Introdução
A diabetes mellitus (DM) é uma doença metabólica crónica com incidência e prevalência crescentes a nível mundial, afetando, segundo os últimos dados da Federação Internacional da Diabetes (FID), 415 milhões de pessoas em todo o mundo. (1 Em Portugal 13,6% dos indivíduos entre os 20 e os 79 anos são diabéticos, correspondendo a mais de um milhão de portugueses. (1 Este crescimento persistente do número de pessoas com diabetes deve-se particularmente ao aumento inexorável dos casos de diabetes mellitus tipo 2 (DM2) verificado nos últimos anos, (1 largamente associado ao envelhecimento populacional, à mudança dos estilos de vida - cada vez mais sedentários -, ao excesso de peso dos indivíduos e à adoção de dietas nutricionalmente mais desequilibradas. (2
Caracteristicamente, as pessoas com DM2 apresentam hiperglicemia crónica e alteração do metabolismo dos hidratos de carbono, lípidos e proteínas, por ação insuficiente da insulina, (3 sendo o défice da sua secreção e/ou a resistência do organismo à sua ação os principais mecanismos fisiopatológicos reconhecidos. (2
Admite-se que o controlo glicémico meticuloso diminui o impacto da doença na funcionalidade e qualidade de vida da pessoa com diabetes, melhora o prognóstico e diminui os custos efetivos do tratamento ao reduzir a incidência de complicações microvasculares e a mortalidade associada à patologia, (4 apesar de ainda não ser clara a sua relação com eventos macrovasculares, especialmente em regime de tratamento intensivo, por não haver unanimidade de resultados entre os ensaios clínicos realizados. (4-5
Parece também claro que a pessoa com diabetes desempenha um papel fundamental no controlo da sua patologia, (6 uma vez que tem de tomar decisões diárias com implicações importantes na sua saúde. (7 As associações europeia e americana de diabetes - European Association for the Study of Diabetes (EASD) e American Diabetes Association (ADA), respetivamente - defendem que o sucesso da terapêutica depende, em larga medida, da sua integração no contexto de cada pessoa, (8 sendo imperativo o seu enquadramento nas metas, nas prioridades e no estilo de vida de cada um, bem como nas características individuais da doença. (7 Assim sendo, recomenda-se que a prestação de cuidados seja feita numa abordagem inclusiva, centrada no doente, na qual a pessoa passe a ser vista como autoprestadora de cuidados (self-care) e a sua autoefetividade (self-efficacy) como impulsionadora de mudança e de melhores resultados em saúde. (9
Neste contexto, é cada vez mais aceite que a relação equipa-pessoa e, em particular, a relação médico-pessoa influenciam a autoefetividade de indivíduos diabéticos por promoverem a sua educação e prestarem apoio prolongado, aumentando a sua capacidade e motivação para resolver problemas relacionados com a saúde, gerir complicações decorrentes da patologia e cumprir o regime terapêutico instituído. Contudo, esta associação entre a relação médico-pessoa e os outcomes clínicos ainda é pouco compreendida, particularmente em pessoas com diabetes, não se sabendo até à data quais os seus mediadores e quais as características específicas da comunicação necessárias para se obterem melhores resultados em saúde.
Sabe-se que a empatia, entendida como a capacidade de o clínico perceber a situação, perspetiva e sentimentos do doente e comunicar-lhe essa compreensão, (10 tem sido reconhecida como uma componente importante da comunicação em saúde e se tem associado a melhores resultados em saúde, inclusive de indivíduos diabéticos. (11 Como tal, pôs-se a hipótese de que esta poderia ser um determinante da relação médico-pessoa com diabetes. Seguindo a mesma linha de pensamento, o empoderamento do indivíduo, que se caracteriza por potenciar a aquisição de capacidades de decisão relacionadas com a saúde, bem como a clarificação dos objetivos, da motivação e dos valores individuais, (6 poderá ser o mediador através do qual o clínico empático consegue que a pessoa com DM2 adquira comportamentos autoefetivos e, assim, atinja um bom controlo metabólico, um melhor estado de saúde e uma melhor qualidade de vida.
No entanto, não existem estudos publicados que analisem a relação entre a empatia do clínico na relação com a pessoa diabética e o empoderamento do indivíduo relativamente à sua patologia. Acresce o registo de uma escassez de literatura acerca da perceção que a pessoa com diabetes tem da empatia do seu médico assistente e da prevalência de pessoas com DM2 empoderadas a nível nacional, bem como da relação de cada um com o controlo metabólico da patologia.
