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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.38 no.2 Lisboa abr. 2022  Epub 30-Abr-2022

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v38i2.13091 

Estudos originais

Risco familiar, classificação socioeconómica e multimorbilidade em medicina geral e familiar em Portugal

Family risk, socioeconomic classification and multimorbidity in general and family medicine in Portugal

Renato Marques Bispo1  2 
http://orcid.org/0000-0001-6040-5382

Luiz Miguel Santiago3  4 

Inês Rosendo5  6 

José Augusto Simões7  , Professor Associado Convidado

1. Médico Interno de Formação Geral. ULS Guarda. Guarda, Portugal.

2. Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Coimbra, Portugal.

3. Consultor. Assistente Graduado Sénior em Medicina Geral e Familiar. USF Topázio, ACeS Baixo Mondego. Coimbra, Portugal.

4. Professor Associado com Agregação. Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Coimbra, Portugal.

5. Médica Assistente. USF Coimbra Centro. Coimbra, Portugal.

6. Assistente Convidada. Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Coimbra, Portugal.

7. Professor Associado Convidado. Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior. Covilhã, Portugal.


Resumo

Objetivos:

Perceber se a avaliação familiar está preenchida e atualizada, conhecer o risco familiar e a associação deste e da classificação socioeconómica da família e multimorbilidade com os tipos de famílias estudados no ficheiro de um médico de medicina geral e familiar.

Materiais e Métodos:

Estudo observacional transversal numa amostra aleatória representativa dos processos familiares de um médico de família no Centro de Portugal. Recolheram-se dados sobre a escala de risco familiar de Garcia Gonzalez, o Índice de GRAFFAR, o tipo de agregado familiar, o número de patologias crónicas classificadas pela Classificação Internacional de Problemas em Cuidados de Saúde Primários-2, o nível académico mais elevado dos membros da família, a existência ou não de isenção de taxas moderadoras por insuficiência económica e o número de elementos na família.

Resultados:

Foram estudados 145 agregados familiares com uma média de 2,94 elementos por agregado. As variáveis que apresentaram diferenças estatisticamente significativas entre os diferentes tipos de famílias foram: o nível socioeconómico, a escolaridade, a escala de risco familiar de Garcia Gonzalez, o número de elementos por agregado familiar e o número de patologias presentes.

Discussão:

Não possuindo dados de outros estudos com os quais comparar os presentes, as famílias que apresentaram maior risco foram as alargadas, unitárias e monoparentais, já as famílias reconstruídas e nucleares apresentaram melhores indicadores para risco mais baixo. Torna-se importante alargar este estudo para conhecer melhor a epidemiologia das famílias num contexto geográfico mais alargado.

Conclusão:

O elevado risco familiar esteve associado ao tipo de família, ao nível socioeconómico e à maior multimorbilidade familiar.

Palavras-chave: Família; Risco; Multimorbilidade; Medicina familiar; Agregado familiar; Tipos de família

Abstract

Aim of the study:

To know, epidemiologically, the families and their risk, as well as to see if the family assessment was carried out and updated, checking if the lowest classification was associated with the highest comorbidity in a general practitioner list of patients in Central Portugal.

Materials and Methods:

Cross-sectional observational study in a representative sample with a 95% confidence interval and a margin of error of 5% of family procedures of a family doctor in Central Portugal. The following data were collected: value of the Garcia Gonzalez family risk scale, the GRAFFAR scale, the type of household, the number of chronic pathologies classified by International Classification of Primary Care-2 (ICPC-2), the highest academic level of the members of the family, the existence or not of user fees waiver due to economic insufficiency and the number of elements in the family.

Results:

One hundred and forty-five households were studied with an average of 2.94 elements per household. The variables that showed statistically significant differences between the different types of families were: the Garcia Gonzalez family risk scale, the number of elements per household, and the number of pathologies present.

Discussion:

Without having data from other studies with which to compare those present, the families that presented the highest risk were the extended, unitary, and single-parent ones, while the reconstructed and nuclear families presented better indicators for lower risk. It is important to expand this study to understand better the epidemiology of families in a broader geographical context.

Conclusion:

It was noticed that the high family risk was associated with the type of family, socioeconomic level, and greater family comorbidity.

