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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.39 no.3 Lisboa jun. 2023  Epub 30-Jun-2023

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v39i3.13607 

Artigo breve

Terapêutica farmacológica inalada da DPOC nos cuidados de saúde primários: uma visão integrada

COPD inhaled drug therapy in primary health care: an integrated view

Rodrigo P. Costa1 
http://orcid.org/0000-0001-5661-7462

Rui Costa2 

1. USF Garcia de Orta. Porto, Portugal.

2. Sãvida Medicina Apoiada, SA. Lisboa, Portugal.


Resumo

A DPOC é uma doença crónica incapacitante e caracterizada por sintomas respiratórios persistentes e por limitação do fluxo aéreo. Está frequentemente associada a múltiplas comorbilidades que devem ser geridas de forma integrada. A terapêutica inalatória é a terapêutica de eleição no tratamento dos doentes com DPOC. Quando se opta pela monoterapia, os anticolinérgicos de longa duração de ação devem ser privilegiados. A dupla broncodilatação é o tratamento basilar mais adequado para a maioria das pessoas com DPOC. A terapêutica tripla é necessária para uma subpopulação destes doentes, devendo o médico de família estar capacitado para a sua prescrição. O ensino e a avaliação regular da técnica inalatória são fundamentais para o sucesso terapêutico. Sugere-se a adoção do acrónimo EDUCAR (Explicar, Demonstrar, Usar, Corrigir, Anotar, Reavaliar) a ser aplicado em todas as oportunidades de consulta das pessoas sob terapêutica inalada, de forma a conseguir o maior benefício para o doente.

Palavras-chave: DPOC; Inaladores; Broncodilatadores; Agudização; Função pulmonar

Abstract

COPD is a chronic disabling disease with persistent respiratory symptoms and airflow limitation. It is frequently related to comorbidities that must be managed in an integrated way. Inhalation therapy is the therapy of choice for the treatment of COPD patients. When monotherapy is chosen, long-acting anticholinergics should be preferred. Dual bronchodilation is the most appropriate baseline treatment for most patients with COPD. Triple therapy is required for a subpopulation of these patients, and general practitioners/family doctors must be qualified to prescribe it. Teaching and regular assessment of inhalation techniques are key to therapeutic success. The adoption of the acronym EDUCAR (Explain, Demonstrate, Use, Correct, Annotate, Reassess) is proposed to be applied in all appointments of people using inhaled therapy to achieve the greatest benefit for the patient.

Keywords: COPD; Inhalers; Bronchodilators; Exacerbation; Lung function

Introdução

A doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) é uma doença prevenível e tratável, em que se verificam alterações alveolares e/ou das vias aéreas e é caracterizada pela presença de sintomas respiratórios persistentes e limitação fixa do débito aéreo.1 Está frequentemente associada a diversas comorbilidades e constitui uma causa significativa de morbimortalidade, acarretando um elevado custo económico e consumo de recursos de saúde.

Os objetivos terapêuticos da gestão da DPOC são o controlo e otimização dos sintomas, a melhoria da tolerância ao exercício, a prevenção e tratamento das agudizações, o atraso da deterioração clínica e da progressão da doença, assim como o atraso da perda da função pulmonar e a redução da mortalidade. 1

O sucesso terapêutico na DPOC, para além das escolhas farmacológicas mais indicadas, depende da adesão do doente ao tratamento inalado, bem como da sua capacidade de utilização correta do dispositivo inalatório, com uma inalação eficaz.

Dispositivo inalatório

O uso incorreto do dispositivo inalatório é muito frequente, mesmo em pessoas com longa e regular experiência no seu manuseio. A probabilidade de erros na utilização dos inaladores é maior em crianças, idosos, pessoas com obstrução grave da via aérea e em doentes que usam mais de um tipo de inalador. A utilização incorreta do dispositivo inalatório contribui para o mau controlo sintomático e para o aumento do risco de agudizações e de hospitalização, nomeadamente se ocorrerem erros críticos que comprometam que o alvo terapêutico seja atingido pela medicação. 2-4 A avaliação da capacidade do doente com DPOC em usar corretamente um inalador é determinante para a obtenção de benefícios clínicos com a terapêutica inalada.

