Introdução
O padrão alimentar vegetariano tem vindo a tornar-se cada vez mais popular, motivado por questões de saúde, ética, ecologia e até de política.1 Esta tendência tem vindo a abranger idades cada vez mais precoces, estabelecendo-se muitas vezes desde os primeiros anos de vida.2
De acordo com o grau de evicção dos alimentos de origem animal, as dietas vegetarianas podem classificar-se como semivegetariana (carne e peixe são ocasionalmente incluídos), piscitariana (exclui carne, inclui peixe e marisco), ovolactovegetariana (exclui carne e pescado, inclui ovos e laticínios), lactovegetariana (exclui carne, pescado e ovos, inclui laticínios), ovovegetariana (exclui carne, pescado e lacticínios, inclui ovos) e vegana (todos os produtos de origem animal são excluídos).2
Várias sociedades científicas, como a Academy of Nutrition and Dietetics,1 a Canadian Pediatric Society3 e a American Academy of Pediatrics,4 consideram que um padrão alimentar vegetariano bem planeado é apropriado em todas as idades, permitindo um crescimento e desenvolvimento adequados na infância.
No entanto, é fundamental uma vigilância regular da saúde para que sejam precocemente identificadas alterações nutricionais que, em idade pediátrica, possam acarretar consequências nefastas a curto e a longo prazo.2 Como referido pela European Society for Paediatric Gastroenterology Hepatology and Nutrition (ESPGHAN), apesar de uma dieta vegetariana poder cumprir os requisitos nutricionais quando sob orientação médica e nutricional, os riscos de incumprimento deste acompanhamento são graves, incluindo lesões cognitivas irreversíveis e morte.5
Assim, as dietas vegetarianas em crianças devem ser cuidadosamente planeadas e orientadas, de forma a suprirem as necessidades nutricionais adequadas ao crescimento e desenvolvimento, podendo ainda ser necessária a ingestão de alimentos fortificados ou suplementos específicos.2,6
O objetivo deste trabalho é rever a evidência científica mais recente sobre a alimentação vegetariana nas crianças, particularmente da diversificação alimentar nos primeiros anos de vida e, desta forma, criar um guia de orientações para a prática clínica.
Métodos
Realizou-se uma pesquisa de normas de orientação clínica, revisões clássicas, revisões sistemáticas, meta-análises e artigos originais nas bases de dados National Guideline Clearinghouse, National Institute for Health and Care Excellence (NICE) Guidelines Finder, Canadian Medical Association Infobase, The Cochrane Library, Database of Abstracts of Reviews of Effectiveness (DARE), MEDLINE, TRIP Database, UpToDate e Índex das Revistas Médicas Portuguesas, utilizando os termos MeSH diet, vegetarian, child e infant e os termos “dieta vegetariana”, “criança” e “lactente”, publicados na língua inglesa ou portuguesa até junho de 2020. Foram também pesquisadas normas de orientação clínica e manuais de boas práticas publicadas pela Direção-Geral da Saúde (DGS).
Incluíram-se estudos que avaliaram ou descreveram orientações sobre a alimentação vegetariana nas crianças, particularmente da alimentação complementar aos primeiros anos de vida (mais especificamente até aos cinco anos). Foram excluídos os artigos repetidos ou não publicados.