Keywords: Family; Risk; Multimorbidity; Family medicine; Household; Types of family

Introdução

A medicina geral e familiar é, por excelência, a especialidade médica mais abrangente e engloba múltiplas áreas do indivíduo.1 Analisando o nome da especialidade, de imediato se apercebe que nele está contido aquilo a que se chama de «Modelo Biopsicossocial». Esta nova abordagem da relação médico-doente trouxe uma grande revolução na medicina, ou seja, o indivíduo é visto como um todo e não apenas reduzido ao que é biológico. Engel, ao apresentar este novo modelo, faz uma referência aos médicos dos cuidados de saúde primários que, desde logo, discordam do facto de se excluir todo o contexto em que o doente se insere.2 É, assim, evidente pelo facto de se tratar de uma medicina que é também familiar, ou seja, a família torna-se indissociável do doente e, por isso, passa pelo médico de família a sua inclusão no acompanhamento de cada um dos seus doentes. Por conseguinte, Engel inclui a família neste modelo juntamente com o indivíduo e todo o ambiente que o rodeia.2 Todo este contexto do doente, que deve ser considerado, está bem presente na definição que a Organização Mundial de Médicos de Família (WONCA) apresenta sobre a própria especialidade: “cuidam de indivíduos no contexto das suas famílias, comunidades e culturas, respeitando sempre a autonomia dos seus pacientes”.1

Na definição que a Organização Mundial da Saúde atribui aos cuidados de saúde primários é referida a família, para além do indivíduo e das comunidades, como instrumento de trabalho para capacitação, no sentido de otimizar a saúde dos seus elementos, podendo ser um dos focos na promoção da saúde e bem-estar e ainda no auxílio de cuidados a terceiros. Num estudo publicado em 2008, 94% dos utentes considerou importante ou muito importante que fosse o mesmo médico de família a seguir a família e o utente ao longo do tempo, tornando-se evidente a noção de que, para os utentes, o médico de família tem realmente um papel fulcral no acompanhamento da família de uma forma contínua.3

Revela-se de grande importância o estudo da família como elemento básico de uma sociedade, para melhor poder atuar na prevenção e na construção do bem-estar de cada um dos elementos que a constitui. Na maior parte dos casos, quando um elemento está doente, é na família que ele encontrará o seu apoio e suporte para conseguir encontrar algum conforto e ajuda para superar o momento; assim como é a família o ambiente perfeito para a aquisição de crenças, hábitos e comportamentos. A família pode, por exemplo, influenciar os comportamentos individuais, como a prática de exercício físico, o tabagismo, a dieta, a adesão à terapêutica e até mesmo no uso dos serviços de saúde, sendo assim importante a entrevista familiar.4-5

A família está na linha da frente no acompanhamento de cada um dos seus elementos, sendo cada vez mais importante atribuir-lhe ferramentas que a dote da capacidade necessária para apoiar cada um deles, sobretudo em casos extremos.6

Não basta ter uma família para que se presuma um efeito protetor de doença, sendo importante perceber como funcionam as relações familiares. Utilizando diversas escalas de avaliação de risco familiar foi demonstrado, no que diz respeito à doença mental, que famílias de baixo risco apresentavam uma prevalência significativamente mais alta de doenças deste foro no agregado familiar, comparativamente a famílias de maior risco. Tal facto pode significar a existência de outros aspetos da vida familiar que podem influenciar a doença, como por exemplo os grandes acontecimentos de vida do agregado. No entanto, famílias de moderado-alto risco tinham alta prevalência de doença mental.7

Num projeto de 2014 na área da enfermagem comunitária foi demonstrada a relevância da estrutura familiar, a função familiar e o processo familiar, tendo as famílias em estudo mostrado satisfação com a intervenção realizada e efetuado mudança de comportamentos.8

A desarmonia familiar conduz muitas vezes a elevadas taxas de divórcio, violência doméstica, abuso infantil e consumos tóxicos.9 Para o controlo de doenças crónicas é conhecida a importância e o papel desempenhados pelo cônjuge, pela classe social, pela formação religiosa e pela escolaridade.10

Existem várias escalas de avaliação de risco familiar no âmbito da medicina geral e familiar. Contudo, muitas têm poucos estudos que as possam fundamentar, sendo importante aumentar a evidência sobre o conhecimento que permitem obter.11

A escala de risco de Garcia Gonzalez é um desses instrumentos. Compreende seis itens para avaliar parâmetros demográficos, socioeconómicos e de saúde, sendo atribuído a cada item um ponto, as famílias com mais de dois pontos são classificadas de médio risco e as avaliadas com mais de quatro pontos são classificadas de alto risco.11

