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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar
versão impressa ISSN 2182-5173
Rev Port Med Geral Fam vol.34 no.2 Lisboa abr. 2018
REVISÕES
Suplementação excessiva com ácido fólico durante a gravidez e desenvolvimento de asma na infância: uma revisão baseada na evidência
Maternal high-dose folic acid during pregnancy and risk of asthma in children: an evidence based review
Andreia Ramôa,1 Pedro Costa,2 Ana Maria Ribeiro,3 Stephanie De Castro4
1. USF Gualtar, ACeS Cávado I – Braga
2. USF Maxisaúde, ACeS Cávado I – Braga
3. USF São João de Braga, ACES Cávado I – Braga
4. USF + Carandá, ACES Cávado I – Braga
Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence
RESUMO
Objetivo: A suplementação materna com ácido fólico tem um efeito positivo na prevenção de defeitos do tubo neural. É controversa a relação entre a suplementação com altas doses de ácido fólico (5mg) e a asma na criança. O objetivo desta revisão é conhecer a evidência da associação entre a suplementação com altas doses de ácido fólico durante a gravidez e o risco de desenvolvimento de asma na infância.
Fontes de dados: National Guideline Clearinghouse, Canadian Medical Association Pratice Guidelines, Cochrane Library, DARE, Bandolier, PubMed e Índex de Revistas Médicas Portuguesas.
Métodos de revisão: Pesquisa de meta-análises, revisões sistemáticas, estudos originais e normas de orientação clínica publicados entre julho/2006 e julho/2016 nas línguas portuguesa, inglesa, espanhola e francesa, utilizando os termos MeSH: Folic Acid, Asthma e Pregnancy. Foi utilizada a escala SORT (Strength of Recommendation Taxonomy), da American Academy of Family Physicians, para atribuição do nível de evidência e forças de recomendação.
Resultados: Foram selecionados cinco estudos de um total de 29 artigos encontrados: duas meta-análises e três estudos originais. As meta-análises não sustentam a associação entre a suplementação periconcecional com ácido fólico e o aumento do risco do desenvolvimento de asma na infância. No entanto, nenhum dos estudos incluídos nas meta-análises estratificam os resultados de acordo com a dose de ácido fólico fornecida à gestante durante a gestação e o risco de asma. Por outro lado, os estudos originais sugerem que a suplementação com altas doses de ácido fólico durante a gravidez pode aumentar o risco de desenvolvimento de asma na infância.
Conclusões: A evidência da associação entre a suplementação com ácido fólico durante a gravidez e o risco de desenvolvimento de asma durante a infância é controversa. Os estudos com resultados estratificados por dose de ácido fólico mostraram que altas doses de suplementação (>800mg) estão associadas ao aumento do risco de desenvolvimento de asma na infância (SORT B).
Palavras-chave: Ácido fólico; Asma; Gravidez.
ABSTRACT
Objective: Maternal supplementation with folic acid has a positive effect on the prevention of neural tube defects. The relationship between high-dose supplementation of folic acid (5mg) and the development of asthma in children is controversial. The aim of this review is to appraise the evidence on the association between the supplementation with high doses of folic acid during pregnancy and the risk of developing asthma in childhood.
Data sources: National Guideline Clearinghouse, Canadian Medical Association Practice Guidelines, Cochrane Library, DARE, Bandolier, PubMed and Index of Portuguese Medical Journals.
Review method: We searched meta-analyses, systematic reviews, original studies and clinical guidelines published between July/2006 and July/2016 in Portuguese, English, Spanish and French languages, using the MeSH terms: ‘Folic Acid', ‘Asthma' and ‘Pregnancy'. The Strength of Recommendation Taxonomy (SORT) scale of the American of Family Physicians was used to assign evidence levels and strength of recommendation grades.
Results: Five studies were selected from a total of 29 articles found, including two meta-analyses and three original studies. Results from meta-analyses do not support an association between periconceptional folic acid supplementation and increased risk of developing childhood asthma. However, none of the studies included in the meta-analyses stratified the results according to the dose of folic acid used during pregnancy and risk of asthma. On the other hand, original studies suggest that supplementation with high doses of folic acid during pregnancy may increase the risk of developing asthma in childhood.