Cada tipo de inalador tem as suas especificidades técnicas de utilização. Deve-se, sempre que possível, usar apenas um tipo de inalador para minimizar a probabilidade de erros. Deve-se evitar a utilização de dispositivos inalatórios com técnicas de inalação distintas, como é o caso dos inaladores pressurizados (pMDI - Pressurized metered dose inhaler), de névoa suave (SMI - Soft mist inhaler) e de pó seco (DPI - Dry powder inhaler). Os pMDI precisam de ser agitados antes de serem usados e requerem uma inalação lenta, profunda e coordenada com a ativação do dispositivo. A utilização de câmara expansora com os inaladores pressurizados facilita uma inalação adequada. Os DPI são ativados pela inspiração e, por apresentarem resistência interna, são dependentes do fluxo inspiratório. Para a sua utilização correta é necessária uma inalação rápida, vigorosa e profunda, o que requer uma capacidade inspiratória de, pelo menos, 30 L/min. 2-5

A Figura 1 demonstra os principais erros na utilização dos pMDI, SMI e DPI. 3 Para além dos erros específicos de cada tipologia de inalador existem dois passos críticos comuns a todos eles, que são responsáveis por um número elevado de erros: a falta de expiração prévia à inalação e a ausência de apneia no final.

Figura 1 Erros na utilização dos inaladores de pó seco e pressurizados. 

É fundamental educar e capacitar o doente na utilização correta do inalador prescrito, de forma a garantir o maior benefício clínico, independentemente do tempo decorrido desde a prescrição inicial.

Sugere-se o acrónimo EDUCAR, de Explicar, Demonstrar, Usar, Corrigir, Anotar e Reavaliar continuamente o uso do inalador. É necessário explicar e demonstrar a sua utilização, observar o doente a usar o inalador, corrigir e anotar os erros detetados, assim como reavaliar, sempre que possível, todos estes passos. Em todas as oportunidades de consulta e ao longo do tempo, é indispensável avaliar a utilização do inalador pelo doente e promover a adesão terapêutica.

Apesar de o médico estar capacitado para a utilização dos diversos dispositivos inalatórios que prescreve, outros profissionais de saúde, como enfermeiros e farmacêuticos, também podem ter um papel ativo no processo de educação, motivação e ensino da utilização adequada do inalador prescrito.

É fundamental envolver o doente na escolha do tipo de inalador. A preferência do doente pelo dispositivo, bem como a satisfação e persistência com o seu uso, são determinantes para a adesão e sucesso terapêuticos, com consequente obtenção de maior benefício clínico.4

Na seleção do inalador deve ser considerada a idade, a capacidade inspiratória, a capacidade cognitiva e a destreza do doente no seu manuseamento, de forma a escolher o dispositivo inalatório mais adequado. Na Figura 2 apresenta-se um algoritmo adaptado de Usmani2 para auxiliar a escolha do inalador mais indicado para cada doente.

Figura 2 Seleção do inalador. 

Para a escolha do dispositivo inalatório é necessário aferir a capacidade do doente para fazer duas manobras fundamentais: uma inalação rápida, vigorosa e profunda durante três segundos (fluxo inspiratório ≥ 30 L/min) ou uma inalação lenta e prolongada durante cinco segundos (fluxo inspiratório < 30 L/min).5

As pessoas capazes de realizar uma inalação rápida, vigorosa e profunda podem usar os DPI. A capacidade inspiratória necessária à utilização correta de cada DPI é variável e específica de cada tipologia de dispositivo. As pessoas que conseguem realizar uma inalação lenta e prolongada durante cinco segundos, não carecendo de capacidade inspiratória mínima, podem usar os pMDI, os pressurizados ativados pela inspiração (BAI) e o sistema de névoa suave (SMI). Aqueles que conseguem executar os dois tipos de inalação poderão usar todos os tipos de inaladores (DPI, pMDI, BAI e SMI). Os doentes que não consigam realizar nenhuma destas manobras devem utilizar uma câmara expansora com recurso a um pMDI ou SMI. Alternativamente, e na impossibilidade destas opções, poderá ser utilizado um nebulizador.

Terapêutica farmacológica inalada em Portugal

A terapêutica inalada é a base do tratamento da DPOC em todos os estádios da doença, assumindo os broncodilatadores de longa duração de ação particular relevância. Não obstante, a magnitude do seu benefício varia entre indivíduos. Os broncodilatadores inalados reduzem a insuflação pulmonar, melhoram a obstrução brônquica, a limitação do débito aéreo e a tolerância ao exercício. Melhoram ainda os sintomas, o estado de saúde e reduzem as agudizações da DPOC. 1,6,8

Os anticolinérgicos de longa duração de ação (LAMA), como o aclidínio (genuair®), o glicopirrónio (breezhaler®), o tiotrópio (handilaher®, respimat®, zonda®) e o umeclidínio (ellipta®), comparativamente com os β2-agonistas de longa duração de ação (LABA), conferem um maior benefício e proteção na redução do número de agudizações e de hospitalizações. 1,6 De acordo com algumas recomendações, os LAMA devem ser preferidos como tratamento de primeira linha. 7 Os efeitos adversos mais frequentes com os LAMA são xerostomia, uropatia obstrutiva e glaucoma de ângulo fechado; enquanto com os LABA são ansiedade, tremor, palpitações e hipocaliemia.

