Introdução
Os abcessos das glândulas de Skene são uma condição rara.1-2 No entanto, alguns autores defendem que não se tratará somente de uma situação pouco comum, mas também pouco descrita na literatura e subdiagnosticada.3 Adicionalmente, esta é uma condição clínica cujos sinais e sintomas apresentam uma elevada variabilidade e baixa especificidade, dificultando ainda mais a sua identificação.3
O diagnóstico de abcesso das glândulas de Skene tem como pedra basilar uma anamnese completa e subsequente observação clínica, dirigida e cuidada. Em casos de dúvida poderão ser utilizados exames complementares, nomeadamente a ecografia ou a ressonância magnética.4 Salvaguarda-se ainda a importância de reavaliar os casos suspeitos regularmente, pois a evolução temporal do quadro clínico poderá, por si só, conduzir ao diagnóstico, possibilitando a intervenção terapêutica atempada e reconstituição da qualidade de vida das utentes.
O presente artigo tem como objetivo descrever o caso de uma massa perineal, com a hipótese diagnóstica inicial de prolapso uro-vaginal, mas cuja reavaliação clínica culminou no diagnóstico de abcesso das glândulas de Skene. Pretende ainda dar a conhecer os sinais e sintomas mais comuns de Skenite e alguns dos esquemas terapêuticos recomendados para esta condição clínica.
Descrição do caso
Utente do sexo feminino, com 26 anos de idade, recorre à consulta de doença aguda no centro de saúde em janeiro de 2021, descrevendo o aparecimento de uma massa na região perineal desde o dia anterior, associada a dormência local, maior esforço para iniciar a micção e sensação de repleção vesical, agravada com o ortostatismo. Referia ainda um corrimento vaginal esporádico esverdeado, sem odor característico e sem prurido vulvar associado. Negava febre, disúria, polaquiúria e sintomatologia desencadeada ou agravada durante as relações sexuais. Como antecedentes pessoais apurou-se um parto eutócico há quatro anos, sem complicações obstétricas associadas e irregularidades menstruais (desde a colocação de implante contracetivo subcutâneo em 2018). A última colpocitologia da utente datava de 2016, pelo que não apresentava o rastreio do cancro do colo do útero atualizado à data da consulta. À observação, a utente apresentava-se corada, hidratada e apirética (com uma temperatura corporal de 36,4 °C, avaliada na região frontal com termómetro de infravermelhos). A nível perineal apresentava uma massa procidente com aproximadamente 2cm de diâmetro, localizada na parede vaginal anterior, com envolvimento do meato urinário, aflorando aos grandes lábios (visível sem afastamento dos mesmos), arredondada, bem delimitada, de contornos regulares, mole, pouco móvel em relação aos planos infrajacentes ou suprajacentes, ligeiramente dolorosa à palpação, não pulsátil, nem expansível. Apresentava leucorreia inespecífica (transparente, filante e sem odor). O exame com espéculo ginecológico foi dificultado pelas queixas álgicas da utente, não tendo sido efetuada a observação com o espéculo dissociado nas suas duas valvas para avaliação de patologia do pavimento pélvico. Apesar das limitações da observação clínica considerou-se a hipótese diagnóstica de prolapso vaginal, com possível protrusão da parede vaginal anterior. Foi recomendada analgesia combinada com paracetamol 1000mg e metamizol 575mg a cada 8h. Para estudo complementar foi solicitada uma ecografia pélvica e com sonda endovaginal. Foram ainda explicados à utente quais os sinais de alarme que justificavam a reavaliação médica antecipada, nomeadamente aumento da intensidade das queixas álgicas, alteração das características da dor, agravamento dos sintomas urinários ou aparecimento de novos sintomas acompanhantes.
Passados 27 dias desde a primeira observação, a utente retornou à consulta de doença aguda. Apresentava fácies de dor, dificuldade para a marcha e evitou sentar-se na cadeira do consultório devido a dor perineal. Descreveu que tinha realizado a ecografia endovaginal no dia anterior e que tinha tolerado o exame com muita dificuldade por dor à introdução da sonda endocavitária, que persistiu desde então, sem ceder à analgesia previamente prescrita. A doente apresentava-se corada, hidratada e apirética. À observação mantinha a massa perineal envolvendo o meato urinário que aflorava aos grandes lábios. No entanto, a massa apresentava-se agora eritematosa e muito dolorosa à palpação. Ao realizar palpação da massa constatou-se a saída de exsudado purulento abundante pela uretra. Não foi realizado exame ao espéculo atendendo às queixas álgicas da doente. O exame ecográfico endocavitário realizado no dia anterior não descrevia quaisquer alterações de relevo, não sendo confirmada a hipótese de prolapso uro-vaginal. Foi então colocada como hipótese diagnóstica mais provável a formação de um abcesso periuretral, mais concretamente um abcesso das glândulas de Skene, atendendo à localização e características da massa abecedada, drenagem purulenta através do meato urinário e sintomas acompanhantes. A doente foi medicada empiricamente com azitromicina 1g em toma única e cefuroxima 500mg a cada 12h, durante oito dias, procurando a cobertura antibiótica para os agentes mais comumente implicados em infeções sexualmente transmissíveis e agentes Gram negativos. Manteve a medicação analgésica, à qual foi adicionado ibuprofeno 600mg em SOS. Foi também recomendado que mantivesse uma higiene íntima diária convencional e privilegiasse a utilização de vestuário confortável, evitando o traumatismo do local afetado. Ficou agendada reavaliação clínica quatro dias mais tarde.
