A doença e a vacinação
Herpes zoster (HZ), também conhecido por zona, é uma doença causada pela reativação do vírus varicella zoster (VZ).1 O vírus é adquirido habitualmente na infância e manifesta-se sob a forma de varicela.2 Após a apresentação inicial, o vírus permanece latente nos gânglios da raiz dorsal ou nos nervos cranianos, podendo reativar-se sob certas circunstâncias.3 O sistema imunitário impede primariamente esta reativação. O aumento da idade pode ser um fator de risco para HZ, assim como flutuações na imunidade celular que podem ocorrer em determinados estados patológicos, comorbilidades, medicamentos e outros fatores, que também originam esta reativação.2,4-5 As complicações major do HZ, que afetam cerca de 10 a 20% dos doentes, são a nevralgia pós-herpética (NPH) e o herpes zoster ophtalmicus (HZO).
A NPH é definida como dor, debilitante e difícil de controlar, que persiste mais de três meses após o desaparecimento das lesões cutâneas e cuja incidência aumenta exponencialmente com o avançar da idade. Até à data não existe nenhuma intervenção que alivie eficazmente a dor da NPH. O HZO ocorre quando o HZ se apresenta na divisão oftálmica do quinto par craniano, estimando-se que haja envolvimento ocular em cerca de 50% dos doentes quando não são utilizados antivirais.1,6-7
Cerca de 25% da população está em risco de desenvolver HZ e, na Europa, é estimado que a incidência de HZ seja entre 2,0 e 4,6 casos por 1.000 pessoas-ano.7-9
Nesse sentido, releva-se a importância de estratégias preventivas que estão já a ser utilizadas noutros países. A vacinação dos adultos mais velhos está recomendada em países como os Estados Unidos da América (EUA), Canadá, França, Reino Unido e estudos de custo-eficácia apoiam programas de vacinação noutros países.9-13 A vacinação para HZ é um método eficaz e seguro para a prevenção da doença em doentes imunocompetentes; contudo, vários estudos estão em curso para verificar a segurança e eficácia em doentes imunocomprometidos.14-20
Vários estudos e revisões suportam a indicação para vacinação da população a partir dos 60 anos. Existe alguma referência na literatura ao potencial benefício de introduzir a vacinação mais cedo, nomeadamente a partir dos 50 anos, mas os ganhos na diminuição da incidência de HZ e comorbilidades não parecem justificar o investimento.20
Apesar de haver duas vacinas disponíveis no mercado norte americano, em Portugal apenas a vacina viva atenuada (VVA), Zostavax®, se encontra aprovada.
Vacinação contra HZ em Portugal
No ano de 2015, a VVA foi aprovada pelo INFARMED21 para comercialização em Portugal, com a indicação de prevenir a reativação do vírus na forma de herpes zoster e as comorbilidades referidas anteriormente. Trata-se de uma vacina viva, atenuada, que pode ser administrada por via subcutânea ou intramuscular, preferencialmente na região deltoide, numa única dose.
De momento a vacina encontra-se indicada para vacinação de doentes com idade igual ou superior a 50 anos, numa base de decisão individual e tem um preço de venda ao público de aproximadamente 142,58 euros, dos quais são comparticipados 74,08 euros, mediante prescrição médica.
Apesar desta indicação, a vacina encontra-se apenas mencionada no Programa Nacional de Vacinação (PNV)22 pelo facto de se tratar de uma vacina viva, omitindo-se as suas indicações.