Deste modo, o objetivo deste trabalho é avaliar a perceção de um grupo de pessoas com diagnóstico de DM2 acerca da empatia do seu médico, utilizando a JSPPPE, o seu empoderamento relativamente à doença, pela aplicação da DES-SF, e perceber a influência de cada um no controlo metabólico da doença, avaliado através da média das duas últimas hemoglobinas glicadas (HbA1c) medidas, bem como averiguar uma possível correlação entre a relação empática e o empoderamento da pessoa com diabetes.
Perspetiva-se concluir que pessoas com DM2 melhor controlados sintam mais empatia por parte do seu médico, estejam mais empoderados relativamente à doença e que estas duas variáveis se correlacionem positivamente.
Métodos
Caracterização da investigação
Este projeto de investigação tem por base um estudo observacional e transversal numa amostra de conveniência de pessoas com DM2 representativa, em tamanho, da população diabética das unidades de cuidados primários onde decorreu.
Os inquiridos correspondem aos indivíduos diabéticos que se dirigiram à Unidade de Saúde Familiar (USF) Topázio (Eiras), USF Cruz de Celas (Coimbra) e USF Celas Saúde (Coimbra) para consulta médica, nos dias em que decorreu o estudo, tendo sido aplicados dois questionários - as versões portuguesas da JSPPPE e da DES-SF - e recolhidos dados sociodemográficos e clínico-laboratoriais pela investigadora.
População e amostra
O tamanho da amostra foi calculado para representar, com um intervalo de confiança (IC) de 95% e uma margem de erro de 12%, a população diabética das unidades de cuidados primários (USF Topázio, USF Cruz de Celas e USF Celas Saúde), que corresponde a uma população estimada de 1.500 pessoas. Nestas condições, utilizando o software Raosoft®, determinou-se que seria necessário um tamanho amostral de 65 pessoas.
Foi estudada uma amostra de 65 indivíduos - 33 pessoas da USF Topázio, 16 pessoas da USF Cruz de Celas e 16 pessoas da USF Celas Saúde -, agrupando-se posteriormente os dois últimos conjuntos para efeitos de tratamento estatístico, uma vez que servem populações com características sobreponíveis, dada a sua proximidade geográfica.
Critérios de inclusão
Incluíram-se no estudo indivíduos com o diagnóstico de DM2 estabelecido, capazes de compreender a língua portuguesa, que já tivessem tido pelo menos uma consulta com o médico assistente atual. Excluíram-se todos aqueles que demonstraram incapacidade de compreensão de conceitos e de expressão de opinião e que não apresentaram disponibilidade para participar no estudo. Houve lugar a preenchimento de consentimento informado.
Instrumentos métricos/Colheita de dados
Utilizou-se o questionário JSPPPE, com validade e fiabilidade demonstradas a nível internacional12 e nacional, (13 como instrumento para determinar a perceção dos indivíduos acerca da empatia do seu médico assistente. Trata-se de um questionário breve e de fácil aplicação composto por cinco itens redigidos sob a forma de autoafirmações, cujo sujeito subentendido é o médico assistente. As respostas para cada item constam da atribuição de uma pontuação, numa escala do tipo Likert, que vai desde 1 ponto (discordo totalmente) até 7 pontos (concordo totalmente). A pontuação final do questionário foi obtida através do cálculo da média dos valores respondidos para cada um dos cinco itens.
Para avaliar o empoderamento da pessoa com diabetes aplicou-se a DES-SF. Este questionário, composto por oito questões, é uma versão mais curta da Diabetes Empowerment Scale (DES) (14 e foi desenvolvido para avaliar, de forma mais breve e global, a autoeficácia da pessoa com diabetes em questões de índole psicossocial. (15 A cada questão o indivíduo atribui uma pontuação, numa escala do tipo Likert, de 1 (discordo completamente) a 5 (concordo completamente), e o score final é obtido pela média das pontuações dos oito itens da escala.
Os instrumentos foram previamente adaptados linguística e culturalmente para português e validados pelo Centro de Estudos e Investigação em Saúde, da Universidade de Coimbra (CEISUC).
