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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.39 no.4 Lisboa jul. 2023  Epub 30-Jul-2023

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v39i4.13649 

Estudos originais

Atendimento e capacidade comunicacional de médicos e enfermeiros a pacientes surdos na atenção primária à saúde, numa cidade de Minas Gerais, Brasil: estudo transversal

Service and communication capacity of doctors and nurses to deaf patients in primary health care, in a city from Minas Gerais, Brazil: cross-sectional study

Suélen Ribeiro Miranda Pontes Duarte1 
http://orcid.org/0000-0003-2189-7796

Fernanda Ribeiro Guida2 

Brendha C. Pontes Duarte2 

1. Professora Mestre. Faculdade de Medicina de Itajubá - FMIT, Minas Gerais, Brasil.

2. Graduanda do 6.º ano de Medicina. Faculdade de Medicina de Itajubá - FMIT, Minas Gerais, Brasil.


Resumo

Introdução:

O vínculo profissional-paciente baseia-se na comunicação que respeita aspectos verbais e subjetivos. Entretanto, o conjunto de formas gestuais, conhecido como Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), não é compreendido por grande parte dos profissionais da área da saúde, comprometendo a qualidade e satisfação do atendimento ao paciente surdo.

Objetivo:

Avaliar o atendimento e a capacidade comunicacional de médicos e enfermeiros a pacientes surdos na atenção primária à saúde (APS) numa cidade de Minas Gerais, Brasil.

Método:

Estudo transversal quantitativo, de campo, observacional e descritivo, com uma amostra de 69 médicos e enfermeiros atuantes na APS num município no sul de Minas Gerais, Brasil. O questionário foi adaptado para a visão dos profissionais de saúde.

Resultados:

Observou-se que 86,9% (n=60) dos profissionais possuem «Nada/Quase nada» de domínio da LIBRAS, impossibilitando a compreensão da queixa do paciente surdo, observada em 43,5% (n=30) dos entrevistados. Assim, em consequência dessa dificuldade comunicacional, a procura por profissionais da saúde por parte dos surdos não é significativa, uma vez que 33,3% (n=23) dos profissionais nunca ou raramente os atendeu.

Conclusão:

Conclui-se que a comunicação é a principal barreira na interação profissional-paciente surdo, dificultando a criação de vínculo, informação de diagnóstico e adesão ao tratamento.

Palavras-chave: Atenção primária à saúde; Comunicação; Línguas de sinais; Surdez; Concordância e adesão ao tratamento

Abstract

Introduction:

The professional-patient bond is based on communication that respects verbal and subjective aspects. However, Brazilian Sign Language (LIBRAS) is not understood by most health professionals, compromising the quality of care for deaf patients.

Objective:

To evaluate the care of deaf patients by doctors and nurses in primary health care (PHC) in a city in the south of Minas Gerais and the professional’s ability to effectively establish a communicative interaction with a deaf patient, meeting their needs.

Methods:

Quantitative, field, observational, and descriptive cross-sectional study, with a sample of 69 doctors and nurses working in PHC in a municipality in the south of Minas Gerais, Brazil. The questionnaire was adapted to the view of health professionals.

Results:

It was observed that 86.9% (n=60) of the professionals have «Nothing/Almost nothing» in the LIBRAS domain, making it impossible to understand the deaf patient’s complaint, observed in 43.5% (n=30) of the interviewees. Thus, because of this communication difficulty, the demand for health professionals by the deaf is not significant, since 33.3% (n=23) of professionals never or rarely saw them.

Conclusion:

It is concluded that communication is the main barrier in professional-deaf patient interaction, making it difficult to create a bond, diagnostic information, and treatment adherence.