Para além de se perceber o funcionamento familiar, é importante perceber quais serão as morbilidades mais frequentemente associadas nas famílias, sobretudo as de maior risco, para a tomada de atitudes de prevenção e promoção da saúde, existindo resultados consistentes que salientam a influência da família no risco cardiovascular e a relação entre a funcionalidade familiar e o controlo da diabetes e da doença coronária.10

Os pacientes com doença crónica são aqueles que mais consultas consomem em Portugal e que mais preenchem o dia-a-dia de um médico de família. É aos familiares que cabe o principal papel de cuidadores dos doentes crónicos. Por exemplo, o melhor controlo da diabetes parece estar relacionado com poucos conflitos domésticos, ausência de problemas económicos, estabilidade familiar e baixo nível de conflito marital, entre outros.10

O estudo das famílias, sendo importante, deve ser dinâmico. Igualmente, perante os problemas agudos, a possibilidade de atuação é mais lata quando existe o conhecimento familiar. E os médicos de medicina geral e familiar estão permanentemente neste meio. A revisão bibliográfica efetuada não revelou estudos publicados em Portugal sobre esta temática específica.

Objetivos

Pretendeu-se, em estudo exploratório, conhecer e caracterizar as famílias e o seu risco, bem como perceber se a avaliação familiar estava a ser realizada e atualizada. Pretendeu-se também verificar a associação entre os tipos de família, o risco familiar, a classificação socioeconómica familiar e o número de comorbilidades no ficheiro de um médico de medicina geral e familiar no Centro de Portugal.

Materiais e métodos

Realizou-se um estudo observacional transversal com aleatorização de casos numa amostra representativa dos processos familiares no ficheiro de um médico de família no Centro de Portugal, com um intervalo de confiança de 95% e uma margem de erro de 5%, assumindo-se uma prevalência de 50%, apesar de não haver qualquer estudo publicado sobre este tema, sendo o tamanho mínimo calculado de n=125. Obteve-se previamente parecer ético positivo da Comissão de Ética da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.

Recolheram-se dos processos clínicos eletrónicos (SClínico) os seguintes dados: valor da escala de risco familiar de Garcia Gonzalez (classificada de 0=risco baixo, 1=risco médio e 2=risco alto), da escala de GRAFFAR (níveis baixo, médio baixo, médio, médio alto e alto), o tipo de agregado familiar (unitária, nuclear, alargada, reconstruída e monoparental), o número de patologias crónicas classificadas pela ICPC-2, o nível académico mais elevado dos membros da família, a existência ou não de isenção de pagamento de taxas moderadoras por insuficiência económica (dados inseridos administrativamente) e o número de elementos na família. O acesso aos dados de cada processo foi feito pelo próprio médico detentor do ficheiro. Construiu-se uma classificação que, sendo numérica, foi estudada com base em tercis - baixo, médio e alto - como forma alternativa, e mais simples, de avaliar a socio-economia, num exercício meramente académico e que se designou por Socio-Economia-Familiar (SOCFAM). Esta foi feita com base no facto de a família ter apenas um elemento ou ser de tamanho maior, ter insuficiência económica (isenção de taxas por essa razão) ou não e ter, ou não, estudos mínimos em função da idade do membro de mais elevada formação (para pessoas com idade igual ou superior a 65 anos foi definida a 4ª classe e para menores de 65 anos a 6ª classe). Esta construção exploratória visa colmatar algumas deficiências sentidas em GRAFFAR, tendo sido feita exploratoriamente para efeitos de comparação.

Foi realizada estatística descritiva e inferencial, utilizando estatística não paramétrica adequada.

Resultados

Foi estudada uma amostra de 145 agregados familiares. O número de membros do agregado familiar variou entre o mínimo de um e o máximo de seis, média de 2,94±1,19 elementos. Para a escala de Garcia Gonzalez verificou-se que 31,7% tinham risco baixo (0), 46,2% risco médio (1) e 22,1% risco alto, com uma média de 0,90±0,73 pontos e o número médio de patologias do agregado familiar foi de 5,28±4,89, variando entre zero e 35.

Os agregados familiares foram classificados em família unitária (12,4%), monoparental (9,0%), alargada (6,9%), reconstruída (2,1%) e nuclear (69,7%). O índice de GRAFFAR baixo representou 0,7%, o médio baixo 8,3% e o alto 6,9% nas famílias estudadas. A distribuição tercílica de SOCFAM mostrou que estavam no estrato alto 64,1%, no médio 31,0% e no baixo 4,8%.

