwa et al. (2007) sobre os problemas e perspetivas para o desenvolvimento do turismo urbano nas cidades de Gaberone e Maun (Botswana), mais de 80% dos agregados familiares nas duas cidades indicaram que não obtêm quaisquer benefícios socioeconómicos (como por exemplo emprego) do turismo urbano. Os autores afirmam que a falta de benefícios do turismo urbano resulta do facto de que a população local não é envolvida no planeamento das atividades turísticas. Logo, se a população não obtém benefícios do turismo é pouco provável que se sinta motivada a envolver-se nas atividades turísticas e até mesmo a ser cordial com os turistas.
Musavengane et al. (2020) publicaram um estudo sobre o nexo entre turismo e risco urbano em três cidades africanas da ASS (designadamente, Accra, Harare e Joanesburgo), onde deixam claro que os desafios ao desenvolvimento do turismo em espaços urbanos incluem a falta de apoio governamental ao desenvolvimento turístico local, prestação de serviços inadequada, aumento populacional, falta de segurança e crime institucionalizado, preços elevados de bens e serviços, dificuldades de acesso à água, saneamento e recolha de resíduos deficientes.
Como já foi anteriormente mencionado, na ASS existem algumas iniciativas para a promoção do turismo urbano. No Gana, por exemplo, tem-se investido na modernização do espaço urbano para promoção do turismo, seguindo lógicas neoliberais. Isto tem resultado na expulsão dos habitantes locais de espaços anteriormente por eles ocupados (Musavengane et al., 2020).
À semelhança do que acontece no Gana, na cidade de Harare (Zimbabwe), em 2005, houve a demolição de casas e lojas de moradores locais em nome de uma “sanitização” do espaço urbano para aproveitamento turístico (Manjengwa et al., 2016).
É interessante notar que as recentes iniciativas para incremento do turismo têm seguido uma lógica neoliberal, sem preocupação com a sustentabilidade, sobretudo com o seu pilar social. Ou seja, as medidas para alavancar o desenvolvimento turístico representam um risco para os pobres urbanos.
Musavengane et al. (2020) referem que a maior parte dos países africanos tem dado prioridade a iniciativas de desenvolvimento macroeconómico, de cima para baixo, que beneficiam a elite e excluem as populações pobres dos espaços urbanos. Por isso defendem a necessidade de os governos e representantes do setor privado incluírem os grupos vulneráveis na conceção do desenvolvimento turístico e nos processos de tomada de decisões. Os autores referem também, que há uma falta de políticas relativas ao turismo urbano sustentável.
É importante ter em conta que o crescimento da atividade turística é resultante da atuação do poder público como responsável pelo seu direcionamento, garantindo os interesses da coletividade e não de um grupo reduzido ou de um indivíduo. As políticas públicas de turismo definem as atribuições dos envolvidos na atividade turística, a melhor forma de se alcançar os objetivos preconizados e as metas estabelecidas previamente pelo seu planeamento (Castrogiovanni, 2013). A adoção de políticas públicas coerentes para o turismo pode representar o papel que a atividade vai desempenhar na sociedade, assim como a relevância cultural, social e económica para as comunidades envolvidas (Santos, 2016). O planeamento dos serviços turísticos e do uso do turismo como veículo de regeneração e revitalização urbana é, de facto, uma tarefa dos planeadores e gestores urbanos, juntamente com outras funções e instalações urbanas (transporte, habitação entre outros) (Asworth & Page, 2011). Portanto, para o desenvolvimento do turismo urbano na ASS, é necessário que Estados, empresas, organizações, comunidades e outros intervenientes adotem uma política e visão conjuntas para o setor, regendo-se por princípios de gestão participada e responsável que conduzirão à criação de novas formas de governança e à criação de observatórios dedicados.
Conclusões
O presente estudo, que teve como objetivo analisar os principais desafios ao desenvolvimento do turismo urbano na África Subsaariana, permitiu extrair as conclusões que se seguem.
Em primeiro lugar, entre 1995 e 2010 o turismo em África teve o seu boom inicial. Neste período, as receitas turísticas aumentaram mais de 50%. No entanto, a COVID-19 somou-se aos desafios preexistentes no turismo. Assim, devem ser adotadas um conjunto de medidas articuladas que incluam: a adoção de políticas bem concebidas e com objetivos realistas; a criação de parcerias entre o setor público e privado para o desenvolvimento turístico; a promoção da cooperação e integração turística regional; a promoção de campanhas de sensibilização para o turismo comunitário; a adoção de um quadro jurídico apropriado para o turismo e a construção de uma imagem positiva dos destinos turísticos através de campanhas de marketing e promoção.
Em segundo lugar, por causa das suas características físico-geográficas, existe nos países da ASS uma forte aposta no turismo de natureza e não em outras formas de turismo, como o urbano. Tal facto, traduz-se na escassez de políticas públicas para o incremento do turismo urbano na maior parte destes países. No entanto, os poucos países que têm tomado iniciativas para promover o turismo urbano, têm seguido lógicas de desenvolvimento neoliberais que contribuem para piorar as condições de vida dos cidadãos urbanos destes países. Visto que o estudo do turismo urbano nesta região não tem merecido a devida atenção dos investigadores, restringe-se a compreensão desta forma de turismo e os seus paradoxos na ASS.
Em terceiro lugar, os desafios para o desenvolvimento turístico prendem-se com a falta de apoio governamental ao desenvolvimento turístico local, à prestação de serviços inadequada, ao aumento populacional, à falta de segurança e crime institucionalizado, aos preços elevados de bens e serviços, às dificuldades de acesso à água, e a um saneamento e recolha de resíduos deficientes. Para se transporem estes desafios, é necessário que os Estados, empresas, organizações, comunidades e outros intervenientes adotem uma política e visão conjuntas para o desenvolvimento do turismo urbano, regendo-se por princípios de gestão participada e responsável que conduzirão à criação de novas formas de governança e de observatórios dedicados/especializados.
Finalmente, a metodologia utilizada foi útil para verificar como os investigadores abordam a temática do turismo urbano na ASS, permitindo identificar a tendência atual das políticas para o desenvolvimento do turismo urbano implementadas em alguns países da ASS, onde se destaca a fraca preocupação com a questão da sustentabilidade.
A principal limitação do estudo foi não apresentar modelos sustentáveis para o desenvolvimento do turismo urbano na ASS, espera-se que investigações futuras abordem está temática.