Keywords: Primary health care; Communication; Sign languages; Deafness; Compliance and adherence to treatment

Introdução

A autonomia na área da deficiência é muitas vezes descrita como a possibilidade de realização de ações sem a ajuda de terceiros, porém, ainda sujeitas à criação de condições pelo meio ambiente e contexto social.1 Nesse sentido, a presença de uma barreira comunicacional entre o profissional da saúde e um paciente surdo infringe esse conceito, uma vez que o próprio paciente não é ativo no seu tratamento, dependendo de terceiros para a sua realização. Essa limitação restringe a autonomia e liberdade do surdo, sendo que é o acompanhante quem explica ao profissional os problemas apresentados e também quem recebe as orientações, não permitindo que o próprio paciente exponha as suas dúvidas e, por vezes, se sinta constrangido em determinadas ocasiões. 2

Além disso, é importante ressaltar que a definição de surdez consiste numa perda profunda da capacidade de percepção de sons, ou seja, perdas acima de 90 decibéis, enquanto a deficiência auditiva consiste em perda parcial da audição, leve ou moderada, com parte da audição preservada. 3 Logo, o surdo dependerá da comunicação em Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), caso seja alfabetizado; escrita, caso seja bilingue; ou por meio de desenhos e sinais, nos casos em que não há conhecimento de LIBRAS ou da língua portuguesa. Entretanto, pelo fato de a linguagem médica ser diferente do léxico apresentado aos surdos durante a vida ainda é necessário o empenho do profissional para se fazer entender, vencendo as barreiras linguísticas e intelectuais, estas últimas já presentes no cotidiano clínico.

Atualmente, novos estudos propõem o Método Clínico Centrado na Pessoa (MCCP, 4) desconstruindo o modelo biomédico, considerando o paciente como um todo. Essa proposta de cuidado pressupõe várias mudanças no atendimento profissional à saúde, como a abolição de hierarquia entre profissional e paciente, prezando pelo compartilhamento de decisões e a necessidade de equilíbrio entre o subjetivo e o objetivo como componentes fundamentais para diagnóstico. 5

Dependência e deficiência estão muitas vezes relacionadas. Assim, avaliar a independência funcional dos usuários é uma estratégia importante que pode estimular ações na direção da autonomia. 6 Do mesmo modo, o uso de ferramentas de avaliação da qualidade de atendimento ao paciente surdo também pode contribuir para a construção da sua independência, uma vez que o resultado obtido poderá inspirar mecanismos de atendimentos específicos a esse público, tornando eficaz a interação entre o paciente e o profissional de saúde, atendendo de forma holística, integrando-o efetivamente em sociedade.

O presente estudo tem como objetivo avaliar o atendimento e a capacidade comunicacional de médicos e enfermeiros a pacientes surdos na atenção primária à saúde (APS) numa cidade de Minas Gerais, Brasil. Dessa forma, esta pesquisa questionará dados fundamentais para o atendimento de pacientes surdos e poderá sugerir intervenções para melhorá-lo, promovendo a melhor inserção desse público na sociedade e assegurando o seu direito de autonomia e liberdade. Além disso, proporcionará sugestões de melhoria da capacitação profissional no atendimento a esses pacientes.

Método

Estudo transversal, de campo, descritivo, de abordagem quantitativa, observacional, realizado de fevereiro de 2020 a janeiro de 2021 com profissionais de saúde (médicos e enfermeiros) atuantes na APS no município de Itajubá, Minas Gerais, Brasil.

O cálculo amostral foi obtido a partir de uma população finita de 85 profissionais atuantes na APS, constantes na lista de profissionais fornecida pela Prefeitura Municipal, considerando um grau de confiança de 95%, p=0,5 e margem de erro absoluta de 5%. Foram recrutados 69 profissionais da saúde (41 médicos e 28 enfermeiros) para a composição da amostra. Os demais profissionais da população (16) não participaram por terem deixado de atuar na APS no período de estudo de campo da pesquisa, sem afetar o cálculo amostral, não inviabilizando o estudo. Ou seja, durante a busca dos profissionais em campo, dos 85 profissionais listados 81,2% participaram da pesquisa, compondo a amostra.