Resultados
Alimentação até aos seis meses de vida
A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a ESPGHAN recomendam o aleitamento materno exclusivo até aos seis meses de idade, devido à sua segurança nutricional e às vantagens para a saúde do lactente, nomeadamente a redução de episódios infeciosos.6
Segundo as Linhas de Orientação para uma Alimentação Vegetariana Saudável, de 2015, da DGS, o aleitamento materno deve ser encorajado durante a fase de diversificação alimentar, principalmente nos lactentes vegetarianos. Particularmente neste grupo, o aleitamento materno deve ser aconselhado até aos dois anos de idade para garantir o aporte proteico e de outros nutrientes essenciais ao correto desenvolvimento das crianças.7-8
Caso a mãe seja vegetariana ou vegana, esta deverá garantir um aporte adequado de nutrientes através da dieta ou de suplementos alimentares. Se o aleitamento materno não for suficiente para suprir as necessidades energéticas e nutricionais do lactente deve ser introduzida uma fórmula infantil (FI). Para os lactentes saudáveis, cujos cuidadores decidam adotar um padrão de dieta vegana, existem FI à base de proteína de soja ou arroz que podem ser oferecidas desde o nascimento, embora ainda não se conheçam as repercussões a médio e longo prazo no crescimento e maturação dos lactentes alimentados com estas fórmulas. É ainda de considerar que estas fórmulas têm constituintes cujos efeitos podem ser nefastos ou desconhecidos a longo prazo, como os fitatos, alumínio, fitoestrogénios e arsénio inorgânico.6
Diversificação alimentar
O início da alimentação complementar ocorre idealmente entre o quinto e sexto mês de vida. Durante o primeiro ano de vida está contraindicada a adição de açúcar ou sal na alimentação, bem como a utilização de bebidas vegetais em substituição da FI. Durante esta fase, a água é o único líquido que deve ser oferecido ao lactente.6
Os primeiros alimentos a serem introduzidos na diversificação alimentar devem ser hortícolas ou papa de cereais. As hortícolas devem ser preparadas em creme, em associações de quatro a cinco hortícolas por sopa, com cerca de 5 a 7mL de azeite em cru. As opções de hortícolas mais frequentemente utilizadas para a iniciação das preparações em Portugal são o chuchu ou a curgete, a cenoura ou a abóbora, a cebola ou o alho francês, a alface, os brócolos e o feijão-verde. As papas de cereais podem ser o primeiro alimento a ser introduzido ou podem ser apresentadas dois a três dias depois do creme de hortícolas.6,8
A introdução das frutas poderá ser feita desde o início da diversificação alimentar e devem ser introduzidas uma de cada vez, ao natural, como sobremesa. Geralmente os primeiros frutos a serem apresentados à criança são a pêra ou a maçã (cruas, assadas ou cozidas) e a banana (em puré). No entanto, a partir dos seis a sete meses todos os frutos podem ser introduzidos, mesmo aqueles considerados mais alergénicos. Os frutos ricos em vitamina C devem ser consumidos após as refeições com alimentos ricos em ferro, por potenciarem a sua absorção.6
O ovo pode ser introduzido no início da diversificação alimentar nos lactentes ovolactovegetarianos e ovovegetarianos. Deve ser introduzido de forma lenta e gradual, na sopa ou no prato principal, em substituição da proteína vegetal. O ovo inteiro só deve ser consumido a partir dos 12 meses, até um máximo de três a quatro gemas por semana.6
A partir dos seis meses pode ser introduzido na sopa, como fonte de proteína vegetal, o tofu fresco e natural, numa dose máxima de 30g por dia. Este pode ser oferecido numa única refeição principal ou em doses divididas por duas refeições.6,9 Nesta fase, a textura dos alimentos deve ser progressivamente menos homogénea.6
Entre os sete e os oito meses devem ser introduzidas as leguminosas de mais fácil digestão (como as lentilhas sem casca, o feijão azuki, feijão frade, branco ou preto) pela sua riqueza em minerais e fibras e por serem fonte de proteína e de hidratos de carbono complexos. Devem ser bem demolhadas, descascadas ou na sua forma germinada e em pequenas doses. Progressivamente pode ser introduzida a soja.6
