Introdução
A diabetes constitui um dos principais problemas de saúde a nível mundial, quer em termos de população afetada quer em termos de custos pessoais, sociais e económicos. De facto, segundo os dados da International Federation of Diabetes,1 no ano de 2019, a nível global, um em cada onze adultos tinha diabetes (cerca de 463 milhões), representando cerca de 10% da despesa global em saúde (760 biliões dólares americanos).
Em Portugal, a diabetes é umas das patologias mais presentes nas consultas de medicina geral e familiar, refletindo a elevada prevalência desta patologia, que era em 2017 de 9,0% na população entre os 18 e os 99 anos,2 e o facto de cerca de 85% dos diabéticos tipo 2 (DM2) serem seguidos nos cuidados de saúde primários (CSP) do Serviço Nacional de Saúde.3
Apesar dos grandes avanços terapêuticos e tecnológicos dos últimos anos no tratamento da diabetes e do grande esforço de intervenção para o controlo desta patologia, os objetivos terapêuticos não têm sido plenamente atingidos e continuamos a ter um número significativo de diabéticos com mau controlo metabólico e lesão de órgãos-alvo.4 Este facto demonstra a complexidade da gestão desta doença e aponta a relevância do autocuidado da pessoa com diabetes. A modificação de estilos de vida e cuidados psicológicos e sociais são considerados elementos-chave da gestão da diabetes.5
Nos últimos anos, a abordagem da diabetes tem mudado para uma estratégia que coloca o paciente e a sua família no centro da gestão dos cuidados, atuando como parceiros dos profissionais de saúde na implementação de medidas conducentes a melhores resultados a longo prazo.5 É amplamente reconhecido que a correta gestão da doença é central na prevenção de complicações a longo prazo e melhoria da qualidade de vida dos doentes. Neste contexto têm sido desenvolvidas intervenções educacionais que capacitam a pessoa com diabetes para realizar o seu autocuidado de forma adequada.6 Diversos estudos demonstraram que estas intervenções se associam a ganhos em saúde em diversas áreas, nomeadamente na melhoria do conhecimento sobre a doença e comportamentos de autocuidado, diminuição da hemoglobina glicada (HgA1c),7-8 redução ponderal, melhoria da qualidade de vida,9 redução do risco de mortalidade por todas as causas10 e redução dos custos em saúde.11
Deste modo, as normas de orientação clínica (NOC) das principais organizações científicas internacionais dedicadas à diabetes apresentam um conjunto de recomendações para a participação dos doentes em Programas de Educação para o Autocuidado com a Diabetes (PEADM).5-6,12-15 Nestas NOC é recomendado que todas as pessoas com diabetes participem em PEADM e que recebam o suporte necessário para a aquisição de conhecimentos, para a tomada de decisões e para o domínio das capacidades necessárias para o autocuidado. Acrescentam ainda que as intervenções devem ser centradas no paciente, incluindo adaptação cultural, linguística, cognitiva e ao nível de literacia. A American Diabetes Association (ADA) recomenda ainda que os profissionais de saúde referenciem e possibilitem a participação em PEADM em quatro momentos críticos: 1) no diagnóstico; 2) anualmente e/ou quando não atingem as metas do tratamento; 3) quando surgirem fatores que complicam o controlo da doença; e 4) quando ocorrem transições na vida e no cuidado.5
Por outro lado, diversos estudos têm demonstrado impacto positivo da inclusão da família na gestão das doenças crónicas.16-19 No entanto, e apesar da importância da participação dos diabéticos em PEADM estar bem estabelecida, pouca relevância tem sido dada à inclusão da família nestes programas e ao impacto de intervenções educacionais baseadas na família nos outcomes em saúde dos doentes, nomeadamente no controlo glicémico.
Assim, o objetivo deste trabalho é fazer uma revisão baseada na evidência sobre a efetividade de intervenções educacionais baseadas na família para a autogestão da diabetes, na melhoria de outcomes em saúde em populações adultas.
