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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar
versão impressa ISSN 2182-5173
Rev Port Med Geral Fam vol.31 no.5 Lisboa out. 2015
CLUBE DE LEITURA
Disfunção sexual na mulher: uma abordagem prática
Sexual dysfunction in women: a practical approach
Sara Robalo Santos*, Catarina Magalhães Oliveira*
*Médicas Internas de Medicina Geral e Familiar, USF S. Julião
Faubion SS, Rullo JE. Sexual dysfunction in women: a practical approach. Am Fam Physician. 2015;92(4):281-8.
Introdução
A disfunção sexual feminina é um problema de saúde frequente, com um impacto negativo na qualidade de vida e que inclui: disfunção no desejo/excitação sexual, disfunção do orgasmo e dor genitopélvica.
Etiologia e Patofisiologia
A disfunção sexual é multifatorial, incluindo fatores biológicos, psicológicos, relacionais e socioculturais. Algumas patologias, como a diabetes mellitus ou algumas doenças neurológicas e neoplásicas, podem, de forma direta ou indireta, afetar a função sexual. O próprio envelhecimento está também associado a uma diminuição da resposta sexual, atividade sexual e da líbido. A diminuição dos níveis de estradiol na menopausa provoca uma diminuição da lubrificação vaginal e dispareunia.
Vários fármacos podem ter um efeito inibitório da função sexual, como os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) e os inibidores seletivos da recaptação de serotonina e noradrenalina (ISRSN), os antiestrogénicos (tamoxifeno e inibidores da aromatase) e os estrogénios orais (como os contracetivos hormonais combinados).
Em relação aos fatores psicológicos, os com maior impacto na função sexual feminina são a depressão, a ansiedade, imagem corporal negativa, abuso sexual e a negligência emocional. Os fatores socioculturais que mais frequentemente causam ou mantêm a disfunção sexual são problemas de relacionamento, a disfunção sexual do parceiro (e.g., disfunção eréctil), eventos de vida geradores de stress (e.g., reforma, saída dos filhos de casa) e contextos culturais ou religiosos inibidores da sexualidade.
Avaliação
A melhor abordagem na avaliação da disfunção sexual feminina é o modelo biopsicossocial que deve incluir a história sexual e o exame objetivo.
- Disfunção no desejo/excitação sexual
O desejo sexual refere-se à motivação para o ato sexual; a excitação sexual refere-se ao processo fisiológico de excitação, que inclui a lubrificação e o afluxo sanguíneo vaginal.
Pouco ou nenhum desejo espontâneo mas resposta sexual com desejo, desejo espontâneo e resposta sexual mas discrepância no grau de desejo entre a mulher e o parceiro e diminuição da excitação sexual fisiológica relacionada com a menopausa são exemplos não de disfunção sexual, mas de variação normal da resposta sexual, pelo que a sua distinção é importante.
- Disfunção do orgasmo
A disfunção do orgasmo inclui um atraso marcado no atingimento do orgasmo ou orgasmo ausente/pouco frequente ou menos intenso durante pelo menos seis meses em 75 a 100% das relações sexuais. Esta disfunção pode existir desde sempre (primária) ou ser adquirida (secundária). A anorgasmia primária é sugestiva de que a paciente não está familiarizada nem confortável com a autoestimulação ou com a comunicação sexual com o parceiro ou, ainda, por falta de educação sexual adequada. Atraso ou diminuição da intensidade do orgasmo pode estar relacionada com a diminuição do fluxo sanguíneo genital ou a diminuição da sensibilidade genital, consequência do envelhecimento, e não é considerado como disfunção sexual.
O médico deve determinar se as dificuldades no orgasmo ocorrem apenas com determinados tipos de estimulação, situação ou parceiro. Se a paciente referir dificuldade na relação sexual com o parceiro, mas não na autoestimulação, pode ser resultado de estimulação sexual inadequada.
- Dor genitopélvica
O vaginismo e a dispareunia estão incluídos na dor genitopélvica/disfunção associada à penetração. A dor é definida como medo ou ansiedade, contração/tensão dos músculos abdominopélvicos ou dor associada à penetração vaginal persistente e/ou recorrente durante, pelo menos, seis meses. Esta disfunção pode ser primária ou secundária. O médico deve determinar se a dor ocorre no início da penetração vaginal, com a penetração profunda, ou em ambas.
Tratamento
A primeira consulta pode ser, desde logo, benéfica, apesar de a disfunção sexual requerer muitas vezes um tratamento multidisciplinar. O modelo PLISSIT - permission, limited information, specific suggestions, intensive therapy - é utilizado para abordar a saúde sexual das pacientes.
• Permissão: dar abertura à paciente para falar sobre a sua saúde sexual;
• Informação limitada: educação sexual básica adequada (e.g., ciclo resposta sexual feminino, anatomia e impacto do envelhecimento na função sexual);
• Sugestões específicas simples: uso de vibrador, lubrificante e formas de aumentar a intimidade emocional;
• Terapia intensiva: validar as preocupações da paciente e referenciar.
Estratégias para tratar a disfunção sexual induzida pelos antidepressivos incluem a redução da dose, a troca por outro antidepressivo com menos efeitos adversos na função sexual ou adicionar bupropiona. Uma revisão da Cochrane sugere o uso de bupropiona 150mg, duas vezes por dia, mas são necessários mais estudos (nível de evidência B).1 Num pequeno estudo, o sildenafil reduziu a disfunção sexual induzida pelos ISRS e pelos ISRSN (nível de evidência B).2
A dor genital feminina é complexa e necessita de uma abordagem multidisciplinar, considerando os fatores biopsicossociais. A disfunção do pavimento pélvico é melhor tratada pela medicina física e de reabilitação. A utilização de vibrador, se não dolorosa, pode ser benéfica.