A dupla broncodilatação LAMA/LABA, em comparação com a monoterapia com LAMA ou LABA, e para um perfil de segurança similar, demonstra maior eficácia com superior melhoria da função pulmonar, redução dos sintomas, do número de agudizações, de hospitalizações e da deterioração clínica. 1,6,8-10 A dupla broncodilatação é a terapêutica de primeira linha em doentes sintomáticos ou com intolerância ao exercício e nos doentes com classificação GOLD B e E. As opções de terapêutica combinada em associação fixa atualmente disponíveis são: o aclidínio/formoterol (genuair®), o glicopirrónio/indacaterol (breezhaler®), o tiotrópio/olodaterol (respimat®), o umeclidínio/vilanterol (ellipta®) e o glicopirrónio/formoterol (aerosphere®).

A contagem de eosinófilos no sangue é um biomarcador preditor de agudizações e de resposta aos corticoides. Existe uma relação diretamente proporcional entre o número de eosinófilos e a resposta aos corticoides na prevenção das agudizações. 1,6,11 Pelo contrário, há uma relação inversa entre o número de eosinófilos e a infeção bacteriana. 12 O uso de corticoides inalados (ICS) não está recomendado para valores de eosinófilos < 100 células/µL pelo risco acrescido de pneumonia. Está documentado um maior benefício na utilização de ICS nos ex-fumadores. 1,6,13

Os ICS não estão recomendados em monoterapia no tratamento da DPOC. O principal benefício com a sua utilização é a prevenção das agudizações. Apenas estão recomendados em associação tripla em pessoas com: história de hospitalização por agudizações; duas ou mais agudizações moderadas por ano; eosinofilia sanguínea ≥ 300 células/µL ou história de asma. Também poderão ser considerados em doentes medicados com LAMA/LABA e que apresentem uma agudização moderada por ano e eosinofilia sanguínea entre 100-300 células/µL.1,6 Os efeitos adversos mais frequentes com os ICS são disfonia, candidíase oral e pneumonia. A terapêutica LABA/ICS não está, atualmente, indicada no tratamento da DPOC. Sempre que a prescrição do ICS estiver indicada deve ser utilizada a terapêutica tripla.

A terapêutica tripla (LAMA/LABA/ICS) em doentes agudizadores demonstrou benefícios na função pulmonar, sintomas e qualidade de vida, comparativamente à terapêutica LAMA/LABA, LABA/ICS ou LAMA isolado. Em doentes sintomáticos e agudizadores, estudos recentes sinalizam um efeito benéfico da terapêutica tripla, em relação à terapêutica combinada LAMA/LABA, na redução da mortalidade, principalmente de causa cardiovascular.1,6,8,14 Como terapêutica tripla de associação fixa, aprovados na DPOC, estão disponíveis o umeclidínio/vilanterol/furoato de fluticasona (ellipta®) e o glicopirrónio/formoterol/budesonida (aerosphere®).

A alteração da terapêutica tripla para a dupla broncodilatação, com a suspensão do ICS, pode ser considerada nos doentes sem diagnóstico concomitante de asma e nas seguintes situações: resposta insatisfatória ao ICS; pneumonia; ausência de agudizações no último ano; indicação inicial inadequada (sem histórico de agudizações frequentes e eosinófilos sanguíneos < 100/mm3). 1,6,8,15-16

Abordagem da terapêutica farmacológica inalada

Na DPOC, a taxa de declínio da função pulmonar é variável, sendo acelerada pelo tabagismo e pelas agudizações. A perda da função pulmonar é maior nos estádios precoces da doença, nos fumadores, nos doentes com reversibilidade ao broncodilatador, nos agudizadores frequentes e nos doentes com enfisema. 1 A diminuição do FEV1 é um marcador da gravidade da DPOC, da progressão da doença, do risco de eventos cardiovasculares e da mortalidade total e cardiovascular. 1 Os doentes com declínio acelerado da função pulmonar beneficiam do tratamento precoce e regular com broncodilatadores de longa duração de ação para otimizar e preservar a função pulmonar, prevenir a deterioração clínica e melhorar o prognóstico da doença.