Métodos
Realizou-se uma revisão clínica baseada na evidência de acordo com as recomendações de Siwek e colaboradores20 e Braga e Melo.21
Em janeiro de 2020 dois revisores realizaram de forma independente uma pesquisa de normas de orientação clínica (NOC), revisões sistemáticas (RS), meta-análises (MA) e ensaios clínicos controlados e aleatorizados (ECA), publicados entre janeiro de 2010 e dezembro de 2019 em língua inglesa, portuguesa ou espanhola, utilizando os termos Diabetes, Family-based Intervention e Self-care ou Self-management [Diabetes AND “Family based intervention” AND (“Self care” OR “Self management”)], nas bases de dados PubMed, The Cochrane Library, National Institute for Health and Care Excellence (NICE), Evidence-Based Medicine Online, CINAHL e Scopus. Nos casos em que se registavam discrepâncias na avaliação dos dois revisores, um terceiro revisor clarificava.
Foram selecionados e analisados os estudos que avaliam a efetividade de intervenções educacionais baseadas na família para autogestão da diabetes, na melhoria de outcomes em saúde.
Consideraram-se outcomes biológicos/clínicos [HbA1c, peso, índice de massa corporal (IMC), perfil lipídico, tensão arterial (TA), perímetro abdominal], comportamentais de autocuidado (alimentação, exercício físico, monitorização da glicemia, inspeção dos pés, adesão terapêutica), conhecimento sobre a diabetes e psicossociais (stresse, depressão, qualidade de vida, bem-estar psicológico, autoeficácia).
Excluíram-se os artigos que apenas incluíam populações infanto-juvenis (menos de 18 anos) e os que apenas avaliavam resultados não relacionados com a saúde. Foram também excluídos estudos observacionais e os ECA já incluídos nas RS ou nas MA selecionadas.
A Strenght Of Recommendation Taxonomy (SORT), da American Family Physician,22 foi utilizada para classificar a qualidade dos estudos e atribuir a força da recomendação.
Resultados
Das pesquisas bibliográficas realizadas obteve-se um total de 229 artigos. Após exclusão dos artigos repetidos (134) e daqueles que não cumpriam os critérios de inclusão (80 após leitura do resumo e sete após análise integral do texto) foram selecionados oito estudos: três RS, uma MA e quatro ECA. Relativamente a NOC, foram analisadas as que foram emanadas pelas principais organizações científicas dedicadas à diabetes.5,12-15 Verificou-se que nenhuma inclui recomendações relativamente a intervenções educacionais para a autogestão da diabetes baseadas na família, pelo que não foram incluídas neste trabalho. Quanto às NOC da Direção-Geral da Saúde existem atualmente oito relacionadas com a diabetes, que abordam tópicos desde o diagnóstico e classificação, terapêutica, seguimento, prevenção, diagnóstico e avaliação de complicações.23-30 No entanto, nenhuma faz referência a recomendações sobre medidas para melhorar a autogestão da doença, nomeadamente da gestão terapêutica e de alteração dos estilos de vida, nem sobre o papel da família nesta gestão.
O resumo das RS e da MA selecionadas encontra-se sumarizado na Tabela 1.
Torenholt e colaboradores31 desenvolveram uma RS para sintetizar a literatura existente sobre intervenções baseadas na família dirigidas a adultos com diabetes. Foram incluídos um total de 10 estudos, dos quais cinco são ECA. Os autores concluíram que os estudos incluídos na revisão são heterogéneos quanto ao conceito e nível de envolvimento da família e das intervenções aplicadas e que poucos demonstram benefício estatisticamente significativo. Os resultados sugerem que as dimensões psicossociais e específicas para a família são sensíveis a intervenções educacionais baseadas na família.