A partir dos oito meses pode ser introduzida a proteína de cânhamo (no máximo, uma colher de café por refeição) e o gérmen de trigo ou a levedura de cerveja para enriquecer sopas, papas ou batidos. O iogurte e o yofu naturais (preparado fermentado de soja) podem ser apresentados a partir dos oito meses.6
A partir dos nove meses de idade podem ser introduzidos os frutos oleaginosos, o amendoim, o coco e as sementes (abóbora, girassol, linhaça e chia) naturais, sem sal e bem triturados.6
No que concerne às algas, apesar de não existir evidência do benefício da sua introdução na alimentação no lactente, esta é uma prática comum. Podem ser introduzidas em pequenas quantidades a partir dos nove meses de idade, como complemento da sopa, até um máximo de três a quatro vezes por semana. Têm elevado teor em proteínas, fibras e minerais e devem ser privilegiadas as que têm baixo teor em sódio e iodo (nori, wakame e arame), não sendo recomendadas as algas hijiki na infância por possuírem grandes quantidades de arsénio (considerado um carcinogéneo).6
Entre os onze e os doze meses o seitan e o tempeh podem ser introduzidos como fonte de proteína vegetal e substitutos da carne. Devem ser introduzidos cozidos com hortícolas e progressivamente ser oferecidos em pequenos pedaços.6
Aos doze meses deve ser iniciada a dieta familiar com preferência por produtos frescos e com refeições frequentes, de três em três horas. A ingestão de gorduras não deve ser limitada.1,6 Os óleos e cremes vegetais são uma boa alternativa para garantir o aporte energético recomendado.6
As bebidas vegetais não devem ser introduzidas antes dos 24 meses, preferencialmente após os 36 meses, e a bebida de arroz só deve ser apresentada após os cinco anos, por conter vestígios de arsénio inorgânico. Estas nunca devem substituir a FI e só devem ser oferecidas ocasionalmente.6
Alimentação pós-diversificação alimentar
As dietas vegetarianas podem ser consideradas nutricionalmente adequadas para crianças, mas para tal é necessário ter um conhecimento adequado sobre a biodisponibilidade e importância de alguns nutrientes-chave, como a proteína, ácidos gordos essenciais, vitamina B12, vitamina D, iodo, ferro, cálcio, zinco, fibra, bem como do aporte energético. As dietas vegetarianas devem ser elaboradas de forma a que as necessidades destes nutrientes sejam supridas, para além das considerações sobre a diversificação alimentar, redução da quantidade de sal, açúcar, gorduras saturadas e a ingestão adequada de água.7 A boa evolução ponderal, o crescimento e o desenvolvimento psicomotor são bons indicadores de uma dieta vegetariana adequada ao bom desenvolvimento global.9 Segundo a evidência atual, crianças que têm uma dieta com base em produtos vegetais bem planeada têm menor risco de desenvolver obesidade, estão menos expostas a antibióticos encontrados em produtos de origem animal e parecem ter um perfil de adipocinas anti-inflamatórias mais favorável.8
Consumo calórico
Atingir as necessidades energéticas é essencial para que se atinjam as necessidades em macro e micronutrientes.7 Devido ao pequeno volume gástrico nesta faixa etária e à baixa densidade calórica da sua dieta, algumas crianças vegetarianas podem ter dificuldade em atingir a ingestão energética diária recomendada, já que há tendência para se sentirem saciadas antes de serem consumidas as calorias necessárias ao crescimento adequado. Para compensar este facto devem ser servidas três refeições principais e três lanches por dia. A inclusão de certos alimentos energeticamente densos, como abacate, leguminosas (feijão, lentilhas, grão-de-bico, favas), frutos oleaginosos (nozes, amêndoas, avelãs), sementes e manteigas de frutos oleaginosos, ajudam a ir de encontro às necessidades calóricas diárias da criança.3,10 Ainda assim, as necessidades energéticas não estão aumentadas nas crianças vegetarianas comparativamente àquelas que seguem uma dieta omnívora.7