A terapêutica inalada de longa duração de ação reduz a taxa anual de declínio da função pulmonar em, aproximadamente, 5 mL/ano. 17

A adesão à terapêutica e a verificação da técnica inalatória devem ser sempre avaliadas antes de proceder à alteração do regime terapêutico, designadamente na intensificação da medicação, na adição de nova classe terapêutica e na alteração de moléculas ou de inalador. 1,6

A Figura 3 representa um algoritmo do tratamento farmacológico inalado da DPOC de utilidade na prática clínica diária nos cuidados de saúde primários, com vista a uma simplificação, personalização e melhoria da gestão do tratamento inalado.

Figura 3 Algoritmo da abordagem da terapêutica inalatória na DPOC. Legenda: FEV1/FVC = Relação entre a porção de ar exalado no 1.º segundo e o volume total de ar expirado; LIN = Limite inferior da normalidade; LABA = β2 agonista de longa duração de ação; LAMA = Antimuscarínico de longa duração de ação; ICS = Corticoide inalado; SABA = β2 agonista de curta duração de ação; SAMA = Antimuscarínico de curta duração de ação. 

Após confirmação do diagnóstico de DPOC, pela espirometria com prova de broncodilatação em que a relação FEV1/FVC é inferior a 70% ou ao limite inferior da normalidade pós-broncodilatação, deve-se classificar o doente como agudizador ou não agudizador.

As agudizações caracterizam-se pelo agravamento da dispneia e/ou tosse e expectoração em < 14 dias, com necessidade de medicação adicional. 1,6 Têm um impacto negativo na progressão da doença, no declínio da função pulmonar, nas comorbilidades, no risco de eventos cardiovasculares, na qualidade de vida, nas hospitalizações, na mortalidade e no prognóstico. 1,6,20 As agudizações são mais frequentes e mais graves com a progressão da doença. Apesar de existirem diferentes níveis de risco de agudização, a sua prevenção com a terapêutica farmacológica inalada é fundamental para a obtenção de melhores resultados em saúde. A dupla broncodilatação reduz a frequência das agudizações. Nos doentes que permanecem agudizadores, a terapêutica tripla deve ser considerada, em particular se há inflamação eosinofílica. 20

Consideram-se agudizadores os doentes com DPOC que apresentem, nos últimos 12 meses ou anualmente, ≥ 2 agudizações moderadas, que requerem a utilização de corticoides sistémicos e/ou antibioterapia, ou uma agudização grave com necessidade de hospitalização. 1,6 Qualquer agudização induz uma aceleração da perda da função pulmonar, um aumento do risco futuro de hospitalização, de mortalidade e de progressão da doença. Assim, é essencial ter tolerância zero para estes eventos e investir na sua prevenção.

Abordagem dos doentes não agudizadores

A maioria das pessoas com DPOC acompanhada nos cuidados de saúde primários é não agudizadora. 18-19 Neste caso, aquando do diagnóstico inicial e da avaliação combinada multidimensional, se o doente for classificado no grupo A porque é pouco sintomático, ou seja, apresenta uma pontuação do CAT inferior a 10 ou uma avaliação do mMRC de 0-1, deve ser tratado precocemente com um LAMA em monoterapia com vista a minimizar a perda da função pulmonar, o risco de agudizações e a evolução da DPOC.

Caso a pessoa com DPOC medicada com um LAMA permaneça sintomática ou apresente intolerância ao exercício, a terapêutica deve ser escalada para a associação LAMA/LABA, idealmente em associação fixa, para melhor controlo sintomático, maior tolerância ao exercício e benefício acrescido na prevenção de agudizações.

No caso de se tratar de um doente muito sintomático e que seja inicialmente classificado no grupo B, a prescrição inicial da associação LAMA/LABA é a indicada, para obtenção, desde logo, de maiores ganhos em saúde para o doente. A dupla broncodilatação garante maior número de respondedores, estabilidade clínica e menor progressão da doença.

Os doentes sintomáticos e/ou com obstrução grave do débito aéreo (FEV1 < 50% do previsto) e/ou uma agudização moderada devem ser medicados com a associação LAMA/LABA. Quando o doente, apesar de medicado com associação LAMA/LABA, continua não controlado sintomaticamente e/ou tenha uma agudização moderada ou grave, o tratamento deve ser intensificado para a terapêutica tripla (LABA/ICS/LAMA), desde que o doente apresente consistentemente eosinófilos no sangue periférico ≥ 100/mm3.