Foi adicionalmente elaborado e aplicado um instrumento de recolha de dados por forma a auxiliar na caracterização sociodemográfica da amostra (através de questões acerca do sexo, idade e grau de formação académica), para obtenção de dados adicionais da relação médico-doente (nomeadamente o número de anos de seguimento pelo médico assistente atual) e para recolha de dados clínico-laboratoriais referentes à diabetes (como a duração do diagnóstico, o tratamento farmacológico instituído - número de antidiabéticos orais [ADO] tomados diariamente e insulinoterapia - e os dois últimos valores medidos de HbA1c). Para inferir acerca do controlo glicémico utilizou-se como indicador o valor de HbA1c cedido pelo médico detentor do processo clínico, uma vez que a sua utilização como índice de glicemia média e como preditor do risco de desenvolver complicações crónicas associadas à diabetes se encontra amplamente aceite. (16 O valor da HbA1c é, inclusive, o parâmetro utilizado como instrumento de monitorização e de orientação para ajustes terapêuticos aconselhado pela maioria das sociedades científicas. (8,17
Procedimentos prévios à recolha dos dados
Foi requerida aprovação do protejo de investigação pela Comissão de Ética da Administração Regional de Saúde (ARS) do Centro, que emitiu parecer favorável. Solicitou-se a aplicação dos instrumentos métricos nas unidades de saúde familiares supracitadas, tendo sido autorizada pelas respetivas equipas coordenadoras.
Calendarizou-se a aplicação dos questionários de forma a diversificar a amostra, inquirindo indivíduos com médicos assistentes diferentes, e a evitar um possível viés de seleção. A calendarização foi realizada pela investigadora após conhecimento dos dias em que os médicos tinham consulta de diabetes, sem que estes soubessem da realização de tal atividade.
Recolha dos dados
A aplicação dos questionários teve início a 1 de outubro de 2015 e terminou a 20 de dezembro de 2015.
Todos os elementos da amostra foram abordados pela investigadora antes ou após a consulta médica. Inicialmente solicitou-se a colaboração no estudo através de uma explicação sucinta dos objetivos e da metodologia definidos. Obteve-se consentimento informado dos participantes por escrito, cujo documento fazia referência ao objetivo e metodologias delineadas, definia a participação como voluntária e garantia o anonimato e a confidencialidade das respostas. Seguidamente aplicaram-se os questionários: recolha de dados, JSPPPE e DES-SF individualmente, num gabinete das USF cedido para o efeito. Dava-se a hipótese de resposta autónoma aos inquiridos, com registo em papel próprio, ou de resposta à investigadora, para que aqueles que, por alguma razão, eram incapazes de responder de forma independente aos questionários pudessem participar no estudo. Cada entrevista teve a duração média de 10 minutos.
Finalmente consultaram-se, com o auxílio do médico detentor do processo clínico, os dois últimos valores de HbA1c registados na ficha clínica de cada inquirido.
Variáveis
Foram definidos:
• Grupos de USF: Eiras (USF Topázio) e Celas (USF Cruz de Celas e USF Celas Saúde);
• Grupos de formação académica: baixo (até ao 9.o ano de escolaridade, exclusive) e alto (superior ou igual ao 9.o ano de escolaridade);
• Grupos de controlo glicémico: controlados (indivíduos com idade inferior ou igual a 75 anos e valor de HbA1c inferior a 7%; pessoas com idade superior a 75 anos e valor de HbA1c inferior a 8%) e não controlados (se o valor de HbA1c do indivíduo for superior ou igual ao definido para o grupo controlado, atendendo à idade);
• Grupos de relação empática: alto nível de empatia (resultado da JSPPPE superior ou igual ao valor do percentil 75) e baixo nível de empatia (resultado da JSPPPE inferior ao valor do percentil 75);
• Grupos de empoderamento: alto grau de empoderamento (resultado do DES-SF superior ou igual ao valor do percentil 75) e baixo grau de empoderamento (resultado do DES-SF inferior ao valor do percentil 75).
Foram consideradas as variáveis:
• Sexo: masculino e feminino;
• Insulinoterapia: sim ou não;
• Idade; número de anos de seguimento; número de anos de diagnóstico da diabetes; número de medicamentos por dia.
Análise estatística
O tratamento estatístico dos dados foi efetuado utilizando a versão 19.0 do software SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) para Windows (SPSS Inc, Chicago, IL, USA).