Para esta pesquisa foram definidos os seguintes critérios de inclusão: profissionais médicos e enfermeiros, atuantes nas unidades de APS [Estratégia de Saúde da Família (ESF) e/ou Unidades Básicas de Saúde (UBS)], independentemente de género, idade acima de 18 anos, que tenham concordado em participar da pesquisa por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os critérios de exclusão foram médicos e enfermeiros que deixaram de trabalhar nas unidades de APS.

Inicialmente a aplicação dos formulários foi feita presencialmente nas unidades de APS onde, após o esclarecimento da pesquisa pelos próprios pesquisadores e obtenção do TCLE, foram entregues os questionários aos profissionais para a recolha de dados. Os pesquisadores aguardaram na sala, juntamente com o profissional de saúde, para esclarecimento de possíveis dúvidas em relação ao formulário.

Para a viabilização da aplicação do formulário foi adaptado um questionário, retirado do artigo A dificuldade no atendimento médico às pessoas surdas,7 o qual avalia a qualidade de atendimento médico na visão do paciente surdo e que foi utilizado posteriormente como objeto de discussão deste artigo. Por outro lado, o questionário utilizado no presente estudo avalia a percepção do profissional de saúde sobre a qualidade de atendimento e capacidade comunicacional destes. Para este fim foram adaptadas e aplicadas 22 perguntas de múltipla escolha.

As respostas foram estudadas descritivamente através da criação de um banco de dados das variáveis investigadas no estudo, através do Microsoft Excel ® 2016 e, posteriormente, convertidas em tabelas e descrições. Realizou-se a verificação quanto à concordância ou discordância das questões avaliadas, sendo as variáveis categóricas apresentadas como frequências absolutas e relativas.

O estudo foi aprovado pelo Comité de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade de Medicina de Itajubá (FMIT-MG), sob parecer n.º 4.220.840. O recrutamento de participantes e recolha de dados iniciou-se somente após aprovação da pesquisa no CEP. Atendendo às normas éticas para pesquisas envolvendo seres humanos - Resolução n.º 466/2012 -, a aplicação dos questionários foi precedida da assinatura do TCLE.

Os resultados obtidos serão apresentados de forma descritiva e em tabelas, contendo o número e a percentagem de profissionais que responderam às alternativas presentes no questionário, o qual foi dividido em duas partes. Na primeira etapa, constituída por sete perguntas, todos os profissionais participantes podiam responder (n=69). Já na segunda etapa, constituída por quinze perguntas, apenas os profissionais que atenderam pacientes surdos (n=42) podiam responder. Desta forma, os demais participantes deixaram as questões seguintes em branco.

Resultados

Observou-se que grande parte da amostra (78,3%; n=54) «nunca ou raramente” atendeu pacientes surdos na APS, 18,8% (n=13) afirmaram ter atendido às vezes e 2,9% (n=2) responderam que quase sempre/sempre atende esse público.

Os dados das questões em relação à avaliação da compreensão e grau de satisfação do atendimento ao paciente surdo estão apresentados na Tabela 1. Grande parte dos profissionais (43,5%; n=30) afirmou não compreender «nada/quase nada» da queixa de saúde apresentada pelo paciente surdo durante a consulta. Ademais, 34,8% (n=24) dos profissionais se apresentaram «moderadamente/totalmente satisfeitos» quanto à comunicação estabelecida com o surdo.

Tabela 1 Avaliação da compreensão e grau de satisfação (n=69) 

É importante ressaltar que no formulário aplicado algumas questões não puderam ser respondidas, uma vez que o profissional participante da pesquisa não atendeu nenhum paciente surdo na atenção primária (n=16). Por esse motivo, quanto ao grau de satisfação em relação à comunicação estabelecida com o surdo 39,1% (n=27) dos participantes não responderam a essa questão.

Dos profissionais participantes, 87% (n=60) relataram possuir «nada/quase nada» de domínio da LIBRAS. Aqueles que a dominam, 10,1% (n=7) empenham-se em tentar comunicar-se com ela, conforme observado na Tabela 2. Contudo, de entre a parcela de indivíduos que não dominam a LIBRAS observou-se a utilização de métodos alternativos para a comunicação com o doente surdo, como: gestos, escrita, falar devagar, uso de Internet, auxílio do acompanhante, formação de palavras com o alfabeto de LIBRAS e recursos visuais.