Em Portugal, os dados relativos à reativação do VVZ são limitados, provavelmente porque varicela e zona não são doenças de declaração obrigatória sendo, por esse motivo, mais difíceis de categorizar quanto à incidência. Contudo, estima-se que 10-30% da população seja afetada pela reativação do vírus.23 Relativamente a internamentos hospitalares com herpes zoster como diagnóstico principal, um estudo realizado em Portugal verificou a ocorrência de 1.706 internamentos hospitalares, entre os anos de 2000 e 2010, por esta patologia. A duração média dos internamentos relatados foi de 9,3 dias e verificou-se uma letalidade intra-hospitalar de 1%.24
Nova vacina
A vacina recombinante (VR) Shingrix® foi aprovada para a prevenção de herpes zoster na União Europeia (UE), Estados Unidos da América (EUA), Japão, Canadá e Austrália e, para prevenção de NPH, na UE e Austrália em pessoas com idade igual ou superior a 50 anos.17 Esta vacina contém o antigénio da glicoproteína E, que é o antigénio mais abundante em células infetadas pelo vírus, e o sistema adjuvante AS01.21,25 Consiste na administração de duas doses intramusculares com espaçamento de dois a seis meses entre elas. Não está indicada para a prevenção primária da varicela.17 Em Portugal não foi ainda aprovada a sua comercialização.
Um estudo comparou o impacto da introdução das duas vacinas na população alemã com idade superior ou igual a 50 anos e concluiu que o número necessário tratar (NNT) da vacina recombinante comparativamente com a VVA era muito inferior: oito a onze casos versus vinte a cinquenta casos, respetivamente.25
São vários os estudos de custo eficácia comparando a VVA versus a não vacinação em diferentes idades de administração.26-31 Estudos com a VR são em menor quantidade, uma vez que se trata de uma vacina aprovada pela Food and Drug Administration (FDA) apenas em outubro de 2017 e pela Comissão Europeia em abril de 2018, e ainda não se encontra comercializada em vários países.
Um estudo realizado na população americana com mais de 60 anos demonstrou que a VR é custo-efetiva quando comparada com a não administração da vacina e que há uma redução de custos quando comparada com a vacina atenuada.31
Um outro estudo, desenvolvido em dezoito países diferentes da Europa, América do Norte, América Latina, Ásia e Austrália, demonstrou uma eficácia de 97,2% da VR quando comparada com placebo na redução de HZ em indivíduos com idade superior ou igual a 50 anos, sem diferenças na eficácia com variação da idade. Já a VVA, em outros estudos, teve menor eficácia em participantes com idade igual ou superior a 70 anos (37,6%) e naqueles entre os 50-59 anos (69,8%).32
O centro de controlo de doenças e prevenção dos EUA mostrou que na maioria a vacinação com VR evitou mais doença com custos gerais mais baixos do que a vacinação com VVA.13
Na sua generalidade, os estudos comparativos entre as duas vacinas demonstram uma superioridade na eficácia da VR, tanto a nível da infeção do herpes vírus como na NPH.
Discussão e conclusão
As revisões mais recentes sobre o tema são concordantes relativamente à indicação para vacinação da população a partir dos 60 anos.
A vacinação em doentes mais novos parece ser supérflua e não trazer diminuição significativa da incidência de HZ e comorbilidades que validem a sua inclusão nas recomendações.
Contudo, é necessário ter em mente que as recomendações existem para países nos quais foram elaborados estudos custo-eficácia tendo em conta a prevalência da doença nessas regiões, bem como a morbilidade e gastos associados às suas complicações.
Os sistemas de saúde Beveridgianos, como é o caso do SNS, requerem uma análise extensa e detalhada antes da implementação e comparticipação de programas vacinais e das vacinas selecionadas, dependendo da idade dos doentes e de outros fatores.
Destaca-se, por isso, a superioridade demonstrada da VR quer na prevenção de HZ como na longevidade da proteção que confere comparativamente à VVA.
Analisando o preço de venda ao público da vacina disponível verifica-se que não é uma opção viável para a maioria dos Portugueses, pelo que a introdução de uma nova vacina que competisse com a atual poderia não só trazer competitividade ao mercado como oferecer uma proteção superior.
Este artigo pretende levantar a necessidade de avaliar o real impacto de HZ na população Portuguesa e, caso este se verifique relevante, estudar a necessidade de recomendar a vacinação a todos os doentes com idade superior a 60 anos.