Proteína
As proteínas são essenciais para um crescimento e funções muscular, nervosa e imunitária saudáveis.7 As necessidades proteicas para crianças entre os um e os três anos são aproximadamente 1,05g/Kg/dia e para crianças entre os quatro e os 13 anos aproximadamente 0,95g/Kg/dia.11
As crianças vegetarianas alimentadas com proteína de soja bem processada geralmente não têm dificuldade em atingir os níveis de proteína recomendados diariamente. A soja contém todos os nove aminoácidos essenciais (não sintetizados pelo organismo),7 como a proteína animal. Ainda assim, é pobre em metionina, um dos aminoácidos essenciais, pelo que se devem preferir produtos de soja suplementados com a mesma até aos dois anos de idade.12-16 O consumo das restantes fontes de proteína vegetal permite atingir as recomendações diárias, se houver planeamento de utilização de vegetais que sejam complementares em aminoácidos essenciais. Desta forma, a combinação de fontes de proteína deve ser encorajada.7,10
A proteína animal é 90% digerível pelo corpo humano. Já as proteínas dos legumes são apenas 80 a 90% digeríveis, enquanto a proteína de outras plantas e grãos é apenas 70 a 90% digerível. Nas dietas vegetarianas que utilizam fontes de proteína menos absorvíveis deve ser aumentado o consumo de proteínas em 20 a 30% dos dois aos seis anos de idade e em 15 a 20% a partir dos seis anos.1,3
Algumas estratégias para aumentar a digestibilidade da proteína vegetal passam por demolhar, descascar, germinar leguminosas ou cozinhá-las em panela de pressão. Os alimentos vegetais ricos em proteína, para além da soja, incluem leguminosas, pseudocereais (quinoa, amaranto e trigo sarraceno), cereais integrais, frutos oleaginosos e sementes. Os laticínios e ovos também são boas fontes de proteína para os ovolactovegetarianos.7
Ferro
O ferro é um nutriente essencial para a saúde, já que participa na formação da hemoglobina, mioglobina, cadeia transportadora de eletrões a nível mitocondrial, produção de enzimas, entre outras funções.7 As necessidades de ferro entre os um e os três anos são de aproximadamente 7mg/dia, entre os quatro e os oito anos de 10mg/dia e entre os nove e os 13 anos de 8mg/dia.17-18
Todas as crianças que não consumam carne ou peixe estão em risco de desenvolver anemia, já que o ferro não-heme (único tipo de ferro proveniente de fontes vegetais) tem uma absorção inferior ao ferro heme e a mesma é comprometida pela ingestão simultânea de outras substâncias (cálcio, fitatos, taninos e catequinas presentes no chá, café, cacau e especiarias como o açafrão ou o chili).7 Desta forma, nas crianças vegetarianas a ingestão diária recomendada de ferro é cerca de 80% superior às crianças não vegetarianas.7,10
As estratégias para melhorar a absorção do ferro incluem: o consumo de alimentos ricos em vitamina C em cada refeição (frutos cítricos, morangos, brócolos, tomate, entre outros), já que estes aumentam a absorção de ferro e contrariam os efeitos inibitórios dos fitatos; aumentar o consumo de alimentos ricos em ferro (leguminosas principalmente demolhadas ou germinadas, cereais integrais, hortícolas de cor verde escura, sementes, frutos gordos, tofu, tempeh, ovos e alimentos fortificados como flocos de cereais fortificados); e suplementação de ferro (a partir dos seis meses de idade, na dose de 0,9-1,3mg/kg/dia)6,9 se os marcadores laboratoriais demonstrarem depleção de ferro ou houver suspeita de baixo consumo do mesmo na dieta.9-10
Cálcio
O cálcio é necessário ao correto desenvolvimento ósseo e dentário, bem como para as funções nervosa, muscular e de coagulação.7 A quantidade de cálcio diária recomendada é de aproximadamente 700mg para crianças entre os um e os três anos, 1000mg entre os quatro e os oito anos e de 1300mg dos nove aos 18 anos.19-20
O teor em cálcio presente no leite materno é independente do regime alimentar da lactante; por isso, a suplementação diária de 1000-1500mg de cálcio está indicada apenas em grávidas e lactantes vegetarianas com ingestão comprometida deste mineral.6