Baig e colaboradores32 realizaram uma RS com o objetivo de avaliar a efetividade de intervenções baseadas na família nos outcomes de diabéticos. Esta RS inclui apenas estudos desenvolvidos nos EUA, em populações adultas (> 18 anos) com diabetes, sendo que, dos 26 estudos incluídos, 22 diziam respeito a populações de minorias étnicas, como índios americanos, afro-americanos, latinos e asiáticos. Os diversos estudos abordaram intervenções baseadas na família para a promoção da autogestão da diabetes desenvolvidas por profissionais de saúde; em 21 dos estudos ofereceram orientação terapêutica através de sessões individuais ou em grupo, com a abordagem de temas como a gestão do stresse e envolvimento familiar no exercício ou preparação de refeições saudáveis; quatro estudos incorporavam visitas domiciliárias e três estudos usaram tecnologia de comunicação (e.g., telemóvel). Os estudos incluídos nesta RS incluíam outcomes clínicos/biológicos, psicossociais, comportamentais/conhecimentos, utilização de cuidados de saúde e outcomes relativos aos membros familiares.
Devido à heterogeneidade dos estudos incluídos nesta RS relativamente a desenho metodológico, tipos de intervenção educacional aplicados, níveis de envolvimento da família e tipos de resultados avaliados é difícil determinar como é que a participação da família pode afetar os outcomes clínicos dos pacientes. Os autores encontraram evidência de benefício a nível da autoeficácia, perceção de suporte social, conhecimento e autocuidado com a diabetes, especialmente nas populações mais idosas. Dos 19 estudos incluídos que avaliaram o outcome HgA1c, apenas dois encontraram benefícios no controlo glicémico. No entanto, estes benefícios limitam-se ao curto prazo, não sendo sustentados no seguimento.
A RS desenvolvida por Pamungkas e colaboradores33 teve como objetivo rever e descrever o impacto de PEADM, com envolvimento familiar, em diversos outcomes de saúde, nomeadamente comportamentos de autocuidado (adesão terapêutica, monitorização da glicemia, dieta, exercício físico), perceção de autoeficácia, bem-estar psicológico e marcadores biológicos (índice de massa corporal, tensão arterial, perfil lipídico e controlo glicémico). A RS inclui 24 estudos, dos quais 19 são ECA. Estes estudos envolveram diferentes programas de intervenção, diferentes componentes de suporte familiar e avaliaram diferentes outcomes de saúde, o que dificulta a comparação da eficácia dos programas. Apesar disto, os autores concluem que o recurso ao suporte familiar integrado nos PEADM demonstrou benefícios nos níveis de HgA1c, na redução de complicações da diabetes e teve impacto positivo nos comportamentos de autocuidado, bem-estar psicológico e na perceção de autoeficácia. Acrescentam ainda que as intervenções mais eficazes são as que incluíram estratégias diversas (e.g., telefonema semanal, negociação de metas e de planos de ação adaptativos).
Kodama e colaboradores34 realizaram uma MA com o objetivo de avaliar os efeitos de programas educacionais para a diabetes, orientados para a família e para o controlo glicémico. Selecionaram 31 estudos com desenho paralelo, entre um grupo de intervenção com inclusão de elementos da família versus grupo controlo sem elementos da família. Verificaram uma diminuição global absoluta da HgA1c de -0,45% (intervalo de confiança de 95% −0,64% a −0,26%). Quando limitaram a análise aos 21 estudos com diabéticos tipo 1 (DM1) e aos nove estudos com DM2, as alterações (IC de 95%) foram de −0,35% (−0,55% a −0,14%) e −0,71% (−1,09% a −0,33%), respetivamente. Estes resultados sugerem que os programas educacionais baseados na família são mais eficazes nas populações de DM2. Em relação a esta população, os autores verificaram que incluir discussão em grupo ou atividades práticas no programa aumenta o efeito na redução da HgA1c.