À data da reavaliação, ao quarto dia de antibioticoterapia, a utente demonstrava boa adesão ao plano terapêutico, encontrando-se substancialmente melhorada das queixas álgicas, já tolerando sentar-se. Referia também melhoria das queixas urinárias: já sem sensação de peso no hipogastro e menos esforço para iniciar a micção. Ao exame objetivo verificou-se diminuição significativa das dimensões do abcesso, sem exteriorização de exsudado purulento à sua palpação, apesar de ainda manter edema ligeiro local (Figuras 1, 2 e 3). Foi recomendado completar o esquema antibiótico na sua totalidade e marcada nova consulta de reavaliação no prazo de uma semana. Na última consulta de reavaliação, a doente mantinha evolução clínica favorável, com resolução sintomática e melhoria clínica.
Comentário
As lesões periuretrais ocorrem em cerca de um quarto das mulheres com massas genitais.3 O diagnóstico diferencial de massas localizadas na parede vaginal anterior poderá incluir múltiplas patologias, nomeadamente divertículos uretrais, ureterocelos, prolapsos vaginais, quistos e abcessos.2-3
As glândulas de Skene, também designadas glândulas periuretrais, localizam-se adjacentemente aos dois terços distais da uretra, sendo consideradas homólogas às glândulas prostáticas no homem.1,3-5 A infeção destas glândulas (também conhecida como Skenite) condiciona edema e consequente obstrução dos ductos para-uretrais, culminando na formação de um quisto ou de um abcesso.3-4
Os abcessos das glândulas de Skene são raros.1-2 O seu diagnóstico é possível através de uma histórica clínica detalhada e exame objetivo dirigido.2,4 Os sinais de apresentação constituem dor uretral, disúria, dispareunia, presença de uma massa perineal, alterações no esvaziamento vesical, infeções do trato urinário de repetição ou exsudado purulento.1-2,4,6 Ao exame objetivo identifica-se uma massa adjacente ao meato urinário e a exteriorização de conteúdo purulento através dos meatos glandulares.4 Também poderá ocorrer a rutura dos ductos glandulares, fazendo com que o seu conteúdo passe a comunicar com o lúmen uretral.3 Esta situação poderá justificar a exteriorização do conteúdo purulento através do meato urinário.
Atendendo ao facto de esta não ser uma patologia frequente existe pouca evidência acerca do plano terapêutico a adotar nestes casos.2 Uma vez que os agentes mais comummente implicados são Escherichia coli, Neisseria gonorrhoeae e agentes da flora vaginal dever-se-ão privilegiar esquemas antibióticos que incluam ceftriaxone, ciprofloxacina ou ofloxacina em toma única, em combinação com azitromicina 1g em toma única ou doxiciclina 100mg, duas vezes por dia, durante sete dias.3-4 Em casos de recorrência ou ausência de melhoria com terapêutica médica dever-se-á considerar a drenagem cirúrgica.3
Paralelamente à instituição terapêutica é fundamental alertar as utentes acerca dos sinais de alarme que justificam o retorno aos cuidados de saúde. Neste caso, na primeira observação médica foi explicado à utente que se a dor se agravasse ou mudasse de características, se as alterações urinárias se intensificassem ou surgissem quaisquer outros sintomas acompanhantes, deveria recorrer novamente ao centro de saúde para ser reavaliada. Assim, foi possível reavaliar a doente e identificar alterações ao exame objetivo que se evidenciaram fulcrais na redefinição das hipóteses diagnósticas inicialmente estabelecidas.
Em conclusão, perante um caso de uma massa periuretral dolorosa numa utente do sexo feminino, a lista de diagnósticos diferenciais deverá incluir a hipótese de abcesso das glândulas de Skene, de forma a não perder uma oportunidade de diagnóstico e tratamento precoce, que se pretende conservador nas fases iniciais da doença. No futuro seria importante para a prática clínica estabelecer esquemas terapêuticos de primeira linha para estas situações, nomeadamente a posologia e duração da antibioterapia preconizada e quais os critérios de referenciação para tratamento cirúrgico neste âmbito.