Crianças que não consumam produtos láteos têm maior dificuldade em atingir os níveis diários recomendados de cálcio, pois os vegetais têm baixa quantidade deste mineral.20-22
A absorção de cálcio é comprometida quando os vegetais ricos neste mineral são também ricos em oxalatos, pelo que nem todos os vegetais ricos em cálcio são boas fontes do mesmo como, por exemplo, os espinafres e o feijão verde.1 Adicionalmente, um consumo excessivo de proteínas pode diminuir a reabsorção renal de cálcio e o consumo excessivo de sal aumenta a excreção renal do mesmo.7
Estratégias para melhorar os níveis deste mineral passam pelo consumo de alimentos fortificados com cálcio (leite, iogurte ou queijo de soja, cereais e bebidas vegetais), consumo de vegetais naturalmente ricos em cálcio (hortícolas de folha verde escura, leguminosas, sementes, frutos secos ou laticínios para os ovolactovegetarianos) ou introdução de suplementos.10 Para além disto, a diminuição da ingestão de sal pode aumentar a sua absorção.7
Vitamina D
A vitamina D é obtida através da exposição solar ou da dieta e está diretamente relacionada com a densidade mineral óssea. Esta vitamina está também implicada na absorção intestinal de cálcio e de fosfato, bem como na regulação dos sistemas muscular, imunitário e cardiovascular.7
Quer populações vegetarianas quer não vegetarianas têm habitualmente deficiência de vitamina D, mas crianças que não consumam produtos láteos têm um risco aumentado de desenvolver deficiência desta vitamina.7
Uma alternativa para os produtos láteos são as bebidas vegetais fortificadas, manteigas vegetais fortificadas ou cereais fortificados. Para crianças com uma dieta piscívora, o consumo de peixes gordos (sardinha, atum, salmão, cavala) ou óleo de fígado de bacalhau consistem em boas fontes de vitamina D. Nas dietas ovolactovegetarianas, o queijo e a gema de ovo fornecem pequenas quantidades de vitamina D.1
A suplementação de vitamina D com 5 a 10 µg por dia é adequada quer para vegetarianos como para não vegetarianos.7
Vitamina B12
A vitamina B12 (cobalamina) desempenha um papel importante no metabolismo humano, levando a sua deficiência a manifestações clínicas hematológicas, neurológicas e psiquiátricas.7,9,11 Durante a infância, a deficiência de vitamina B12 causa atrasos no crescimento e no desenvolvimento, bem como distúrbios do movimento.24
A vitamina B12 está apenas presente em alimentos de fonte animal.3,7,9,24 A dose diária recomendada para crianças dos um aos três anos é 0,9 µg, dos quatro aos oito anos é de 1,2 µg e dos nove aos 13 anos é de 1,8 µg.25
Como existem quantidades substanciais de vitamina B12 armazenadas no organismo, a sua deficiência desenvolve-se gradualmente. Assim, nos lactentes sob aleitamento materno exclusivo com mãe com dieta restritiva, o défice de vitamina B12 só surge cerca de quatro a seis meses de vida.25 Perante a suspeita de uma ingestão inadequada desta vitamina durante a gravidez e lactação, a gestante/puérpera deverá tomar suplementos na dose de 2,6 μg/dia e 2,8 μg/dia, respetivamente.6
O leite materno de mulheres que seguem uma dieta vegana bem planeada, que inclui uma fonte fiável de vitamina B12, fornece uma nutrição adequada ao lactente.9 As crianças com uma dieta ovolactovegetariana ou lactovegetariana podem consumir quantidades suficientes de vitamina B12 a partir de ovos, leite e derivados do leite; contudo, o consumo nem sempre é suficiente.3,7,9 Em veganos, o risco de desenvolver défice de B12 é considerável.7,9
Em crianças com uma dieta vegana ou outros tipos de dieta vegetariana é aconselhado o consumo regular de uma fonte fidedigna de vitamina B12, como alimentos fortificados ou suplementos orais de vitamina B12.1,3,8-10,24,26 Os alimentos fortificados em vitamina B12 são geralmente cereais prontos a comer, os substitutos da carne, alguns alimentos alternativos ao leite e extrato de levedura.3,7 O leite de soja fortificado é uma boa fonte de vitamina B12 para crianças.