Os autores sugerem que nos programas educacionais para melhorar o desempenho de atividades de autocuidado é mais eficaz colocar o foco na família, ao invés de apenas no paciente, na melhoria do controlo glicémico. No entanto, tendo em conta a diversidade dos componentes dos programas de cada intervenção, não foi possível identificar aqueles que são mais eficazes para obter um adequado controlo glicémico.
Na Tabela 2 encontram-se resumidas as características dos ECA selecionados.
Wichit e colaboradores35 realizaram um estudo randomizado com dois braços: 1) o grupo intervenção participou num PEADM com envolvimento familiar; 2) grupo controlo com cuidados habituais (Tabela 2). O objetivo foi avaliar a eficácia deste programa na melhoria de autocuidados, autoeficácia, conhecimento da diabetes, qualidade de vida e controlo metabólico numa população com DM2 a viver na Tailândia. O grupo intervenção participou em três sessões em grupo, com a presença do doente e familiar, onde foram discutidos um conjunto de temas ligados à autogestão da diabetes, com base em manuais desenvolvidos especificamente para este estudo. Adicionalmente foi realizada uma visita domiciliária entre a primeira e a segunda sessão e um contacto telefónico entre a segunda e a terceira sessão. Neste estudo verificou-se que a intervenção baseada na família melhorou os níveis de autocuidados, de autoeficácia e de conhecimento da diabetes, comparativamente aos cuidados habituais. Por outro lado, não se verificou melhoria significativa dos valores de Hb1Ac e da qualidade de vida. Os investigadores defendem que este resultado poderá ter sido influenciado pela curta duração do programa. No entanto, assumem como limitação do seu estudo o facto de não terem avaliado o nível de atividade física nem a dieta, o que poderá influenciar o nível de HgA1c. Acrescentam ainda que neste estudo foram incluídos diabéticos duma população rural, o que impede a generalização para populações mais urbanas.
Estes autores destacam a importância de programas educacionais baseados na família, considerando a relevância que o suporte familiar tem na cultura tailandesa, à semelhança do descrito noutros estudos para outras populações asiáticas. No entanto, este estudo compara a participação num programa educacional baseado na família com um grupo controlo apenas sujeito aos cuidados habituais (medição da glicemia, consultas médicas e de enfermagem e gestão da medicação), que não incluem qualquer programa educacional. Assim, apenas ficou demonstrado que a participação neste programa é melhor do que a ausência de programa educacional, mas o benefício do programa baseado na família não é inequívoco.
Com o objetivo de comparar os efeitos de um PEADM baseado na família realizado cara-a-cara versus realizado pelo telefone nos comportamentos de autocuidado e outcomes de saúde em DM2, Maslakpak e colaboradores36 realizaram um estudo aleatorizado com três braços: 1) PEADM com envolvimento familiar cara-a-cara, com reuniões presenciais em grupos de 10 participantes; 2) PEADM com envolvimento familiar por contacto telefónico, com contactos separados do doente e do familiar; e 3) intervenção educacional habitual (grupo controlo) em reunião com entrega de folheto educacional. O estudo foi realizado no Irão e incluiu DM2 entre os 18 e 55 anos. Os grupos de intervenção realizaram um total de 16 sessões ao longo do estudo, num total de três meses, com discussão de temas de autocuidado da diabetes. Os resultados mostram uma melhoria nos scores de autocuidados nos dois grupos sujeitos à intervenção educacional baseada na família. Também se verificou melhoria do perfil lipídico nos grupos de intervenção, sendo os resultados sobreponíveis entre a abordagem telefónica e a abordagem presencial. Por outro lado, não se verificaram melhorias significativas no IMC, na HgA1C e na glicemia em jejum.
Os autores concluíram que um programa educacional com envolvimento familiar tem efeitos benéficos no autocuidado e nos resultados clínicos dos diabéticos, sendo que o programa realizado por seguimento telefónico, de baixo custo quando comparado com a intervenção cara-a-cara, tem valor potencial como alternativa educacional na abordagem à diabetes.
