Desde 2019, o Instituto Nacional de Estatística do Brasil, conhecido como Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) vem ocupando um papel central na avaliação dos serviços de atenção primária à saúde na experiência dos usuários no Sistema Único de Saúde (SUS). Diversos estudos nacionais de base populacional e com amostragem probabilística vêm sendo desenvolvidos, tendo por base um dos questionários da chamada “família de instrumentos Primary Care Assessment Tool (PCAT)”, 1-3 referendada pelo Ministério da Saúde do Brasil em um manual de avaliação para atenção primária à saúde, traduzido, validado e atualizado em 2020. 4
A chamada “família de instrumentos PCAT” caracteriza-se por um grupo de versões-espelho de questionários extensos ou reduzidos. Na versão extensa são calculados escores para cada um dos atributos propostos por Starfield e Shi: acesso, longitudinalidade, coordenação do cuidado e integralidade (atributos ditos “essenciais”) e orientação comunitária, orientação familiar e competência cultural (atributos conhecidos como “derivados”). Como média geral dos escores dos atributos calcula-se um escore geral e, também, um escore para cada um dos sete atributos. Já na versão reduzida, adaptada pelo IBGE para aplicação domiciliar, é possível o cálculo de um único escore-síntese, chamado escore geral.
Esse conjunto de questionários também se subdivide conforme o público-alvo que se deseja avaliar: usuários adultos, usuários crianças (em que seus responsáveis são os respondentes dos instrumentos); profissionais de saúde que atuam no atendimento da população - médicos, enfermeiros e cirurgiões-dentistas; e, por fim, uma versão para gerentes/gestores de unidades de atenção primária. Essa versatilidade no uso do instrumento permite comparar diferentes perspectivas, a exemplo da avaliação comparativa de usuários e profissionais de saúde, e vem sendo utilizado em parte ou em sua totalidade em diversos países de todos os cinco continentes. 4
Dessa forma, iniciando pela Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) realizada em 2019, que avaliou os serviços de atenção primária à saúde na perspectiva dos adultos, 5-8 até a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-C) que, em 2022, comparou os serviços na perspectiva dos usuários infantis9-10 e a esperada Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS), todas contemplam módulos específicos que medem os atributos da atenção primária à saúde propostos pela eminente professora Barbara Starfield e pelo professor Leiyu Shi.
O desenho metodológico de cada um desses inquéritos domiciliares de base populacional permitiu traçar linhas de base para todas as 27 unidades da federação que compõem o Brasil, possibilitando o conhecimento da situação atual da atenção primária em seus respectivos municípios, com o olhar de um dos segmentos mais importantes no processo e avaliação em saúde: a população usuária do Sistema Único de Saúde (SUS).
No PCAT, o grau de orientação dos serviços para uma atenção primária adequada é mensurado por escore mínimo de 6,6 em uma escala de 0 a 10, isto é, as respostas originais do instrumento que, considerada uma escala de Likert, podem ser transformadas em uma nota de 0-104 que facilitam a interpretação dos resultados.
Os resultados encontrados, tanto para avaliação dos usuários adultos (escore geral PCAT = 5,9) 11 como para a atenção à saúde infantil (escore geral PCAT = 5,7), 12 apontaram para um escore abaixo do mínimo considerado ideal para serviços orientados para a qualidade no total do Brasil. Observaram-se, contudo, importantes diferenças regionais, com os estados da região Sul obtendo maiores escores e os estados da região Norte com pior desempenho.
Incentivamos o Instituto Nacional de Estatística (INE) de Portugal, em parceria com o Ministério da Saúde, a realizar inquéritos semelhantes, validando estatisticamente uma versão curta de um PCAT-Portugal em seu próximo levantamento de base populacional. Afinal, se o Brasil com suas dimensões continentais, três fusos horários e sua topografia desafiadora, conseguiu levar ao terreno iniciativa semelhante por que não ousar em Portugal?