Tabela 2 Análise de domínio de libras e comunicação (n=69) 

Questionados sobre o conhecimento da dificuldade dos surdos em relação à língua portuguesa, 40,6% (n=28) referiram o desconhecimento acerca do assunto. Por outro lado, 58% (n=40) dos participantes alegaram estar cientes de que muitos surdos possuem dificuldade na língua portuguesa.

Informações sobre o grau de constrangimento e desconforto durante o atendimento ao surdo são apresentadas na Tabela 3, na qual se verifica que 30,4% (n=21) dos profissionais responderam perceber «nada/quase nada» de desconforto durante a consulta. Além disso, 50,8% (n=35) responderam que os pacientes surdos se sentem à vontade na presença de terceiros (acompanhantes) «quase sempre/sempre». Por fim, 46,4% (n=32) afirmaram «nunca/raramente» ter percebido constrangimento devido à falta de privacidade estabelecida por uma terceira pessoa na consulta/atendimento.

Tabela 3 Análise de domínio de libras e comunicação (n=69) 

Na análise do atendimento médico em relação à integralidade, de acordo com os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), exposta na Tabela 4, 30,6% (n=21) dos profissionais sentiram interação efetiva com o paciente «quase total/totalmente».

Tabela 4 Avaliação da integralidade, de acordo com os princípios do SUS (n=69) 

Entretanto, 23,3% (n=16) consideram que a consulta/atendimento abrange a integralidade e equidade de forma moderada.

De acordo com a Tabela 5, 26,1% (n=18) dos profissionais afirmaram que os pacientes surdos «nunca/raramente» costumam levantar dúvidas durante o atendimento. Da mesma forma, 33,3% (n=23) referem que tais pacientes «nunca/raramente» procuram atendimento à saúde com frequência similares aos demais pacientes e 37,7% (n=26) referem que «quase sempre/sempre» os surdos procuram atendimento à saúde com motivos similares aos demais pacientes.

Tabela 5 Queixa do paciente surdo em relação a pacientes não deficientes (n=69) 

Ademais, ao serem questionados sobre o grau de necessidade da presença de um acompanhante no atendimento ao paciente surdo observou-se que 44,4% (n=31) dos profissionais referem que os pacientes surdos geralmente costumam vir acompanhados na consulta e 49,2% (n=34) afirmam que estes realmente auxiliam no processo de comunicação.

Já em relação à percepção de omissão de informações relevantes acerca da queixa da doença pelos surdos, 36,2% (n=25) dos participantes relataram que os pacientes surdos «nunca/raramente» omitem informações importantes sobre sua queixa/doença e 23,1% (n=16) demonstraram já ter percebido a omissão.

Além disso, sobre o empenho dos profissionais para comunicar o diagnóstico ao paciente surdo, apresentado na Tabela 6, 59,5% (n=41) «quase sempre/sempre» referem possuir essa conduta.

Tabela 6 Percepção do empenho dos profissionais na comunicação (n=69) 

Discussão

O presente estudo explorou a habilidade dos profissionais de saúde da APS em estabelecerem uma comunicação efetiva com pacientes surdos, considerando-os em sua totalidade e fornecendo um acesso à saúde de forma igualitária.

