SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.38 número4Trimetilaminúria, uma doença social? Relato de casoTeleconsulta de medicina geral e familiar em doze passos: uma adaptação em tempos de pandemia índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.38 no.4 Lisboa ago. 2022  Epub 31-Ago-2022

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v38i4.13310 

Opinião e debate

Indicador 380: descobre onde estão os teus utentes com DPOC

Indicator 380: find out where your COPD patients are

Ana Raquel Sousa Santos1  , Conceptualização, metodologia, análise formal, investigação, curadoria de dados, redação do draft original, redação, revisão, validação do texto final, supervisão
http://orcid.org/0000-0003-4370-2742

Eurico Silva2  , Conceptualização, metodologia, análise formal, investigação, curadoria de dados, redação do draft original, redação, revisão, validação do texto final

1. Médica Interna de Medicina Geral e Familiar. USF de Baltar, ACeS Tâmega II - Vale do Sousa Sul. Baltar, Portugal.

2. USF João Semana, ACeS Baixo Vouga. Ovar, Portugal


Resumo

A doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) é uma causa importante de morbilidade crónica e mortalidade prematura, constituindo a terceira causa de morte no mundo. Em Portugal estima-se que a sua prevalência, a partir dos 40 anos, seja de 14,2% com uma elevada proporção de subdiagnóstico. O Plano Nacional de Doenças Respiratórias preconiza o combate desta doença e o aumento do seu diagnóstico nos cuidados de saúde primários (CSP). A sociedade atual procura avaliar, quantificar e classificar a prestação dos serviços e, na saúde, os indicadores de desempenho avaliam elementos mensuráveis da prática clínica, permitindo o estabelecimento de boas práticas e melhoria dos cuidados prestados. Os autores propõem a utilização do indicador 2017.380 do Bilhete de Identidade dos CSP, designado por “Proporção de utentes adultos com registos clínicos evidenciando a existência de asma, DPOC ou bronquite crónica, com registo de diagnóstico na lista de problemas”, como uma ferramenta importante para aumentar o diagnóstico das doenças respiratórias, melhorar os registos clínicos, atualizar os problemas ativos e, fundamentalmente, melhorar os cuidados de saúde prestados aos utentes.

Palavra-chave: DPOC; Medicina geral e familiar; Indicador 2017.380; Falhas na codificação ICPC-2

Abstract

Chronic obstructive pulmonary disease (COPD) is a significant cause of chronic morbidity and premature mortality and the 3rd leading cause of death worldwide. In Portugal, its prevalence, from the age of forty onwards, is estimated at 14.2%, with a high proportion of underdiagnosis. The National Plan for Respiratory Diseases recommends combating this disease and increasing its diagnosis in primary health care (PHC). Current society seeks to evaluate, quantify and classify the provision of services and, in health, performance indicators assess measurable elements of clinical practice, allowing the establishment of good practices and improvement of care. The authors propose the use of indicator 2017.380 of the PHC Identity Card, designated «Proportion of adult users with clinical records showing the existence of asthma, COPD or chronic bronchitis, with a diagnostic record in the problem list» as an essential tool to increase the diagnosis of respiratory diseases, improve clinical records, update active problems and, fundamentally, improve the care provided to users.

Keywords: COPD; General and family medicine; Indicator 2017.380; ICPC-2 coding gaps

Introdução

A doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) é uma causa importante de morbilidade crónica e mortalidade prematura, constituindo a terceira causa de morte no mundo.1 Apresenta-se como a décima causa de incapacidade a nível mundial e a décima segunda causa de anos de vida útil perdidos ajustados à idade (DALYS). (1 A prevalência da DPOC apresenta valores muito heterogéneos. Em Portugal, o estudo Burden of Obstructive Lung Disease determinou uma prevalência de DPOC de 14,2% em indivíduos com idade igual ou superior a 40 anos na região de Lisboa, contudo, com uma elevada proporção de subdiagnóstico. (2

Nos últimos anos, em Portugal, tem-se verificado uma estabilidade da prevalência da DPOC registada nos cuidados de saúde primários (CSP), avaliável pelo indicador MORB.210.01 FL - Proporção de utentes com DPOC que mostra um aumento significativo apenas na ARS Algarve e diminuição na ARS Centro. (3)-(4

Realidade da DPOC em Portugal

Os dados mais recentes disponíveis apontam para uma prevalência de DPOC (cerca de 14%) nos indivíduos com idade superior a 40 anos na região de Lisboa e aproximadamente uma prevalência de 7% para a DPOC moderada, grave e muito grave. (2