A relação entre o tipo de família e o índice de GRAFFAR não revelou diferença significativa (Tabela 1). Em 1% das famílias nucleares o Índice de GRAFFAR era baixo, estando 11,1% das famílias unitárias, 10% das alargadas e 8,9% das nucleares no índice de GRAFFAR médio baixo. Apresentaram índice de GRAFFAR alto 11,1% das famílias unitárias, 15,4% das monoparentais, 33,3% das reconstruídas e 5% das nucleares.

Tabela 1 Relação entre o tipo de família e o Índice de GRAFFAR, a distribuição de SOCFAM, o nível socioeconómico, a escolaridade e a escala de Garcia Gonzalez 

Em função do tipo de família foram encontradas diferenças significativas relacionando o tipo de família e a distribuição tercílica de SOCFAM, p=0,001 (Tabela 1). Famílias unitárias (5,6%), monoparentais (15,5%) e nucleares (3,0%) apresentaram um estrato SOCFAM baixo. Para 90% das famílias alargadas, 100% das monoparentais e 80,2% das famílias nucleares o estrato SOCFAM era alto. A maioria das famílias monoparentais (84,6%) e a maioria das unitárias (94,4%) apresentaram estrato SOCFAM médio.

Em função da Escala de Risco Familiar de Garcia Gonzalez encontraram-se diferenças significativas entre os tipos de famílias, p=0,016 (Tabela 1). Nas famílias alargadas, 60% apresentaram um risco alto e 30% um risco médio. Já nas famílias reconstruídas, todas elas (100%) apresentaram um risco familiar baixo, sendo nas famílias nucleares que foi encontrada a segunda maior percentagem de famílias de risco baixo, com cerca de 34,7%. A maioria das famílias unitárias (66,7%) apresentava um risco médio. Quanto às famílias monoparentais, 42,2% apresentaram risco médio e 23,1% um risco alto.

Quanto ao número de patologias por tipo de família verificou-se diferença significativa p=0,012, apresentando 35,7% das famílias nucleares uma média de cinco patologias. A maioria das famílias reconstruídas (66,6%) e unitárias (54,8%) apresentaram uma ou duas patologias no agregado. Já nas famílias alargadas, 40% tinham uma média de quatro patologias. Nas famílias monoparentais, 15,4% tinham uma média de seis patologias.

Não foram encontradas diferenças significativas entre os tipos de família em termos de nível socioeconómico e escolaridade (Tabela 1).

Quanto ao nível socioeconómico/insuficiência económica, os diferentes tipos de família foram divididos em «com insuficiência económica» e «sem insuficiência económica», estando 94,4% das famílias unitárias, 84,4% das famílias monoparentais, 90% das famílias alargadas, 100% das famílias reconstruídas e 82,2% das famílias nucleares no domínio «sem insuficiência económica».

Relativamente à escolaridade, «abaixo da 4ª classe ou similar em função da idade» ou «igual ou superior à 4ª classe», apenas 10% das famílias alargadas e 5,9% das famílias nucleares apresentaram escolaridade «abaixo da 4ª classe ou similar».

Discussão

O presente estudo, aleatório e representativo da população do ficheiro de um médico de família, procurou revelar como o conhecimento das famílias torna possível ao profissional de saúde delinear táticas para o objetivo estratégico de evitar patologia e, havendo-a, como apoiá-las com ferramentas de suporte aos seus elementos, em particular no contexto de uma doença crónica e de multimorbilidade. A atualização permanente destas situações é também uma forma de prestação de cuidados centrados na pessoa.12

Os dados resultantes da caracterização dos agregados familiares foram os esperados quanto ao número de membros por agregado familiar, de acordo com os Censos de 2011.13

Quanto ao tipo de família, as monoparentais e as famílias reconstruídas encontram-se abaixo da média nacional.13 Estes resultados, numa amostra aleatória de famílias, podem encontrar-se diminuídos pelo tamanho da amostra ou até mesmo pelo facto dos últimos censos datarem de há 10 anos atrás, com a desatualização da realidade das famílias a acontecer numa década ou por razões de geo-epidemiologia.

