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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.30 no.6 Lisboa dez. 2014

 

EDITORIAL

Parabéns a Você

Pedro Serrano*

*Médico especialista em Saúde Pública, coordenador do grupo Programas de Formação do Conselho Nacional do Internato Médico (1996-2013)

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

Dois em um

Na altura em que escrevo estas linhas (um chuvoso final de Novembro) cumprem-se com exactidão seis anos sobre a data em que as três Coordenações do Internato de Medicina Geral e Familiar (MGF), com a cumplicidade activa do Colégio da Especialidade da Ordem dos Médicos, deram por concluído o primeiro Programa de Formação (PF) da especialidade a ser aprovado sob a forma de lei. O PF viria a ser publicado três meses depois, já a Primavera de 2009 dava um ar da sua graça, com efeitos práticos a partir de Janeiro de 2010.1

Mas, se o momento era histórico pela publicação formal de um texto estruturante que tardava 25 anos, uma outra história, igualmente importante, espreitava no seco item inicial do PF, onde se escrevia: “1. Duração - 48 meses”. Ou seja, estava-se perante um documento dois em 1 e naquelas magras quatro páginas de texto a duas colunas condensava-se um longo caminho que vale a pena contar, não só para que, pelo exemplo, a especialidade progrida e tenha onde se apoiar, mas também como alerta para os escorregadios baixios que a rondam neste final de 2014.

Conflito de interesses

Pervertendo um pouco as regras, declaro, neste parágrafo a meio do texto, que não tenho conflito algum de interesse no que digo: pertenço à vizinha especialidade de Saúde Pública (SP), pelo que o meu olhar sobre a vossa tem o arrefecimento de quem não é juiz em causa própria, embora esteja temperado pelo interesse e carinho que sempre me mereceu uma área médica que, em termos de formação e exercício diferenciado, começou a dar os primeiros passos ao mesmo tempo do que a minha.2 Simultaneamente, fui, ao longo de muitos anos, responsável pela coordenação do grupo de trabalho que, no seio do Conselho Nacional do Internato Médico (CNIM), se encarregava dos PF de todas as especialidades, desde a produção das guidelines uniformizadoras até à discussão das sucessivas versões finais com os respectivos 46 colégios da Ordem dos Médicos. Sinto-me, então, confortável para conversar sobre esta história.

 

 

No princípio

No começo era Dezembro, um bom mês para nascimentos luminosos, e o verbo era o do Dr. Paulo Mendo, que fez publicar uma Portaria3 que formalizava os internatos médicos hospitalares e criava mais dois, novinhos em folha: o de SP e o de Clínica Geral (CG). Como para todas as outras, nestas duas especialidades a menção aos PF condensava-se telegraficamente: tempo total da formação (3 anos para ambas), mais um esboço, rápido e genérico, das áreas de treino a contemplar. Mas como a finalidade deste diploma era a de regulamentar os internatos e criava as figuras de Coordenador de Internato de SP e de CG, eles depois que tratassem disso, já que o calendário marcava o dia 28 de Dezembro de 1982 e era tempo de ir comprar uvas passas e pôr o champanhe a esfriar.

Um bem precioso

E assim, durante dez anos, todas as especialidades deste país se foram improvisando sem um PF nacional até que, em Maio de 1991, uma portaria do Ministério da Saúde4 definia, finalmente, o que era um PF e o que dele deveria constar: tempo de formação; estrutura dos estágios e sua duração; objectivos de desempenho e conhecimentos a atingir; momentos e tipo de avaliação a ser levada a cabo. A norma regulamentar fixava ainda o ingénuo prazo de três meses para que todos os programas de todas as especialidades fossem aprovados e publicados! Bem, esta primeira publicação de programas levou quase seis anos a ficar concluída e foi um participadíssimo e discutidíssimo processo entre o CNIM, pelo Ministério da Saúde, e os respectivos Colégios de especialidade, pela Ordem dos Médicos.

Mas, será que durante estes dez anos anteriores à aprovação dos programas, as especialidades, mormente as nossas, se regeram sem regras? É claro que não: foram sendo feitos documentos vários, a SP tinha um programa aprovado pelo CNIM, a CG contava com programas não totalmente sobreponíveis nas então três zonas de Internato: norte, centro, sul. Mas é muito diferente uma situação destas, com algo de improviso, ou poder contar com um documento nacional, que é lei, e estabelece regras claras para formadores, formandos e todos os outros interessados no assunto.

De certo modo, de modo indirecto, um PF - ao explicitar o que um especialista deve saber e ser capaz de executar para poder ser considerado como tal - funciona como um enunciar das competências e do âmbito de responsabilidade de uma especialidade e isso é, por si só, um bem precioso na defesa da qualidade do exercício de uma qualquer área profissional.

Amanhã nunca se sabe

Apesar de o diagnóstico dos constrangimentos estar feito há anos, de terem sido apontadas soluções, o Ministério da Saúde encontra-se cronicamente a braços com a situação de ter mais candidatos ao Internato médico do que aqueles que os serviços conseguem formar, do que - à falta de melhor evidência - o Serviço Nacional de Saúde necessita. Perante o excesso de produção de licenciados, a solução, apressadamente tomada sempre a quinze dias de cada novo concurso de ingresso nas especialidades, resume-se, grosso modo, a atafulhar algumas áreas como remedeio para preencher o buraco dos candidatos quase sem colocação, sendo a MGF uma das vítimas mais perseguidas pela última hora.

Sob a pressão do aumento indefinido das capacidades formativas, os médicos Internos atropelam-se e os serviços formam com dificuldade quem lá chega, tornando-se cada dia mais difícil cumprir o estabelecido no PF. E, no esticar das capacidades, a tentação de quem decide pode passar por submeter os objectivos da formação a necessidades exteriores a esta, o que, como se calcula, será um péssimo caminho.

Por imperativo legal,5 os PF de cada especialidade devem ser revistos ao fim de cinco anos de vigência, cabendo essa responsabilidade, actual e futura,6* aos respectivos Colégios da Ordem dos Médicos. Aproximando-se os dias da revisão, espera-se que essa árdua, dupla e gloriosa conquista da especialidade de MGF se afirme tecnicamente ante os interesses que, por sendas curtamente utilitárias, estremecem subordinar a formação a interesses alheios a esta, descaracterizando e pondo, para já, em risco os conteúdos da aprendizagem e, como consequência futura, as competências e a autonomia da própria especialidade.

* Ministério da Saúde. Projecto de decreto-lei sobre o regime jurídico do internato médico. Novembro 2014 (documento de trabalho não publicado).

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Portaria nº 300/2009, de 24 de Março. Diário da República. 1ª série(58).

2. Serrano P. Da importância dos aeroportos: conversas privadas sobre saúde pública (On the importance of airports: private talks about public health). Rev Port Clin Geral. 2007;23(4):417-30. Portuguese        [ Links ]

3. Portaria nº 1223-B/82, de 28 de Dezembro. Diário da República. 1ª série(298 3º Supl).

4. Portaria nº 416-B/91, de 17 de Maio. Diário da República. 1ª série B(113 Supl).

5. Portaria nº 251/2011, de 24 de Junho. Diário da República. 1ª série(120).

6. Decreto-Lei nº 45/2009, de 13 de Fevereiro. Diário da República. 1ª série(31).

 

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pedroserrano22@sapo.pt

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