O Programa Nacional para as Doenças Respiratórias (PNDR), publicado em 2017, refere que o número de utentes com DPOC e registo de espirometria é de 32,3% a nível nacional, sendo de 48% na região Norte. (5

Os dados disponíveis mais recentes encontram-se no Relatório Anual do Acesso a Cuidados de Saúde nos Estabelecimentos do Sistema Nacional de Saúde, publicado em 2019, referindo que o número de utentes com DPOC com registo de avaliação de FeV1 nos últimos três anos (Indicador 2013.049) é de 49,4% a nível nacional, sendo 62,7% na região Norte. (3

Apesar de ser uma das principais causas de morte em Portugal - de acordo com o Observatório Nacional das Doenças Respiratórias (ONDR), a DPOC foi responsável, em 2016, por 2.791 óbitos, 20,7% das mortes registadas por doença respiratória -, a população carece de literacia em saúde nesta área. (6

Quanto à DPOC foi publicado o Despacho n.º 6300/2016, de 12 de maio, onde se determina que as Administrações Regionais de Saúde (ARS) devem assegurar, em todos os ACeS, a existência de acesso a espirometria com o objetivo de modelar a nível nacional este tipo de prática, criando redes de espirometria nos CSP. Os resultados até agora existentes representam um enorme avanço; contudo, ainda não existe uniformização das atitudes em todo o país. (3), (5

Indicador 2017.380 - Proporção de utentes adultos com registos clínicos evidenciando a existência de asma, DPOC ou bronquite crónica, com registo de diagnóstico na lista de problemas

A contratualização nos CSP assenta num conjunto de indicadores diversificados, que visam: melhorias de acessibilidade, gestão da saúde e doença, ganhos de eficiência, efetividade, qualidade dos cuidados prestados, satisfação dos utilizadores e redução da despesa inapropriada. (7

A contratualização nos CSP no biénio 2020/2021 apresenta quatro novos indicadores, que têm como objetivo monitorizar a frequência de potenciais falhas na codificação de problemas de saúde na lista de problemas classificados pela ICPC-2. Um destes novos indicadores é a «Proporção de utentes adultos com registos clínicos evidenciando a existência de asma, DPOC ou bronquite crónica, com registo de diagnóstico na lista de problemas» (2017.380). (8

Esta nova tipologia de indicadores contribui para a identificação de utentes com doenças crónicas, já medicados nos CSP, e que não tendo um diagnóstico codificado em problemas ativos poderão não receber os cuidados adequados da sua equipa de saúde. (9)- (10

Segundo as necessidades previstas no PNDR de 2017, de forma a colaborar no combate às doenças respiratórias, aumentar o diagnóstico precoce de DPOC nos CSP, melhorar a prestação de cuidados promovendo as boas práticas na área das doenças respiratórias, surge a necessidade de exploração do indicador 2017.380 do Bilhete de Identidade (BI) de Indicadores de Monitorização e Contratualização dos CSP de 2017. (5), (11

A particularidade e inteligência deste indicador prende-se na interpretação dos seus outputs decorrentes de eventuais processos de auditoria interna ou externa. Podendo, este indicador fornece informação útil, que não tenha sido prevista na data da sua construção, a explicar seguidamente. (12

O indicador 2017.380 do BI de CSP é designado por «Proporção de utentes adultos com registos clínicos evidenciando a existência de asma, DPOC ou bronquite crónica, com registo de diagnóstico na lista de problemas». Verifica a proporção de utentes adultos utilizadores, com registos clínicos evidenciando a existência destas três doenças: asma, DPOC ou bronquite crónica, com registo de pelo menos um desses diagnósticos na lista de problemas com o estado ativo. (12

Este indicador utiliza como numerador a contagem dos utentes que tenham diagnóstico de DPOC, asma ou bronquite crónica (rubricas da ICPC-2: R95 ou R96 ou R79) registado na lista de problemas com o estado de «ativo» e compara-os, em denominador, com a contagem dos utentes com mais de dezoito anos que tiveram uma consulta médica presencial nos últimos doze meses e que tiveram pelo menos uma prescrição de medicação relacionada com as doenças obstrutivas das vias aéreas, prescrita na USF pelo seu médico de família ou por outro médico.