Efetuou-se análise descritiva das variáveis, tendo as variáveis quantitativas sido caracterizadas com recurso a medidas de tendência central (média) e de dispersão (desvio-padrão e intervalo de confiança) e as variáveis qualitativas descritas através de tabelas de frequência.
Procedeu-se a análise estatística inferencial, após verificação da normalidade dos dados.
Para estudar a associação entre variáveis qualitativas nominais, em dois grupos de indivíduos diferentes, utilizou-se o teste qui-quadrado (χ2) e para comparação de médias de variáveis numéricas quantitativas em dois grupos de indivíduos diferentes foi utilizado o teste t de student para amostras independentes, após demonstração de normalidade da distribuição dos dados.
Para apresentar os resultados obtidos através dos questionários JSPPPE e DES-SF calculou-se a média, a mediana, a moda, o desvio-padrão e IC a 95%, bem como os percentis e a distribuição percentílica de cada um.
Para avaliar a associação do controlo metabólico do indivíduo com a empatia clínica e o empoderamento para a patologia procedeu-se à determinação de correlações entre a média dos dois últimos valores de HbA1c e a média da JSPPPE, bem como a média dos dois últimos valores de HbA1c e a média da DES-SF, utilizando a correlação de Pearson, uma vez que as variáveis seguiam distribuição normal. Finalmente, para determinar a força de associação entre a empatia e o empoderamento determinou-se o coeficiente de correlação entre as médias da JSPPPE e da DES-SF, utilizando-se o coeficiente de Pearson, visto que as variáveis também apresentavam distribuição normal.
O valor de significância estatística foi definido em 0,05 (p<0,05).
Resultados
Caracterização geral da amostra
Foram estudados no total 65 indivíduos, 30 do sexo masculino (46,2%) e 35 do sexo feminino (53,8%), com idades compreendidas entre os 42 e os 90 anos e média de 69,3±9,3 anos (Tabela 1). A maioria dos indivíduos (70,8%) tem formação académica baixa, inferior ao 9.o ano de escolaridade. No que diz respeito à relação com o clínico, os inquiridos referem um seguimento médio de 16,2±10,5 anos pelo médico assistente atual. O diagnóstico de DM2 dos estudados foi estabelecido, em média, há 11,8±8,7 anos. Como medidas de terapêutica farmacológica, os indivíduos da amostra tomam menos de dois ADO por dia (média de 1,4±0,7) e só uma minoria (18,5%) está sob insulinoterapia. Quanto ao controlo glicémico, a média dos dois últimos valores de HbA1c foi de 6,6%, estando 81,5% dos estudados controlados sob o ponto de vista metabólico.
Homogeneidade da amostra
Verifica-se, pela análise da Tabela 2, que não existem diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos de USF para as variáveis em estudo, atestando a homogeneidade da amostra.
Resultado dos questionários JSPPPE e DES-SF
Na Tabela 3 pode observar-se que a média dos resultados obtidos pela aplicação da JSPPPE foi de 6,32 e que a pontuação mais vezes atribuída neste questionário, determinada pelo cálculo da moda, foi de 7 pontos. Da observação da Tabela 4 verifica-se que há 27 indivíduos (41,5%) acima ou no percentil 75.
No que concerne ao questionário DES-SF, o score médio foi de 4,43. Dos 65 inquiridos, 20 (30,8%) encontram-se no percentil 75 ou acima deste. A resposta mais vezes assinalada no questionário corresponde ao valor 5 e está associada à afirmação «concordo completamente».
Associação entre as variáveis estudadas e o controlo da diabetes
Encontraram-se diferenças estatisticamente significativas entre o grupo controlado e o não controlado para a idade (p=0,039), sendo a média de idades do grupo controlado superior à do grupo não controlado, 70,45 e 64,33, respetivamente (Tabela 5).
Verificou-se também que o controlo metabólico está significativamente relacionado com a insulinoterapia (p=0,002) e o valor de odds ratio de 7,83. Deste modo, os indivíduos da amostra que não tomam insulina estão 7,83 vezes mais controlados do que os que estão sob insulinoterapia.
Apurou-se que nenhuma das restantes variáveis condiciona diferenças estatisticamente significativas entre os grupos de diabéticos controlados e não controlados metabolicamente.