Este estudo baseou-se num programa educacional de duração relativamente curta, o que poderá ter condicionado o facto de não terem encontrado impactos positivos no controlo glicémico. Por outro lado, não foi contemplado o seguimento dos pacientes após a intervenção. Assim, não foi determinado se os efeitos benéficos reportados se mantêm ao longo do tempo. Os autores apontam, como limitação do seu estudo, o facto de o mesmo ter sido realizado com um grupo pequeno de doentes e apenas com DM2, pelo que não é possível extrapolar os resultados para outras populações de diabéticos.
Withidpanyawong e colaboradores37 realizaram um estudo prospetivo, controlado e randomizado com o objetivo de estudar a eficácia de intervenção familiar na DM2 e avaliar preditores de controlo glicémico. Este estudo, realizado na Tailândia, incluiu doentes com diagnóstico de DM2, com mais de 30 anos, HbA1c acima de 7% e não insulino-tratados. A intervenção teve uma duração total de nove meses e consistiu na discussão de temas de gestão da diabetes, realizada em quatro reuniões conduzidas por um farmacêutico, com intervalos de cerca de três meses e dois telefonemas um mês após a segunda e terceira reuniões. Nestas reuniões estavam presentes o doente diabético e seu(s) familiar(es), seguidas de uma reunião em grupo de três a quatro famílias para partilha de dificuldades. Os outcomes do estudo foram avaliados apenas no final da intervenção, tendo-se verificado redução significativa de HbA1c, LDL-c, colesterol total e pressão arterial no grupo intervenção (p<0,001). Verificaram scores mais elevados de conhecimento sobre diabetes, apoio familiar, adesão terapêutica, autogestão e autoeficácia no grupo de intervenção (p<0,05). A análise multivariável mostrou que membros da família que eram cônjuges ou mulheres são fortes preditores de controlo glicémico. Este estudo mostra que o envolvimento da família na educação para a saúde nos doentes com diabetes tipo 2 melhorou o controlo glicémico e os resultados relacionados à saúde, incluindo conhecimento sobre diabetes, apoio à família, adesão terapêutica, autogestão e eficácia.
Os autores do estudo identificam, como limitações do mesmo, o facto dos doentes terem sido recrutados de um único hospital, limitando a generalização dos resultados, o tamanho da amostra no grupo de intervenção não ter sido suficiente para a análise de regressão multivariável para avaliar as relações entre todas as variáveis medidas no estudo e a melhoria da HbA1c e a baixa fiabilidade do questionário de autogestão. Este estudo não incluiu avaliação de follow-up e, portanto, desconhece-se se os resultados alcançados permanecem ao longo do tempo.
O ECA de McElfish e colaboradores38 foi realizado com uma população dos EUA de etnia, oriunda das ilhas Marshall, com DM2. O objetivo do estudo foi comparar o impacto de uma intervenção educacional baseada na família adaptada culturalmente a esta população (PEADM-Adaptado), com uma intervenção educacional padrão (PEADM-Padrão), no controlo glicémico. Ambos os programas tinham uma duração total de contacto de 10 horas. Os resultados foram avaliados imediatamente após a conclusão da intervenção e seis e 12 meses após a intervenção. Neste estudo verificou-se uma redução significativa da HbA1c no grupo PEADM-Adaptado comparativamente com os doentes no grupo PEADM-Padrão, imediatamente após e 12 meses após a intervenção (p=0,038 e p=0,013, respetivamente). Os autores argumentam que este estudo demonstra o potencial de PEADM culturalmente adaptados, que incluam membros da família dos doentes, na melhoria do controlo glicémico. No entanto, o facto de terem sido estudados apenas adultos marshalleses que vivem no Arkansas limita a generalização dos resultados para outras populações. Acresce que as sessões do grupo com PEADM-Adaptado foram realizadas em casa dos doentes, enquanto no grupo Padrão as sessões foram realizadas em grupo num centro comunitário, o que poderá ter influenciado os resultados.
A análise do conjunto dos estudos incluídos nesta revisão permite inferir que o envolvimento da família nas intervenções educacionais direcionadas para a promoção da autogestão da diabetes facilita a obtenção de melhores resultados em saúde nestes doentes. Contudo, a diversidade de abordagens utilizadas nos diferentes estudos dificulta a elaboração de um programa educacional universal para as populações com DM2. Com base na evidência disponível, poder-se-á concluir que os programas com maior sucesso são aqueles que são culturalmente adaptados e, portanto, este aspeto deve ser considerado na aplicação dos PEADM. Adicionalmente, ainda que a falta de consistência dos resultados dos diversos estudos não permita recomendar com segurança o formato da intervenção mais efetiva na melhoria dos outcomes em saúde estudados, a análise conjunta dos estudos aponta para que melhores resultados são obtidos em programas com duração mais longa (acima de três meses), que utilizam diversos tipos de contactos (reuniões em grupos, reuniões individuais, visitas domiciliárias e contacto telefónico e/ou com utilização de tecnologias de comunicação - e.g., envio de SMS ou email), que incluam discussão de temas chave para a promoção do conhecimento da diabetes e a adoção de estilos de vida saudável e de outras medidas de autocuidado (alimentação saudável, atividade física, monitorização da glicemia, compreensão da glicemia e do uso da medicação, vigilância dos pés), incluindo ainda intervenções educacionais cognitivo-comportamentais, como a resolução de problemas, redução de riscos e healthy coping, mitigação das complicações da diabetes e definição de objetivos. A presente revisão permite concluir que, independentemente do formato específico dos programas, o envolvimento da família nos mesmos permite obter melhores resultados nos diversos outcomes de saúde estudados.
Conclusões
O presente estudo avaliou a efetividade de programas educacionais baseados na família para o autocuidado para a diabetes na melhoria de outcomes de saúde. De modo geral, os estudos incluídos na revisão apontam para benefícios em outcomes biológicos/clínicos, comportamentais e psicossociais.
Apesar destes estudos apresentarem diversas fragilidades metodológicas, já referidas, considera-se que os resultados são suficientemente robustos e que recomendam a participação dos doentes adultos com diabetes em PEADM baseados na família. No entanto, considerando a diversidade dos modelos de intervenção utilizados nos diversos estudos, nomeadamente relativamente à duração do programa, aos temas discutidos, ao formato (cara-a-cara ou com utilização de tecnologias de comunicação), ao local (clínica ou domicílio ou ambos), às sessões (em grupo e/ou individual) e ao facilitador do programa (profissional de saúde ou outro), a força de recomendação é B.22
São necessários mais estudos controlados com PEADM baseados na família para dar força à sua recomendação e para esclarecer qual o formato educativo mais eficaz. Estes estudos deverão incluir PEADM adaptados à realidade cultural das populações, quer do ponto de vista dos conteúdos quer do formato, tendo em conta fatores como o conceito da família e o papel da família na vida dos seus elementos, o nível de literacia em saúde (incluindo a literacia digital), padrões alimentares, entre outros. Adicionalmente, os estudos deverão incluir um braço com PEADM-Padrão (dirigido só ao doente) versus um braço com PEADM com as mesmas características, mas que inclua a família, por forma a clarificar a magnitude do benefício deste tipo de intervenção.
Tendo em conta que os CSP são responsáveis pelo seguimento da maioria dos diabéticos adultos/DM2 considera-se que, à semelhança do defendido pela IDF nas suas recomendações para a gestão da DM2 nos CSP,39 os PEADM devem estar disponíveis nos centros de saúde e todas as unidades de CSP devem possibilitar o treino de pelo menos um de seus profissionais para se tornar um educador em diabetes.