O atendimento na APS busca a prevenção de doenças e agravos, além da restauração e manutenção da saúde. 8 Dessa forma, os profissionais de saúde que atuam nessa esfera devem compreender o processo de adoecimento do paciente a partir de percepções sobre o seu e, principalmente, pelo diálogo estabelecido durante o atendimento. Esse objetivo é conquistado através da criação de vínculo com o paciente, o qual se dá por meio da comunicação e dos mecanismos de transferência e contratransferência. 9-10

No presente estudo observou-se que a maioria dos profissionais (44,4%; n=31) afirma que os surdos vão acompanhados às consultas. A presença de um terceiro indivíduo nos atendimentos entre pacientes que usam a língua de sinais e profissionais que a desconhecem possibilita, por um lado, a facilitação da interação médico-paciente ou enfermeiro-paciente. 12-13 Entretanto, a presença do acompanhante ocasiona falta de autonomia e privacidade ao surdo que, por constrangimento e vergonha, pode omitir informações valiosas sobre o seu próprio processo saúde-doença. 7,14

Ao analisar o grau de necessidade da presença de um acompanhante no atendimento ao surdo, 49,2% (n=34) relatou que o acompanhante realmente auxilia no processo de comunicação. Compreende-se, dessa forma, pelos dados levantados, tal como a incompreensão da queixa de saúde apresentada pelo surdo (43,5%; n=30), que não há vínculo efetivo entre profissional e paciente, visto que os surdos apresentam restrições diante de uma sociedade ainda precária no conhecimento de sua cultura, fator que compromete a assistência prestada, do diagnóstico ao tratamento. 7,12

Considerando os resultados obtidos na frequência com que pacientes surdos são atendidos na APS, em relação a pacientes não deficientes, observou-se que a procura por profissionais da saúde e a frequência nas consultas médicas por parte dos surdos não é significativa, uma vez que as respostas mais prevalentes foram «nunca» e «raramente» (33,3%; n=23). Ao encontro dos estudos de Steinberg e colaboradores 15 e de Pereira e colaboradores 16 é demonstrado que, devido à precariedade de comunicação efetiva na assistência à saúde oferecida a essa classe, é desencadeada uma menor frequência pela busca dos serviços ofertados de saúde.

Ao avaliar o domínio da LIBRAS foi constatado que a maioria dos profissionais de saúde (86,9%; n=60) dominam nada ou quase nada, fato que corrobora outros trabalhos já publicados, que constatam o não domínio e empenho desses profissionais em comunicar-se através da LIBRAS. 7,17-18 Logo, estes comunicam-se com o paciente surdo em sua maioria através da escrita (49,2%; n=34). Entretanto, foi evidenciado que esta não é uma ferramenta adequada para a comunicação com os surdos, já que eles apresentam dificuldade na língua portuguesa por não ser a sua primeira língua. 7

Nesse sentido, observa-se que uma parcela expressiva dos profissionais de saúde não tem conhecimento de que os surdos apresentam dificuldade na língua portuguesa (40,6%; n=28). Para o surdo, o meio de comunicação utilizado pelo ambiente que o rodeia não se apresenta como um instrumento que facilita a permuta de informações com a sociedade, mas uma barreira. 11 Assim, os surdos tentam adaptar-se à sociedade sendo prejudicados quanto à equidade, universalidade e integralidade do SUS. 19

Além disso, 34,8% (n=24) dos profissionais referem estar «moderadamente» ou «totalmente» satisfeitos com o atendimento ao surdo. Porém, de acordo com a literatura, 62,5% dos pacientes surdos declararam-se totalmente insatisfeitos com o atendimento e a comunicação estabelecida durante a consulta.7 Dessa forma, identifica-se uma controvérsia entre a percepção do profissional e do paciente surdo, uma vez que, de acordo com o estudo de Santos e colaboradores, 62% dos pacientes referiram insegurança acerca do atendimento médico quanto ao diagnóstico e tratamento prescrito. 18

A percepção do sujeito é feita a partir de uma comunicação plena; no entanto, após atendimentos em saúde, pacientes surdos permanecem com a incompreensão sobre seus diagnóstico e tratamento, fato que ratifica a dificuldade na comunicação entre surdos e profissionais de saúde. 18 Entretanto, apesar de se destacar a insatisfação dos surdos em relação à comunicação no atendimento nos demais artigos utilizados para o presente estudo (principalmente aqueles que entrevistam pacientes surdos, 7 nesta pesquisa os profissionais de saúde afirmam empenhar-se em comunicar o diagnóstico ao surdo «quase sempre» ou «sempre» (59,6%; n=41), afirmam empenhar-se em comunicar as recomendações e tratamentos «quase sempre» ou «sempre» (59,4%; n=41) e afirmam certificar-se de que o paciente entendeu as recomendações «quase sempre» ou «sempre» (59,4%; n=41).