Associação entre a empatia e o empoderamento com o controlo glicémico
Não se verificou a existência correlação estatisticamente significativa (ρ=0,119; p=0,346) entre a perceção da empatia do médico (JSPPPE) e o controlo metabólico da diabetes (média das últimas duas HbA1c). No entanto, encontrou-se uma correlação negativa fraca, estatisticamente significativa (ρ=-0,282; p=0,023) entre o empoderamento para a diabetes (DES-SF) e o controlo metabólico da diabetes (média das últimas duas HbA1c).
Correlação entre a empatia e o empoderamento
Encontrou-se uma correlação positiva, altamente significativa, moderadamente forte, entre o empoderamento para a diabetes (DES-SF) e a perceção da empatia do médico (JSPPPE) (ρ=0,495; p<0,001).
Descrição dos indivíduos em relação ao controlo da DM2 e ao resultado da JSPPPE e da DES-SF
Com recurso a uma tabela de frequência distribuiu-se, dentro dos grupos - controlados e não controlados -, aqueles que percecionam um nível baixo ou alto de empatia e têm um grau baixo ou alto de empoderamento para a diabetes e calcularam-se as percentagens relativas de cada subconjunto (Tabela 6).
Verifica-se que 75,0% dos indivíduos não controlados percecionam um baixo nível de empatia por parte do clínico e 66,7% destes refere um baixo grau de empoderamento para a diabetes. Não se determinou o valor de significância estatística, uma vez que a amostra é constituída por apenas 12 indivíduos não controlados.
Discussão
A diabetes é vista atualmente como uma epidemia global com consequências humanitárias, sociais e económicas devastadoras, (18 pelo que urge implementar estratégias capazes de prevenir ou atrasar o aparecimento e evolução das complicações associadas à patologia. Reconhecendo-se como central o papel do doente na autogestão da diabetes é fundamental que a equipa de saúde e, particularmente o seu médico assistente, desenvolvam capacidades comunicativas capazes de transmitir o seu conhecimento teórico-prático acerca da patologia de forma eficaz, contribuindo para que a pessoa com diabetes seja capaz de controlar os mais diversos aspetos do seu quotidiano. (9
Neste sentido, equacionou-se que a empatia por parte do clínico pudesse influenciar o controlo metabólico da pessoa com diabetes, uma vez que é uma componente da comunicação com benefícios reconhecidos no controlo da patologia, (11 pelo empoderamento do indivíduo para a diabetes, por ser impulsionador de capacidades de autogestão19 associado a melhoria do estado metabólico individual20-21 e, por ambos, de forma sinérgica, supondo que a relação empática pudesse contribuir para o empoderamento da pessoa com diabetes. Assim sendo, desenvolveu-se um estudo, pioneiro em Portugal, com a finalidade de avaliar a perceção da empatia clínica por pessoas com diagnóstico de DM2 e o seu empoderamento relativamente à doença, perceber a influência de cada um no controlo metabólico da diabetes e estudar uma possível correlação entre ambos que, pela revisão da literatura, nunca foi estudado anteriormente a nível nacional e internacional.
Como instrumentos métricos optou-se por utilizar a JSPPPE, desenvolvida para ser respondida pela pessoa, por forma a refletir a sua perceção acerca da empatia do seu médico e não o julgamento do médico relativamente ao seu grau de empatia, uma vez que se pensa que as escalas de avaliação da empatia pelo doente são mais preditivas dos resultados clínicos que as escalas de autorresposta. (22 Este estudo é o primeiro que usa esta escala em pessoas diabéticas, uma vez que o estudo supramencionado, desenvolvido por Hojat, utilizou a escala de resposta pelo clínico. (11 Aplicou-se a DES-SF, uma escala de autoavaliação, para aceder à noção de cada indivíduo acerca do seu empoderamento para a diabetes. Desta forma, realça-se a utilização de escalas de avaliação da empatia e do empoderamento baseadas no ponto de vista da pessoa com diabetes, já traduzidas e validadas para a população portuguesa. (13), (23 A recolha de dados sociodemográficos e clínico-laboratoriais teve como objetivo caracterizar a amostra e aclarar a influência de algumas das suas características nos resultados obtidos.