Abordagem dos doentes agudizadores

Na seleção da terapêutica inicial dos doentes agudizadores é necessário considerar o nível de eosinófilos sanguíneos. Caso o valor seja sistematicamente < 300 células/mm3, a dupla broncodilatação LAMA/LABA é recomendada. Se o doente permanecer sintomático ou com agudizações e apresentar eosinofilia periférica ≥ 100/mm3 está indicada a terapêutica tripla (LABA/ICS/LAMA), administrada idealmente no mesmo dispositivo inalatório.

No caso dos eosinófilos periféricos serem, de forma consistente, ≥ 300/mm3, a associação tripla (LABA/ICS/LAMA) é o tratamento de eleição. Nesta situação, a associação LABA/ICS deixou de ser uma opção terapêutica na DPOC. Por outro lado, perante eosinófilos periféricos ≥ 100/mm3 e obstrução grave do débito aéreo (FEV1 < 50%) ou uma agudização grave, a terapêutica tripla também poderá ser a opção preferencial.

Para além das condições acima descritas, a terapêutica tripla deve ser equacionada nos doentes com diagnóstico simultâneo de asma.

A avaliação clínica e seguimento holístico da pessoa com DPOC assenta em três pilares fundamentais: a prevenção; a terapêutica; a reabilitação.

As medidas preventivas englobam a correção dos fatores de risco, designadamente a cessação tabágica, a gestão integrada das comorbilidades e a vacinação (gripe, covid, pneumocócica, tosse convulsa e herpes zoster).

Na abordagem terapêutica, além da medicação de controlo, deve ser considerada a medicação de alívio com SABA (beta2 agonista de curta duração de ação) ou SAMA (anticolinérgico de curta duração de ação), a realizar apenas em situação de SOS.

Previamente a qualquer ajuste da terapêutica inalada é obrigatório confirmar a adesão terapêutica e avaliar a técnica inalatória. Sugere-se a adoção da estratégia EDUCAR na avaliação clínica inerente ao seguimento do doente com DPOC.

As medidas de reabilitação consistem na promoção da atividade física regular e adaptada à capacidade funcional e gravidade da doença, bem como os programas organizados de reabilitação respiratória, determinantes para um melhor controlo e qualidade de vida do doente com DPOC.

Conclusão

O médico deve ser proativo no diagnóstico precoce e tratamento adequado das pessoas com DPOC, nomeadamente nas fases iniciais da doença, em que a perda da função pulmonar é maior e o benefício futuro mais significativo. À semelhança da gestão integrada de outras doenças crónicas, o tratamento precoce e regular e a intervenção integrada devem ser implementados em todos os doentes com DPOC. A base do tratamento é a broncodilatação de longa duração de ação, que deve ser sempre otimizada.

O diagnóstico e a intervenção terapêutica atempados podem retardar a progressão da DPOC, reduzir a frequência e a gravidade das agudizações, prolongar a sobrevida e proporcionar ganhos em saúde nestes doentes.

A prevenção das agudizações é fundamental. Desta forma, qualquer agudização é uma oportunidade para implementar o tratamento farmacológico inalado mais eficaz.

O médico de família deve motivar os doentes para a realização de atividade física, a adesão à terapêutica e a correta utilização dos dispositivos inalatórios, utilizando o acrónimo sugerido EDUCAR (Explicar, Demonstrar, Usar, Corrigir, Anotar e Reavaliar).

Apesar da heterogeneidade e complexidade da DPOC e do seu tratamento, nos cuidados de saúde primários a adoção de uma estratégia integrada e simplificada, baseada na mais recente evidência científica, pode contribuir para uma melhor e mais eficaz prestação de cuidados de saúde.

O médico de família, pelas suas competências, relação de proximidade e visão holística, é, por excelência, o principal responsável e a chave do sucesso da gestão integrada do doente com DPOC.

Contributo dos autores

Conceptualização, RC; metodologia, RC; validação, RC e RPC; investigação, RC e RPC; redação do draft original, RC e RPC; revisão, edição e validação do texto final, RC e RPC; supervisão, RC.

Conflito de interesses

Rui Costa recebeu honorários da GSK, AstraZeneca, Menarini, Boehringer Ingelheim e da Teva pela participação em Advisory Board e realização de palestras.

Financiamento

Os autores não receberam apoio financeiro para a realização do presente artigo.

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Recebido: 16 de Novembro de 2022; Aceito: 10 de Abril de 2023

Endereço para correspondência Rui Costa E-mail: ruipcosta62@gmail.com

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