Serviços Personalizados
Journal
Artigo
Indicadores
- Citado por SciELO
- Acessos
Links relacionados
- Similares em SciELO
Compartilhar
Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar
versão impressa ISSN 2182-5173
Rev Port Med Geral Fam vol.31 no.3 Lisboa jun. 2015
CLUBE DE LEITURA
Suplemento nutricional como adjuvante no tratamento de úlceras de pressão?
Nutritional supplement for an adjunctive therapy in pressure ulcers?
Rui Neto Fernandes*
*Médico Interno de Medicina Geral e Familiar, UCSP de Moscavide - ACES Loures-Odivelas
Cereda E, Klersy C, Serioli M, Crespi A, D’Andrea F, OligoElement Sore Trial Study Group. A nutritional formula enriched with arginine, zinc and antioxidants for healing of pressure ulcers: a randomized trial. Ann Intern Med. 2015;162(3);167-74.
Introdução
A presença de úlceras de pressão (UP) é um dos indicadores que reflecte a qualidade dos cuidados prestados a um doente, afectando negativamente a qualidade de vida, a utilização de recursos médicos e os custos em saúde.
O seu tratamento requer uma abordagem multifacetada, sendo a evicção de pontos de pressão a principal forma de prevenção e tratamento. Estudos anteriores determinaram que o uso de fórmulas nutricionais é benéfico no tratamento de UP, nomeadamente fórmulas com arginina, zinco e antioxidantes. O efeito isolado da suplementação com arginina não foi ainda determinado, não tendo sido demonstrado vantagem na suplementação isolada de zinco ou vitamina C, pelo que uma combinação destes nutrientes parece ser mais eficaz.
O presente estudo pretende determinar se a utilização de uma fórmula oral contendo arginina, zinco e antioxidantes é benéfica no tratamento de UP.
Métodos
Foi conduzido um ensaio randomizado, controlado, oculto e multicêntrico (sete locais), tendo como amostra adultos residentes em lares ou sob cuidados domiciliários com UP estadio II, III ou IV do sistema de classificação da National Pressure Ulcer Advisory Panel e European Pressure Ulcer Advisory Panel (NPUAP/EPUAP).
Estabeleceram-se como critérios de elegibilidade a capacidade de ingestão de suplementos orais e desnutrição, sendo excluídos doentes diabéticos mal controlados, com insuficiência hepática, renal ou cardíaca, DPOC ou doença vascular periférica.
Os suplementos orais foram distribuídos aos doentes em quantidades de 100ml, divergindo a fórmula experimental e a de controlo na presença de 15% de arginina e maior quantidade de zinco e antioxidantes na primeira. Foram também administrados 400ml diários de uma fórmula energética rica em proteínas.
Todos os doentes receberam tratamento para as UP de acordo com normas de orientação actuais, sendo avaliada a percentagem de redução da área ulcerada ao fim de oito semanas e ainda a redução de área ulcerada às quatro semanas, a incidência de infecções e o número de mudanças do penso sobre a ferida durante o período de intervenção.
Resultados
Foram aleatoriamente distribuídos 200 doentes por ambas as intervenções, com características basais entre grupos semelhantes.
O tratamento administrado foi eficaz na cicatrização das UP de ambos os grupos, registando-se às oito semanas uma redução média do tamanho de 60,9% no grupo com fórmula experimental e de 45,2% no grupo controlo. Não se registaram diferenças significativas nos restantes parâmetros avaliados.
Discussão
Este estudo revelou que a suplementação com arginina, zinco e antioxidantes adicionada a suporte nutricional em doentes com UP melhora o seu tratamento.
Quatro ensaios randomizados e controlados anteriores avaliaram a eficácia de fórmulas semelhantes no tratamento de UP. Contudo, estas não eram estandardizadas, as amostras intervencionadas eram inferiores e os critérios de exclusão e inclusão poderão ter afectado a generalização dos dados obtidos. Neste ensaio foram adoptados critérios de exclusão menos restritivos do que anteriormente. O facto de apenas terem sido incluídos doentes desnutridos não foi considerado uma limitação, dado ser uma situação prevalente em doentes com UP. Contudo, a definição da tolerância oral como critério de inclusão pode representar uma limitação.
A adesão ao tratamento registada foi elevada, possivelmente por o mesmo ter sido integrado nos cuidados diários prestados aos doentes, não sendo dependente da sua iniciativa ou capacidade.
Conclui-se que, em doentes com UP em situação de desnutrição e a receberem suporte nutricional e tratamento adequado, a utilização de uma fórmula com arginina, zinco e antioxidantes é benéfica para a cicatrização das feridas.