Relativamente às características sociodemográficas avaliadas, verificou-se que não existe predomínio significativo de nenhum dos sexos e a média de idades dos inquiridos é relativamente elevada (69,3 anos), reforçando os últimos dados publicados pelo Relatório do Observatório Nacional da Diabetes, que indicam que a população diabética é maioritariamente idosa, estimando que a faixa etária dos 60 aos 79 anos é aquela com maior prevalência de diabetes em Portugal. (24 Mais de 70% dos indivíduos tem formação académica baixa, inferior ao 9.o ano de escolaridade, denotando uma baixa escolarização da amostra estudada.
Do ponto de vista clínico-laboratorial, para objetivar o controlo metabólico utilizou-se o valor de HbA1c, nomeadamente a média dos dois últimos valores conhecidos por forma a aumentar a precisão do indicador. Obteve-se um valor médio de 6,6% de HbA1c, 0,2 pontos percentuais inferior à média da população diabética portuguesa, calculada em 2013 com base nos registos do SNS. (24 Este valor reflete um bom controlo metabólico de 81,5% dos estudados, a maioria da amostra. Os inquiridos foram classificados individualmente em controlados ou não controlados com base na sua idade e no valor médio da HbA1c, de acordo com as orientações da norma da Direção-Geral da Saúde (DGS), designada “Abordagem Terapêutica Farmacológica na Diabetes Mellitus Tipo 2 no Adulto”. Idealmente dever-se-ia considerar outros fatores clínicos, como a esperança de vida dos indivíduos, o risco de hipoglicemia e a presença de comorbilidades, que não foram considerados uma vez que a investigadora não teve acesso a estes dados.
Por forma a compreender melhor os fatores sociodemográficos e clínico-laboratoriais que influenciam o controlo metabólico dos indivíduos comparou-se o grupo de controlados com o de não controlados metabolicamente. Encontraram-se diferenças estatisticamente significativas apenas para a idade e para a terapêutica com insulina. Os dados sugerem que indivíduos com idades mais avançadas têm melhor controlo glicémico. A associação de um melhor controlo pelos indivíduos mais velhos não se tem demonstrado consistente nos diversos estudos publicados, havendo autores que defendem esta relação, (25 enquanto outros sugerem que não há associação entre eles. (26 Salienta-se que o valor de corte relativo à HbA1c utilizado neste estudo para definir o controlo metabólico variou com a idade, tendo-se assumido valores mais elevados em indivíduos com idades mais avançadas, o que poderá ter condicionado estes resultados. A maioria dos autores defende que são os anos de evolução da patologia e não a idade do indivíduo que se relacionam inversamente com o controlo glicémico, (26 possivelmente pela falência progressiva da célula beta pancreática. (27 No entanto, o diagnóstico dos indivíduos da amostra foi estabelecido, em média, há mais de dez anos e não se encontraram diferenças entre os grupos que justificassem a influência deste fator no controlo da diabetes, como era espectável. Deste modo, aconselha-se que sejam realizadas futuras investigações no sentido de esclarecer a origem da relação entre a idade da pessoa com diabetes, os anos de evolução da patologia e o seu controlo metabólico.
Verificou-se também que uma minoria da amostra (18,5%) se encontra sob insulinoterapia e está, simultaneamente, 7,83 vezes menos controlada do que o grupo que não necessita de terapêutica com insulina. Este dado não indica necessariamente uma menor efetividade da terapêutica com insulina no controlo glicémico, mas reflete, possivelmente, o facto de habitualmente se protelar a introdução da insulina no plano terapêutico dos indivíduos com DM2 e de se considerar apenas quando não se atinge controlo metabólico com a otimização de medidas não farmacológicas e com a adesão à terapêutica oral pelos indivíduos. (28
Como era propósito do estudo avaliou-se o nível de empatia do clínico percecionado pelos indivíduos e o grau de empoderamento da amostra relativamente à diabetes. O score médio da JSPPPE foi de 6,32 pontos - valor inferior ao percentil 50 - e a maioria da amostra (58,5%) encontra-se abaixo do percentil 75, pelo que podemos inferir que globalmente a amostra perceciona um baixo nível de empatia pelo médico assistente. Alguns autores sugerem que a baixa perceção de empatia médica se pode dever ao facto dos clínicos não terem recebido treino suficiente durante a sua formação que permitisse desenvolver as capacidades interpessoais necessárias para a prestação de cuidados centrados no doente. (29 Analisando o grau de empoderamento da amostra verifica-se que o score médio da DES-SF foi de 4,43 pontos - inferior ao percentil 50 - e que 69,2% dos indivíduos se encontra abaixo do percentil 75, refletindo um baixo grau de empoderamento global. O baixo nível de empoderamento dos indivíduos poderá estar relacionado com o facto de a maioria da amostra ter uma formação académica baixa, já que vários estudos encontraram uma correlação positiva com o empoderamento para a diabetes e níveis de escolaridade mais elevados, (30 sugerindo que os indivíduos com menor formação académica podem não compreender tão bem a doença e, consequentemente, estar menos empoderados para gerir a patologia. (31 Outra explicação encontrada na literatura que pode condicionar este resultado prende-se com a evidência que as pessoas mais empoderadas para a doença são as que integraram programas estruturados de educação para a diabetes, (32) pouco comuns na realidade nacional. Uma vez que a proporção de indivíduos que se encontra no nível superior (P75) de ambas as variáveis é inferior a 50%, reconhece-se haver margem para melhorar as capacidades de comunicação clínica empática e para se atingir um melhor empoderamento dos indivíduos.
