Prezado Editor,
Foi com grande interesse e curiosidade que li o artigo publicado na Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar intitulado O custo médico das faltas dos utentes da USF Ramada.1
Com o crescente consumo de saúde por parte da população portuguesa, a gestão de recursos humanos e económicos constitui um dos grandes desafios atuais e futuros no âmbito dos cuidados de saúde primários.
Os autores deste estudo debruçaram-se num fenómeno comum na rotina do médico de família, que é a falta de utentes a consultas programadas. Mencionaram custos diretos, como o custo médico representado pela remuneração por tempo de consulta, e custos indiretos, como a falta de assistência a outros utentes naquele horário. Embora os resultados obtidos não possam ser generalizados para outras populações, e apesar de a análise se basear somente no impacto económico das faltas baseado na remuneração médica por tempo de consulta, o artigo ilustra a realidade de um grande volume de custos evitáveis em saúde.
De facto, como Interna de formação específica de Medicina Geral e Familiar deparo-me frequentemente com faltas de utentes sem aviso prévio. Em contrapartida, reconheço situações de outros utentes com necessidade de consulta programada que não obtêm marcação no tempo desejável, o que compromete a acessibilidade, um dos requisitos de uma especialidade comunitária como a Medicina Geral e Familiar. 2
Perante a não comparência de um utente no dia da consulta é verdade que o tempo não é desaproveitado, dado o volume de atividade não assistencial não raras vezes pendente. Ainda assim, trata-se de horas de trabalho que não servem o seu propósito programado.
Como complemento a este estudo teria sido interessante avaliar os motivos de falta às consultas programadas.
Na literatura, o esquecimento dos utentes está descrito como um dos motivos mais comuns para o não comparecimento. 3 A maioria das unidades de saúde em Portugal possui um sistema automático que envia um lembrete da marcação da consulta via SMS alguns dias antes da mesma. Dependendo de cada local, existem outras estratégias para relembrar atempadamente os utentes, como o email ou o contacto telefónico prévio por parte do secretariado clínico. Outros motivos frequentemente reportados incluem a interferência da consulta no horário laboral, em indivíduos ativos, e o cumprimento de compromissos familiares, como a prestação de cuidados a idosos ou crianças. 3 Estas faltas poderiam ser contornadas através de uma adaptação do horário médico, de forma a oferecer mais vagas de consultas médicas vespertinas.
Seria de igual importância averiguar se houve qualquer tentativa prévia por parte dos utentes em anular a sua consulta. É benéfico para a unidade de saúde e para o utente que este seja conhecedor dos canais de contacto disponíveis para proceder à desmarcação. Se se verificar que estes canais de atendimento não são eficientes, a desmarcação direta, através da criação e divulgação de um sistema online acessível ao utente e independente dos profissionais de saúde, representaria uma alternativa viável.
Como os autores, considero que outra medida para a menorização deste problema poderia passar por educar os doentes faltosos, alertando para os prejuízos de uma consulta não efetuada. A divulgação dos benefícios em comparecer a uma consulta programada, e dos prejuízos em faltar sem aviso prévio, é um passo essencial na consciencialização dos utentes.
Este esclarecimento poderia ser efetuado através de panfletos ou cartazes afixados na unidade de saúde e publicados nas plataformas digitais, quando disponíveis. Outra hipótese seria, após uma falta a uma consulta programada sem justificação, o envio de uma mensagem automática via SMS e/ou correio eletrónico, em que fosse revelado o custo médio da consulta não realizada e o tempo de espera estimado para uma nova consulta. Esta atitude de transparência por parte da unidade prestadora de cuidados de saúde seria não com o intuito de repreender, mas informar e sensibilizar os utentes para a utilização consciente dos cuidados de saúde primários.
Na gestão de recursos em saúde são muitas vezes discutidas medidas em grande escala, com resultados difíceis de prever a longo prazo. O simples incentivo ao comparecimento dos utentes às consultas programadas, com estratégias de educação para a saúde a nível interno e adaptado aos recursos disponíveis em cada unidade, representa uma medida de baixo custo, com alto potencial efetivo. 4
Este artigo sinaliza, de facto, a necessidade de repensar estratégias para melhorar a acessibilidade. Uma consulta realizada é um ganho em saúde para o utente que comparece; uma desmarcação atempada é uma possibilidade de garantir acesso a outros utentes.