Zinco
O zinco é necessário para o normal crescimento e desenvolvimento e para a acuidade do paladar.7 A dose diária recomendada de zinco é de 3mg para crianças entre os um e os três anos, 5mg para crianças entre os quatro e os oito anos, 8mg para crianças entre os nove e os 13 anos, 9mg para adolescentes do sexo feminino e 11mg para adolescentes do sexo masculino.27
As crianças que não consomem laticínios ou ovos estão em risco de ter um nível de zinco abaixo do desejável, devido às grandes necessidades durante o crescimento.7 A deficiência grave de zinco pode estar associada a atrasos no crescimento e a aumento do risco de infeções, particularmente diarreia e pneumonia.28
O zinco está presente tanto em alimentos de origem animal como vegetal.7
Desde o nascimento até aos 12 meses de idade, o leite materno e as FI são boas fontes de zinco.3,6,8 O leite e os seus derivados são a primeira fonte de zinco para crianças ovolactovegetarianas.1,6,10 Em crianças que não consomem leite, os cereais são a primeira fonte de zinco, seguindo-se os substitutos da carne.10 As fontes vegetais de zinco incluem os grãos integrais, legumes, gérmen de trigo e nozes.1,3,6-8,10
O zinco tem uma biodisponibilidade baixa em dietas vegetarianas devido ao alto conteúdo de fitatos e fibras.3,6-9 Algumas técnicas de preparação de alimentos, como demolhar feijões, grãos e sementes, podem aumentar a sua biodisponibilidade e absorção. O uso de levedura de pão e o consumo simultâneo de alimentos com vitamina C também têm o mesmo efeito.1,3,6-8
Os lactentes e crianças vegetarianas que tenham uma dieta insuficiente neste mineral devem receber suplementos de 4mg zinco/dia até aos seis meses e de 5mg zinco/dia entre os sete meses e os três anos.6
Ácidos gordos ómega-3
Existe evidência que os ácidos gordos ómega-3 possam ter algum benefício para a saúde.29 Estes, que incluem o ácido docosahexaenóico (DHA) ou o ácido eicosapentaenóico (EPA), ou o seu precursor ácido alfa-linolénico (ALA), são importantes para a saúde cardiovascular e para o desenvolvimento do olho e do encéfalo.1,8,29
As dietas vegetarianas são geralmente ricas em ácidos gordos ómega-6, mas tendem a ter poucos ácidos gordos ómega-3, a não ser que contenham peixe, ovos ou quantidades significativas de algas.30 Os vegetarianos, e particularmente os veganos, têm níveis mais baixos de EPA e DHA do que os não vegetarianos.1,3,9
As dietas de mulheres a amamentar devem incluir duas porções diárias de alimentos ricos em ómega-3, de modo a satisfazer as necessidades da mãe e do lactente. O aleitamento materno de uma mãe com uma dieta vegana equilibrada, bem como FI são uma boa fonte de ácidos gordos ómega-3. Durante a infância, a ingestão de gorduras não deve ser limitada, mas deve ser feita uma escolha cuidada da mesma.8
Desta forma, pode ser recomendado a crianças vegetarianas a inclusão de peixes gordos (para crianças piscitarianas) ou outra fonte rica em ácidos gordos ómega-3, como óleos de linhaça, chia, canola e cânhamo, nozes, soja, algas e beldroegas.3,7,9-10 Estão também disponíveis FI, bebida de soja e barras de cereais fortificadas com DHA.1
Fibra
A dose de fibra diária recomendada é de 19g para crianças entre os um e os três anos, 25g para crianças com idades entre os quatro e os oito anos e 26 a 31g para crianças com idades entre os nove e os 13 anos.11
Os indivíduos com dietas vegetarianas têm um aporte de fibras relativamente elevado quando comparado com os omnívoros. Contudo, geralmente este consumo está dentro dos valores considerados saudáveis.31-32
Apesar dos seus benefícios no que concerne aos movimentos peristálticos intestinais, o consumo de uma dieta muito rica em fibras pode comprometer o consumo de energia, promover a saciedade precoce e reduzir a biodisponibilidade de alguns minerais como o ferro, o cálcio e o zinco.8,10 Deste modo, as crianças devem ser monitorizadas para ser assegurado um crescimento harmonioso e um consumo adequado destes minerais.6
As refeições em lactentes até aos 12 meses devem ter o mínimo de fibras possível. Os alimentos isentos de fibras, como iogurte de tofu e soja, e o puré de frutas ou vegetais devem ser preferidos. O conteúdo em fibras também deve ser alvo de atenção durante o segundo ano de vida, pois a velocidade de crescimento mantém-se elevada.8