Para avaliar a importância da empatia clínica em consultas de diabetes avaliou-se a associação entre a perceção da relação empática por parte do médico e o controlo metabólico da patologia. Não se encontrou uma correlação com significado estatístico entre os dois (ρ=0,119; p=0,346), ao contrário do que seria de esperar pelos dados demonstrados por outros autores que relacionam a empatia na relação médico-pessoa a bons resultados em saúde no geral22-33 e, em particular, a um melhor controlo de indivíduos diabéticos. (11 A ausência de evidência desta relação pode ter sido condicionada pelo número reduzido de indivíduos não controlados da amostra, uma vez que se verificou que três em cada quatro indivíduos não controlados percecionavam um baixo nível de empatia por parte do clínico. Deste modo, apesar de não se ter encontrado uma relação direta entre as variáveis, parece que a empatia influencia o controlo metabólico, na medida em que a maioria dos indivíduos não controlados tem uma menor perceção de empatia por parte do seu médico. Como a amostra é constituída por poucos indivíduos não controlados não é possível proceder à análise detalhada deste grupo pelo pouco significado estatístico que representaria. Desta forma, seria pertinente que estudos futuros incluíssem um maior número de indivíduos não controlados metabolicamente para que se pudessem retirar conclusões válidas.
Correlacionando o nível de empoderamento do indivíduo para a diabetes e o controlo glicémico, ainda que se tenha encontrado uma correlação negativa fraca (ρ=-0,282), é estatisticamente significativa (p=0,023), pelo que se pode inferir que o empoderamento e a média de HbA1c se relacionam no sentido inverso, de tal modo que, quanto maior o empoderamento, melhor o controlo do indivíduo (menor o valor de HbA1c), reforçando os dados de outros estudos já publicados. (22,32 Esta associação vem evidenciar a importância de abordar a pessoa com diabetes no sentido do seu empoderamento para a patologia. A acrescentar, também se verificou que a maioria dos indivíduos não controlados estava menos empoderada para a diabetes, reforçando, mais uma vez, a pertinência de um estudo futuro com maior número de indivíduos metabolicamente mal controlados que esclareça o impacto de baixos níveis de empoderamento no controlo da diabetes.
Para testar uma possível associação entre a perceção de uma relação empática pelo clínico e o empoderamento dos indivíduos relativamente à diabetes determinou-se o quociente de correlação entre o score da JSPPPE e o score da DES-SF que evidenciou uma correlação positiva, moderadamente forte (ρ=0,495), altamente significativa (p<0,001) entre os dois. Os resultados da correlação entre a JSPPPE e a DES-SF parecem, assim, sugerir que quanto maior a perceção da empatia do clínico pela pessoa diabética, maior o empoderamento do indivíduo para a diabetes.
Deste modo, os resultados do estudo sugerem que a menor perceção de empatia pela pessoa com diabetes pode condicionar, por si só, um pior controlo metabólico individual e demonstram uma relação inequívoca entre a perceção da empatia médica e o empoderamento para a diabetes, bem como uma correlação significativa entre o empoderamento do indivíduo e o controlo metabólico da patologia, sugerindo uma influência indireta da empatia clínica no controlo glicémico dos doentes com diabetes através do empoderamento individual. Assim sendo, o estudo vem reforçar a importância da empatia clínica numa situação específica e dramática que é a DM2 e define a via do empoderamento como um dos caminhos através do qual o clínico empático poderá contribuir para o controlo glicémico dos indivíduos diabéticos.