A terapêutica para doenças obstrutivas das vias aéreas inclui simpaticomiméticos, anticolinérgicos, xantinas e corticoides inalados, conforme a classificação Anatomical Therapeutic Chemical (ATC) R03 (Drugs for Obstructive Airway Diseases). (12

O indicador foi desenhado para monitorizar apenas os utentes frequentadores das unidades funcionais e, nesse sentido, avalia utentes com mais de dezoito anos com consulta presencial e prescrição de terapêutica da classe ATC R03. Não se contabilizam utentes no denominador que tenham estes medicamentos prescritos em outros contextos, como o hospitalar ou privado. (12

De forma a minimizar a probabilidade de falsos positivos para o denominador, o indicador é seletivo em relação aos utentes que já possuem outros diagnósticos do capítulo respiratório da ICPC-2, que não sejam os que se pretende contabilizar, e que justifiquem a prescrição desta terapêutica, como se observa na Tabela 1.

Tabela 1 Listagem de outros diagnósticos que estando em problemas ativos justificam a prescrição terapêutica para doenças obstrutivas das vias aéreas 

Portanto, se houve prescrição de medicação a um utente em consulta presencial nos últimos doze meses e não há o registo de um dos referidos códigos, este utente vai ser considerado não cumpridor. Desta forma, consegue aferir-se a listagem dos utentes que não são cumpridores deste indicador, podendo corrigir as codificações, considerar reclassificar a doença ou mesmo fazer o seu diagnóstico se existirem dúvidas.

Existem exceções a este indicador, pois podem ser prescritos, por exemplo, inaladores em outras situações, nomeadamente de neoplasia pulmonar ou o montelucaste na rinite alérgica (Tabela 1). Portanto, se o utente tem patologia respiratória que não seja asma, DPOC ou bronquite crónica e, se esta doença estiver codificada em problemas ativos, não afeta negativamente o indicador.

De modo prático, para operacionalizar o anteriormente descrito, retiram-se as listagens dos utentes não cumpridores do indicador 2017.380 (através da plataforma MIM@UF), identifica-se o diagnóstico com base no processo clínico e coloca-se em problemas ativos. É possível, no SCLINICO, mesmo sem inscrição do utente, avaliar o processo clínico e acrescentar o diagnóstico em falta nos problemas ativos, definindo a data do início do diagnóstico coincidente com o SOAP mais adequado. Quando necessário, dever-se-á marcar consulta para uma correta orientação diagnóstica.

Como qualquer outro indicador, a sua monitorização deve ocorrer ao longo do ano. Sugere-se especial atenção para a sua análise no início do segundo semestre a fim de preparar a época vacinal e do Inverno, dado que os utentes com DPOC ou asma sob terapêutica com corticosteroide inalado têm indicação formal para vacinação antigripal anual. (13

Analisando o perfil de evolução deste indicador a nível nacional, através da Matriz de Indicadores dos CSP, as diferentes ARS revelam valores de desempenho ainda longe dos ideais, rondando em 2021 os 80% em todas as ARS, o que significa cerca de 180 mil utentes com terapêutica dirigida às doenças respiratórias sem diagnóstico atribuído. (4

Este indicador é contabilizado no índice de desempenho setorial na área da gestão da doença, contribuindo com 50% do valor da subsecção das doenças respiratórias. (8

Implicação da falta de diagnóstico

A falha de um diagnóstico, particularmente a DPOC, pode ter gravíssimas implicações. Começando pela conjuntura atual, a pandemia COVID-19, estes doentes não diagnosticados perderam o direito a realizar precocemente a vacinação contra esta doença. Desta forma, não é realizada uma consulta estruturada e programada para a patologia respiratória que apresentam, não tendo, por isso, acesso aos cuidados adequados e mantendo-se a doença em fase de evolução. Não usufruem de vigilância programada, da melhor terapêutica, vacinação antigripal gratuita, vacina antipneumocócica, de programas de reabilitação respiratória e de cessação tabágica, entre outros.

Estes utentes não estão, por isso, integrados num circuito; são mais vulneráveis a agravamento da doença, exacerbações e perda da qualidade de vida. (14

Conclusão

O indicador 2017.380 é fundamental para a atualidade e para os próximos anos, pois ao identificar utentes frequentadores com terapêutica, mas sem diagnóstico registado que a suporte, permite descobrir um grupo de utentes das listas em que alguns poderão ter DPOC. O indicador contribui, assim, para combater o subdiagnóstico da DPOC.

O diagnóstico apropriado e o seguimento correto dos utentes com DPOC permitem uma gestão eficaz do seu estado de saúde, diminuindo: as exacerbações, os custos em medicação e hospitalizações e, consequentemente, o absentismo laboral e os anos de vida perdidos. Desta forma, cabe ao profissional de saúde procurar manter os registos atualizados, avaliar o grau de sintomatologia do utente em cada consulta e ajustar a terapêutica.