No estudo socioeconómico dos agregados familiares foram usadas duas escalas de avaliação, o índice de GRAFFAR14 e uma escala de autoria própria, denominada SOCFAM, e baseada em dados existentes no ambiente administrativo do SClínico. Analisando ambas verifica-se que a maioria das famílias se situa na classe GRAFFAR média (41,1%) e média Alta (40%) e que na distribuição tercílica de SOCFAM a maioria apresenta-se em nível alto (64,1%). Assim sendo, poder-se-á dizer que a maioria das famílias apresenta um nível socioeconómico médio/alto, pelo que se infere que detêm poder financeiro e económico, acesso a conhecimento e qualidade de vida. Um baixo nível socioeconómico é um fator de risco para multimorbilidade e acompanhamento da família na doença.8,10 A classe baixa foi residual, cerca de 0,7%, assim como o tercil SOCFAM baixo (4,8%). Mais uma vez, esta pode ser uma limitação do estudo pela geografia, dado ter sido realizado num meio urbano com uma população mais instruída, com cerca de 95,2% da amostra estudada com escolaridade igual ou superior à 4ª classe e pelo facto de se tratar de uma zona com maior poder económico.

Quando avaliada a relação entre os tipos de famílias e o índice de GRAFFAR não foram encontradas diferenças significativas mas, no entanto, foram encontradas diferenças ao nível tercílico de SOCFAM. Analisando esses resultados verifica-se que todas as famílias reconstruídas apresentam um estrato alto, assim como a maioria das famílias alargadas (90%) e das famílias nucleares (80,2%). Foi nas famílias unitárias (5,6%), alargadas (10%), monoparentais (5,4%) e nucleares (3,0%) que se encontraram agregados com distribuição tercílica SOCFAM baixo. O facto de haver discrepâncias entre os resultados das duas escalas pode dever-se a diferentes ambientes de mensuração de variáveis.

A escala de Garcia Gonzalez demonstrou que 46,2% das famílias se encontravam num risco médio e que 22,1% num risco alto, podendo colocar nestas problemas ao nível da saúde dos agregados familiares. Verificaram-se diferenças significativas quando comparados os diferentes tipos de famílias, as reconstruídas apresentando um risco baixo e as alargadas um risco alto. Nas famílias unitárias e nas famílias monoparentais foi sobretudo notório o médio/alto risco.

Foi nas famílias nucleares que se observou uma maior uniformidade entres os diferentes níveis de risco (31,7% risco baixo, 45,5% risco médio e 19,8% risco alto). As famílias nucleares deste estudo, tendo uma amplitude de elementos por agregado familiar entre os dois e os cinco elementos, colocam a questão de a variação de risco ser variável em função do número de elementos. No âmbito do nível socioeconómico observou-se que a maioria das famílias apresentava uma distribuição tercílica SOCFAM alta, sendo necessários estudos para perceber as relações entre os elementos, o suporte familiar, o tipo de doenças que afetam os seus elementos e a influência do ciclo de vida de Duvall,7 sendo certa a amplitude de número de patologias crónicas de zero a 22.

Nas famílias reconstruídas, 66,6% apresentavam apenas uma a duas patologias no agregado, o que apoia os resultados obtidos na escala de risco familiar, em que se verifica que estas famílias têm baixo risco. Além disso, os tipos de famílias que apresentavam risco familiar alto tinham maior número de patologias. Nas famílias alargadas, 10% das famílias estudadas apresentou o máximo de patologias encontradas - 35. Estas famílias com maior número de elementos, por vezes socialmente desestruturadas, podem conter múltiplos fatores de risco social e económico, podendo, assim, ter maior carga de doença. Nas famílias unitárias encontraram-se elementos com 12 (5,6%), oito (5,6%), cinco (5,6%), quatro (5,6%), três (22,2%), duas (27,8%) e uma (27,8%) patologias. Estas famílias unitárias, não sendo saudáveis, são de risco alto. A ausência de mais elementos no agregado familiar pode ser um fator de risco elevado para lidar com a doença, sobretudo com doença crónica, que pressupõe um controlo efetivo a longo prazo.

As famílias nucleares, a tipologia tipicamente mais frequente em Portugal, apresentavam uma carga menor de doença, assemelhando-se às famílias reconstruídas. Poder-se-á também pensar ser devido à idade dos seus constituintes ou à boa interação entre os seus membros.