Em termos práticos urge fomentar o desenvolvimento de capacidades de comunicação empática pelos profissionais de saúde responsáveis pela educação de pessoas com diabetes, devendo salientar-se que a ausência ou baixo nível de empatia pode ser causa direta do mau controlo metabólico dos seus doentes e, em oposição, a perceção de empatia pelos indivíduos provou estar significativamente associada ao desenvolvimento de atitudes de autogestão mais efetivas (maior empoderamento individual), que se mostrou contribuírem para um melhor controlo glicémico.
A metodologia utilizada no trabalho de campo, ao colmatar a impossibilidade de resposta aos questionários por pessoas com baixo nível de escolaridade, com diminuição da acuidade visual ou com qualquer outra limitação à resposta de forma autónoma, permitiu aumentar a abrangência do estudo, uma vez que nestas situações a investigadora procedeu à leitura e preenchimento dos mesmos. Como alguns dos inquéritos foram respondidos após a consulta médica pensou-se que esta poderia influenciar as respostas à JSPPPE, não traduzindo fidedignamente as características da relação médico-pessoa com diabetes. Este possível fator de confundimento foi colmatado com a introdução de um breve texto no início do questionário e reforçado pela investigadora ao explicitar que as respostas deveriam ser dadas com base na relação prévia com o clínico e não na consulta precedente.
Como limitações do estudo salienta-se o facto de a amostra ser constituída por poucos indivíduos não controlados, como referido anteriormente. Admitem-se vieses de perceção, memória e de intenção no preenchimento dos questionários. A utilização de pontos de corte diferentes de HbA1c, tendo em conta a idade para a classificação do controlo da patologia, pode constituir um viés. Destaca-se a necessidade da realização de questionários a pessoas que sofrem de diabetes como única forma de averiguar o que sabem sobre a sua patologia, se são capazes de resolver problemas relacionados com a saúde, gerir complicações decorrentes da diabetes e cumprir o regime terapêutico. As limitações do estudo não impediram o cumprimento dos objetivos definidos previamente.
Conclusão
A presente investigação não identificou uma correlação significativa entre a empatia e o controlo metabólico da pessoa com diabetes (ρ=0,346; p=0,119). No entanto, demonstrou haver relação entre a perceção da empatia médica por parte da pessoa com diabetes e o seu empoderamento para a patologia (ρ=0,495; p<0,001) e uma correlação significativa entre o empoderamento do indivíduo e o controlo metabólico da diabetes (ρ=-0,028; p=0,023).
Identificou-se a empatia como um aspeto fundamental da comunicação a ser desenvolvido pela equipa de saúde que interage com a pessoa com diabetes, por poder contribuir para a implementação de táticas educativas que conduzirão a um maior empoderamento, associado a um melhor controlo metabólico da patologia.
Este estudo revela, assim, que a forma como as pessoas que sofrem de diabetes percecionam a relação que o seu médico estabelece com eles tem impacto nas decisões que tomam diariamente e influenciam a sua saúde. Insta consciencializar os clínicos e futuros clínicos do caráter terapêutico que a relação empática com as pessoas pode ter e que, sendo uma característica fortemente dependente do médico, deve ser desenvolvida individualmente e deve ser fomentado o seu desenvolvimento nas escolas médicas.
Como foi o primeiro estudo realizado a avaliar a relação entre a empatia médica e o empoderamento da pessoa com diabetes é fundamental a realização de estudos futuros que suportem as conclusões obtidas e colmatem as limitações do estudo.
Contributo dos autores
Conceptualização (formulação e desenvolvimento de metas e objetivos de investigação, RM e LMS; metodologia, RM e LMS; software, RM e LMS; validação (verificação da qualidade dos dados e sua reprodutibilidade), RM e LMS; análise formal (aplicação de técnicas estatísticas, matemáticas e computacionais na análise de dados), RM e LMS; investigação, RM; recursoso, RM e LMS; gestão de dados, RM e LMS; redação do draft original, RM e LMS; redação, revisão e validação do texto final, RM e LMS; visualização, RM e LMS; supervisão, LMS; administração do projeto, RM.