Conclusions: Evidence on the association between folic acid supplementation during pregnancy and the risk of developing asthma during childhood is controversial. Studies showing results stratified according to the dose of folic acid reveal that high doses (>800mg) are associated with an increased risk of developing childhood asthma (SORT B).
Keywords: Folic acid; Asthma; Pregnancy.
Introdução
Desde 1991 que são conhecidos os efeitos benéficos da suplementação com ácido fólico no período periconcecional e no primeiro trimestre de gravidez pela redução, até 78%,1-4 do risco de defeitos do tubo neural e de outras anomalias congénitas. Neste sentido, a Organização Mundial da Saúde e a Direção-Geral da Saúde recomendam a suplementação diária com 400µg de ácido fólico nas mulheres sem fatores de risco durante este período.5-6 Está recomendada a suplementação com 5mg de ácido fólico em mulheres com risco acrescido de ter um filho com defeitos do tubo neural (filho anterior com defeito do tubo neural, história familiar desta situação, mulheres sob terapêutica associada à diminuição da biodisponibilidade de ácido fólico ou com outras doenças crónicas).7-9
A asma é uma doença respiratória crónica comum, com importante impacto na qualidade de vida das pessoas e cuja incidência tem vindo a aumentar.10
Alguns estudos têm mostrado uma associação entre o desenvolvimento de asma na infância e a suplementação materna com ácido fólico durante a gravidez.11-12 Conhecem-se os efeitos depressores de altas doses de folatos em circulação na citotoxicidade das células Natural Killer e o papel dos folatos como dadores de grupos metilo que podem induzir alterações epigenéticas. Com base nestas características tem-se colocado em hipótese o aumento do risco de desenvolvimento de doenças alérgicas, nomeadamente a asma.13-14 Efetivamente, estudos experimentais em ratinhos e observacionais em humanos têm reforçado esse possível efeito adverso da suplementação com ácido fólico durante a gravidez.11-12,15
Crianças cujas mães são suplementadas durante a gravidez com uma dose de ácido fólico dez vezes superior ao recomendado, poderão estar desnecessariamente em risco de ocorrência de efeitos adversos, nomeadamente desenvolvimento de asma durante a infância.16
Em Portugal existe apenas uma formulação isolada de ácido fólico com 400µg. As restantes formulações contêm 5mg. De referir ainda que a formulação de 400µg é a única formulação de ácido fólico isolado não comparticipada. Assim, estima-se que a maioria das gestantes, sem fatores de risco e sem indicação para suplementação com multivitamínicos, estará suplementada com ácido fólico numa dose muito superior à recomendada.17
Esta revisão tem como objetivo conhecer a evidência existente acerca da associação entre a suplementação materna com altas doses de ácido fólico durante a gravidez de baixo risco e o risco de desenvolvimento de asma na infância.
Métodos
Foi realizada uma pesquisa bibliográfica em agosto de 2016, por dois autores da revisão, utilizando os termos MeSH Folic Acid, Asthma e Pregnancy, que foram concordantes entre si. Foi selecionada a pesquisa de meta-análises (MA), revisões sistemáticas (RS), estudos originais (EO) e normas de orientação clínica (NOC) nas bases de dados da National Guideline Clearinghouse, NICE, Canadian Medical Association Practice Guidelines, Cochrane, DARE, Bandolier, PubMed e Índex de Revistas Médicas Portuguesas dos artigos publicados entre julho de 2006 e julho de 2016 nas línguas portuguesa, inglesa, espanhola e francesa.
A população em estudo incluiu mulheres grávidas ou crianças até aos seis anos de idade, cuja suplementação materna com ácido fólico durante a gestação fosse conhecida. A intervenção avaliada foi a suplementação excessiva com ácido fólico durante a gravidez (5mg) em comparação com a suplementação com as doses recomendadas (400mg). O outcome avaliado foi a incidência de asma durante a infância. Foram excluídos os estudos que incluíam grávidas em risco de ter um filho com defeitos do tubo neural (i.e., com filho anterior com defeito do tubo neural, história familiar desta situação, mulheres sob terapêutica associada à diminuição da biodisponibilidade de ácido fólico ou com outras doenças crónicas), estudos que tinham outros outcomes, artigos duplicados, artigos de opinião, artigos de revisão clássica e artigos discordantes com o objetivo da revisão.