Dada a novidade do indicador 2017.380, um dos objetivos do presente estudo é a divulgação e incentivo aos profissionais para usufruto dos seus benefícios.

A excelência deste indicador pauta pela capacidade de identificar os utentes que estão esquecidos, que estão a fazer terapêutica, que foram, no último ano, presencialmente à unidade funcional e que têm terapêutica respiratória, mas que não estão codificados ou mesmo diagnosticados, tendo impacto nas três principais doenças respiratórias crónicas dos CSP. Só conhecendo bem a lista de utentes é que se poderá oferecer os melhores cuidados!

Conflito de interesses

Os autores declaram não possuir quaisquer conflitos de interesse.

Referências bibliográficas

1. Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease. Global strategy for the diagnosis, management, and prevention of chronic obstructive pulmonary disease 2021 report. GOLD; 2020. ISBN 9798575109600 [ Links ]

2. Bárbara C, Rodrigues F, Dias H, Cardoso J, Almeida J, Matos MJ, et al. Prevalência da doença pulmonar obstrutiva crónica em Lisboa, Portugal: estudo Burden of Obstrutive Lung Disease [Chronic obstructive pulmonary disease prevalence in Lisbon, Portugal: the Burden of Obstructive Lung Disease Study]. Rev Port Pneumol. 2013;19(3):96-105. Portuguese [ Links ]

3. Ministério da Saúde. Relatório anual - Acesso a cuidados de saúde nos estabelecimentos do SNS e entidades convencionadas, 2019 [Internet]. Lisboa: Ministério da Saúde; 2020. Available from: https://www.acss.min-saude.pt/wp-content/uploads/2020/08/Relatorio_Anual_Acesso_2019.pdf [ Links ]

4. Ministério da Saúde. Matriz de indicadores dos CSP [homepage]. Lisboa: Ministério da Saúde; 2019 [cited 2021 Jun]. Available from: https://bicsp.min-saude.pt/pt/investigacao/Paginas/Matrizindicadorescsp_publico.aspx?isdlg=1 [ Links ]

5. Direção-Geral da Saúde. Programa nacional para as doenças respiratórias 2017. Lisboa: DGS; 2017. [ Links ]

6. Observatório Nacional das Doenças Respiratórias. Observatório Nacional das Doenças Respiratórias: relatório completo, 2018. Lisboa: ONDR; 2019. [ Links ]

7. Portaria nº 212/2017, de 19 de julho. Diário da República. 2017. 1ª Série;(138). [ Links ]

8. Administração Central do Sistema de Saúde. Operacionalização da contratualização nos cuidados de saúde primários: biénio 2020/2021 [Internet]. Lisboa: ACSS; 2020. Available from: https://bicsp.min-saude.pt/pt/biblioteca/Biblioteca/ACSS-Operacionalizacao_CSP_2021_2020-VFINAL.pdf [ Links ]

9. Melo M, Sousa JC. Os indicadores de desempenho contratualizados com as USF: um ponto da situação no atual momento da reforma [Performance indicators in family health units: a progress report on health care reform]. Rev Port Clin Geral. 2011;27(1):28-34. Portuguese [ Links ]

10. Santos I, Ribeiro IL. Indicadores de desempenho na consulta [Performance indicators in the consultation]. Rev Port Clin Geral. 2009;25(2):227-35. Portuguese [ Links ]

11. Administração Central do Sistema de Saúde. Bilhete de identidade dos indicadores dos cuidados de saúde primários para o ano de 2017 [Internet]. Lisboa: ACSS; 2017. Available from: https://www.acss.min-saude.pt/wp-content/uploads/2016/07/bilhete_identidade_indicadores_contratualizacao_2017.pdf [ Links ]

12. Ministério da Saúde. Bilhete de identidade de indicadores de monitorização e contratualização: [código 2017.380.01] [homepage]. Lisboa: Ministério da Saúde; 2017. Available from: https://sdm.min-saude.pt/bi.aspx?id=380&clusters=S [ Links ]

13. Direção-Geral da Saúde. Vacinação contra a gripe - Época 2020/2021: norma nº 016/2020, de 25/09/2020. Lisboa: DGS; 2020. [ Links ]

14. Araújo AD. DPOC: estamos a tratar os doentes conforme o estado da arte? [Does our current treatment of chronic obstructive pulmonary disease represent the state of the art?]. Rev Port Med Geral Fam. 2016;32(3):222-6. Portuguese [ Links ]

Recebido: 20 de Julho de 2021; Aceito: 21 de Janeiro de 2022

Endereço para correspondência Ana Raquel Sousa Santos E-mail: raquel.santos072@gmail.com

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons