Nascemos, crescemos, vivemos, envelhecemos e morremos. É a inexorável Lei da vida.
Do ponto de vista populacional, o envelhecimento é uma realidade recente. Com elevada prevalência de doença infeciosa, os séculos que antecederam o aparecimento das vacinas e dos antibióticos foram marcados por altas taxas de mortalidade infantil e valores de esperança média de vida à volta dos 30 anos. Ser idoso era uma raridade. No início do século XX, a esperança de vida à nascença rondava os 47 anos tanto nos Estados Unidos como no Reino Unido. Só a partir da transição epidemiológica de meados do século XX é que assistimos a um aumento significativo da idade média da população e da esperança de vida, ultrapassando os 80 anos na média da OCDE, e da proporção do número de pessoas acima dos 65 anos, estimada em 17% para 2019 nos países da OCDE (22% em Portugal).1
As pessoas idosas representam agora uma fatia importante da população com consequências diretas na estrutura social. As respostas já existentes não previam esta realidade e mostraram-se desadequadas às necessidades atuais. Já em 1991, a Assembleia Geral das Nações Unidas estabeleceu os direitos das pessoas idosas (Resolução nº 46/91, de 16 de dezembro): independência, participação, assistência, realização pessoal e dignidade.2
Num total de dezoito pontos, as Nações Unidas reforçam o papel dos idosos na sociedade atual em que cada vez mais pessoas atingem idades mais avançadas com um potencial ativo de saúde e funcionalidade, criando oportunidades de participação. Mas reforçam também o papel da sociedade no reconhecimento da necessidade de proteção, materializado no direito à assistência. Especificamente, os idosos devem beneficiar dos cuidados e da proteção da família e da comunidade com respeito pelo seu sistema de valores culturais ao nível dos cuidados de saúde e do acesso aos serviços sociais e jurídicos. Devem ter a possibilidade de utilizar meios adequados de assistência em meio institucional que lhes proporcionem proteção, reabilitação e estimulação social e mental numa atmosfera humana e segura e o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais quando residam em qualquer lar ou instituição de assistência ou tratamento.
Foi no reforço destes princípios que, em 1999, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou o ano internacional para as pessoas idosas, alavancando o debate multidisciplinar sobre o envelhecimento e criando condições para o estabelecimento de políticas integradoras e capazes de combater a exclusão em função da idade. A discussão centrou-se no envelhecimento ativo, definido “o processo de otimização de oportunidades de saúde, participação e segurança para melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas envelhecem”. Mais do que uma oportunidade para os idosos, o envelhecimento ativo aparece como um estilo de vida, promovendo o potencial de bem-estar físico, social e mental ao longo do curso de vida, bem como de participação na sociedade.3
Na mesma linha, a União Europeia “reconhece e respeita o direito das pessoas idosas à existência condigna, independente e à participação na vida social e cultural”,4 como plasmado na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, de 2000, e em numerosas iniciativas de onde se destacam os Parlamentos dos Idosos, no Luxemburgo em 1993 e em Bruxelas em 1996, valorizando o conceito de Sociedade para Todas as Idades, baseado no princípio de permitir aos idosos que possam permanecer integrados na vida laboral e social.3
Em Portugal, a Estratégia de Proteção ao Idoso, publicada em 2015, defende também o respeito pela dignidade da pessoa humana em todas as fases da vida, enquadrando as especificidades próprias do idoso no plano dos cuidados de saúde, do apoio social e do enquadramento familiar,5 ainda que na prática falte uma estrutura capaz de proporcionar este enquadramento, sobretudo quando a necessidade de assistência se sobrepõe à funcionalidade. Talvez por isso a solidão seja tão prevalente, com reflexo direto na procura de assistência médica, numa manifestação biofísica de uma dimensão predominantemente psicossocial.6 Entraria aqui a ideia das comissões de proteção e promoção dos direitos dos idosos, já proposta para discussão na Assembleia da República (Projeto de Lei nº 526/VIII, de 2001)7 e que na altura não avançou por se entender que a Rede Social existente bastaria para combater a problemática do envelhecimento,8 não obstante terem sido criadas várias comissões locais nos municípios. Nesta altura, em que se discute a transferência de competências para os municípios, importa enquadrar esta função numa perspetiva multidisciplinar, envolvendo a saúde, a assistência social, as forças de segurança, a educação, as estruturas da comunidade desportivas e culturais, a bem de uma sociedade integrativa e promotora dos direitos das pessoas idosas.