Foi utilizada a escala SORT (Strength of Recommendation Taxonomy), da American Academy of Family Physicians, para atribuição dos níveis de evidência (NE) e forças de recomendação (FR).18
Resultados
Da pesquisa foram obtidos 29 artigos, dos quais foram selecionados quatro (o que correspondeu a cinco estudos, uma vez que um dos artigos incluiu dois estudos – uma meta análise e um estudo original). O processo de seleção dos artigos incluídos está representado na Figura 1.
A descrição resumida dos artigos incluídos nesta revisão encontra-se no Quadro I.
A MA de Crider e colaboradores,19 de 2013, teve como objetivo principal verificar a existência de associação entre a suplementação com ácido fólico durante a gravidez e o risco de desenvolvimento de asma e outras doenças alérgicas durante a infância. Esta MA incluiu cinco estudos (três estudos coorte e dois estudos caso-controlo). Foram analisados os efeitos da suplementação com ácido fólico no período periconcecional e primeiro trimestre, comparando com a não suplementação, no que diz respeito ao desenvolvimento de asma ou pieira na infância. Na totalidade foram estudadas 45.642 grávidas. Apenas um dos estudos (que incluiu 490 grávidas e 423 crianças) mostrou associação positiva, estatisticamente significativa. Esta MA não suportou a causalidade entre a suplementação de ácido fólico na grávida e o aumento do risco de desenvolvimento de asma na infância. Pelo reduzido número de estudos incluídos na MA e pela heterogeneidade na metodologia dos estudos incluídos, nomeadamente na suplementação com ácido fólico, foi dada a esta MA um nível de evidência (NE) 2.
Yang e colaboradores20 publicaram, em 2014, um artigo que inclui uma MA e um EO. Ambos os estudos tiveram como objetivo perceber a associação entre diferentes doses de ácido fólico suplementadas na gravidez e o risco de desenvolvimento de asma na infância. A MA incluiu cinco estudos coorte, com 14.438 participantes. Nenhum dos estudos incluídos estratificou os resultados por dose total de suplementação de ácido fólico, não se verificando associação entre a suplementação com ácido fólico durante a gravidez e o risco de asma na infância. A esta MA foi atribuído um NE 2, pelo reduzido número de estudos incluídos na MA e pela heterogeneidade na metodologia dos estudos incluídos. O EO desenvolvido por Yang e colaboradores20 tratou-se de um estudo caso-controlo com 362 crianças (150 com diagnóstico de asma e 212 sem diagnóstico de asma), cuja dose total de suplementação materna com ácido fólico durante a gravidez foi dividida em quatro categorias: zero (sem suplementação), baixa (dose de suplementação <400µg/dia), média (dose de suplementação entre 400 e 800 µg/dia) e alta (dose de suplementação >800µg/dia). No grupo caso foram suplementadas com ácido fólico 76% das mulheres e no grupo controlo 63,7%, com diferença estatisticamente significativa na análise univariada. A realização de um modelo de regressão logística mostrou associação, estatisticamente significativa, entre a dose de ácido fólico suplementada na gravidez e o risco de desenvolvimento de asma na infância. Assim, verificou-se que a suplementação de ácido fólico em baixa dose (correspondente a 400µg nos primeiros 90 dias de gestação) reduz o risco do desenvolvimento de asma na infância, enquanto a suplementação em altas doses (800µg em três meses ou 400µg em seis meses) está associada ao aumento do risco de desenvolvimento de asma na infância. Por se tratar de um estudo caso-controlo foi atribuído NE 2.