Ao longo da recolha de dados foram observadas algumas limitações do estudo, como: a presença de contradições entre a resposta dada no formulário e a justificativa do profissional; a breve finalização do formulário por aqueles que nunca atenderam pacientes surdos e a amostra diminuta de profissionais que lidam com surdos, devido a baixa demanda destes pela APS.

No estudo foi observada nitidamente a importância da comunicação para o estabelecimento do vínculo profissional-paciente, entendimento das queixas, diagnóstico e, principalmente, para fazer com que o paciente entenda sua condição e tenha uma adesão ao tratamento, diminuindo a sensação de isolamento e aumentando a satisfação do surdo pelo atendimento ao se sentir incluído e ter sua independência comunicacional conquistada e respeitada. 7 Infelizmente, apesar das afirmativas dos profissionais de se empenhar na comunicação do diagnóstico e tratamento, quanto ao nível de compreensão do indivíduo surdo a partir das estratégias de comunicação usadas pelo profissional de saúde, 82% (n=56) mencionaram não compreender seu diagnóstico e 70% (n=48) disseram não entender as orientações sobre seu tratamento. 18 Isso só evidencia como é falível essa interação profissional-paciente, uma vez que o primeiro acha que a comunicação está sendo eficiente, enquanto o segundo não se sente acolhido.

Conclusão

No presente estudo foi avaliada a qualidade de atendimento de médicos e enfermeiros a pacientes surdos na APS em uma cidade de Minas Gerais, sendo observado que a interação profissional-paciente é estabelecida, porém com dificuldade comunicacional. Dessa forma, a fim de minimizar as disparidades no atendimento ao paciente surdo pode ser útil a inserção de LIBRAS na grade curricular dos estudantes da área da saúde, como disciplina obrigatória, além do investimento na formação em LIBRAS para os profissionais de saúde e presença obrigatória de intérpretes de LIBRAS na APS, os quais devem ter o conhecimento avaliado anualmente através de provas de proficiência. Outra alternativa que poderia ser implementada seria a aquisição de ferramentas virtuais de tradução, especializadas na área médica, que proporcionem o atendimento holístico e satisfatório ao paciente surdo. E, por fim, como o atual estudo foi realizado em apenas uma região limitada no Brasil, para se obter conhecimento das dificuldades enfrentadas na comunicação entre profissionais de saúde e pacientes surdos, considerando aspectos culturais e demográficos e demais regiões, seria de grande importância o desenvolvimento de estudos similares a estes em outras regiões do país, a fim de desenvolver políticas públicas que abranjam de fato a totalidade da comunidade surda presente no Brasil.

Nota

O presente artigo foi desenvolvido por investigadores brasileiros e escrito em português do Brasil.

Contributo dos autores

Conceptualização, SRMPD, BCPD e FRG; metodologia, BCPD e FRG; validação, SRMPD, BCPD e FRG; análise formal, SRMPD, BCPD e FRG; investigação, BCPD e FRG; recursos, BCPD e FRG; curadoria de dados, SRMPD, BCPD e FRG; redação do draft original, BCPD e FRG; redação, revisão e validação do texto final, SRMPD, BCPD e FRG; supervisão, SRMPD. Todos os autores leram e concordaram com a versão final do manuscrito.

Conflito de interesses

Os autores declaram não possuir quaisquer conflitos de interesse.

Referências bibliográficas

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Recebido: 16 de Novembro de 2022; Aceito: 25 de Março de 2023

Endereço para correspondência Suélen Ribeiro Miranda Pontes Duarte E-mail: enf.suelen@yahoo.com.br

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