Infere-se, do presente estudo, que diferentes tipos de famílias parecem ter riscos diferentes; logo, o médico, conhecendo o tipo de família e fazendo o seu estudo, pode perceber qual o risco e, assim, delinear a tática de seguimento. A realização deste estudo, com base num único ficheiro clínico, deveu-se ao seu caráter exploratório e académico. É, deste modo, necessário aprofundar estes resultados, alargando o estudo a amostras de contextos geográficos diferentes, usando apenas os registos existentes no programa mais usado em medicina geral e familiar, o SClínico, na perspetiva de verificar a consistência dos resultados agora obtidos, sendo a família a base do trabalho dos médicos de medicina geral e familiar. Parece, assim, que existe base para que a colocação das escalas de avaliação familiar seja mais central e acessível no contexto do programa SClínico.

Conclusões

As famílias reconstruídas e as nucleares apresentavam baixo risco familiar.

As famílias unitárias, alargadas ou monoparentais apresentavam um risco familiar alto e um número maior de patologias no agregado familiar.

Existem tipos de família que podem ser consideradas red flags para risco de multimorbilidade e acompanhamento da doença, como as unitárias e as alargadas.

O elevado risco familiar está associado ao tipo de família, ao nível socioeconómico e à maior comorbilidade familiar.

A constante e permanente atualização da avaliação familiar deve ser realizada.

A escala de risco familiar de Garcia Gonzalez parece ser instrumento importante na avaliação do risco das famílias.

Contribuição dos autores

Renato Bispo:

  • Conceptualização -formulação ou desenvolvimentos de metas e objetivos de investigação

  • Metodologia - Desenvolvimento ou desenho de metodologia

  • Software - Definição da metodologia e do tipo de software de registo e análise de dados-Análise formal - Aplicação de técnicas estatísticas,

  • Investigação - Condução do processo de pesquisa e investigação, especificamente realizando análise de dados e sua interpretação

  • Recursos - Análise de dados, interpretação de resultados e criação de corpo de texto do artigo

  • Redação - manuscrito original - Preparação, criação ou apresentação do rascunho inicial (incluindo tradução substantiva)

  • Redação - revisão e edição - Revisão, revisão crítica ou comentário sobre a preparação, criação ou apresentação do trabalho do grupo original, incluindo as etapas de pré ou pós-publicação

  • Visualização - Preparação, criação ou apresentação do trabalho publicado, especificamente visualização/apresentação de dados

  • Supervisão - Orientação e responsabilidade de liderança para a planificação e execução da investigação, incluindo a orientação externa à equipe principal

  • Administração do projeto - Responsável pela gestão e coordenação da planificação e execução das atividades de investigação

Luiz Miguel Santiago:

  • Conceptualização -formulação ou desenvolvimentos de metas e objetivos de investigação

  • Metodologia - Desenvolvimento ou desenho de metodologia;

  • Software - Definição da metodologia e do tipo de software de registo e análise de dados

  • Validação - Verificação da replicação ou reprodutibilidade geral dos resultados e outros elementos da investigação

  • Análise formal - Aplicação de técnicas estatísticas, para analisar ou sintetizar dados de estudo

  • Investigação - Condução do processo de pesquisa e investigação, especificamente realizando colheita de dados

  • Recursos - Fornecimento de materiais de estudo

  • Gestão de dados - Gestão de dados como a produção de metadados, a limpeza e a manutenção dos dados de pesquisa

  • Redação - manuscrito original - Preparação, criação ou apresentação do rascunho inicial (incluindo tradução substantiva)

  • Redação - revisão e edição - Revisão, revisão crítica ou comentário sobre a preparação, criação ou apresentação do trabalho do grupo original, incluindo as etapas de pré ou pós-publicação

  • Visualização - Preparação, criação ou apresentação do trabalho publicado, especificamente visualização/apresentação de dados

  • Supervisão - Orientação e responsabilidade de liderança para a planificação e execução da investigação, incluindo a orientação externa à equipe principal

  • Administração do projeto - Responsável pela gestão e coordenação da planificação e execução das atividades de investigação.

Restantes autores:

  • Conceptualização -formulação ou desenvolvimentos de metas e objetivos de investigação

  • Redação - revisão e edição - Revisão, revisão crítica ou comentário sobre a preparação, criação ou apresentação do trabalho do grupo original, incluindo as etapas de pré ou pós-publicação

  • Visualização - Preparação, criação ou apresentação do trabalho publicado, especificamente visualização/apresentação de dados

Conflito de interesses

Os autores não possuir quaisquer conflitos de interesse.

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Recebido: 13 de Abril de 2021; Aceito: 03 de Janeiro de 2022

Endereço para correspondência Renato Marques Bispo E-mail: renatomb@sapo.pt

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