Psicoterapia e terapia sexual podem ser úteis em mulheres cuja causa de disfunção esteja associada a fatores relacionais, socioculturais ou com ansiedade. Técnicas de meditação (mindfullness) têm demonstrado efetividade no tratamento de vários tipos de disfunção sexual feminina. A masturbação é o tratamento de eleição nos casos de anorgasmia primária.
A terapêutica tópica com estrogénios é recomendada e preferível ao uso de terapêutica estrogénica sistémica para o tratamento da síndroma genitourinária da menopausa, assim como na dispareunia associada a secura vaginal. Face aos potenciais efeitos adversos dos estrogénios, especialmente os sistémicos, o seu uso deve ser limitado e de curta duração (nível de evidência A).
O ospemifeno tem uma eficácia modesta no tratamento da dispareunia (nível de evidência B). A testosterona transdérmica, associada ou não a estrogénios, pode ser efetiva no tratamento a curto prazo da disfunção do desejo/excitação sexual em mulheres pós-menopáusicas (nível de evidência B), mas, para além de não estar demonstrada a sua segurança e eficácia a longo prazo, está também associada a efeitos secundários de hiperandrogenismo.
COMENTÁRIO
A vivência da sexualidade da mulher constitui uma componente importante da qualidade de vida e da satisfação individual e relacional.3 A disfunção sexual feminina, apesar de prevalente, é muitas vezes difícil de abordar quer por parte da paciente, quer por parte do seu médico de família.3-4
O médico de família tem uma posição privilegiada para, numa continuidade de cuidados de saúde, estabelecer uma relação de confiança e facilitar a comunicação médico-paciente e entre o casal. A abordagem deste problema, baseada no modelo biopsicossocial, deve incluir o parceiro e ter em conta as expectativas de ambos.5
Existem fases da vida da mulher frequentemente associadas a alterações da função sexual, como a gravidez, o pós-parto e a menopausa.3,5 Para a manutenção de uma boa função sexual feminina ao longo da vida é fundamental promover a saúde física, mental e uma relação afetiva emocionalmente satisfatória.3,5
As opções farmacológicas no tratamento da disfunção sexual feminina são limitadas, dada a sua baixa eficácia e potenciais riscos, devendo ser dada primazia à abordagem não farmacológica.3,6-7
À excepção da terapêutica com estrogénios tópicos nas mulheres pós-menopáusicas com queixas de secura vaginal, que têm demonstrado a sua eficácia e segurança, são necessários mais estudos que comprovem a segurança a longo prazo dos restantes fármacos.1,5,7
A testosterona transdérmica e o ospimefeno não estão disponíveis em Portugal. O sildenafil e a bupropiona no tratamento da disfunção sexual secundária e o uso de antidepressivos necessitam de mais estudos que comprovem a sua eficácia.1,5,7
Na prática, a intervenção proposta, adequada a cada caso e culturalmente sensível, é desmistificar crenças e atitudes disfuncionais, facilitar informação específica sobre a resposta sexual feminina, explicar a importância de fomentar a intimidade emocional no casal e melhorar a comunicação, nomeadamente na área sexual.3,5 Podem também ser propostos exercícios de autoestimulação e uso de material erótico. Nalguns casos pode justificar-se psicoterapia.3,5
Na disfunção do orgasmo podem ser sugeridos os exercícios de Kegel e na disfunção da dor o desenvolvimento de estratégias de coping, técnicas de relaxamento e o uso de dilatadores para dessensibilização progressiva.3,5
A disfunção sexual feminina constitui um espectro alargado de dificuldades, de etiologia multifatorial, que exige uma abordagem holística na sua avaliação e intervenção e, idealmente, um esforço multidisciplinar.3,5
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Taylor MJ, Rudkin L, Bullemor-Day P, Lubin J, Chukwujekwu C, Hawton K. Strategies for managing sexual dysfunction induced by antidepressant medication. Cochrane Database Syst Rev. 2013;(5): CD003382. [ Links ]
2. Nurnberg HG, Hensley PL, Heiman JR, Croft HA, Debattista C, Paine S. Sildenafil treatment of women with antidepressant-associated sexual dysfunction: a randomized controlled trial. JAMA. 2008;300(4):395-404. [ Links ]
3. Carvalheira AA, Gomes FA. A disfunção sexual na mulher. In Oliveira CF, editor. Manual de ginecologia. Lisboa: Sociedade Portuguesa de Ginecologia e Obstetrícia; 2011. p. 119-34. [ Links ]
4. Buster JE. Managing female sexual dysfunction. Fertil Steril. 2013;100(4):905-15. [ Links ]
5. Lamont J, Society of Obstetricians and Gynaecologists of Canada. Female sexual health consensus clinical guidelines. J Obstet Gynaecol Can. 2012;34(8):769-83. [ Links ]
6. Wierman ME, Arlt W, Basson R, Davis SR, Miller KK, Murad MH, et al. Androgen therapy in women: a reappraisal - An Endocrine Society clinical practice guideline. J Clin Endocrinol Metab. 2014;99(10):3489-510. [ Links ]
7. Nastri CO, Lara LA, Ferriani RA, Rosa-E-Silva AC, Figueiredo JB, Martins WP. Hormone therapy for sexual function in perimenopausal and postmenopausal women. Cochrane Database Syst Rev. 2013;(6):CD009672. [ Links ]
Conflitos de interesse
As autoras declaram não ter conflito de interesses.