COMENTÁRIO
O artigo aborda um problema que interfere negativamente e de forma marcada na qualidade de vida dos doentes, com elevada repercussão nos gastos em saúde e no nível de cuidados necessários para o seu tratamento, sendo desde logo relevante para a prática clínica.1
Os dados epidemiológicos sobre UP em Portugal são escassos. Segundo informação da Rede Nacional de Cuidados Continuados, a incidência e a prevalência de UP têm vindo a diminuir nos doentes seguidos, estimando-se a sua prevalência em cerca de 13%, em 2013.2 Relativamente aos cuidados hospitalares, um estudo divulgado em 2011 estima a prevalência média em 11,5%.3
Paralelamente, o estudo reforça a necessidade de avaliar e assegurar o estado nutricional dos doentes e comprova o benefício de utilização de uma fórmula específica no tratamento de UP.
Segundo as normas de orientação da NPUAP/EPUAP, a avaliação do estado nutricional do doente deve ser efectuada no início do tratamento, quando se verifique uma alteração na sua situação clínica ou quando não ocorra cicatrização adequada. Recomenda-se também a avaliação do aporte energético, ingestão de proteínas e vitaminas e hidratação.4 A utilização de suplementos nutricionais não é, contudo, contemplada nesta norma de orientação.
Como citado no artigo, a utilização de fórmulas de arginina, zinco e antioxidantes foi já avaliada em pelo menos quatro ensaios randomizados. Três destes estudos foram avaliados numa revisão que concluiu que os mesmos apresentam limitações quanto ao tamanho da amostra, desenho do estudo e outras falhas metodológicas. Outros trabalhos foram igualmente avaliados mas não se tratavam de ensaios controlados randomizados e incidiam sobre amostras pequenas, com duração reduzida.5
Este artigo fornece nova informação sobre o tema, uma vez que foi utilizada uma fórmula estandardizada numa amostra consideravelmente maior do que as analisadas anteriormente. Os critérios de exclusão foram também mais abrangentes, apesar de terem sido excluídos doentes com patologias muito frequentes na população idosa, onde a presença de UP é igualmente mais prevalente.
Apesar das conclusões encontradas, o papel de cada um dos nutrientes analisados na cicatrização de UP não foi ainda concretamente estabelecido. No que respeita à arginina, parece haver evidência que suporte a sua utilização, apesar dos estudos efectuados utilizarem fórmulas complexas, com outros nutrientes. Relativamente ao uso isolado de zinco ou vitamina C (usada como antioxidante), os dados obtidos são escassos não havendo evidência que suporte a sua utilização.6
Esta ausência de evidência relativamente a vitamina C utilizada isoladamente foi reforçada nas normas de actuação em UP do American College of Physicians, publicadas um mês após o artigo citado. Nestas guidelines é referido que os suplementos nutricionais com proteínas ou aminoácidos (como a arginina) melhoram o tratamento de UP, nomeadamente o seu tamanho, apesar dos ensaios efectuados incluírem normalmente populações desnutridas, podendo não ser possível generalizar as suas conclusões a todos os doentes.7
A utilização de um suplemento nutricional específico pode, assim, ser encarada como uma terapêutica adjuvante no tratamento de UP, especulando-se se o benefício é devido à actuação sinérgica entre os vários nutrientes ou ao efeito isolado da arginina. Este facto é relevante para a prática do médico de família, uma vez que é este o profissional mais habilitado para o acompanhamento de doentes na comunidade e em apoio domiciliário, trabalhando com populações de doentes idosos ou alectuados (grupos onde as UP são prevalentes) e em colaboração estreita com as equipas de enfermagem.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Cereda E, Klersy C, Serioli M, Crespi A, D’Andrea F, OligoElement Sore Trial Study Group. A nutritional formula enriched with arginine, zinc and antioxidants for healing of pressure ulcers: a randomized trial. Ann Intern Med. 2015;162(3);167-74. [ Links ]
2. ACSS. Relatório de monitorização da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) 2014. Lisboa: Ministério da Saúde; 2014. [ Links ]
3. Ferreira PL, Miguéns C, Gouveia J, Furtado K. Risco de desenvolvimento de úlceras de pressão: implementação nacional da escala de Braden. Loures: Lusodidacta; 2007. [ Links ]
4. National Pressure Ulcer Advisory Panel, European Pressure Ulcer Advisory Panel and Pan Pacific Pressure Injury Alliance. Prevention and treatment of pressure ulcers: quick reference guide. 2nd ed. Cambridge Media: Perth, Australia; 2014. ISBN 9780957934368
5. Schols JM, Heyman H, Meijer EP. Nutritional support in the treatment and prevention of pressure ulcers: an overview of studies with an arginine enriched oral nutritional supplement. J Tissue Viability. 2009;18(3):72-9. [ Links ]
6. Sernekos LA. Nutritional treatment of pressure ulcers: what is the evidence? J Am Assoc Nurse Pract. 2013;25(6):281-8. [ Links ]
7. Qaseem A, Humphrey LL, Forciea MA, Starkey M, Denberg TD, Clinical Guidelines Committee of the American College of Physicians. Treatment of pressure ulcers: a clinical practice guideline from American College of Physicians. Ann Intern Med. 2015;162(5):370-9. [ Links ]
Conflitos de interesse
O autor declara não ter conflito de interesses.