A melhor forma de atingir os níveis de fibras adequados na dieta é através da ingestão de frutas, vegetais e cereais, consumindo também deste modo a energia adequada para o crescimento e desenvolvimento.2 6
Iodo
As melhores fontes de iodo são os frutos do mar, bem como nas zonas costeiras a água rica em iodo e a névoa do mar.7-8
O défice de iodo leva a produção insuficiente de hormonas tiroideias e, como consequência, tem múltiplos efeitos adversos no crescimento e desenvolvimento, incluindo atraso cognitivo e do desenvolvimento motor.24
Os lactentes e crianças pequenas são um grupo de risco para défice de iodo. Contudo, o leite materno e as FI geralmente garantem o aporte de iodo necessário.6,8 Muitas populações do interior estão em risco de défice deste mineral, independentemente do tipo de dieta. Assim, a OMS recomenda o consumo de sal iodado, sendo esta a forma mais segura de atingir os níveis de iodo necessários durante o aleitamento materno.8 As mulheres vegetarianas grávidas e a amamentar em exclusivo poderão, em alternativa, receber um suplemento diário de 150-200 μg de iodo, na forma de iodeto de potássio, de forma a atingir a dose diária recomendada de 250 μg/dia.6
O teor de iodo das algas marinhas (fonte popular de iodo entre os vegetarianos) é muito variável, sendo que a ingestão excessiva deste nutriente pode prejudicar a função tiroideia da criança após o nascimento.1,8 Não obstante, esta também pode ser uma alternativa para mães a amamentar que necessitam limitar a ingestão de sal.8
Conclusões
Nos últimos anos assistimos a uma mudança tremenda no que concerne aos hábitos e estilos de vida, nomeadamente com a emergência de novos padrões alimentares. A alimentação ou, por outra, os hábitos alimentares erráticos são foco de especial preocupação, dado estarem associados a várias doenças crónicas que oneram índices elevados de morbimortalidade, bem como substanciais custos em saúde.
Uma alimentação saudável implica que esta seja completa, equilibrada e variada, fornecendo energia e nutrientes em quantidades adequadas para o bom funcionamento do organismo e manutenção do estado de saúde.2
Em idade pediátrica, a alimentação é um importante determinante para o crescimento, desenvolvimento e saúde da criança. Ademais, esta é uma fase particularmente vulnerável para arreigar hábitos saudáveis e obviar a presença de erros com potencial de perpetuação na idade adulta.2,33
A adoção de um padrão alimentar vegetariano tem-se vindo a popularizar ao longo dos anos, por motivos de variada índole, sendo esta tendência transversal a todas as faixas etárias, incluindo os primeiros anos de vida.2
Como outros padrões alimentares, o padrão vegetariano pode dar resposta a todas as necessidades nutricionais das crianças e adolescentes desde que bem planeado. Efetivamente, a ESPGHAN, a American Academy of Pediatrics, a Academy of Nutrition and Dietetics e a Canadian Pediatric Society consideram que a realização de uma dieta vegetariana é possível em todas as fases da vida.1,3-4,33 Inobstante, as regras que se aplicam aos outros padrões alimentares também se aplicam ao padrão vegetariano: deve assegurar-se uma alimentação variada, equilibrada e completa, por forma a que todas as necessidades energéticas e nutricionais sejam devidamente supridas.2,33
Há também a considerar que o padrão alimentar vegetariano poderá condicionar algum compromisso energético e de micronutrientes, como proteínas, ácidos gordos essenciais, ferro, zinco, cálcio, iodo e vitaminas B12 e D. Assim, a suplementação nutricional e/ou ingestão de alimentos fortificados pode ser necessária, pese embora, sempre que possível, deverá ser dada primazia às fontes alimentares destes nutrientes. Porquanto, é de suma importância a planificação da dieta/necessidade de suplementação por profissionais experientes e a vigilância e supervisão médicas.2,33
Uma alimentação saudável tem um incomensurável impacto no desenvolvimento da criança, fazendo com que cresça em harmonia com o seu potencial genético. O padrão alimentar vegetariano pode ser adotado durante a idade pediátrica, inclusive no período de diversificação alimentar, desde que devidamente planeado.
Contudo, dada a controvérsia que existe relativamente a este tema é importante e necessário continuar a investigação nesta área, com a realização de mais estudos com evidência mais robusta.