Woude e colaboradores16 publicaram, também em 2014, um estudo coorte retrospetivo que utilizou a base de dados IADB.nl com 39.602 mulheres grávidas ligadas a 40.628 crianças. Esta base de dados contém o histórico da prescrição farmacológica de grávida à qual está ligada a(s) criança(s) respetiva(s). Foram colhidos os dados entre 1994 e 2011. Este estudo tinha como objetivo avaliar a incidência da dispensa de medicação para a asma para crianças cujas mães foram suplementadas com altas doses de ácido fólico durante a gravidez. Foi definida como alta dose de ácido fólico a suplementação com 5mg de ácido fólico durante qualquer período da gestação. O estudo verificou uma associação positiva entre a suplementação de ácido fólico em altas doses e a dispensa de medicação para a asma, que aumentou em 26% a dispensa recorrente de corticoides inalados. A este estudo foi atribuído um nível de evidência 2 por se tratar de um estudo coorte.
Veeranki e colaboradores21 publicaram em 2015 um estudo coorte retrospetivo com 104.428 mães (e respetivos filhos), com crianças nascidas entre 1996 e 2005. Este estudo tinha como objetivo investigar a associação entre a suplementação com ácido fólico na gravidez e o desenvolvimento de asma na infância. Neste estudo, os resultados não foram estratificados por dose total de ácido fólico, mas por período de suplementação de ácido fólico (sem suplementação, suplementação apenas no 1º trimestre, suplementação após o 1º trimestre ou suplementação para além do 1º trimestre). Não há também referência às doses de ácido fólico utilizadas em cada período. Verificou-se um aumento do risco de desenvolvimento de asma em crianças cujas mães foram suplementadas com ácido fólico (quer apenas o primeiro trimestre, quer para além do primeiro trimestre) em comparação com as crianças cujas mães não foram suplementadas com ácido fólico durante a gravidez. A este estudo foi atribuído NE 2 por se tratar de um estudo coorte.
Conclusões
A evidência atual para a associação entre a suplementação com ácido fólico durante a gravidez e o risco de desenvolvimento de asma durante a infância é controversa. No entanto, nos estudos cujos resultados foram estratificados por dose de suplementação com ácido fólico foi consensual que a alta dose (>800mg) de suplementação com ácido fólico estava associada ao aumento do risco de desenvolvimento de asma na infância (SORT B).
De notar que os estudos que não mostram esta associação tratam-se de estudos cuja dose da suplementação não é tida em conta e cuja suplementação ocorreu no período preconcecional e primeiro trimestre (concordantes com as recomendações existentes), não tendo ocorrido suplementação a partir do segundo trimestre.
No estudo caso-controlo desenvolvido por Yang e colaboradores,20 quando realizada a análise dos resultados sem ter em contra a estratificação dos mesmos por dose de ácido fólico suplementada, não se verifica relação estatisticamente significativa entre a suplementação com ácido fólico na gravidez e o desenvolvimento de asma na infância. Apenas após a análise estratificada dos resultados se verificou esta associação.
O limitado número de estudos incluídos nesta revisão, bem como a heterogeneidade das metodologias dos mesmos, são as principais limitações identificadas pelos autores desta revisão.
Na perspetiva dos autores, esta revisão pretende não só alertar para uma possível associação, ainda pouco debatida, entre a suplementação com altas doses de ácido fólico durante a gravidez e o desenvolvimento de asma na infância, mas fundamentalmente tem como objetivo sensibilizar todos os profissionais para a prescrição mais adequada de ácido fólico na gravidez. Efetivamente, estima-se que a suplementação com 5mg de ácido fólico seja frequente, tendo em conta as formulações existentes no país. Assim, os autores entendem como importante, eventualmente uma medida de prevenção quaternária, a maior sensibilização para a prescrição de ácido fólico na dose de 400µg em todas as gestantes sem indicação para a suplementação com 5mg de ácido fólico.
Futuramente serão necessários estudos de maiores dimensões, com metodologia mais homogénea, de modo a estabelecer com maior força a associação entre a suplementação com altas doses de ácido fólico durante a gravidez e o risco de desenvolvimento de asma na infância.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence
Andreia Ramôa
E-mail: andreia_ram@hotmail.com
Conflito de interesses
Os autores declaram não ter quaisquer conflitos de interesse.
Recebido em 09-09-2016
Aceite para publicação em 05-02-2018