Após ler o artigo Polimedicação no idoso: perceção dos médicos de família (projeto de investigação), publicado na RPMGF [2023;39(5):387-92] verifiquei a necessidade de comentar esta publicação, apresentando uma análise da literacia em saúde no nosso país e do processo de desprescrição.
De acordo com dados do Plano Nacional de Saúde 2021-2030, entre 2011 e 2019 o índice de dependência total em Portugal aumentou de 51,4 para 55,6 jovens e idosos por cada 100 pessoas em idade ativa. Este aumento resultou sobretudo do crescimento do índice de dependência de idosos. (1
Com o aumento da esperança média de vida verifica-se, inexoravelmente, uma maior continuidade de patologias crónicas com necessidade de polimedicação.
O índice de dependência de idosos tem crescido com o passar dos anos: 28,6 em 2010 para 31,3 em 2015. Prevê-se que, em 2060, venha a ser de 67,0. (2
Sabe-se que a polimedicação aumenta os riscos de comorbilidade através do aumento do número de interações medicamentosas, efeitos adversos, entre outros. (3,5 Daí que, os critérios de Beers sejam uma ferramenta essencial para garantir a prescrição segura nos idosos. (4
De acordo com um estudo realizado no nosso país sobre a polimedicação em indivíduos com 65 ou mais anos2 verificou-se um predomínio de utilização de medicamentos do foro cardiovascular, na sua maioria modificadores do eixo renina angiotensina, e estatinas, (6 sendo sobreponível ao identificado no artigo Polimedicação no idoso: perceção dos médicos de família (projeto de investigação). 4 Neste, a prevalência de doentes polimedicados encontrada foi superior à que é relatada noutro estudo realizado em contexto de cuidados de saúde primários, (2,4 destacando ainda a importância do trabalho do médico de família na revisão terapêutica e desprescrição medicamentosa.
Um estudo português sobre literacia em saúde, publicado em 2016, (7 indica que os idosos e aqueles que precisam de tomar medicação com regularidade são os mais afetados pelos inadequados níveis de literacia em saúde no nosso país e é também nestes que mais se faz sentir os efeitos de inadequada literacia.
Verificou-se neste estudo que 61% da população inquirida apresenta um nível de literacia geral em saúde problemático ou inadequado. (7
Segundo o Health Literacy Survey 2019, realizado em Portugal, constata-se uma realidade diferente da encontrada no estudo de 2016 anteriormente referido: sete em cada dez pessoas apresentaram altos níveis de literacia em saúde. (8 A “compreensão da informação” excedeu os 75% categorizados como tendo excelentes e suficientes níveis de literacia em saúde.
As questões que se colocam, então, são:
Refletem-se na nossa prática clínica estes conhecimentos de saúde adquiridos pela população portuguesa?
Estará a população portuguesa cada vez mais capaz de gerir/cumprir a polimedicação?
Estará a população portuguesa cada vez mais tolerante à desprescrição?
A desprescrição deverá ser considerada na consulta de medicina geral e familiar se estivermos perante um sintoma de novo ou se se suspeitar de efeitos adversos/interações medicamentosas, especialmente em pacientes que apresentem fragilidade avançada, processos demenciais ou dependência total de terceiros.
Na minha prática clínica constato frequentemente três principais limitações no ato da desprescrição de medicação a utentes idosos:
Receio da síndroma de abstinência de alguns medicamentos;
Baixa literacia em saúde;
Receio de reiniciar sintomas que anteriormente motivaram a prescrição de determinado medicamento.
O médico deve promover um ambiente de diálogo centrado no paciente, garantindo a gestão de interesses e expectativas ao longo do processo de desprescrição. Considero ser de relevante leitura, para melhor esclarecimento do tema da desprescrição, a publicação Generic instruments for drug discontinuation in primary care: a systematic review. (6
Tendo em conta a melhoria da qualidade de vida dos nossos pacientes, considero que esta deverá ser, cada vez mais, para os profissionais de saúde uma área formativa a investir.
Respostas dos autores
Cara Colega,
Concordamos que o envelhecimento populacional é, e será cada vez mais, um problema na sobrecarga dos serviços, quer ao nível da saúde quer ao nível da ação social.
É imperativo investir na formação médica sobre desprescrição, mas também se torna urgente aumentar os níveis de literacia em saúde da população para que estes possam questionar-se adequadamente sobre o tratamento que realizam e a possibilidade de desprescrição de determinados fármacos de forma segura e informada.
Os autores
Bárbara Martins, Ângela Mendes, Joana Gonçalves Luís, Rosa Maria Araújo